Sentença de Julgado de Paz
Processo: 104/2016-JP
Relator: ELISA FLORES
Descritores: AÇÃO POSSESSÓRIA (USUCAPIÃO)
Data da sentença: 11/18/2016
Julgado de Paz de : TAROUCA
Decisão Texto Integral:
ATA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO

Aos dezoito dias do mês de novembro de 2016, pelas 14:15h, no Julgado de Paz do Agrupamento de Concelhos de Tarouca, Armamar, Castro Daire, Lamego, Moimenta, Resende, data designada para a realização da Audiência de Julgamento do Proc. nº 104/2016-JP, em que são partes:
Demandantes: A e B;
O lustre Mandatário dos Demandantes: Solicitador C, com procuração nos autos com poderes especiais;
Demandado: D.
No início da sessão encontrava-se presente, o ilustre mandatário dos Demandantes. Presidiu à diligência a M. ª Juíza de Paz: Dr.ª Elisa Flores.
Técnica de Apoio Administrativo Carina Gonçalves.
Aberta a Audiência, a M.ª Juíza, não havendo prova a produzir, proferiu a sentença anexa à presente ata e que dela faz parte integrante.
Tendo sido proferida em Audiência de Julgamento, o Ilustre Mandatário dos Demandantes disse ficar ciente e considerar-se notificado.
Para constar se lavrou esta Acta que, depois de verificada, vai ser assinada.
Elisa Flores (Juíza de Paz)
Carina Gonçalves (Técnica de Apoio Administrativo)
SENTENÇA

RELATÓRIO
AA, casada, sob o regime da comunhão de adquiridos com AB, propuseram contra D, divorciada, a presente ação declarativa, enquadrada na alínea e) do n.º 1 do artigo 9º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, pedindo que:
a) Se reconheça que a parcela da demandante já se autonomizou da parte restante do prédio mãe, à luz da usucapião, constituindo, por isso, hoje um prédio distinto e autónomo com a seguinte identificação: Prédio rústico de vinha da região Demarcada do Douro, oliveiras, cerejeiras, pereira, cultura arvense de sequeiro e mato, sito no lugar de xxx (xxx de Cima), da União de freguesias de Parada do Bispo e Valdigem, concelho de Lamego, com a área de 21.644 metros quadrados, que confronta do norte com AA, sul E, nascente com caminho público e AA e poente D, inscrito na matriz cadastral sob parte do artigo xx secção E, da qual deve ser ordenada a sua desanexação e descrito na Conservatória do Registo Predial sob nº xx2/2000.05.20, do qual igualmente deve ser ordenada a sua desanexação;
b) O cancelamento da inscrição da Ap. xx84 de 2016.03.18, da demandada, no que respeita ao prédio referido no parágrafo 5º do requerimento inicial, nos termos dos artigos 8º e 13º do Código do Registo Predial.
Para o efeito, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 1 a 4, posteriormente aperfeiçoado e junto a fls. 42 a 45 dos autos, e juntou 5 documentos, que aqui se dão por reproduzidos.
A demandada, regular e pessoalmente citada, não apresentou contestação e faltou à Audiência de Julgamento e não justificou a respetiva falta.
Valor da ação: € 1 500,00 (mil e quinhentos euros).
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados os seguintes factos:
1.º- Encontra-se inscrito na matriz cadastral sob o artigo xx secção E, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob nº xx2/2000.05.20 e aí registado, em comum, a favor de D, divorciada, ora demandada, e de AA, ora demandante, sob a Ap. xx84 de 2016.03.18 o seguinte bem imóvel:
“Prédio rústico de vinha da região Demarcada do Douro, oliveiras, cerejeiras, pereira, cultura arvense de sequeiro e mato, sito no lugar de xxx (xxx de Cima), da União de freguesias de Parada do Bispo e Valdigem, concelho de Lamego, com a área de 36.811 metros quadrados, que confronta do Norte e Nascente com Herdeiros de F, do Sul com Herdeiros de G e de H e do Poente com caminho público;
2.º- Porém, tal situação de indivisão só ocorre documentalmente, pois este prédio, foi doado à demandante e demandada, nas referidas proporções, por doação meramente verbal, como era usual na época e na freguesia, efetuada por seus pais, respetivamente I e mulher J, no ano de 1995, em dia e mês que não recordam, mas seguramente três meses antes da demandante contrair matrimónio com o demandante;
3.º- Casamento que foi celebrado em 7 de outubro desse ano de 1995, sem convenção antenupcial;
4.º- Por tal divisão, o referido imóvel foi dividido em duas “sortes”, para que a cada donatária coubesse uma parcela ou talhão, que cada uma, passou a fruir autonomamente;
5.º- Tendo procedido à vedação respetiva, por diversas formas, sobretudo procedendo à colocação de marcos e à construção de vedações em arame ou sebes;
6.º- Da referida divisão, resultaram duas parcelas distintas e autónomas entre si, que correspondem à soma da área, do prédio mencionado no ponto 1.º supra, 36.811 metros quadrados, devidamente demarcadas com marcos e sebes;
7.º- Divisão que, há mais de 21 anos, sempre se manteve inalterável, na sua área, limites, composição e natureza;
8.º- Sendo cada parcela cultivada pela sua possuidora, como coisa sua, em nome próprio e à vista de toda a gente;
9.º- Com a convicção de exercerem o seu direito de propriedade sobre cada uma das suas parcelas, identificadas como parcelas “A” e “B” no Levantamento Topográfico junto a fls. 38 dos autos;
10.º- Sendo que a demandante é dona e legítima possuidora da parcela identificada no referido Levantamento como parcela “B”, e cor verde, com a seguinte composição:
“ Prédio rústico de vinha da região Demarcada do Douro, oliveiras, cerejeiras, pereira e cultura arvense de sequeiro e mato, sito no lugar de xxxx (xxxx de Cima), da União de freguesias de Parada do Bispo e Valdigem, concelho de Lamego, com a área de 21644 metros quadrados, que confronta do Norte com a própria, AA, do Sul com E, do Nascente com caminho público e AA e do Poente com D, inscrito na matriz cadastral sob parte do artigo xx secção E”;
11.º- Pelo que, há mais de 21 anos têm demandante e demandada cultivado a referidas parcelas, delas retirando todos os frutos que produzem, em seus nomes próprios, convencidos que a respectiva parcela lhe pertence por direito próprio; ----
12.º- O que têm feito à vista de toda a gente, à vista de toda a gente, principalmente do outro comproprietário, sem oposição de ninguém;
13.º- E sem interrupção;
14.º- Na plena convicção de que pratica tais factos por direito próprio, não lesando os interesses seja de quem for;
15.º- E agindo por forma correspondente ao direito de propriedade de que se arroga sobre a sua parcela. Motivação dos factos provados:
Atendeu-se aos documentos dos autos, designadamente à Planta e ao Levantamento Topográfico de fls. 38,e à não oposição da demandada, consubstanciada na ausência de contestação e na falta reiterada à Audiência de Julgamento.
Fundamentação de direito:
A demandada, pessoal e regularmente citada, não apresentou contestação, não compareceu à Audiência de Julgamento, e não justificou a respectiva falta, pelo que, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 58º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho, consideram-se confessados os factos articulados pela demandante.
Visa a demandante com a presente ação adquirir, por usucapião, a identificada no ponto 1.º da factualidade assente, e com a letra “B”e cor verde no Levantamento Topográfico, por se ter autonomizado do “prédio mãe” há mais de vinte anos.
Resulta da factualidade assente que o prédio a que se refere o ponto 1.º se encontra dividido, informalmente, em dois prédios perfeitamente autónomos, individualizados e demarcados, há mais de vinte anos, desde 1995, passando, desde esta data, demandante e demandada a explorar cada uma delas a sua parte, exclusivamente.
Tendo a demandante exercido a posse, não titulada, por forma correspondente ao direito de propriedade, assumindo-se como legítima proprietária.
O instituto da usucapião tem eficácia constitutiva, permitindo adquirir o direito sobre o qual foi constituída, e liga-se à posse, pública e pacífica, como um dos seus efeitos (cf. 1287º e 1297º, ambos do Código Civil);
E tem de se prolongar, de forma contínua, por um determinado prazo. Na situação dos autos, aposse da demandante tem uma duração temporal largamente superior à legalmente exigida uma vez que, apesar de não ser titulada, foi exercida de boa-fé (cf. 1296º também do Código Civil).
A posse é pública se é exercida de modo a que todos aqueles que possam invocar um direito contraditório com a coisa possam ter conhecimento dela. E é pacífica se adquirida sem violência. No caso dos autos resulta que a posse da demandante preenche ambos os requisitos.
E presumindo-se que quem pratica os atos materiais, o “corpus”, tem igualmente o “animus possidendi”, presunção que não foi elidida pela demandada, resulta do exposto que a demandante reúne, assim, os requisitos legalmente exigidos para o efeito de aquisição por usucapião, da referida parcela.
Assim sendo, o exercício efetivo, em nome próprio e em exclusivo, e com carácter de reiteração, público e de boa-fé, da posse do direito de propriedade pela demandante, na respetiva parcela, e por mais de vinte anos, confere-lhe o direito de adquirir esse mesmo direito, nos termos do artigo 1287º e seguintes do Código Civil, por se encontrarem preenchidos os seus requisitos (cf. ainda o disposto nos nºs 1 e 2, alínea b) do artigo 1722º do mesmo Código).
Mas a usucapião não opera, contudo, automaticamente, pelo mero decurso do prazo, necessita de ser invocada, o que pretende a demandante com a presente ação.
Por outro lado, é jurisprudência maioritária que não são impedimento as regras que visam evitar o fraccionamento excessivo de prédios rústicos, porque cedem perante os direitos adquiridos por usucapião, forma de aquisição originária da propriedade (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12-01-2006, P. nº 0536437, inwww.dgsi.pt).
E não prejudica os interesses e reais direitos das partes a constituição de novo artigo correspondente à parcela usucapida a favor da demandante.
decisão:
Em face do exposto, julgo a ação procedente, por provada, e em consequência:
a) Declaro que o prédio rústico, “prédio mãe”, sito no lugar de xxx (xxxx de Cima), da União de freguesias de Parada do Bispo e Valdigem, concelho de Lamego, com a área de 36.811 metros quadrados, que confronta do Norte e Nascente com Herdeiros de F, do Sul com Herdeiros de G e de H e do Poente com caminho público, inscrito na matriz cadastral sob o artigo xx secção E, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob nº xx2/2000.05.20 e aí registado, sob a Ap. xx84 de 2016.03.18, foi dividido em substância, desde há mais de vinte anos, dando origem, pelas regras da usucapião, a duas parcelas autónomas, definidas, e identificadas, no Levantamento Topográfico a fls. 38 dos autos, com a composição, área e limites aí descritos;
b) Declaro que o prédio rústico de vinha da região Demarcada do Douro, oliveiras, cerejeiras, pereira e cultura arvense de sequeiro e mato, sito no lugar de xxx (xxx de Cima), da União de freguesias de Parada do Bispo e Valdigem, concelho de Lamego, com a área de 21 644 metros quadrados, que confronta do Norte com a própria, AA, do Sul com E, do Nascente com caminho público e AA e do Poente com D, inscrito na matriz cadastral sob parte do artigo xx secção E, e identificado no Levantamento Topográfico com a Letra “B” e cor verde, pertence em exclusivo à demandante, AA, por se ter autonomizado, por via da usucapião, do prédio originário;
c) Condeno a demandada no reconhecimento do direito de propriedade da demandante sobre o mesmo;
d) Em conformidade, ordeno:
- A desanexação deste prédio autonomizado do prédio inscrito na matriz cadastral com o artigo xx, secção E, e da descrição na Conservatória do Registo Predial sob nº xx2/2000.05.20 [prédio a que se refere a alínea a) deste decisório]; -------------
- O cancelamento da inscrição da Ap. xx84 de 2016.03.18, da demandada, relativamente ao prédio ora desanexado e inscrito na matriz cadastral sob parte do artigo xx, secção E, e da descrição na Conservatória do Registo Predial sob nº xx2/2000.05.20.
Dada a natureza do processo, custas a pagar pela demandante.
Registe e notifique.

Tarouca, 18 de novembro de 2016
A Juíza de Paz,

Elisa Flores
Processado por computador (art.º 131º, nº 5 do C P C)