Sentença de Julgado de Paz
Processo: 47/2018-JPCRS
Relator: ELISA FLORES
Descritores: USUCAPIÃO- AUTONOMIZAÇÃO DE PARCELA
Data da sentença: 05/18/2018
Julgado de Paz de : CARREGAL DO SAL
Decisão Texto Integral:

II ATA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Aos dezoito dias do mês de maio de dois mil e dezoito, pelas 14:00 horas, realizou-se no Julgado de Paz de Carregal do Sal, a continuação da Audiência de Julgamento do Processo n.º 47/2018 - JPCRSal, em que são partes:
Demandantes: A; B, casado no regime da comunhão de adquiridos com C; D, casado no regime da comunhão de adquiridos com E; e F, todos na qualidade de únicos e universais herdeiros da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de I.
Demandados: G, casada no regime da comunhão geral de bens com H.
Realizada a chamada verificou-se que apenas se encontrava presente, a Ilustre mandatária do demandante F, Drª. J.
Aberta a Audiência, a Exma. Senhora Juíza de Paz, Dra. Elisa Flores, proferiu a sentença anexa à presente ata e que dela faz parte integrante, explicitou-a à presente, entregando as respetivas cópias, tendo a Ilustre mandatária se comprometido a notificar atempadamente o seu constituinte.
Nada mais havendo a salientar a Sra. juíza de Paz deu como encerrada a Audiência.
Para constar se lavrou esta Ata que vai ser devidamente assinada.
A Juíza de Paz, Elisa Flores
A Técnica do Atendimento, Márcia Marques
SENTENÇA
Demandantes:
- A;
B, casado, no regime da comunhão de adquiridos, com C;
- D, casado, no regime da comunhão de adquiridos, com E;
- F, todos na qualidade de únicos e universais herdeiros da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de I;
Demandados:
- G, na qualidade de única herdeira e cabeça de casal da herança aberta por óbito de L, e,
- H, casado com a anterior.
RELATÓRIO
Os demandantes propuseram contra os demandados, todos acima identificados, a presente ação declarativa para autonomização de parcela com base na usucapião, que se enquadra na alínea e) do nº 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, pedindo, com os fundamentos constantes do requerimento inicial, que se declare: que a parcela dos demandantes se autonomizou por via da usucapião, do prédio rústico descrito no artigo 1.º da petição inicial, atenta a demarcação de facto alegada; Se reconheça os demandantes como donos e legítimos proprietários do prédio melhor identificado na alínea a) do art.º 3.º da petição inicial e que consta delimitado a vermelho no Levantamento Topográfico junto, que efetivamente possuem, em comum e sem determinação de parte ou direito; Se condene os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência de tal prédio como autónomo e distinto, assim como o direito de propriedade dos demandantes sobre o mesmo; E em consequência, se ordene a atribuição de artigo matricial e registo deste a seu favor, cessando a sua compropriedade na restante área do prédio.
Para o efeito, juntaram seis documentos, que aqui se dão por reproduzidos.
Os demandados, regular e pessoalmente citados, não apresentaram contestação mas compareceram na Audiência de Julgamento onde só os demandantes apresentaram prova testemunhal.
Valor da ação: Fixo em € 2 501,00 (dois mil quinhentos e um euros).

FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados os seguintes factos:
1.º- Encontra-se inscrito na Matriz predial sob o artigo 4076.º, em nome da herança de I e de L, na proporção de 2/3 e 1/3 respetivamente, e descrito na Conservatória do Registo Predial de M sob o n.º 00/19850925 em nome daquela e marido - o primeiro demandante-, e dos pais da demandada, o mesmo L e N, na proporção de ½ para cada um, um prédio rústico sito à Alagoa, freguesia de M, com a área de 3.870,00m2, composto de pinhal e a confrontar a Norte e a Sul com caminho, a Nascente com O e a Poente com Herdeiros de P;
2.º- A titularidade deste prédio adveio à posse do primeiro demandante e esposa, I, e a L, e esposa, pais da aqui demandada, por partilha da herança de Q, no ano de 1987;
3.º- À data o primeiro demandante e a falecida esposa, bem como os pais da demandada já eram casados entre si, no regime de comunhão geral de bens;
4.º- Nesse mesmo ano de 1987, o demandante e a esposa e os pais da demandada procederam à divisão do referido prédio em duas parcelas completamente autónomas e distintas, devidamente demarcadas, com estacas de madeira que cravaram no solo, ao longo das linhas divisórias de cada uma, conforme delimitação a vermelho Levantamento Topográfico de fls. 61 dos autos:
a) A parcela com a área de 2.411,00m2, composta por pinhal, a confrontar atualmente a Norte e Poente com O, a Nascente com a Parcela B e a Sul com caminho, que ficou a pertencer ao primeiro demandante e falecida esposa;
b) A parcela com a área de 1.459,00m2, composta também por pinhal, a confrontar atualmente a Norte com caminho e O, a Sul com caminho, a Nascente com R e a Poente com a Parcela A, que ficou a pertencer aos pais da demandada;
5.º- Tendo daí resultado dois prédios autónomos e independentes um do outro, conforme configuração constante no referido Levantamento topográfico;
6.º- Em 18 de janeiro de 1997 faleceu L, no estado de casado com N em primeiras núpcias de ambos, no regime de comunhão geral de bens, não tendo deixado testamento ou qualquer disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido a esposa, e a filha de ambos, a aqui demandada;
7.º- Em 07 de fevereiro de 2001 faleceu N, no estado de viúva, não tendo deixado testamento ou qualquer disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido apenas a filha, aqui demandada;
8.º- Em 23/09/2007 faleceu I, no estado de casada com o primeiro demandante, em primeiras núpcias de ambos, no regime de comunhão geral de bens, não tendo deixado testamento ou qualquer disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido aquele e os seus três filhos, aqui também demandantes;
9.º- A partir da referida demarcação de facto do prédio a que se refere o ponto 1.º supra, em 1987, quer o primeiro demandante e a sua esposa, até à data do seu falecimento, e posteriormente os seus herdeiros, quer os demandados, e posteriormente a demandada, passaram a usar e fruir cada parcela individualizada, autónoma e distinta, como coisa sua, e exclusiva;
10.º- Respeitando rigorosamente as suas extremas e divisórias com total exclusividade, autonomia e independência;
11.º- Por forma visível e permanente;
12.º- Por si ou interposta pessoa, limpando-a de mato e cortando pinheiros;
13.º- Retirando daí todas as utilidades em proveito próprio;
14.º- Melhorando-a e benfeitorizando-a;
15.º- Na convicção de que, com sua posse, não lesavam direitos de outrem;
16.º- O que sempre fizeram e fazem à vista e com o conhecimento de toda a gente;
17.º- Sem oposição de quem quer que seja;
18.º- Contínua e ininterruptamente;
19.º- E sempre na convicção de que a mesma lhes pertencia, como bem próprio, e separada da outra parcela que compõe o “prédio mãe”.

Motivação dos factos provados:
Atendeu-se aos documentos juntos aos autos, nomeadamente ao Levantamento Topográfico, às declarações das partes e ao depoimento das testemunhas que os demandantes apresentaram: S e T. O primeiro, com 64 anos de idade, que reside na povoação e o segundo, com 55 anos, vizinho do prédio. Revelaram conhecer o prédio desde muito jovens, as parcelas de cada um, separadas por um “regol”, disseram ambos, e conhecer os atos de posse, com exclusividade, e em nome próprio, pacífica e publicamente.
Ambos depuseram com isenção e conhecimento direto dos factos, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil (C P C), aplicável subsidiariamente e com as necessárias adaptações aos Julgados de Paz, por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo mesmo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho e no artigo 396º do Código Civil (doravante designado simplesmente C. Civil).

Factos não provados:
Não há factos não provados.

FUNDAMENTAÇÃO De direito:
Os demandantes visam com a presente ação autonomizar, por usucapião, uma parcela do prédio descrito no ponto 1.º supra, delimitado a vermelho no Levantamento Topográfico e descrita no ponto 4.º, a) da factualidade assente, por dele se ter autonomizado.
Apurado ficou que desde 1987 este imóvel se encontra dividido, informalmente, em dois prédios perfeitamente autónomos, individualizados e demarcados, passando o primeiro demandante e a falecida esposa, e após o falecimento os seus herdeiros, a explorar exclusivamente a sua parcela, com a configuração que hoje tem. Apurado ficou também que aqueles, bem como os demandados e ante possuidores (nomeadamente o titular inscrito), têm exercido a posse, por inversão do título de comproprietário para proprietário exclusivo, desde o ano de 1987 até ao presente. Posse que é titulada mas que não reflete a realidade jurídica possessória, que existe há muitos anos. O instituto da usucapião tem eficácia constitutiva, permitindo adquirir o direito sobre o qual foi constituída, e liga-se à posse, pública e pacífica, como um dos seus efeitos (cf. artigos 1316º, 1287º, 1297º, 1258º a 1262º, 1265º e 1300º, todos do C. Civil);
E tem de se prolongar, de forma contínua, por um determinado prazo. Na situação dos autos, a mesma tem uma duração temporal superior à legalmente exigida.
O artigo 7º do Código de Registo Predial estabelece que o registo definitivo faz presumir que o direito existe e pertence ao titular inscrito, mas esta presunção legal no que à titularidade em regime de compropriedade respeita, foi aqui elidida mediante prova em contrário pelos demandantes (cf. artigo 350º, nº 2 do C. Civil) e não oposição dos demandados (herdeiros do comproprietário constante do registado).
Assim como comprovaram que o Registo Predial também não reflete a realidade quando refere a titularidade em regime de compropriedade porquanto desde 1987 se inverteu o título de posse para titular exclusivo de cada um dos comproprietários relativamente à sua parcela.
O artigo 1268º do C. Civil estabelece também uma presunção, a de que, quem está na posse de uma coisa é titular do direito correspondente aos atos que pratica sobre ela. Acresce ainda, que a posse é pública se é exercida de modo a que todos aqueles que possam invocar um direito contraditório com a coisa possam ter conhecimento dela. E é pacífica se adquirida sem violência. No caso dos autos resulta que a posse dos demandantes preenche também estes requisitos.
E presumindo-se que quem pratica os atos materiais, o “corpus”, tem igualmente o “animus possidendi”, presunção que não foi ilidida pelos demandados, resulta do exposto que os demandantes reúnem os requisitos legalmente exigidos para o efeito de aquisição por usucapião, da referida parcela.
Mas esta não opera, contudo, automaticamente, pelo mero decurso do prazo, necessita de ser invocada, o que pretendem os demandantes com a presente ação. Assim sendo, o exercício efetivo e com caráter de reiteração, público e de boa-fé, da posse do prédio pelos demandantes, como titulares de um direito de propriedade, por mais de vinte anos, confere-lhes o direito de adquirir esse mesmo direito sobre o prédio autonomizado, embora sem determinação de parte ou direito, por via da usucapião, nos termos dos artigos 1287º e seguintes do C. Civil, por se encontrarem preenchidos os seus requisitos.
Por outro lado, é jurisprudência maioritária que não são impedimento as regras que visam evitar o fracionamento excessivo de prédios rústicos, porque cedem perante os direitos adquiridos por usucapião, forma de aquisição originária da propriedade (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/01/2006, P. nº 0536437, in www.dgsi.pt).
E não prejudica os interesses e reais direitos de ambas as partes a constituição de novo artigo rústico correspondente à parcela usucapida a favor dos demandantes.

decisão:
Em face do exposto, julgo a ação procedente, por provada, e em consequência:
a) Declaro que o prédio rústico, “prédio mãe”, inscrito na Matriz predial sob o artigo 4076.º, em nome da herança de I e de L, e descrito na Conservatória do Registo Predial de M sob o n.º 00/19850925 em nome daquela e marido, o primeiro demandante, e dos pais da demandada, em comum, na proporção de ½ para cada um, foi objeto de divisão, em substância, em dois prédios, autónomos e independentes um do outro;
b) Declaro que pertence exclusivamente aos demandantes A, B, D e F, em comum e sem determinação de parte ou direito, por se ter autonomizado, por via da usucapião, do prédio originário a que se refere a alínea anterior [a)], o seguinte prédio rústico:
- Pinhal, com a área de 2.411m2, a confrontar atualmente a Norte e a Poente com O, a Nascente com os demandados e a Sul com caminho, delimitado a vermelho no Levantamento Topográfico junto aos autos a fls. 61 dos autos, o qual passou a ser um prédio autónomo e distinto do “prédio mãe”, e do qual se destacou;
c) Condeno os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência deste prédio referido na alínea antecedente [b)] como autónomo e distinto do prédio rústico a que se refere a alínea [a)] da presente decisão, “prédio mãe”, assim como o direito de propriedade exclusiva de A, B, D e F sobre o mesmo, em comum e sem determinação de parte ou direito;
d) Em conformidade, ordeno:
- A atribuição de artigo matricial e o registo do prédio agora autonomizado, a favor de A, B, D e F, em comum e sem determinação de parte ou direito, com a composição e da forma indicada na alínea b) supra da presente decisão, cessando a compropriedade no “prédio mãe”;
- O abatimento na área do “prédio mãe” na Matriz Predial da área do prédio agora autonomizado;
Dada a natureza do processo custas totais pelos demandantes.
Registe e notifique.
Carregal do Sal, 18 de maio de 2018
A Juíza de Paz, (Elisa Flores)
Processado por computador (art.131º, nº 5 do C P C)