Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
16940/23.6T8LSB.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A FILHO MAIOR
COMPETÊNCIA DA CONSERVATÓRIA DE REGISTO CIVIL
FALTA DE ACORDO
RECURSO Á AÇÃO JUDICIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: O processo de alimentos a filho maior instaurado, apenas já na maioridade, pelo progenitor que suporta exclusivamente as despesas do menor, quando for patente que não há qualquer possibilidade de acordo numa tentativa de conciliação a realizar pelo conservador do registo civil, pode ser instaurado directamente junto do tribunal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
S…, progenitora, com os sinais dos autos, veio “nos termos e para os efeitos da al. a), do n.º 1 do artigo 5.º, artigo 6.º, artigo 7.º e artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 272/01, de 13 de Outubro, artigo 989.º, n.º 1 e 3, do Código de Processo Civil e artigos 1880.º e 1905.º, ambos do Código Civil instaurar acção de alimentos devidos a filho maior contra o progenitor N…, também nos autos m.id., alinhando em síntese:
“O progenitor que assumir a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores de idade pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação destes, até aos 25 anos, caso estes estejam a estudar.
(...)
A. e R. casaram entre si em 25 de fevereiro de 1995, no regime da separação de bens, estando divorciados desde o dia 04 de abril de 2022, decisão transitada em 19 de maio de 2022.
Na constância do casamento, nasceram três filhos, NM…, no dia 13 de agosto de 1995, RM…, no dia 1 de setembro de 1998 e DM…, em 18 de abril de 2002
Mesmo depois do divórcio, os filhos maiores RM… e DM… continuaram a residir sempre e exclusivamente, com a mãe, aqui Requerente.
Somente a Requerente tem vindo a suportar todas as despesas dos referidos filhos com alimentação, educação, saúde, habitação, vestuário, calçado e outras, sendo que o Requerido não tem suportado quaisquer despesas.
O filho RM… frequenta o 3.º ano do curso de (…) na Universidade Católica Portuguesa, terminando agora a licenciatura, tendo sido sempre a Requerente quem pagou inscrições e propinas (Docs. n.ºs 5 a 32), num total de 17.269,40 €, não tendo o Requerido contribuído com nada.
O filho DM… nasceu em 18/04/2002 e tem atualmente 21 anos de idade.
Apenas a Requerente providencia a sua alimentação, habitação, despesas médicas e medicamentosas e de educação.
Sendo que o Requerido tem possibilidades económicas para prover, também, ao sustento do filho, apesar de nunca o ter feito, tendo, aliás, o dever de prestar alimentos.
O filho DM… tem as despesas habituais e de acordo com um jovem da sua idade.
O filho DM… frequenta o 2.º ano do curso de (…) na Universidade Católica Portuguesa.
No ano letivo de 2022/2023 a Requerente pagou o montante total de 6.625,00 € a título de propinas escolares devidas pela frequência universitária do seu filho DM…
Para se preparar para entrar na Universidade Católica, teve o filho DM… que frequentar as escolas Cambridge, tendo tido uma despesa de 825,26 €
Assim, as despesas de educação no valor total de 7.450,26 € foram integralmente suportadas pela Requerente, não tendo o Requerido contribuído com rigorosamente nada.
No ano letivo de 2023/2024, com início em agosto de 2023, o menor vai fazer o 3.º ano, através da Universidade Católica, nos Estados Unidos da América.
No primeiro trimestre de 2023 o filho DM… teve despesas de saúde no montante global de 396,00 €.
Tem, além do mais, despesas com telemóvel MEO no valor médio mensal de 25,00 €, (…) tem despesas médias mensais com vestuário e calçado no valor de 100,00 €.
A Requerente providencia a ambos os filhos todos os cuidados, além de suportar todas as despesas com habitação, alimentação, vestuário e calçado, despesas de educação e de saúde e demais despesas domésticas.
(…)
A Requerente aufere o rendimento mensal base de 2.125,00, estando atualmente penhorado ao abrigo do processo n.º 467/23.9T8LLE, instaurado pelo seu ex-marido, que já embargou e que aguarda decisão judicial
(…) Assim, e nos termos do artigo 1880.º do Código Civil:
“Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”.
No caso dos autos, a necessidade de providenciar sobre alimentos só se concretizou com a maioridade do filho DM… do ex casal, pelo que, e de acordo com o artigo 989.º, n.º 1 e 3 do Código de Processo Civil:
1. “Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores”.
2. “O progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, nos termos dos números anteriores”.
Sendo a Requerente quem tem assumido todos os custos do filho DM…, deverá, assim, o Requerido contribuir com o pagamento de 50% (cinquenta por cento) de todas as despesas escolares, de saúde, extracurriculares, vestuário e calçado do filho DM… até este perfazer 25 anos de idade e se mantiver a estudar. Para o efeito, a Requerente enviará os comprovativos das despesas ao Requerido, por correio eletrónico, devendo este efetuar o pagamento por transferência bancária para a conta da Requerida, até 5 dias depois.
O jovem tem, ainda, despesas com telemóvel, lazer, que a Requerente paga na totalidade, assim como reside com a Requerente, pelo que usufrui da alimentação, água, luz e gás, pelo que deve, ainda, o Requerido ser obrigado a pagar uma pensão de alimentos mensal, no montante de 250,00€.
(…) Nestes termos, e nos melhores em Direito permitidos, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, condenando-se o Requerido no pagamento de:
a) 50% (cinquenta por cento) de todas as despesas escolares, de saúde, extracurriculares, vestuário e calçado do filho DM… até este perfazer 25 anos de idade e se mantiver a estudar. (…)
b) Pensão de alimentos mensal, no valor de 250,00 €, a pagar no dia 1 de cada mês, por transferência bancária para a conta da Requerente, sendo este valor atualizado anualmente de acordo com a taxa de inflação publicada pelo I.N.E.
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Conclusos os autos, foi proferida a seguinte decisão:  
Dispenso o exercício do contraditório, atenta a simplicidade da questão- cfr art 3º, 3 do CPC
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Questão prévia - a competência do tribunal é um pressuposto, a apreciar em concreto, perante cada ação, em ordem a determinar se entre esta e aquele existe a conexão considerada relevante e decisiva pela lei, atribuindo-lhe o poder para apreciar a causa (v. Anselmo de Castro, Proc. Civil Declaratório, II, 20).
Com o Dec.-Lei n.º 272/2001, de 13/10, transferiram-se competências para as conservatórias do registo civil em matérias respeitantes a um conjunto de processos de jurisdição voluntária relativos a relações familiares, nomeadamente em matéria de alimentos a filhos maiores (como resulta do preâmbulo desse diploma), com vista a aliviar os tribunais judiciais de processos em que, por natureza, não se consubstanciam verdadeiros litígios ou conflitos de interesses, privilegiando-se o acordo como forma de solução, e, dessa forma, efetivar a tutela dos direito em causa de uma forma mais célere. E resulta do seu artigo 1º que por esse diploma legal se determina atribuição de competências relativas a um conjunto de processos especiais dos tribunais judiciais para o Ministério Público e as conservatórias do registo civil. E o processo para o efeito, incluindo para fixação de alimentos a filhos maiores, é regulado nos arts. 5º e segs. desse diploma legal, excecionadas as situações previstas no nº 2 desse artigo 5º.
Ora, o caso dos autos não se subsume na previsão do referido inciso, pois que inexiste cumulação com outros pedidos na mesma ação judicial e não constituem incidente ou dependência de ação pendente.
Ora a falta de competência do tribunal em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual deve ser oficiosamente conhecida em qualquer estado do processo e implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar (artigos 101º, 102º, n.º 1 e 2, 103º, 105º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil ).
Pelo que foi dito, fundamentado e escudado nos preceitos legais que no caso regem, julgo, pelo menos por ora, o tribunal incompetente para a apreciação do requerimento, sendo-o a Conservatória do Registo Civil da área da residência do requerido. Sem custas, atenta a simplicidade da questão – art. 16 do Cód. Custas das Judicias.
Notifique e, oportunamente, arquive”.
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Inconformada, a Autora interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
1. Em 13/07/2023, a Meritíssima Juiz a quo indeferiu liminarmente a petição inicial, por entender que a competência para conhecimento da causa recai sobre a Conservatória do Registo Civil, sobrevindo, assim, uma exceção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria.
2. Não pode a Recorrente concordar com a decisão emanada, porquanto os factos alegados permitem concluir que existe um evidente litígio entre as partes, sendo, por isso, o Tribunal Judicial o órgão competente para conhecer a causa.
3. A Recorrente tem pago todas as despesas dos filhos maiores, de alimentação, saúde, habitação, vestuário, calçado e educação, inexistindo qualquer apoio financeiro por parte do progenitor, embora este saiba que recai sobre a Recorrente um grande encargo e, ainda assim, nada paga.
4. O evidente litígio entre as Partes denota-se, ainda, nas diversas ações judiciais intentadas, nomeadamente, no divórcio sem consentimento do outro cônjuge, nas duas ações de divisão de coisa comum, na ação executiva e na ação de condenação em processo comum, todas intentadas pelo Requerido, e na ação de condenação em processo comum intentada pela Recorrente.
5. As sucessivas ações judiciais demonstram que o conflito entre as Partes não tem vindo a diminuir, pelo contrário, tem-se intensificado.
6. Os factos alegados permitem concluir que a vontade das Partes não é conciliável, pelo que exigir à Requerente que intentasse, novamente, o processo na Conservatória redundaria num procedimento inútil e dilatório, obstaculizando a uma tutela judicial eficaz e em tempo útil.
7. Ainda que se considere que a Conservatória é competente, certo é que não poderia a Meritíssima Juiz a quo ter determinado a incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria, uma vez que, existindo litígio, sempre será considerado competente, em conformidade com o artigo 8.º do Decreto-Lei 272/2001, de 13 de outubro.
8. Pelo que, em nome do princípio da economia processual, impõe-se a revogação e substituição da decisão emanada por outra que aceite a competência para a tramitação da ação e, em consequência, que admita o pedido deduzido perante o Douto Tribunal.
9. Se Vossas Excelências entenderem que o Tribunal é incompetente para conhecer da causa, o que apenas por mera cautela processual se refere, requer-se que a sentença proferida seja revogada e substituída por outra que remeta o processo para a Conservatória competente”.
Admitido o recurso e recebidos os autos neste tribunal, pelo ora relator foi proferido despacho determinando a remessa dos autos à 1ª instância para cumprimento do disposto no artigo 641º nº 7 do Código de Processo Civil, vindo o mesmo preceito a ser cumprido e apresentando o Réu contestação, mas não contra-alegações de recurso.  
Em síntese, na sua contestação, invocou a ilegitimidade da Autora, e impugnou:
A presente ação da Autora contra o Réu surge mais de 3 anos depois da sua separação do Réu, não tendo em momento algum a Autora ou os filhos de ambos, requerido ao Réu, formalmente ou informalmente, sobre qualquer pagamento de despesas, sendo que para o Réu isso fazia todo o sentido, já que estava a contribuir indiretamente para as mesmas, em função dos factos que passa a descrever.
Aquando do processo de divórcio (Processo nº …/21.0T8LSB) que correu neste Tribunal (Juízo de Família e Menores de Lisboa - Juiz 6), foi decretada a não atribuição à ora Autora da casa de morada de família.
A Autora vive em Lisboa, num apartamento/fracção autónoma de prédio, descrita na Conservatória (…)
Ainda em relação a este apartamento em Lisboa, a Autora não está a fazer ao R. o correspondente pagamento da metade do valor locativo do mesmo (1.500€ de uma renda de mercado de 3.000€) devido por utilização da casa também do Réu e que já lhe foi solicitada (Processo nº …/23.5T8LSB).
(..) Dos factos acima mencionados decorre que o valor que devia ser entregue pela Autora está a ser usado para pagamento das despesas dos filhos e corresponde a 750€ mensais por cada filho, ainda que maiores.
Assim, o valor utilizado pela Autora, desde o tempo da separação do casal (Setembro de 2020) perfaz até hoje o montante de 58.500€ (39 meses x 1.500€, que correspondem a 4 meses de 2020, 12 meses de 2021, 2022 e até Novembro de 2023), sendo que a este valor todos os meses se somam 1.500€.
Acresce que a Autora é proprietária de pelo menos 10 imóveis, seja a título pessoal, seja em sociedades ou em compropriedade com o irmão, dos quais obtém rendimentos declarados ou não declarados, pelo que não seria necessário viver num apartamento de que é comproprietária com o Réu.
Nomeadamente poderia viver com os filhos num apartamento T3 no centro de (…) propriedade da sociedade … Lda e de que a Autora é a única sócia (…) Pelo contrário optou por arrendar este mesmo apartamento, no passado mês de Agosto, estando a receber uma renda de cerca de 2.000€
A Autora e o Réu são ainda comproprietários de um outro apartamento/fracção autónoma, descrita na Conservatória do Registo Predial (…)
Em relação a este imóvel foi iniciado um processo de divisão de coisa comum (Processo nº …/22.8T8FAR) que resultou num acordo homologado por sentença em Junho de 2022 no qual a Autora devia pagar o valor de 125.000€ ao Réu
Surpreendentemente a Autora até hoje ainda não honrou esse compromisso (por si proposto) e assumido no tribunal de …, o que levou à necessidade de instaurar um processo, através de um agente de execução, que intentou as necessárias ações para cobrança do valor acordado, nomeadamente a penhora de ordenado referida pela Autora na sua petição inicial, mas que até hoje não foi ainda recebido pelo Réu.
Acresce que o Réu continuou a pagar depois da sua separação, (entre Setembro de 2020 e Agosto de 2022) a suas expensas e em exclusivo as prestações bancárias do imóvel na (…).
O pagamento dessas prestações bancárias permitiu que o imóvel continuasse a ser compropriedade de ambos, mas a Autora tomou como só seus durante 3 anos, os créditos dos valores dos arrendamentos a turistas e amigos deste mesmo imóvel, numa média de 9.000€ anuais, num total de 27.000€, declarados ou não declarados, dos quais 50% são crédito do Réu, num total de 13.500€.
Ou seja, não obstante o grande contributo do Réu para as despesas dos filhos, decorrente do não recebimento do valor que lhe é devido pelo valor locativo não pago pela Autora, por viver no imóvel de Lisboa, a Autora ainda reteve um valor adicional de 13.500€ que perfazem uns adicionais 346,15€ mensais para fazer face às despesas com os filhos.
Assim o valor que o Réu tem de crédito mensal perante a Autora é de 1.846,15€ (1.500€+346,15€), o que é suficiente e bastante para prover uma boa qualidade de vida aos filhos, pagando-lhes as despesas escolares, de saúde, alimentação, vestuário, calçado e outras despesas.
(…) Já o filho DM…, encontra-se a estudar e acaba a licenciatura em junho de 2024, sendo que a decisão de ir para o estrangeiro por 1 ano e não pelos 6 meses previstos na licenciatura, foram da responsabilidade total da Autora, não tendo sido o Réu sequer ter sido em consideração nessa decisão que, entre outros, comporta custos adicionais.
Acresce ainda que o filho DM..., não tem qualquer intenção de prosseguir os estudos, pretendendo ficar a trabalhar nos EUA, como por certo é do conhecimento da Autora, pelo que no final de Junho de 2023 deixará de ter qualquer tipo de dependência da Autora, ingressando no mercado de trabalho, pelo que deverá este tribunal inquirir diretamente o mesmo.
Nestes termos e nos melhores de direito (…) deve a presente ação ser julgada improcedente e em consequência o R. absolvido do pedido, em prescindir da apreciação prévia da Ilegitimidade da A. para a presente ação”.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC - a questão a decidir é a da competência do tribunal recorrido para a acção.
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III. Matéria de facto
A constante do relatório que antecede
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IV. Apreciação
Sobre a competência das Conservatórias do Registo Civil, dispõe o artigo 5º do DL 272/2001, de 13 de outubro:
1 - O procedimento regulado na presente secção aplica-se aos pedidos de:
a) Alimentos a filhos maiores ou emancipados;
(…)
2 - O disposto na presente secção não se aplica às pretensões referidas nas alíneas a) a d) do número anterior que sejam cumuladas com outros pedidos no âmbito da mesma acção judicial, ou constituam incidente ou dependência de acção pendente, circunstâncias em que continuam a ser tramitadas nos termos previstos no Código de Processo Civil”.
No mesmo diploma prevê-se no artigo 7º:
1 - O pedido é apresentado mediante requerimento entregue na conservatória, fundamentado de facto e de direito, sendo indicadas as provas e junta a prova documental.
2 - O requerido é citado para, no prazo de 15 dias, apresentar oposição, indicar as provas e juntar a prova documental.

3 - Não sendo apresentada oposição e devendo considerar-se confessados os factos indicados pelo requerente, o conservador, depois de verificado o preenchimento dos pressupostos legais, declara a procedência do pedido.
4 - Tendo sido apresentada oposição, o conservador marca tentativa de conciliação, a realizar no prazo de 15 dias.
5 - O conservador pode determinar a prática de actos e a produção da prova necessárias à verificação dos pressupostos legais”.
No mesmo diploma prevê-se no artigo 8º: “Tendo havido oposição do requerido e constatando-se a impossibilidade de acordo, são as partes notificadas para, em oito dias, alegarem e requererem a produção de novos meios de prova, sendo de seguida o processo, devidamente instruído, remetido ao tribunal judicial de 1.ª instância competente em razão da matéria no âmbito da circunscrição a que pertence a conservatória”.
Resulta do relatório supra que os alimentos ao filho DM…, maior residente com a progenitora, e devidos pelo progenitor, nunca foram fixados judicialmente ou extrajudicialmente. A situação não é subsumível, assim, à excepção do nº 2 do artigo 5º acima referido.
Ainda assim, é correcta a tese da decisão recorrida que aborda directamente a questão da incompetência sem atender aos termos da alegação, ou, sendo invocada a existência de um nível de litigiosidade incompatível com a formação de acordo, e consequentemente, a necessidade de um julgamento que excede a competência da conservatória, pode a parte recorrer directamente ao tribunal judicial?
São estes, em face das alegações, os termos da questão a decidir no presente recurso. Certo é, no caso e para o tribunal de recurso, por via da pronúncia que o progenitor fez ao abrigo do artigo 641º nº 7 do Código de Processo Civil, que o litígio entre as partes é mais que manifesto.
Vejamos.
No acórdão da Relação de Guimarães, proferido no processo 6437/22.7T8GMR.G1 em 23.02.2023 (relator Paulo Reis), sumariou-se:  
“I - A competência liminar para a formação de acordo entre as partes no âmbito do direito a alimentos a filhos maiores, a que se refere o artigo 1880.º do CC, é legalmente atribuída ao conservador do registo civil, nos termos previstos nos artigos 5.º, n.º 1, a), 6.º a 8.º e 10.º do Dec. Lei n.º 272/2001, de 13-10, sendo por isso a aferição da possibilidade de consenso ou a constatação da inexistência de acordo apreciada na conservatória, mediante a oposição apresentada e uma vez ali constatada a impossibilidade de acordo, sendo estes os requisitos imperativos para a remessa do processo ao tribunal competente.
II - Deste modo, o facto determinativo da competência da conservatória do registo civil não radica na diminuta ou inexistente conflitualidade das partes, sendo obrigatório o recurso ao «Procedimento tendente à formação de acordo das partes», tal como previsto no artigo 5.º, n.º 1, al. a), do Dec. Lei n.º 272/2001, de 13-10”.
E no mesmo acórdão dissertou-se extensamente nos termos que passamos a citar:
“Sobre a competência em razão da matéria, o artigo 40.º da LOSJ dispõe o seguinte:
1 - Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
2 - A presente lei determina a competência, em razão da matéria, entre os juízos dos tribunais de comarca, estabelecendo as causas que competem aos juízos de competência especializada e aos tribunais de competência territorial alargada.
Nos termos do artigo 80.º, n.º 1, da LOSJ, compete aos tribunais de comarca preparar e julgar os processos relativos a causas não abrangidas pela competência de outros tribunais, precisando o n.º 2 do mesmo preceito que os tribunais de comarca são de competência genérica e de competência especializada.
Deste modo, nas relações entre os próprios tribunais judiciais vigora também a regra da especialização, em função da natureza das questões, atribuindo a lei competência própria a juízos especializados
Neste domínio, o artigo 123.º da LOSJ prevê a competência dos juízos de família e menores, dispondo que compete aos mesmos, entre o mais e no que ao caso releva, fixar os alimentos devidos a menores e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro de 1966, e preparar e julgar as execuções por alimentos [al. e) do n.º 1 do citado preceito].
Quanto ao meio processual de concretização do direito a alimentos devidos a menores e aos filhos maiores ou emancipados, a que se refere o artigo 1880.º do CC[14], dispõe o artigo 989.º do CPC, o seguinte:
1 - Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores.
2 - Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respetivo processo, a maioridade ou a emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso.
3 - O progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, nos termos dos números anteriores.
4 - O juiz pode decidir, ou os pais acordarem, que essa contribuição é entregue, no todo ou em parte, aos filhos maiores ou emancipados.
Contudo, com o Dec. Lei n.º 272/2001, de 13-10, o legislador procedeu à atribuição e transferência da competência decisória em matérias respeitantes a um conjunto de processos de jurisdição voluntária relativos a relações familiares - a atribuição de alimentos a filhos maiores e da casa de morada da família, a privação e autorização de apelidos de atual ou anterior cônjuge e a conversão da separação em divórcio -, dos tribunais judiciais para o Ministério Público e as conservatórias do registo civil, na estrita medida em que se verifique ser a vontade das partes conciliável e sendo efetuada a remessa para efeitos de decisão judicial sempre que se constate existir oposição de qualquer interessado, regulando para o efeito os correspondentes procedimentos tendo em vista «desonerar os tribunais de processos que não consubstanciem verdadeiros litígios, permitindo uma concentração de esforços naqueles que correspondem efectivamente a uma reserva de intervenção judicial», conforme resulta do preâmbulo de tal diploma.
No âmbito da transferência de competências para as conservatórias do registo civil, o Dec. Lei n.º 272/2001, de 13-10, distingue os procedimentos tendentes à formação de acordo das partes perante o conservador (que regula nos artigos 5.º a 11.º do mesmo diploma), dos procedimentos da competência exclusiva do conservador (artigos 12.º a 15.º).
Nos termos previstos no artigo 5.º do Dec. Lei n.º 272/2001, de 13-10, o procedimento tendente à formação de acordo das partes aplica-se a um conjunto de processos de jurisdição voluntária relativos a relações familiares, entre os quais se conta o pedido de alimentos a filhos maiores ou emancipados, desde que o pedido não seja cumulado com outros pedidos no âmbito da mesma ação judicial, ou constituam incidente ou dependência de ação pendente - cf. o n.º 1, al. a), e 2 - sendo os processos instaurados em qualquer conservatória do registo civil (artigo 6.º do referido Dec. Lei n.º 272/2001, de 13-10).
Da conjugação dos referidos preceitos legais resulta que, estando em causa a obrigação de alimentos prevista no artigo 1880.º do CC, e não vindo alegada a existência de ação pendente nem se pretendendo cumular a pretensão deduzida com outro pedido, a competência liminar para a formação de acordo entre as partes é legalmente atribuída ao conservador do registo civil, devendo o requerimento ser apresentado na correspondente conservatória do registo civil.
Assim, «[o] exercício deste direito pelo filho inicia-se por procedimento perante o conservador do registo civil, nos termos regulados pelos arts. 5.º, n.º 1-a, 6.º a 8.º e 10.º do Dec.-Lei n.º 272/2001, de 13 de outubro, tendo em vista a obtenção de um acordo entre as partes; não sendo este obtido, o processo é remetido a tribunal (secção de família e menores - art. 123.º, n.º 1-e), da Lei da Organização do Sistema Judiciário), sendo aplicáveis os arts. 986.º a 989.º do CPC»[15].
Analisando de forma conjugada o pedido formalmente deduzido na presente ação com os segmentos da petição inicial que contêm os fundamentos concretamente invocados para sustentar o direito que o autor se propõe fazer declarar, resulta inequívoco que os efeitos prático-jurídicos pretendidos pelo autor/apelante na presente ação enquadram-se no âmbito da concretização do direito a alimentos a filhos maiores, a que se refere o artigo 1880.º do CC, conclusão que não suscita qualquer controvérsia em sede recursiva.
Importa, porém, apreciar se, ainda assim, podia o recorrente intentar a presente ação de alimentos diretamente no tribunal sem passar pela conservatória, face aos fundamentos que o recorrente sustenta ter alegado em sede de petição inicial, de que o seu pai, requerido nos autos, não paga, por vontade própria, pensão de alimentos ao seu filho maior, dos quais retira em sede de apelação não haver qualquer possibilidade de acordo com seu progenitor junto da conservatória do registo civil.
Liminarmente se dirá não assistir qualquer razão ao apelante quanto aos argumentos invocados a este propósito.
Com efeito, a competência da conservatória para a tramitação do procedimento afere-se de forma expressa nos termos do artigo 6.º do Dec. Lei n.º 272/2001, de 13-10, seguindo o mesmo a tramitação prevista nos artigos 7.º e 8.º do citado decreto-lei.
O pedido é apresentado mediante requerimento entregue na conservatória, fundamentado de facto e de direito, sendo indicadas as provas e junta a prova documental (artigo 7.º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 272/2001, de 13-10), sendo o requerido citado para, no prazo de 15 dias, apresentar oposição, indicar as provas e juntar a prova documental (n.º 2 do mesmo preceito).
Não sendo apresentada oposição e devendo considerar-se confessados os factos indicados pelo requerente, o conservador, depois de verificado o preenchimento dos pressupostos legais, declara a procedência do pedido (artigo 7.º, n.º 3 do Dec. Lei n.º 272/2001, de 13-10).
Ao invés, sendo apresentada oposição pelo requerido, o conservador marca tentativa de conciliação, a realizar no prazo de 15 dias, nos termos previstos no artigo 7.º, n.º 4 do Dec. Lei n.º 272/2001, de 13-10, resultando do artigo 8.º do mesmo diploma que o processo só é remetido ao tribunal judicial de 1.ª instância competente em razão da matéria no âmbito da circunscrição a que pertence a conservatória quando, tendo havido oposição do requerido, se constate a impossibilidade de acordo, sendo então as partes notificadas para, em oito dias, alegarem e requererem a produção de novos meios de prova (cf. os artigos 8.º e 9.º do Dec. Lei n.º 272/2001, de 13-10).
Resulta da tramitação em análise que a competência liminar para a formação de acordo entre as partes é legalmente atribuída ao conservador do registo civil, sendo por isso a aferição da possibilidade de consenso ou a constatação da inexistência de acordo apreciada na conservatória, mediante a oposição apresentada e uma vez ali constatada a impossibilidade de acordo, sendo estes os requisitos imperativos para a remessa do processo ao tribunal, nos termos dos artigos 7.º e 8.º do Dec. Lei n.º 272/2001, de 13-10.
Deste modo, o facto determinativo da competência da conservatória do registo civil não radica na eventual invocação de uma situação de inexistência ou de diminuta conflitualidade das partes, nem tal determina a sua competência, sendo que «a aferição da consensualidade é apreciada na conservatória, mediante a oposição apresentada e uma vez ali constatada a impossibilidade de acordo, então aí, será o processo remetido ao tribunal, nos termos dos artigos 7º. e 8º. do Decreto-Lei nº. 272/01»[16].
E compreende-se que assim seja, pois não pode ser a parte requerente, na sua subjetividade, a selecionar o foro que deve decidir a questão em face da invocação de elementos que permitam revelar a existência de um eventual litígio existente entre os interessados, tanto mais que na delimitação da competência material estão essencialmente razões de interesse e ordem pública.
Neste domínio, sublinha o Ac. TRL de 09-10-2014[17]: «o procedimento a seguir na Conservatória com vista à obtenção do acordo é obrigatório e não facultativo, ou seja, o legislador não deixou na disponibilidade das partes a faculdade de instaurar essas ações na conservatória ou no tribunal, ainda que se anteveja a impossibilidade de obtenção desse acordo. Essa obrigatoriedade resulta, desde logo, do texto do seu art.º 5.º e da própria Lei de Autorização Legislativa - art.º 3.º, n.º 3, al. i) da lei 82/2001, de 3 de Agosto, que dispõe: “Apresentação de pedido mediante requerimento apresentado obrigatoriamente na conservatória”.
E apenas se exceciona a competência da conservatória relativamente a pedidos de alimentos a filhos maiores ou emancipados (bem como os demais aí identificados, que ao caso não releva) quando sejam cumulados com outros pedidos no âmbito da mesma ação judicial, ou constituam incidente ou dependência de ação pendente, circunstâncias em que continuam a ser tramitadas nos termos previstos no Código de Processo Civil.
(…)
E não se diga que o processo de alimentos a filhos maiores apresentado na conservatória fica reservado apenas a casos de ausência de conflitualidade, pois se inexistisse essa conflitualidade não faria sentido o filho propor a ação. Se o faz, é porque o progenitor em causa não cumpre essa obrigação ou não a cumpre na medida por ele pretendida. Dito de outro modo, é conatural à ação a existência de conflito».

E estando em causa a falta de jurisdição do tribunal para conhecer do requerimento inicial apresentado, uma vez que a lei em vigor atribui em primeira linha essa apreciação à conservatória do registo civil, no âmbito do «Procedimento tendente à formação de acordo das partes» (tal como previsto no artigo 5.º, n.º 1, al. a), do Dec. Lei n.º 272/2001, de 13-10), o qual constitui «Procedimento perante o conservador do registo civil», o efeito da declaração de incompetência é o da absolvição da instância ou o indeferimento liminar, nos termos prescritos no artigo 99.º, n.º 1 do CPC[18].
Feito este enquadramento, entendemos que o tribunal a quo fez uma correta ponderação das concretas incidências que o processo revela à luz dos critérios legais aplicáveis e do entendimento jurisprudencial que também sufragamos.
Não se desconhece a existência de jurisprudência que tem vindo a fazer uma interpretação restritiva da competência atribuída legalmente à conservatória do registo civil, afirmando que a ação pode, desde logo, ser intentada em tribunal sempre que haja elementos bastantes para concluir que já existe um verdadeiro litígio, não sendo previsível qualquer solução por acordo[19].
Todavia, mesmo no âmbito de tal orientação, não basta que o requerente de alimentos alegue que não é possível uma solução conciliada, para se concluir, sem mais, pela competência do tribunal, afastando a da conservatória, sendo necessário que se patenteiem elementos objetivos que imponham essa conclusão, como sucede quando o pedido de alimentos formulado por filho maior ou emancipado venha na sequência de um processo de regulação do poder paternal ou de fixação de alimentos durante a sua menoridade, recheado de situações de incumprimento injustificadas, imputáveis ao requerido (centradas na questão dos alimentos e na pessoa do credor destes)[20].
Revertendo ao caso dos autos, resulta manifesto que o requerente nada alegou em sede de petição inicial que permita sustentar a existência de um litígio que torne inviável a formulação de um acordo das partes perante o conservador do registo civil”. (fim de citação)[1].
Em sentido contrário, de facto, encontram-se diversos acórdãos.
No acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12-11-2013 (Proc. 114/13.7TVPRT.P1) sumariou-se:
“I - Com o regime instituído pelo D.L. 272/2001, de 12 de Outubro, o legislador pretendeu, entre o mais, garantir a possibilidade de tornar válido e eficaz o acordo na fixação de alimentos requeridos por filhos maiores alcançado fora do sistema judiciário, desobrigando os interessados de recorrerem aos tribunais sempre que isso seja desnecessário, designadamente por ausência de um efectivo litígio que seja necessário dirimir. Estabeleceu, assim, um procedimento da competência dos serviços de Registo Civil.
II - Da arquitectura deste sistema resulta que, sempre que haja elementos bastantes para concluir que já existe um verdadeiro litígio, não sendo previsível qualquer solução consensual sobre a fixação dos alimentos peticionados, deve ser admitido o pedido deduzido directamente perante o tribunal que seja competente (em razão da matéria e do território), pois que a sua devolução para a fase conciliatória, junto da Conservatória do Registo Civil, não passaria de um procedimento dilatório e ineficaz.
III - Estando deduzido, pelos requerentes de alimentos, um pedido de fixação de alimentos provisórios, sempre tal possibilidade de recurso ao tribunal judicial haveria de ser garantida, pois a isso jamais constituiria impedimento o regime desse D.L. 272/2001.
IV - A fixação de alimentos a filhos maiores, com fundamento no art. 1880º do C. Civil, é da competência do Tribunal de Família”.
No acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido no processo 6/12.1TBPTG-D.E1 em 9.3.2017 (Rel. Albertina Pedroso) sumariou-se, além do mais:
“(…)
V - A aplicação do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 272/2001, tem de ser concatenada com as disposições do Código de Processo Civil e do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, requerendo um esforço de interpretação do sistema e não apenas deste diploma, porquanto, em face da multiplicidade de situações da vida que podem ocorrer, o legislador estabeleceu um leque de meios processuais a que o impetrante que invoca a necessidade de alimentos pode recorrer, consoante a situação em presença.
VI - Assim, não podendo o legislador desconhecer a existência do referido Decreto-Lei n.º 272/2001, e considerando que a LOSJ expressamente cometeu aos tribunais, nos termos expostos, a competência para a decisão dos processos em que estejam em causa alimentos a filhos maiores ou emancipados, com fundamento no artigo 1880.º do CC, perante um processo desta natureza não pode o juiz, sem mais, rejeitar de imediato a respectiva competência, devendo antes analisar os fundamentos em que a parte que formula o pedido assenta a respectiva pretensão.
VII - Da interpretação do artigo 983.º, n.º 2, do CPC, efectuada de acordo com o disposto no artigo 9.º do CC, decorre que: a) - se estiver a correr o processo de regulação das responsabilidades parentais e ainda não tiverem sido fixados os alimentos devidos ao filho, a maioridade ou emancipação que entretanto ocorram não impedem que tal processo se conclua, podendo consequentemente tal fixação ocorrer já após a maioridade; b) - se durante a menoridade do filho tiver havido decisão a fixar alimentos a suportar por um ou ambos os progenitores no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais, a maioridade ou emancipação que ocorram posteriormente a tal fixação não impedem que os incidentes posteriores quer de alteração quer de cessação dos alimentos corram por apenso àquele processo de regulação.
VIII - Assim, enquanto o meio processual de concretização do direito a alimentos do filho maior a que alude o artigo 1880.º do CC, que não foram fixados durante a respectiva menoridade, é o recurso à Conservatória do Registo Civil ou ao processo de jurisdição voluntária previsto no artigo 989.º do CPC, caso não exista ou não seja viável a obtenção de acordo; (…)” (sublinhado nosso).
No acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 14.2.2019 no processo 1676/18.8T8BJA.E1 (Rel. Cristina Dá Mesquita) sumariou-se:
“1 - A Conservatória de Registo Civil só não será materialmente competente para a tramitação do procedimento com vista à fixação de alimentos devidos a filhos maiores (ou emancipados) quando aquele pedido se cumule com outro(s) na mesma ação judicial ou quando estiver pendente (se encontrar ainda a correr termos) uma ação judicial conexionada com o pedido de alimentos a filhos maiores (ou emancipados), isto é, da qual este último seja dependente.
2 – Todavia, nos casos em que haja elementos bastantes para concluir que já existe um verdadeiro litígio, não sendo previsível qualquer solução consensual sobre a fixação dos alimentos peticionados, deva ser admitido o pedido deduzido perante o tribunal judicial que seja competente, porquanto a sua devolução para a fase conciliatória junto da Conservatória do Registo Civil redundaria num procedimento inútil, que a própria lei proíbe (cfr. art. 130.º, do CPC).
3 - A própria ratio do sistema criado pelo D/L n.º 272/2001, de 13.10 impõe, numa perspetiva de economia processual, a admissão, pelo tribunal, de pedidos de fixação de alimentos a filhos maiores quando se verifique ab initio a elevada improbabilidade de vir a ocorrer uma conciliação das vontades das partes”.
No acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no processo 653/21.6T8MTS.P1 em 22.3.2021 (Rel. José Eusébio Almeida) escreveu-se:
“8 – A questão aqui em apreço, tem manifesta identidade com o caso tratado no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10.05.2018 [Processo n.º 602/18.9T8VCT.G1, relator, Desembargador José Amaral, dgsi], no qual se dá conta da evolução dos normativos que têm pertinência para a decisão a proferir.
A esse propósito, deixou-se escrito naquele acórdão o que, com a devida vénia, transcrevemos: “Através do Decreto-Lei nº 272/2001, maxime do seu art.º 1º, determinou-se a “atribuição e transferência de competências relativas a um conjunto de processos especiais dos tribunais judiciais para o Ministério Público e as conservatórias de registo civil, regulando os correspondentes procedimentos.” (...) no CAPÍTULO III, sob o título “Do procedimento perante o conservador do registo civil”, o art.º 5º, relativo ao “procedimento tendente à formação de acordo das partes”, estabeleceu, na alínea a), do n.º 1, que ele se aplica, entre outros casos, ao pedido de “Alimentos a filhos maiores ou emancipados”. Sem embargo, segundo o nº 2, “O disposto na presente secção não se aplica às pretensões referidas nas alíneas a) a d) do número anterior que sejam cumuladas com outros pedidos no âmbito da mesma acção judicial, ou constituam incidente ou dependência de acção pendente, circunstâncias em que continuam a ser tramitadas nos termos previstos no Código de Processo Civil.” (...) Por esta altura, vigorava o art.º 1880º, do Código Civil (Despesas com os filhos maiores ou emancipados), segundo o qual: “Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.” E, no campo adjetivo, o art.º 1412º, do velho CPC (Alimentos a filhos maiores ou emancipados), dispunha: “1 - Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos do artigo 1880.º do Código Civil, seguir-se-á, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores. 2 - Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respetivo processo, a maioridade ou a emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso.” Tal disposição sobreviveria, transposta no art.º 989º do novo CPC, aprovado pela Lei 41/2013, até que a Lei nº 122/2015, de 1 de setembro, a alterou, passando a ser esta a nova redação: “1 - Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores. 2 - Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respetivo processo, a maioridade ou a emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso. 3 - O progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, nos termos dos números anteriores. 4 - O juiz pode decidir, ou os pais acordarem, que essa contribuição é entregue, no todo ou em parte, aos filhos maiores ou emancipados.” Ainda ao tempo da entrada em vigor do DL 272/2001, o art.º 1905º, do CC, por sua vez, dispunha (Divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento): “1 - Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, o destino do filho, os alimentos a este devidos e forma de os prestar serão regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação do tribunal; a homologação será recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor, incluindo o interesse deste em manter com aquele progenitor a quem não seja confiado uma relação de grande proximidade. 2 - Na falta de acordo, o Tribunal decidirá de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com o progenitor a quem não seja confiado, podendo a sua guarda caber a qualquer dos pais, ou, quando se verifique alguma das circunstâncias previstas no artigo 1918.º, a terceira pessoa ou estabelecimento de reeducação ou assistência.” Entretanto, subsistindo a redação do citado artº 1880º, a Lei 61/2008, de 31 de Outubro, modificou a da epígrafe e do corpo do artº 1905º para a seguinte: “Alimentos devidos ao filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento. Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, os alimentos devidos ao filho e forma de os prestar serão regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação será recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor.” A mesma disposição, porém, voltou a ser alterada pela referida Lei 122/2015, vigente desde o dia 1 de outubro subsequente, ficando assim redigida: “1 - Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento, os alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação é recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor. 2 - Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.”
9 – Feita a transcrição que antecede, dando-se conta do evoluir legislativo que ao caso se mostra pertinente, as perguntas adequadas à apreciação do recurso, tendo em conta, desde logo, os fundamentos da decisão apelada, traduzem-se em saber se ao caso presente (caso em que não foi estabelecida, no Tribunal ou na Conservatória, qualquer prestação de alimentos para o filho maior de requerente e requerido, sequer na sua menoridade) é aplicável o disposto no artigo 989, n.º 3 do CPC e onde – Tribunal ou Conservatória – deve ser instaurada a ação.
(…)
16 – A segunda questão que se coloca é a de saber se a pretensão, mesmo que exercida pelo progenitor, deve sê-lo, pelo menos numa primeira via, ou seja, independentemente de uma eventual e posterior remessa do processo a Tribunal – na Conservatória.
17 – A este propósito, além da jurisprudência que resulta do acórdão da Relação de Guimarães que supra citámos, a generalidade dos autores afirmam a competência material do Tribunal.
18 – Clara Sottomayor, citando o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.03.2019 – e com ele concordando – refere precisamente que a “jurisprudência posterior à lei n.º 122/2015 também dispensa o progenitor de filho/a maior, credor de alimentos, de intentar a ação para exigir a contribuição do outro, ao abrigo do art.º 989.º, n.º 3, do CPC, na conservatória do registo civil, podendo dirigir-se diretamente ao tribunal competente”.[7]
19 – Guilherme de Oliveira não deixa de referir que “A prestação alimentar também pode ser pedida em processo comum autónomo, quando a necessidade de alimentos para os filhos surgir posteriormente á dissolução do casamento. Acrescente-se a regra do art.º 989.º CProcCiv, para os filhos maiores ou emancipados que pretendam alimentos nos termos do art.º 1880.º O pedido de alimentos pode ainda seguir os termos previstos nos arts. 45.º e segs do RGPTC”.[8]
20 – Também José António de França Pitão/Gustavo França Pitão consideram que o artigo 989, n.º 3 do CPC confere ao progenitor que assuma as despesas do filho maior a legitimidade para exigir a partilha dessas despesas “através de uma ação especial e alternativa ao procedimento de alimentos a filho maior, previsto no Decreto-lei n.º 27272001, de 13 de outubro” ou seja, essa ação, não configura “um pedido de alimentos a filho maior, previsto e regulado no já citado Decreto-lei n.º 272/2001, de 13 de outubro”.[9]
21 – Daniela Pinheiro da Silva refere também que “O DL n.º 272/2001, de 13 de outubro, não tem aqui aplicação, quer porque a ação judicial com vista à fixação da contribuição não está abrangida pela letra do diploma (...) quer porque não cabe na sua ratio”.[10]
22 – Em conformidade com o que se deixou dito e tendo em conta a natureza da pretensão deduzida pela recorrente,
não vemos fundamento para considerar materialmente incompetente o tribunal de primeira instância”.
Por nossa parte, consideramos precisamente que apesar duma aplicação estrita dos normativos relativos à fixação da competência que indica precisamente que no caso duma regulação nova de alimentos a filho maior a competência não pertencer ao autor mas ao conservador, tal como defende o acórdão da Relação de Guimarães que primeiramente citámos, a norma instituidora da competência tem de interpretada com respeito pelo elemento teleológico e simultaneamente lógico-sistemático, ou seja, se resulta da interpretação conjugada dos artigos 5º, 6º, 7º e 8º do Dec. Lei n.º 272/2001 que a competência do conservador se resume aos casos em que se consegue acordo e no caso contrário o processo é remetido a tribunal, então o único modo de compatibilizar o objectivo da desjudicialização (em teoria visando aliviar tribunais e visando meio alternativo mais rápido) é admitir que se for patente, segundo os termos da petição inicial (ou da petição inicial e da contestação, no caso em que não tenha havido indeferimento liminar), a impossibilidade de alcançar um acordo por mera tentativa de conciliação, deve admitir-se que a acção possa ser de imediato instaurada perante o tribunal.
Nestes termos, revoga-se a decisão recorrida, e determina-se o prosseguimento dos autos em primeira instância.
Custas pelo vencido a final – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.
*
V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso e em consequência revogam a decisão recorrida, determinando o prosseguimento dos autos em primeira instância.
Custas pelo vencido a final.
Registe e notifique.

Lisboa, 22 de Fevereiro de 2024
Eduardo Petersen Silva
Adeodato Brotas
Teresa Soares
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[1] As notas de rodapé do citado acórdão são:
[15] Cf. Estrela Chaby, Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume II, Coimbra, Almedina, 2017, p. 784, em anotação ao artigo 1880.º do CC.
[16] A este propósito, cf. o Ac. TRL de 27-06-2006 (relatora: Maria do Rosário Gonçalves), p. 5911/2006-1, acessível em www.dgsi.pt.
[17] Relator Tomé Ramião, p. 227/05.9TMPDL-G. L1-6, acessível em www.dgsi.pt.
[18] Neste sentido, cf., por todos, o Ac. TRG de 24-09-2015, relatado por Maria Luísa Duarte Ramos, aqui 1.ª adjunta, p. 5911/2006-1, acessível em www.dgsi.pt.
[19] Neste sentido, cf. por todos o Ac. TRC de 01-04-2009 (relator: Costa Fernandes), p. 49-C/1995.C1, acessível em www.dgsi.pt.
[20] Cf. o citado Ac. TRC de 01-04-2009.