Sentença de Julgado de Paz
Processo: 174/2015-JP
Relator: FILOMENA MATOS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
Data da sentença: 12/27/2015
Julgado de Paz de : CANTANHEDE
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

RELATÓRIO
1-IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante:
“A”, contribuinte fiscal nº X, residente na Rua X, nº X.
Demandadas:
“B”, titular do NIPC X, e sede em X.
e
“C”, titular do NIPC X, e sede em X.

2-OBJECTO DO LITIGIO
A Demandante intentou a presente acção declarativa, pedindo a condenação da primeira Demandada:
a)Como sendo a responsável pelo sinistro que provocou danos na viatura propriedade da Demandante;
b)A suportar a substituição do teto panorâmico na viatura Peugeot 308 SW com a matrícula X, no concessionário autorizado na área de residência da Demandante, ou, em alternativa, a pagar à Demandante a importância de €1.160,15, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação da Demandada até efetivo e integral pagamento;
c) À limpeza da via em ambos os sentidos no troço Ançã - Coimbra Norte, de forma a evitar a existência de pedras e outros objectos causadores de sinistros da mesma natureza dos presentes autos.
Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 1 a 3, cujo teor se dá por reproduzido, e juntou 5 documentos.

Regularmente citada, a primeira Demandada contestou, quer por impugnação quer excepção, alegando ser parte ilegítima, concluindo pela sua absolvição e pela improcedência da ação, conforme resulta da contestação de fls. 61 a 65, e juntou três documentos.

Exercido que foi o contraditório pela Demandante face à ilegitimidade deduzida pela primeira Demandada, pela mesma foi requerido que se considere a Demandada como parte legítima e a intervenção da segunda Demandada, o que foi admitido, após decorrido o prazo para a primeira Demandada se pronunciar.

Regularmente citada, a segunda Demandada contestou, requerendo a intervenção acessória da “D”. e impugnou a factualidade alegada pela Demandante, concluindo pela admissão da intervenção requerida e pela improcedência da ação, conforme resulta da contestação de fls.128 a 145, juntando quatro documentos.

A intervenção acessória provocada, requerida pela segunda Demandada, não foi admitida conforme resulta do Despacho de fls. 164.

As questões a decidir por este tribunal, consubstanciam-se em saber se a primeira Demandada é ou não parte legítima, e se a segunda é ou não responsável pela substituição do vidro do veículo da Demandante ou pelo pagamento do valor peticionado.

Não existem exceções de que cumpra conhecer-se ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito da causa, além da que a seguir se apreciará.

A audiência de julgamento realizou-se com observância das formalidades legais, na qual a Demandante desistiu do pedido formulado na alínea c), pedido esse imediatamente homologado conforme da respetiva ata se alcança.

FACTOS PROVADOS COM INTERESSE PARA A DECISÃO DA CAUSA
1-A Demandante é proprietária da viatura Peugeot 308 SW, com a matrícula X, tomadora do seguro com a apólice nº X – cf. doc. junto a fls. 4 e 5.
2-A “C” é concessionária do Estado para a construção, conservação e exploração das autoestradas referidas na Base I anexa ao Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro, e, de entre as autoestradas aí descritas conta-se a Autoestrada A14, hoje comummente designada por Autoestrada Figueira da Foz/Coimbra Norte, cfr. doc. junto de fls. 25 a 54.
3-No dia 8 de Abril de 2014, pelas 10:50 horas, a referida viatura circulava pela faixa mais à direita no sentido Ançã – Coimbra e após entrar na via, passados uns 100 metros, na primeira curva de Ançã (sensivelmente ao km 36 da A14) para Coimbra, uma outra viatura realizou uma manobra de ultrapassagem, no decurso da qual uma pedra foi projetada do chão, atingindo o tecto panorâmico do automóvel da Demandante.
4-Do impacto da pedra no referido tecto panorâmico resultou a quebra imediata do vidro do mesmo, tendo este ficado estalado e com uma fissura superior a 50 cm.
5-Originando que a Demandante tenha de substituir o vidro panorâmico, com o dispêndio de uma quantia nunca inferior a €1.160,15, cfr. doc. junto a fls. 7 a 9.
6-Danos estes que não se encontram cobertos pela proteção de quebra isolada de vidros no seguro automóvel celebrado pela Demandante.
7-Atenta a hora e o local em que ocorreu o sinistro, e a existência de visibilidade suficiente no para-brisas, a viatura manteve a sua marcha até à portagem de Coimbra- Norte, de imediato contactando o serviço de apoio da Brisa.
8-A Brisa contactou a autoridade policial, que, após verificação do local onde ocorrera o sinistro, redigiram o respetivo auto de notícia - EA 220060810 - cf. Doc. junto a fls. 10.
9-Na mesma ocasião, pelo condutor da viatura foi também apresentada uma exposição escrita à Demandada, solicitando a sua responsabilização pelos danos ocorridos na viatura da Demandante, cf. doc. junto a fls. 11.
10-Em resposta, a “C” afastou qualquer responsabilidade pelo sinistro, cf. Doc. junto a fls. 12.
11-A Central de Comunicações do C.C.O. (Centro de Coordenação Operacional) da BCR, tomou conhecimento dos factos constantes da reclamação apresentada pelo condutor do IJ, através de informação remetida pela GNR-BT à Demandada, cfr. doc. junto a fls. 150.
12-O Oficial de Mecânica da BO & M, que efetuava o patrulhamento da A14, no dia e hora da ocorrência referida pelo condutor do IJ, não detetou nenhum obstáculo depositado na via que pudesse estar na origem do dano provocado no aludido veículo, nomeadamente, uma pedra depositada na via, ao Km 36, no sentido Oeste/Este - cfr. doc. junto a fls. 151 a 154.
13-O veículo IJ saiu do local pelos próprios meios.
14-O local do acidente caracteriza-se por ser uma secção corrente daquela Autoestrada A14, com boa visibilidade.
15-Os funcionários da BO & M (oficiais de mecânica), quando têm conhecimento da existência de obstáculos na via, removem-nos e não os sinalizam apenas.
16-Ao longo da A14, como em todas as outras que se encontram abrangidas pelo contrato de concessão, a BCR efetua vigilância constante, através das patrulhas da Assistência Rodoviária da BO & M, na deteção de eventuais situações anómalas, pondo termo às mesmas.
17-A concessionária dispõe de serviços que denomina de "Obra Civil" que percorrem de carro e a pé a autoestrada para verificação e manutenção das suas infraestruturas.
18-Tem ao seu dispor meios efetivos de fiscalização que são compostas por veículos automóveis da BO&M que constantemente, 24 horas sobre 24 horas, circulam pelas várias autoestradas do país, compreendidas no contrato de concessão, a fiscalizar, a verificar e a solucionar eventuais problemas que surjam e a prestar assistência aos utentes dessas mesmas autoestradas, como fez nesse dia no local do suposto acidente.
19-Nem nada lhe foi comunicado nesse sentido quer por outros utentes quer pelos patrulhamentos que a GNR-BT efetua às autoestradas.

FACTOS NÃO PROVADOS
1-A viatura da demandante percorre diariamente (há mais de 4 anos) e em ambos os sentidos, a A14, que liga Figueira da Foz e Coimbra, sendo utilizada quer pela demandante, quer pelo seu cônjuge.
2-A BCR procedeu com todo o zelo, precaução e cuidado, não tendo praticado, ainda que por omissão qualquer facto ilícito e culposo.
3-Não havia qualquer tipo de obstáculo depositado nas vias, ao Km 36 (ou nas suas imediações), da A14, no sentido Oeste/Este, em momento anterior ao da reclamação apresentada pelo condutor do IJ, na Barreira de Portagem de Coimbra Norte, às 11h:30m.
4-As características da Autoestrada não condicionam a distância de visibilidade dos condutores, sendo a distância avistável não inferior a 400 metros.
5-A GNR/BT, a quem está atribuída a disciplina do tráfego fora dos centros urbanos, procede ao patrulhamento constante das Autoestradas da concessão, 24 sobre 24 horas.
6-No patrulhamento feito naquela Autoestrada, não detetou nenhuma deficiência nas condições de circulação no referido local, ou qualquer situação que pusesse em perigo a segurança dos utentes da Autoestrada A14, caso contrário teria comunicado essa circunstância à BCR.

3 – MOTIVAÇÃO
Os factos assentes sob os nºs 13 e 14 consideram-se admitidos por acordo, nos termos do art.574º, nº 2 do C.P.C.
Os factos enumerados de 1, 2, 5, 8 a 12 e 19 resultaram do teor dos documentos identificados nos mesmos.
Os restantes resultaram dos depoimentos das testemunhas inquiridas, que se revelaram isentos e seguros relativamente aos factos sobre o qual depuseram.
Assim, os enumerados em 3, 4, 6 e 7 resultaram do depoimento do condutor do veículo da Demandante.
A factualidade provada em 12, 15 a 18 resultou do depoimento da testemunha apresentada pela Demandada “C”.
A Testemunha 1 explicou que conhece bem o percurso em que ocorreu o acidente, pois utilizou-o diariamente durante muitos anos, e que deixou de o fazer, devido ao facto de ter o seu para-brisas regularmente danificado devido à projeção de pequenas pedras, quando ali circulava. Quanto ao acidente, nada sabe.
Testemunha 2, condutor do veículo em causa, explicou, “que foi projetada uma pedra da parte de trás de uma viatura que o ultrapassou e que atingiu o carro no teto panorâmico. Mal ouviu o barulho, olhou e o para-brisas e este, nada tinha, mas o vidro do teto estava rachado. Ligou de imediato para os serviços da Brisa, através do número verde, que lhe perguntaram se podia continuar a marcha e parar junto da portagem mais próxima para aguardar pela GNR – saiu na saída Coimbra Norte, onde imobilizou a viatura. Apresentou a reclamação junto da Brisa e falou com a GNR, que elaborou o respetivo auto de ocorrência. O próprio pavimento, com o desgaste, vai saindo e deixa pedras, e ao ser ultrapassado saltavam pedras. A via apresentava um estado uniforme de degradação. Nesta data, está reparado. A Brisa informou-o que se pudesse continuar a marcha, para me dirigir para a saída que ia chamar a GNR. Foi ultrapassado por uma viatura mas não se recorda se era ligeiro ou pesado. À data havia desgaste no piso.”.
Por sua vez, Testemunha 4 e Testemunha 5, disseram respetivamente, ela “ … Utiliza duas vezes por dia o troço da A14. Em 2012 procedeu à substituição do para-brisas devido a picadelas de pedras projetadas do pavimento e já tem o para-brisas todo picado novamente. De há alguns meses para cá isto deixou de acontecer, talvez pelas obras, e ou limpeza que foi realizada no troço há algum tempo. Não sabe se o teto panorâmico do carro da Demandante já foi reparado…” ele, “ …é colega de trabalho da Demandante. Usa a A14 diariamente, por razões profissionais, desde março de 2010. Na curva, no troço em apreço onde ocorreu o sinistro havia atrito e um acumular de pedras do próprio piso. Nunca acionou a Brisa, mas sim a companhia de seguros. Existiram obras há cerca de 2/3 meses, altura em que procederam à reparação da via – o piso é diferente e não voltou a ter danos no para-brisas neste troço. Não viu o vidro partido e não sabe se já foi reparado.”
A testemunha apresentada pela Demandada, Testemunha 1, explicou que, “… trabalha para a Demandada - é oficial de mecânica. Faz o patrulhamento da via em causa. Tem fichas com registo diário dos troços onde faz o patrulhamento. É uma ficha de ocupação diária. Quanto aos factos nada sabe. Foi informado da ocorrência e foi ao local vistoriar e não detetou nada. A averiguação efetuada no local, às 11, 14 horas foi realizada de forma ligeira, sozinho e sem qualquer equipamento, procurando a pedra em questão e não a encontrou. Passou lá uma patrulha às 10.26 horas, feita por um colega seu. Aquela via, tem muita circulação de pesados que vão para a Soporcel. No separador central e nas laterais há pedras que podem ter sido projetadas para essas zonas.” Instado, disse, “ …que a pedra em causa poderia ter sido projetada para o separador central ou para as laterais. Mas esses locais nem sequer os examina, pois aí não circula trânsito.”
O seu depoimento revelou-se parcial e vago, sabendo e relatando o procedimento ocorrido, mas não recorda a data.

Quanto aos factos não provados, resultaram da ausência de prova apresentada quanto aos mesmos.
4- DIREITO
Da excepção da ilegitimidade passiva da primeira Demandada
A ilegitimidade é uma exceção dilatória - (alínea e) do art.º 577.º, C.P.C.), de conhecimento oficioso, (art.º 578.º e art.º nº 278º, al. d), do referido diploma legal.
Em conformidade, importa verificar os textos da lei para, assim, decidir e definir se estão no processo “como Autor e como Réu as partes exactas” (Antunes Varela -S. Nora - J. M. Bezerra, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, 1985, Coimbra Editora, pág. 129- citando Henckel, ou seja, se “ o autor e o réu são os sujeitos que podem discutir a procedência da acção”( Miguel Teixeira de Sousa, As partes, o objecto e aprova na acção declarativa, Lex, 1995, pag.45)
No art.º 30.º nº 1 do C.P.C., aplicável ex vi pelo art.º 63.º da Lei nº78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei 54/2013, de 31 de julho, é-nos dado o conceito de legitimidade: “O autor é parte legítima quando tem interesse em demandar, o qual se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção, o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer.”.
Com a redação introduzida no nº 3 do mesmo preceito legal, adoptou-se uma formulação de legitimidade assente na titularidade da relação material controvertida, tal como a configura o autor.
Assim, a ilegitimidade de qualquer das Partes apenas ocorrerá quando em juízo não se encontrar o titular da alegada relação material controvertida, ou, quando legalmente não for permitida a titularidade daquela relação.
Posto isto, interessa antes de mais apurar, face ao conteúdo do requerimento inicial tal como é configurado pela Demandante, no caso, o direito invocado, e a posição que a Demandada perante os pedidos formulados e causa de pedir tem, na relação material controvertida deduzida, se a mesma é parte legítima.
Qual é pois, a relação jurídica controvertida invocada pela demandante?
A demandante alega que a demandada é a concessionária da autoestrada em que ocorreu o acidente em apreço, razão pelo qual será a responsável pelos danos ocorridos no seu veículo, por via do contrato de concessão realizado com o Estado.
Vejamos.
Conforme resulta do teor da certidão permanente da C.R.C., ata e documentos juntos a fls. 66 a 95, a aqui demandada “B”, em 22-12-2010 cedeu a concessão das autoestradas (na qual se inclui a A14) à “C”.
Ambas as empresas são sociedades anónimas, com NIPC e objeto distintos.
Ora, do teor dos documentos juntos pela demandante constata-se que na reclamação efetuada pelo condutor do veículo propriedade da demandante, o papel em que foi redigida tem o timbre e a identificação da “C”.
Posteriormente, a carta endereçada pela Brisa em resposta à suprarreferida reclamação tem o timbre não da aqui demandada, mas, da “C”, e está assinada em seu nome.
Não pode pois a demandante alegar o desconhecimento acerca de quem é a responsável pela gestão/concessão das autoestradas e consequentemente quem deveria ter demandado nos presentes autos.
Além do que supra se referiu, a concessão referida está legalmente prevista no nº 1 da Base XLII anexa ao DL nº 294/97 de 24/10 na redação que lhe foi dada pelo DL nº 247-C/2008 de 30/12, concessão essa com efeitos desde 22-12-2010.
Face aos elementos existentes nos autos, é possível ao tribunal conhecer da exceção dilatória de ilegitimidade passiva, questão de conhecimento oficioso – artigos 576º, nº 2, 577º, nº 1, al. e) e 578.º e que impede o conhecimento do mérito da ação, cfr. artigo 278.º/1 d), todos do C.P.C.).
Por todo o exposto, não sendo a demandada concessionária das autoestradas e por isso responsável pelo alegado prejuízo peticionado pela demandante, é parte ilegítima nos presentes autos nos termos do disposto no art. 30º, do C.P.C., razão pelo qual, julga-se procedente a excepção dilatória invocada, declarando-se a demandada parte ilegítima, e em consequência absolve-se da instância, nos termos e para os efeitos no disposto nos art. 576º, nº 2, 577º, nº 1, al. e) e 578.º e 278/1 d) todos do C.P.C.).

4-O DIREITO
Começaremos por apurar se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil que a Demandante pretende fazer valer com a presente ação, que originará ou não a responsabilização da demandada do valor correspondente aos danos causados no acidente em apreço.
Constituem pressupostos da responsabilidade civil, nos termos dos artigos 483° e 487°, nº 2, do Código Civil, a prática de um ato ilícito, a existência de um nexo de causalidade entre este e determinado dano, e a imputação do ato ao agente em termos de culpa, apreciada como regra em abstrato, segundo a diligência de um «bom pai de família».
No caso em apreço a Lei 24/2007, de 18 de julho, cujo art.º 12.º, sob a epígrafe «Responsabilidade» dispõe no seu nº 1: «Nas autoestradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova ou encargo de fazer prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respetiva causa diga respeito a:
a)Objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
b)Atravessamento de animais;
c)Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais».
O número 3) exclui «os casos de força maior, que diretamente afetem as atividades da concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de:
a)Condições climatéricas manifestamente excecionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos;
b)Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio;
c)Tumulto, subversão, atos de terrorismo, rebelião ou guerra».
O legislador previu expressamente que o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança das concessionárias estava a cargo destas.
No acórdão do STJ de 14-03-2013, com acesso em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. Nº 201/06.8TBFAL.E1.S1, refere-se, «uma vez provada a existência de acidente devido a obstáculo existente na faixa de rodagem, sem prova da culpa do condutor do veículo, recai sobre a concessionária da autoestrada o ónus de provar o cumprimento das obrigações de segurança para se eximir da sua responsabilidade civil».
Ora, conforme resulta da factualidade assente, a Auto-Estradas de Portugal transferiu para demandada a posição de concessionária da autoestrada A14, tendo esta empresa passado a ocupar-se da exploração e manutenção da rede viária em causa a partir de 22 de Dezembro de 2010, razão pelo qual, é sobre esta que recai as obrigações de segurança concernentes à via e os ónus supra aludidos.
No caso que nos ocupa provou-se que no dia 8 de Abril de 2014, o marido da Demandante conduzia o veículo de que esta é proprietária, circulando pela via situada mais à direita na Auto-Estrada A14, no sentido Ançã-Coimbra.
Após ter sido ultrapassado por um veículo, este, projetou uma pedra que bateu no teto panorâmico do veículo da Demandante e provocou a sua quebra.
O condutor ligou para a Linha Azul, que lhe deu instruções para continuar a marcha até à saída Norte, (pois o veiculo circulava pelo seus próprios meios e em segurança) tendo aí sido chamada a GNR e apresentada reclamação à demandada.
Os factos sucederam cerca das 10.50 horas, o estado do tempo era bom e o local da ocorrência era um recta, cfr. resulta da certidão da GNR junta.
Provou-se, assim, a ocorrência do acidente, causado pela projeção de uma pedra existente na via, sem que dos factos provados resulte a culpa do condutor do veículo. O referido condutor não avistou a dita pedra, nem tinha como prever que tal facto fosse ocorrer, atendendo, nomeadamente, à provável pequena dimensão da mesma. A pedra, ao ser pisada por um veículo, e decorrente da velocidade a que aquele circularia, foi projetada no ar e embateu no teto panorâmico do veículo da demandante.
Da prova produzida, nenhuma circunstância permite inferir que o modo de condução do marido da demandante tivesse, de alguma forma, contribuído para a ocorrência do acidente.
A demandante demonstrou que o facto que esteve na origem do acidente foi a projeção de uma pedra, e que os danos sofridos originarão a substituição do teto panorâmico, e provou, ainda, o nexo de causalidade entre o facto e os danos.
Mas será que a interveniente - concessionária da autoestrada, sobre a qual impendia o ónus de provar o cumprimento das obrigações de segurança, logrou fazê-lo?
Da prova produzida duvidas não restam que a interveniente/ demandada demonstrou a realização de um cumprimento genérico das suas obrigações de vigilância e segurança.
Provou-se que, dispõe de serviços que percorrem de carro e a pé a autoestrada para verificação e manutenção das infraestruturas daquela.
No dia do acidente, nada foi detetado nos patrulhamentos efetuados quanto à existência de pedras na via ao km 36 da A14, em qualquer dos sentidos de marcha, e em momento anterior ao da ocorrência dos autos, nomeadamente às 10 horas e 26 minutos, aquando da passagem do último patrulhamento efetuado no local.
Após a comunicação do episódio dos autos, a interveniente ordenou a verificação do estado da via, nomeadamente a deteção da dita pedra na zona envolvente da autoestrada, nada tendo sido detetado.
Mas bastará, tal factualidade para eximir a concessionária da responsabilidade decorrente deste sinistro?
O STJ no seu acórdão de 9-9-2008, no proc. Nº 08P1856, com o acesso acima referido, mas, com caninos diz: a concessionária «provou genericamente ter cumprido as suas obrigações de vigilância e de conservação das redes laterais da via. Mas o certo é que, mesmo assim, o cão se introduziu na auto-estrada, o que nos leva a concluir que, em princípio, existe um incumprimento concreto por parte da R., pois ela mediante o contrato que celebrou com o Estado, comprometera-se, para além do mais, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas. E fora de qualquer dúvida, a introdução numa auto-estrada, via por essência de trânsito automóvel rápido, de um cão coloca sérios problemas de segurança rodoviária. (…) pese embora tenha provado que genericamente cumpriu as suas obrigações decorrentes do contrato de concessão, o certo é que não demonstrou, no caso concreto, a observância desses mesmos deveres. (…) Para afastar a presunção de incumprimento que sobre si impende, deveria pois a R. provar, em concreto, que o canídeo surgiu de forma incontrolável para si ou foi colocado na auto-estrada, negligente ou intencionalmente, por outrem. Isto é, sempre que há um acidente devido a um cão (ou outro animal) que se introduziu numa auto-estrada, presume-se o incumprimento da concessionária. Esta só afastará essa presunção se demonstrar que a intromissão do animal na via, não lhe é, de todo, imputável, sendo atribuível a outrem.
Ou, como se refere no acórdão de 22-6-2004, “terá de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral, que lhe não deixou realizar o cumprimento”».
Considerando-se ainda o acórdão do STJ de 14-3-2013, com referência ao proc. Nº 201/06.8TBFAL.E1.S1., acessível no mesmo local, o qual refere que: «… a mera constatação da impossibilidade de se garantir a infalibilidade de um sistema apto a evitar a entrada, detectar a existência ou determinar a retirada de animais ou de outros objectos da faixa de rodagem que, pelas suas dimensões, possam constituir efectiva fonte de perigo, não pode redundar no abrandamento do grau de diligência a um ponto em que a liberação da responsabilidade da concessionária acabe por penalizar os condutores ou terceiros que, sem qualquer responsabilidade e fiados na existência de condições de segurança, sofram danos.
Atenta a natureza da via concessionada, o elevado grau de sofisticação da actividade e a experiência acumulada pela concessionária, a apreciação do cumprimento do dever de diligência, segundo o padrão do “bom pai de família”, a que alude o art. 487º, nº 2, do CC, deve guindar-nos a um plano de elevada exigência, tendo em conta, além do mais, que a mesma exerce uma actividade lucrativa, devendo, por isso, mobilizar meios humanos, materiais e financeiros ajustados a evitar incidentes semelhantes».
Ora, o referido nos acórdãos supracitados é igualmente válido para a existência de objetos neste caso uma pedra, apta a provocar os danos reclamados.
Assim, e face à prova trazida pela interveniente, esta não ilidiu a presunção da falta de cumprimento daquelas obrigações de segurança, no que concerne ao acidente a que nos reportamos.
Competia pois, única e exclusivamente à interveniente dispor dos meios adequados a detetar a queda ou movimentação na via concessionada de pedras, e que, pese embora a sua dimensão, possam ser projetadas para os veículos que nela circulam, ou então, que provenham de outros veículos.
Ora, a presunção de incumprimento supra aludida permanecerá se no caso concreto, pese embora os aludidos patrulhamentos, e a vistoria (que ocorreu passado algum tempo) após a ocorrência do evento, não ter encontrado a dita pedra.
A interveniente não provou a causa real de tal pedra se encontrar na via, nem que o depósito da mesma não lhe era imputável e por isso, não afastou a presunção que sobre ela recaía, razão pelo qual, há que concluir pela sua responsabilidade.
Na sequência do acidente, a viatura da demandante ficou com o teto panorâmico partido.
Em conformidade, deduziu três pedidos tendo desistido do deduzido em último lugar, por entender que a demandada ao proceder ao revestimento do piso no troço em apreço, após o sinistro, o mesmo, está cumprido.
Quanto ao pedido deduzido em primeiro lugar, e face a todo o supra exposto, a interveniente é responsável pelo mesmo.
Quanto ao segundo pedido, a demandante requer que a demandada suporte o valor da substituição do teto panorâmico na viatura supra identificada, num concessionário autorizado na área da residência da demandante, (na Peugeot de Coimbra) ou em alternativa, ou lhe pague a importância de €1.160,15 correspondente ao valor do mesmo.
O nº 1 do artigo 553º, do C.P.C. permite à demandante fazer pedidos alternativos, ou que possam resolver-se em alternativa.
Ora, face aos pedidos deduzidos nos autos pela demandante tal alternatividade é possível.
Nos termos do art.º 562º do CC a interveniente está obrigada a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado a projeção da pedra na sua viatura. Está, pois, nos termos do nº 1 do art.º 564.º do CC), obrigada a proceder ao pagamento referente à substituição do referido teto, ou seja, a chamada “reconstituição natural”, suportando o valor da substituição do teto, pagando à oficina.
Mas, caso a reconstituição natural seja afastada, ao não cumprir com a mesma no prazo de 20 dias, que ora se fixa, deverá tal indemnização ser fixada em dinheiro – cfr. artigo 566.º do Código citado.
Neste caso, ao valor peticionado a esse título pela demandante - €1.160,15 conforme resulta do relatório de peritagem datado de 26-05-2014 (cujo reparador é a firma X, em Coimbra, acrescem os juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação da interveniente e até efetivo pagamento, nos termos do nº 3 do art.º 805.º e dos arts. 804.º e 806.º, todos do CC., no caso de incumprimento quanto ao primeiro pedido.

DECISÃO
Em face do exposto e das disposições legais aplicáveis, julga-se a presente ação totalmente procedente por provada e em consequência:
a)absolve-se da instancia a primeira Demandada;
b)condena-se a segunda Demandada a proceder à substituição do teto panorâmico na viatura Peugeot 308 SW, com a matrícula X, num concessionário autorizado na área da residência da Demandante, (na firma X), no prazo de 20 dias;
c)ou em alternativa, a pagar-lhe a importância de €1.160,15 correspondente ao valor do mesmo, acrescida de juros vencidos e vincendos desde a data de citação até integral pagamento.

Custas:
A cargo da segunda Demandada, que declaro parte vencida, nos termos e para os efeitos do nº 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28-12, devendo ser pagas, no Julgado de Paz, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação (nº.10 da Port. n.º 1456/2001, de 28-12, com a redação dada pelo art. único da Port. n.º 209/2005, de 24-02).

Em relação à primeira Demandada e à Demandante, cumpra-se o disposto no n.º 9 da mesma Portaria, com restituição da quantia de €35,00, referente à taxa de justiça paga.

A sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária, nos termos do art.º 18.º da L.J.P.) foi proferida nos termos do artigo 60.º da LJP.

Notifique os ausentes.

Registe.

Cantanhede em 3 de Julho de 2015

A Juíza de Paz

(Filomena Matos)