Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17381/21.5T8SNT.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: REVOGAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
FORMA
COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA GLOBAL
PRESUNÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.Como é pacífico, a redução a escrito do acordo de revogação do contrato de trabalho constitui uma formalidade ad substantiam cuja inobservância gera a nulidade do acordo de revogação nos termos do artigo 220.º do Código Civil.

II.No acordo de revogação do contrato de trabalho não é obrigatório as partes acordarem uma compensação pela sua cessação.

III.O n.º 5 do artigo 349.º do Código do Trabalho estabelece um presunção juris tantum segundo a qual, se no acordo de revogação do contrato de trabalho ou conjuntamente com ele, as partes estabelecerem uma compensação pecuniária global para o trabalhador, presume-se que esta inclui os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta.


(Sumário da autoria da Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:


Relatório


AA, …, intentou a presente acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra BB– Indústria de Mecânica Fina, Lda.”, …, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe:
-A compensação global pecuniária no valor de 6.905,20€;
-As férias no valor de 600,00€;
-Os proporcionais das férias e dos subsídios de férias e de Natal relativos ao ano da cessação do contrato de trabalho, no valor de 1.350,00€;
-Uma indemnização pelos danos morais sofridos no valor de 600,00€.
-Os juros legais desde a data da citação até integral pagamento.

Invocou para tanto, em resumo, que: em 30-09-2005, Autor e Ré celebraram um contrato de trabalho a termo, pelo qual o primeiro foi admitido, em 01-10-2005, ao serviço da segunda para desempenhar as funções de trabalhador não especializado; em 30 de Setembro de 2019, o sócio-gerente da Ré apresentou-lhe, inesperadamente, um Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho, com efeitos a partir dessa mesma data; a par desse acordo de cessação, a Ré também lhe entregou, para assinar, sem que lhe fosse dada ou transmitida alguma explicação dos valores aí inseridos, um Acordo de Pagamento, entre a Ré e o Autor, que mais não era do que o pagamento de ordenados em atraso e correspondente subsídio de férias, referentes a cerca de metade do mês de Julho de 2019, aos meses de Agosto e de Setembro de 2019 e subsídio de férias relativo ao ano anterior, no valor de 1.824,51€; este valor nada tem a ver com a compensação pecuniária global que a Ré inscreveu na cláusula segunda do Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho, correspondendo a uma dívida que a Ré tinha em atraso para com o Autor, pelo que a Ré pagou os ordenados em atraso mas não a compensação a que se refere o Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho; a Ré despediu o Autor sem lhe pagar qualquer compensação a qual lhe era devida; na mesma data, foi entregue ao Autor uma declaração, assinada pelos actuais sócios-gerentes da Ré, dando-lhe conta de um acordo revogatório de contrato individual de trabalho, sendo que o que lhe tinha sido entregue era um acordo de cessação de contrato de trabalho e não o acordo revogatório; e com a cessação do contrato o Autor viu-se sem trabalho e sem forma de prover às suas despesas e às da sua família o que o deixou desesperado, devendo ser indemnizado pelos danos sofridos.

Realizou-se a audiência de partes não tendo sido possível a conciliação.

Regularmente notificada, a Ré contestou por excepção e por impugnação. Por excepção, invocou a prescrição de créditos e a falta de pagamento da taxa de justiça. Por impugnação sustentou, em síntese, que: o Autor celebrou com a Ré um acordo de resolução do contrato de trabalho em 30 de Setembro de 2019 e tinha até ao dia 7 de Outubro de 2019 para fazer cessar o acordo ou aceitar os termos em que o fez; o Autor não fez cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho dentro desse prazo; o Acordo de Pagamento celebrado entre Autor e Ré expressa que a Ré ia pagar, como pagou, o valor previsto na cláusula segunda do Acordo de revogação do contrato de trabalho; dado que a compensação não estava sujeita a IRS, contrariamente à retribuição dos meses de Agosto e Setembro e subsídio de férias, foi pedido pelo Autor que esse valor fosse designado de compensação pecuniária de natureza global, ao que a Ré acedeu; e nada é devido pela Ré ao Autor.

Finalizou pedindo que as excepções sejam julgadas procedentes e absolvida a Ré do pedido.

O Autor respondeu pugnando pela improcedência das excepções.

Foi proferido despacho que determinou que a Ré juntasse aos autos cópia do Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho, datado de 30 de Setembro de 2019, que contivesse a assinatura do Autor posto que a cópia que constava do processo estava assinada apenas pela Ré.

Julgada improcedente a excepção da prescrição de créditos, novamente foi determinada a notificação das partes para juntarem aos autos cópia do “Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho” que contivesse a assinatura do Autor ou, não sendo junto, para declararem o que tivessem por conveniente.

A Ré juntou aos autos cópia do mencionado Acordo contendo a assinatura de ambas as partes.

O Autor, por seu turno, informou que o documento referente ao “Acordo de Cessação de Contrato de Trabalho” que tinha na sua posse é o que juntou com a petição inicial.

Foi realizada uma tentativa de conciliação não se obtendo o acordo das partes.

Foi proferido despacho ordenando a notificação das partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de ser dispensada a realização da audiência prévia e, nada opondo, para, querendo, alegarem por escrito o que iriam alegar oralmente naquela diligência, caso tivesse lugar, quanto ao mérito da causa.

As partes declararam não se opor à dispensa da realização da audiência prévia.

O Autor reiterou o pedido de condenação da Ré no pagamento de uma compensação, dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeitos da cessação do contrato de trabalho, invocando, ainda, que estamos perante um despedimento por extinção do posto de trabalho e que o valor de €1 824.51 que recebeu da Ré respeita apenas a remunerações atrasadas que não foram pagas nos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2019.

A Ré concluiu como na contestação, pugnando pela procedência das excepções e absolvição do pedido.

Fixado o valor da causa em €9 455,20, foi proferido despacho saneador sentença que julgou a acção improcedente  e absolveu a Ré do pedido.

Inconformado com a decisão, o Autor recorreu sintetizando as alegações nas seguintes conclusões:
1.Autor, ora Apelante e Ré, ora Apelada, em 30-09-2005, celebraram um contrato de trabalho, devidamente assinado por ambas as partes e ficando cada uma com um exemplar.
2.O ora Apelante, desde 01-10-2005, até 30-09-2019, ininterruptamente exerceu a sua atividade, devidamente inserido na estrutura organizativa da ora Apelada, sob orientação, direção, fiscalização e no benefício desta.
3.Passados 14 anos, a ora Apelada, entrega inesperadamente ao ora Apelante, um alegado acordo de cessação de contrato de trabalho, para pôr termo ao contrato de trabalho a partir de 30-09-2019, assinado pela entidade empregadora.
4.Também lhe foram entregues na mesma data, um designado acordo de pagamento de uma dívida em atraso e uma declaração da entidade patronal.
5.Esta dívida no valor de 1.824,51€, dizia respeito aos últimos vencimentos que não lhe tinham sido pagos, atempadamente, como deveria ter acontecido. Nesta conformidade, não teve dúvidas em assinar devidamente este documento, embora, tenha recebido somente 300,00€ em numerário, e, por transferência bancária, em 31-12-2019, o restante valor de 1.524,51€.
6.Ou seja, esta dívida nada tem a ver com a alegada compensação pecuniária global que fizeram constar no alegado acordo de cessação.
7.E mais, acordo de cessação do contrato de trabalho que, conforme se comprova pelo documento junto à petição inicial do Autor, não se encontra assinado pelo trabalhador, ora Apelante. Nem se recorda de ter assinado devidamente qualquer exemplar de acordo.
8.Portanto, a consequência da inobservância de forma legal, conforme o artigo 220º, do Código Civil, é a nulidade desse alegado acordo de cessação.
9.Ora, não havendo acordo de cessação, não há prova de uma vontade atual, esclarecida e livre do trabalhador na cessação do contrato.
10.Existiu de facto uma cessação do contrato de trabalho por iniciativa da entidade empregadora, na data do alegado acordo, mas nunca de forma assumida pelo trabalhador, ou seja, não se verificou o assentimento do trabalhador na revogação.
11.Todavia, sem prescindir, mesmo que se tivesse verificado o chamado “despedimento negociado”, entre nós essa cessação dos contratos passa pela obtenção do assentimento do trabalhador na revogação, contra o pagamento de uma indemnização por parte da entidade empregadora.
12.No entanto, as partes não estabeleceram qualquer compensação/indemnização pecuniária global, ao contrário do entendimento perfilhado pela Mma Juiz a quo.
13.A quantia que foi paga ao trabalhador, ora Apelante, como já se disse acima, não resulta a título de compensação pecuniária global.
14.Caso não seja este o entendimento, perdoe-se-nos a frontalidade, afinal o que constitui uma compensação /indemnização de natureza global?
15.Não será que as prestações pecuniárias devidas ao trabalhador, além das prestações emergentes do contrato de trabalho já vencidas, também deveriam ser contabilizadas as prestações que com a sua cessação se tornam exigíveis e, ainda, as prestações que nessa cessação têm a sua causa e que assumem um especial significado neste contexto.
16.A nossa lei diz que o credor pode remitir a divida por contrato, mas não podemos considerar que a assinatura pelo trabalhador do designado acordo de pagamento de uma dívida anterior, no caso, possa constituir uma declaração que configure uma remissão abdicativa.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, revogar-se a Douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, julgando-se totalmente procedente a ação do ora Apelante, com a consequente condenação da ora Apelada ao pagamento da justa indemnização pela cessação do contrato de trabalho, com o que se fará a objetiva e costumada justiça.”

A Ré contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
1.No que diz respeito á impugnação da matéria de facto vertida na decisão judicial proferida pelo Tribunal a quo, o recurso interposto pelo Recorrente não cumpre o disposto no artigo 640.º n.º 1 do CPC, pois o recurso foi elaborado de modo genérico, sem especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, inexistindo qualquer referência aos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, pelo que, em consequência, o recurso deve ser rejeitado.
2.No dia 30 de setembro de 2019, as Partes celebraram um acordo de revogação do contrato de trabalho, ao abrigo da alínea b) do artigo 340.º do Código do Trabalho e do artigo 349.º do mesmo diploma legal, por livre vontade de ambos, tendo tanto a Recorrida, como o Recorrente, assinado o documento, por isso, o contrato de trabalho celebrado entre as Partes cessou por acordo de revogação.
3.Segundo o disposto na alínea b) do artigo 340.º do Código do Trabalho e do n.º 1.º do artigo 350.º do mesmo diploma legal, a revogação do contrato de trabalho por mútuo acordo é uma das modalidades de cessação do contrato de trabalho, que apenas não produz efeitos se o trabalhador a impugnar até ao 7.º dia seguinte da data da sua celebração.
4.Logo, ao assinar o acordo de revogação do contrato de trabalho e não tendo impugnado nem revogado o mesmo nos 7 dias seguintes à sua celebração, o Recorrente aceitou e conformou-se com a cessação do seu contrato de trabalho, aceitando todas as consequências legais.
5.De facto, a formalidade do acordo de revogação não poderá ser colocada em causa, uma vez que o mesmo foi celebrado por escrito, com a assinatura do Recorrente e da Recorrida, conforme documento que a Recorrida logrou juntar ao processo.
6.Além do mais, no acordo, efetivamente, celebrado entre as Partes, o Recorrido declarou que “nada tem a reclamar da Entidade Patronal e/ou impugnar, seja a que título for, aceitando tal cessação nos seus precisos termos, não podendo, nomeadamente, interpor qualquer ação judicial com fundamento na cessação do contrato de trabalho, nem queixa ou participação reivindicativa civil ou por qualquer outra forma reclamar quaisquer outros direitos decorrentes do contrato de trabalho ora cessado”.
7.Deste modo, tal situação reflete uma remissão abdicativa, nos termos do n.º 1 do artigo 863.º do Código Civil, na medida em que o Recorrido renunciou à oportunidade de intentar uma ação judicial ou de reclamar quaisquer créditos laborais.
8.Além disso, a Recorrida celebrou de boa-fé o acordo de cessação do contrato de trabalho com o Recorrente, prontificando-se a realizar tudo o que fosse necessário para que o Recorrido tivesse acesso ao que teria direito, tendo, até, na data da sua celebração, pago €300,00 em numerário, a pedido do Recorrente.
9.Aquando da celebração do supramencionado acordo, a pedido do Recorrente, foi estipulado que o montante a lhe ser pago seria a título de “compensação pecuniária de natureza global”, uma vez que, assim, o valor não estaria sujeito a imposto de IRS, dentro dos limites legais, ao contrário do que aconteceria se constasse que seria pago a título de retribuição dos meses de agosto e setembro de 2019 e do subsídio de férias do ano anterior.
10.A Recorrida nada mais deve ao Recorrente, tendo já satisfeito todos e quaisquer créditos laborais que lhe estavam adstritos, atendo ao disposto no na cláusula 2ª do acordo revogatório de contrato de trabalho.
11.Em vista disso, não se coaduna com a boa-fé continuar a afirmar que foi efetuado um despedimento por extinção de posto de trabalho e que a declaração negocial para celebrar o acordo de revogação é nula, nos termos do artigo 220.º do Código Civil, na medida em que não restam dúvidas que o Recorrente aceitou o acordo, dado que o assinou, e mesmo que assim não fosse, seria sempre de se entender que o teria aceitado tacitamente, por não o ter impugnado nos 7 dias seguintes à sua celebração.
12.Em boa verdade, o que todo este processo veio a demonstrar é que apenas a Recorrida se demonstrou de boa-fé, visto que todo o processo do Recorrente foi fundado no facto de “não se recordar de ter assinado o acordo de revogação”, quando o mesmo se encontra expressamente com a assinatura de ambas as Partes
13.Não existem dúvidas que se trata da assinatura do Recorrido e que o mesmo, à data, aceitou todas as condições que lhe foram apresentadas.
14.Pelo que, as presentes contra-alegações constituem, simplesmente, uma tentativa abusiva de recurso aos Tribunais, procurarando obter a satisfação dos interesses que já foram reconhecidos, acautelados e pagos pela Recorrida!
15.Em suma, inexistem assim vícios que possam ser imputados á douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, pelo que a mesma deve ser mantida.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá a presente apelação ser julgada improcedente, por não provada, sendo negado provimento ao recurso e, em consequência, ser confirmada a douta decisão proferida pelo Tribunal recorrido, com todos os efeitos legais, assim se fazendo a verdadeira e costumada JUSTIÇA!”

Foi proferido despacho que admitiu o recurso na espécie, modo de subida e efeito adequados.

Subidos os autos a este Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida.

As partes não responderam.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso

Como é sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.º n.º 4 e 639.º do CPC, ex vi do n.º 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.º n.º 2 do CPC).

Assim, no presente recurso importa apreciar as questões seguintes:
1.ª-Se o Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho é nulo por, alegadamente, não se mostrar assinado pelo Autor.
2.ª-Caso se considere que o Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho é válido, se ao Autor sempre seria devida uma compensação/indemnização pela cessação do contrato.
3.ª-Se o valor pago pela Ré ao Autor não corresponde ao valor da compensação global pecuniária a que alude a Cláusula Segunda do Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho, mas respeita a retribuições em atraso, não constituindo a assinatura do Acordo uma remissão abdicativa.

Previamente ainda há que conhecer as questões seguintes:
- Da junção de documentos com as alegações.
- Se o recurso da matéria de facto deve ser rejeitado por não ter o Recorrente observado os ónus a que alude o artigo 640.º do CPC.

Fundamentação de facto

A sentença considerou provados os seguintes factos:
1.Autor e Ré celebraram entre si o acordo que denominaram de “contrato de trabalho a termo certo”, datado de 30 de Setembro de 2005, cuja cópia se encontra junta ao suporte físico dos autos a fls. 6 a 7 verso, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
2. Por escrito, que assinaram, datado de 30 de Setembro de 2019, cuja cópia se encontra junta ao suporte físico dos autos a fls. 62 e 62 verso, que aqui se dá por integralmente reproduzido, denominado de “Acordo de cessação de contrato de trabalho”, a Ré, ali “designada por Entidade Empregadora ou Primeira Outorgante” e o Autor, ali “designado por Trabalhador ou Segundo Outorgante, declararam que:
“(…) Considerando que:
a)- No dia 30 de Setembro de 2005, a Primeira Outorgante, na qualidade de Entidade Empregadora e o Segundo Outorgante, na qualidade de Trabalhador, celebraram um contrato de trabalho;
b)- No âmbito do aludido contrato de trabalho, o Segundo Outorgante ficou a desempenhar as funções de trabalhador não especializado;
c)- Ambas as partes pretendem, POR ACORDO, pôr termo ao contrato de trabalho em apreço e, bem assim, fixarem os seus termos e condições.

É celebrado, livremente e de boa fé, o presente Acordo de Cessação de Contrato de Trabalho, o qual se rege pelas seguintes cláusulas:

Cláusula Primeira
1.- As partes acima identificadas como Entidade Patronal e Trabalhador, pretendem pôr termo à relação laboral existente entre ambas, o que fazem por meio do presente acordo.
2.- A Entidade Patronal e o Trabalhador reconhecem e aceitam expressamente, por acordo, a cessação do aludido contrato de trabalho, com efeitos a partir da presente data.
3.- Por tal motivo, o Trabalhador reconhece igualmente que nada tem a reclamar da Entidade Patronal e/ou impugnar, seja a que título for, aceitando tal cessação nos seus precisos termos, não podendo, nomeadamente, interpor qualquer acção judicial com fundamento na cessação do se contrato de trabalho, nem queixa ou participação reivindicativa civil ou por qualquer outra forma reclamar quaisquer outros direitos decorrentes do contrato de trabalho ora cessado.

Cláusula Segunda
1.- A BB, Lda. pagará ao Trabalhador, a título de compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato, o valor líquido de € 1.824,51 (mil oitocentos e vinte e quatro euros e cinquenta e um cêntimos), quantia esta que o Segundo Outorgante aceita, nada mais tendo a receber e/ou a reclamar.
2.- O pagamento da quantia referida no ponto 1 da presente cláusula é feito em transferência bancária, servindo o presente acordo de quitação.

Cláusula Terceira
1.- O presente acordo representa a vontade e entendimento entre as Partes, relativamente ao respectivo objecto, só podendo ser alterado ou modificado por mútuo Acordo comprovado por documento escrito e assinado por Ambos os outorgantes e expressamente identificados como sendo uma alteração ao presente Acordo.
2.- O presente Acordo será regulado, interpretado e executado de acordo com a legislação portuguesa. (…)”
3.-Por escrito, que assinaram, datado de 30 de Setembro de 2019, cuja cópia se encontra junta ao suporte físico dos autos fls. 9, que aqui se dá por integralmente reproduzido, denominado de “Acordo de pagamento”, Autor e Ré declararam que:
“Fica acordado entre a BB, Lda. e AA que o valor em dívida de 1824,51 (mil oitocentos e vinte e quatro euros e cinquenta e um cêntimos) vai ser liquidado pela BB durante o mês de Outubro de 2019”.
4.-A Ré pagou ao Autor a quantia indicada no número anterior;
5.-A Ré entregou ao Autor o modelo RP 5044 cuja cópia se encontra junta ao suporte físico dos autos a fls. 10 verso, que aqui se dá por integralmente reproduzido, bem como a declaração junta cópia se encontra junta ao suporte físico dos autos a fls. 10, que aqui se dá por integralmente reproduzida, ambas datadas de 30 de Setembro de 2019.
*

Fundamentação de direito

Comecemos, então, por apreciar as questões prévias.
1.Da junção de documentos com as alegações do recurso.
Com as alegações, o Recorrente juntou cópia do seu Cartão de Cidadão invocando, para tanto, que a Recorrida só muito tardiamente e após ter sido instada, por duas vezes, a fazê-lo, é que trouxe aos autos cópia do Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho mas que, afinal, não contém a assinatura em uso pelo Autor como facilmente se pode concluir pelas assinaturas dos documentos constantes dos autos e do Cartão de Cidadão.
Vejamos:
O artigo 651.º do CPC regula a junção de documentos e de pareceres às alegações, estatuindo:
1- As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
2- As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.”
De acordo com o artigo 425.º do CPC, “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”

Das citadas normas decorre que a junção de documentos com as alegações é uma situação excepcional apenas permitida nos casos em que a junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância e nos casos em que a apresentação dos documentos não foi possível até ao encerramento da discussão.
Conforme decorre dos autos, o Recorrente foi notificado para se pronunciar sobre a possibilidade de ser dispensada a realização da audiência prévia e para, querendo, alegar por escrito o que iria sustentar oralmente naquela audiência, se esta tivesse lugar, quanto ao mérito da causa.
Nessa sequência, em 22.03.2023, o Recorrente veio alegar, além do mais, que “o Acordo de cessação de contrato de trabalho que foi entregue ao ora Autor é aquele que consta dos autos, junto da p.i. e não se recorda, como teve ocasião de declarar em tribunal, de ter assinado nenhum exemplar.” Ou seja, antes de ter sido proferido o despacho saneador sentença, o Recorrente já tinha posto em causa que tivesse assinado o Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho. Porém, então, não juntou o documento que agora junta às alegações para fazer prova de tal facto.
Consequentemente, não descortinamos que a junção com as alegações do documento em causa, Cartão de Cidadão, se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância, pois a questão já tinha sido suscitada pelo Recorrente antes de ter sido proferida a decisão e, muito menos, que a sua apresentação não tenha sido possível até ao despacho saneador sentença que foi devidamente anunciado.
Assim, por não estarem verificados os pressupostos legais, indefere-se a requerida junção do documento que deverá ser desentranhado e entregue ao Recorrente.
Nessa sequência, visto o disposto  no artigo 443.º do CPC, o Recorrente será condenado em multa que entendemos dever ser fixada no mínimo legal-0,5UC (artigo 27.º n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais).

2.Da invocada rejeição do recurso.

Nas contra-alegações invocou a Recorrida que, no que diz respeito à impugnação da matéria de facto o recurso interposto pelo Recorrente não cumpre o disposto no artigo 640.º n.º 1 do CPC, pois foi elaborado de modo genérico sem especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, inexistindo qualquer referência aos concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, pelo que, em consequência, o recurso deve ser rejeitado.
Como se sabe, o n.º 1 do artigo 662.º do CPC impõe ao Tribunal da Relação o dever de alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

Por outro lado, sobre o recorrente que impugna a decisão que recaiu sobre a matéria de facto recaem ónus que devem ser observados, sob pena de imediata rejeição do recurso, os quais estão enunciados no artigo 640º do CPC (anterior artigo 685º-B do CPC, embora com algumas alterações) e que estabelece:
1– Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida;
c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2– No caso previsto na al.b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a)- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso, na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b)- Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3– O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº 2 do artigo 636º.”

Assim, como se escreve no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.01.2016, Proc. n.º 3316/10.4TBLRA.C1.S1, pesquisa em www.dgsi.pt e cujo entendimento temos perfilhado, 1)- A impugnação da decisão sobre a matéria de facto impõe ao recorrente que, nos termos do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil especifique os pontos concretos que considera incorrectamente julgados (a); os concretos meios probatórios constantes do processo, ou de registo ou gravação nele realizado, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida (b); a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (c).
(…)”

Sobre estes ónus escreve António Santos Abrantes Geraldes, na obra “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Almedina, pag.128, ”Importa observar que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.”    
  
Acresce que, sendo as conclusões que delimitam o objecto do recurso, impõe-se que, naquelas, o Recorrente especifique os concretos pontos de facto que, no seu entender, foram incorrectamente julgados (neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ de 30.11.2023, Proc.23356/17.1T8SNT.L2.S1, consultável em www.dgsi.pt e jurisprudência nele citada).
Percorridas e analisadas as conclusões consta-se que o Recorrente não expressa a vontade de impugnar a decisão que recaiu sobre a matéria de facto e, muito menos, especifica os concretos factos que, no seu entender, foram mal julgados pelo Tribunal a quo.

Contudo, nos artigos 3.º, 4.º e 5.º das alegações, o Autor afirmou, respectivamente:
”Quanto aos factos do ponto 2., salvo o devido respeito, o Apelante entende que o Tribunal a quo não podia dar como certo que “Por escrito, que assinaram…”, pergunta-se onde está a assinatura do trabalhador?
Ora o trabalhador, agora Apelante, como se disse acima, não se recorda de ter assinado qualquer exemplar do chamado Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho, e mais, o exemplar que lhe foi entregue, cuja cópia foi junta à p.i. como doc.2, efetivamente, não se encontra assinado por ele.
Não se entende, com o devido respeito, como já se disse, que a palavra da Ré tenha mais valor e credibilidade do que a palavra do Autor. Por norma é o trabalhador que se encontra, quase sempre, numa situação de maior fragilidade.”
“Quanto ao ponto 3., tal como se disse acima, o valor em dívida para com o trabalhador de 1.824,51€, que correspondia a vencimentos em atraso, não foi liquidado pela Ré durante o mês de Outubro de 2019, conforme se prova pela cópia junta.”
“Quanto aos pontos 4. e 5. é verdade que a Ré pagou ao Autor a quantia acima indicada, mas da forma como se explicou, ou seja, de 300,00€ em numerário e o restante valor de 1.524,51€, por transferência bancária, do Banco Millennium, para a conta do trabalhador, ora Apelante, somente no final do ano (31Dez2019).”

Ora, com as citadas alegações cremos que o Recorrente pretende impugnar a decisão que recaiu sobre a matéria de facto. Sucede, porém, que: i)-quanto à matéria do artigo 3.º, não indicou os meios probatórios, nem a decisão alternativa que pretende seja proferida; ii)-quanto ao artigo 4.º, o facto provado sob 3 limitou-se a descrever o teor do denominado Acordo de Pagamento, pelo que a sua apreciação redundaria na prática de acto inútil, proibido por lei (art.130.º do CPC); e iii)-quanto ao artigo 5.º não indicou os meios probatórios nem a decisão alternativa.
E como já dissemos, as conclusões não espelham esta vontade, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 640.º n.º 1 al.a) do CPC, é de rejeitar a impugnação da matéria de facto.
*

Debrucemo-nos, agora, sobre a questão de saber se o Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho é nulo por, alegadamente, não se mostrar assinado pelo Autor.

A este propósito escreve-se no saneador sentença o seguinte: “Ora, no caso, não restam dúvidas de que o contrato entre as partes cessou por acordo de revogação, reduzido a escrito, assinado por ambas as partes, materializado no escrito denominado de “acordo de cessação do contrato de trabalho” (de que, diga-se, ambas as partes tinham um exemplar, basta para tanto atentar a que o Autor juntou uma cópia, ainda que este exemplar não se mostrasse assinado pela Ré, desde logo com a petição inicial).” o Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho mostra-se assinado por ambas as partes e é válido e eficaz.”

Sustenta o Recorrente, por sua banda, que restam muitas dúvidas que o contrato de trabalho tenha cessado por acordo e que tenha sido assinado por ambas as partes, sendo certo que o Recorrente não tem nenhum exemplar do acordo de cessação do contrato de trabalho com a assinatura de ambas as partes, nem se recorda de ter assinado qualquer exemplar desse acordo e que o que se verificou foi que a Recorrida, unilateralmente, fez cessar o contrato de trabalho despedindo o Recorrente.

Apreciando:

Nos termos da al. b) do artigo 340.º do Código do Trabalho, para além de outras modalidades legalmente previstas, o contrato de trabalho pode cessar por revogação.
Por seu turno, estatui o artigo 349.º do CT, na redacção introduzida pela Lei n.º 73/2017, de 16 de Agosto, que o empregador e o trabalhador podem fazer cessar o contrato de trabalho por acordo (n.º1), exigindo o n.º 2 que o acordo de revogação conste de documento assinado por ambas as partes, ficando cada uma com um exemplar. De acordo com o n.º 3 da citada norma legal, o documento deve mencionar expressamente a data de celebração do acordo e a do início da produção dos respectivos efeitos, bem como o prazo legal para o exercício do direito de fazer cessar o acordo de revogação.
Sobre a exigência de forma escrita para o acordo de revogação do contrato de trabalho escreve o Professor João Leal Amado, na obra “Contrato de Trabalho”, 3.ª Edição Reimpressão, Coimbra Editora, pag.364: De resto, a exigência de forma escrita formulada pelo n.º 2 do art.º 349.º do CT («o acordo de revogação deve constar de documento assinado por ambas as partes, ficando cada uma com um exemplar»), a mais de facilitar a prova do acordo de cessação, constitui uma eloquente expressão daquele que é o principal objectivo prosseguido pela disciplina jurídica da revogação do contrato de trabalho: a tutela do trabalhador e da própria estabilidade do vínculo laboral, procurando assegurar que a sua vontade se forma de modo livre, esclarecido e ponderado. Por isso, a lei exige que o acordo revogatório conste de um documento escrito, ou seja, o acordo extintivo do contrato requer uma solenidade superior àquela que, em regra, é exigida para a própria celebração do contrato de trabalho (matéria em que, como é sabido, vigora o princípio do consensualismo, por força do artigo 110.º do CT)-ou não estivéssemos aqui perante o «despedimento negociado» a que supra se aludiu. A inobservância da forma escrita implicará a nulidade do acordo revogatório, nos termos gerais do art.220.º do C.Civil.”

Assim, como é pacífico, a redução a escrito do acordo de revogação do contrato de trabalho constitui uma formalidade ad substantiam cuja inobservância gera a nulidade do acordo de revogação nos termos do artigo 220.º do Código Civil.
Regressando ao caso, constata-se que, certamente por lapso, a decisão recorrida refere que o exemplar junto pelo Recorrente com a petição inicial não está assinado pela Recorrida.
Na verdade, com a petição inicial, o Recorrente juntou cópia do Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho assinado apenas pela Recorrida.
Na sequência de notificação do Tribunal a quo, a Recorrida juntou aos autos o Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho assinado pelo Recorrente e pela Recorrida. O Recorrente não impugnou o teor do mencionado Acordo, nem as assinaturas que dele constam (cfr.art.444.º do CPC).

Como esclarece o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.07.2015, Processo n.º 53/12.9TTVIS.C1.S, consultável em www.dgsi.pt (…)III– A invalidade/ineficácia de tal declaração negocial, consubstanciada em documento particular cuja assinatura foi reconhecida/não-impugnada pelo emitente, (só) pode ser questionada se/quando ocorra falta de consciência ou um qualquer outro vício da vontade, endógeno ou induzido por terceiro (v.g. erro, dolo, coação).

No caso, o que o Recorrente alega é que não lhe foi facultado um exemplar, o que é contrariado pelo facto de ter juntado um exemplar do Acordo em causa, embora assinado apenas pela Recorrida, e que não se lembra de ter assinado o dito documento, o que, como é dito na decisão recorrida, não vale como impugnação, mas sim como confissão por se tratar de facto pessoal, conforme dispõe o artigo 574.º n.º 3 do CPC.

Resta, pois, concluir, como concluiu o saneador sentença, que o Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho é válido. E produziu os seus efeitos, pois o Recorrente não fez cessar o acordo de revogação até ao sétimo dia seguinte à data da sua celebração, como lhe era permitido pelo n.º 1 do artigo 350.º do CT.

Por conseguinte, tendo o contrato de trabalho cessado por acordo, não colhe o argumento do Recorrente de que terá sido despedido.
Improcede, pois, esta pretensão do Recorrente.
*

Uma vez que se concluiu pela validade do Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho, apreciemos se, como defende o Recorrente, mesmo assim, sempre lhe seria devida uma compensação/indemnização pela cessação do contrato.

A este propósito escreve-se no saneador sentença o seguinte: “Sustenta o Autor ser-lhe devida uma “compensação pecuniária por cessação do contrato de trabalho”, que liquida em € 6.905,20, atenta a sua antiguidade e de acordo com os cálculos que indica em 17º da petição inicial.
Vejamos:
Tal como refere a Ré a lei laboral não fixa uma compensação para o caso de cessação do contrato de trabalho por acordo.
Já no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25 de Setembro de 1996, processo n.º 0005544, disponível in www.dgsi.pt, se escrevia:
“A este respeito, como escreve o Prof. Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, Vol. I, 8 ed., 1992, Coimbra, Liv. Almedina, págs. 433 e 434: "A revogação do contrato de trabalho opera a desvinculação das partes sem, por si mesma, envolver quaisquer outras consequências, nomeadamente patrimoniais. Quer isto dizer que, actuando a revogação apenas para o futuro, não há lugar às indemnizações e compensações previstas para os casos de despedimento propriamente dito, mas nem por isso ficam inutilizados os créditos e débitos existentes entre os sujeitos por virtude da execução do contrato revogado. Se havia horas extraordinárias por pagar, se o trabalhador devia algumas prestações do preço de uma ferramenta culposamente inutilizada por ele, etc., tais créditos e débitos têm que ser satisfeitos de igual modo".
Em síntese, o acordo revogatório do contrato de trabalho é livre e cessando o contrato, por essa via, por mútuo acordo não há lugar às prestações e compensações previstas para o caso de despedimento propriamente dito.
Assim, o acordo revogatório do contrato de trabalho não faz nascer na esfera jurídica do trabalhador o direito a uma qualquer compensação pela cessação do contrato de trabalho.
A pretensão do Autor de receber da Ré uma compensação pela cessação do contrato de trabalho assente na sua antiguidade – que cessou, reitere-se, não por despedimento mas por acordo revogatório – não teria, consequentemente, cabimento.
Reafirme-se que nada impede as partes, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, de estipularem em caso de acordo revogatório de contrato de trabalho compensações, porém tais compensações e/ou indemnizações não resultam, nesse caso, da lei, mas da livre vontade das partes.
Deste modo, cessando, como cessou, o contrato de trabalho entre as partes por acordo, não estava a Ré obrigada a pagar ao Autor uma compensação/indemnização calculada tendo por referência a sua antiguidade, como se de um despedimento se tratasse.
Por outro lado, dos termos do acordo celebrado entre as partes resulta que foi acordado o pagamento de uma quantia, a título de compensação pecuniária global, que, conforme resultou provado, a Ré pagou.”

Entende o Recorrente, em suma, que  a cessação do contrato de trabalho se ficou a dever, única e exclusivamente, à vontade unilateral da empregadora, que o despediu, pelo que sempre lhe seria devida uma compensação/indemnização pela cessação do contrato.
Adiantamos, desde já, que não assiste razão ao Recorrente.
Como já dissemos e reafirmamos, o Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho é válido, donde não se coloca a hipótese de ter ocorrido um despedimento e de ao Recorrente assistir o direito a uma compensação decorrente de um despedimento inexistente.
Porém, o n.º 5 do artigo 349.º do CT prevê que, no acordo de revogação do contrato de trabalho, as partes possam estabelecer uma compensação pecuniária global para o trabalhador.

Sobre esta compensação escreve o autor acima citado, na pag.365 da mesma obra:” O n.º 5 do preceito sub judice refere-se, precisamente, à chamada compensação de fim de contrato, tantas vezes acordada, entre as partes aquando da revogação do mesmo. Não sendo esta compensação devida ex vi legis, a grande frequência com que, na prática é  estipulada, deve-se ao facto dela surgir como uma espécie de «preço do despedimento negociado».Com efeito, se o acordo revogatório é, como já tivemos oportunidade de verificar, um autêntico despedimento negociado, então pode dizer-se que a compensação pecuniária será o preço  a pagar pelo empregador ao trabalhador para que as negociações cheguem a bom porto.”

Ou seja, no acordo de revogação, como bem concluiu a sentença recorrida, não é obrigatório as partes acordarem uma compensação pela cessação do contrato de trabalho.
No presente caso, Recorrente e Recorrida convencionaram, na Cláusula Segunda do Acordo de Cessação do Contrato uma compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato de trabalho.
Com efeito, as partes fizeram constar da Cláusula Segunda o seguinte:
1.–A BB, Lda. pagará ao Trabalhador, a título de compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato, o valor líquido de € 1.824,51 (mil oitocentos e vinte e quatro euros e cinquenta e um cêntimos), quantia esta que o Segundo Outorgante aceita, nada mais tendo a receber e/ou a reclamar.
2.–O pagamento da quantia referida no ponto 1 da presente cláusula é feito em transferência bancária, servindo o presente acordo de quitação.”

E na mesma data, Recorrente e Recorrida assinaram o denominado “Acordo de Pagamento” no qual declararam: “Fica acordado entre a BB, Lda. e AA que o valor em dívida de 1 824,51 (mil oitocentos e vinte e quatro euros e cinquenta e um cêntimos) vai ser liquidado pela BB durante o mês de Outubro de 2019”.

À primeira vista, estranha-se que, tendo as partes consignado no Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho que este serve de quitação, mesmo assim, ainda tenham assinado o denominado Acordo de Pagamento relativamente à mesma quantia de € 1 824,51. Porém, analisado o Acordo de Pagamento, dele apenas retiramos que, através do mesmo, as partes limitaram-se a acordar sobre a data em que seria liquidado o valor de €1 824,52 correspondente ao valor da compensação estabelecida no n.º 1 da Cláusula Segunda do Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho, pois não o afectaram ao pagamento de quaisquer outros créditos laborais, 
E como decorre do facto provado sob 4, a Recorrida pagou ao Recorrente esse valor,
Improcede, pois, esta questão.
Analisemos, por fim, se o valor pago pela Ré ao Autor não corresponde ao valor da compensação global pecuniária a que alude a Cláusula Segunda do Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho, mas a retribuições em atraso, não constituindo a declaração aposta no Acordo uma remissão abdicativa.
A estes propósito defende o Recorrente, em suma, que o valor que lhe foi pago pela Recorrida  não corresponde ao valor da compensação global pecuniária a que alude a Cláusula Segunda do Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho, mas a retribuições em atraso e que, contrariamente ao entendimento da Mma. Juíza, a declaração aposta no Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho de que “nada tem a reclamar da Entidade Patronal e/ou impugnar, seja a que título for, aceitando tal cessação nos seus precisos termos, não podendo, nomeadamente, interpor qualquer acção judicial com fundamento na cessação do se contrato de trabalho, nem queixa ou participação reivindicativa civil ou por qualquer outra forma reclamar quaisquer outros doreitos decorrentes do contrato de trabalho ora cessado”, não constitui uma remissão abdicativa, constituindo, sim, uma flagrante violação, nomeadamente dos artigos 20.º e 52.º da Constituição da República Portuguesa.

Sobre a questão pronunciou-se o saneador sentença assim:
“Vem, agora, o Autor sustentar que esse valor correspondia a créditos salariais vencidos a essa data, não assumindo a natureza de uma verdade compensação pecuniária de natureza global, pretendendo a condenação da Ré no pagamento, para além da compensação/indemnização por antiguidade (a que, conforme referido, o acordo revogatório do contrato de trabalho não daria direito), de outros créditos de que se arroga.
Ora, a este propósito, para além do que já se referiu acerca de não ser exigível o pagamento de uma qualquer compensação como condição de validade de um acordo revogatório do contrato de trabalho (por não determinar essa modalidade de cessação do contrato, por si, a obrigatoriedade do empregador indemnizar/compensar o trabalhador), nos termos do acordo celebrado entre as partes não só se se fez constar que a quantia ali indicada seria paga a “título de compensação pecuniária de natureza global” como o Autor declarou que “nada tem a reclamar da Entidade Patronal e/ou impugnar, seja a que título for, aceitando tal cessação nos seus precisos termos, não podendo, nomeadamente, interpor qualquer acção judicial com fundamento na cessação do se contrato de trabalho, nem queixa ou participação reivindicativa civil ou por qualquer outra forma reclamar quaisquer outros direitos decorrentes do contrato de trabalho ora cessado”.
Esta declaração configura uma remissão abdicativa.
(…).
Saber se determinada declaração deve ser entendida como integrada num contrato de remissão abdicativa pressupõe a interpretação dessa declaração negocial.
Nessa indagação deverá observar-se a disciplina contida no artigo 236º do Código Civil.
Analisando o vertido no n.º 3 da cláusula primeira e no n.º 1 da cláusula segunda, não pode deixar de se concluir que as declarações ali contidas consubstanciam uma verdadeira declaração negocial abdicativa.
De resto, é esse o sentido que um declaratário normal pode deduzir dessas declarações (artigo 236.º do Código Civil) e é esse o sentido que usualmente lhes é dado.
Acresce que as referidas cláusulas e declaração têm que ser lidas e interpretadas no contexto global dos acordos em que estão inseridas.
Ora, conforme resulta do n.º 1 da cláusula segunda, nesse acordo de cessação de contrato de trabalhoas partes acordaram no pagamento da quantia ali indicada a título de compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato de trabalho.
Nos termos do artigo 349º, n.º 5 do Código do Trabalho “Se no acordo (de cessação do contrato de trabalho) ou conjuntamente com este, as partes estabelecerem uma compensação pecuniária global, presume-se que esta inclui os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta Assim, da leitura conjugada das aludidas cláusulas primeira e segunda do “acordo de cessação de contrato de trabalho” celebrados entre as partes, resulta evidenciado que a intenção das partes foi a de porem termo ao contrato de trabalho por acordo, definindo  o momento temporal da produção dos respectivos efeitos e a contrapartida, global, que seria devida ao Autor “pela cessação do contrato”, ou seja, em consequência do termo do respectivo contrato de trabalho.
De resto, não pode deixar de se assinalar que foi expressamente declarado pelo Autor que “reconhece igualmente que nada tem a reclamar da Entidade Patronal e/ou impugnar, seja a que título for, aceitando tal cessação nos seus precisos termos, não podendo, nomeadamente, interpor qualquer acção judicial com fundamento na cessação do se contrato de trabalho, nem queixa ou participação reivindicativa civil ou por qualquer outra forma reclamar quaisquer outros direitos decorrentes do contrato de trabalho ora cessado”.
Diga-se, ainda, que nenhum facto foi alegado pelo Autor que, pudesse ser demonstrado, susceptível de ilidir a presunção prevista no artigo 349º, n.º 5 do Código do Trabalho.
Pelo exposto, em síntese, é de entender que se outros créditos houvesse, o Autor a eles renunciou, ou abdicou, nos termos do acordo que celebrou com a Ré, atento o disposto no artigo 863º do Código Civil.
E dúvidas não restam de que a Ré aceitou esse acordo, não só porque o “acordo de cessação de contrato de trabalho” se mostra também assinado pela Ré, mas porque, ainda que assim não fosse, sempre seria de entender que a Ré o teria aceite tacitamente. Conforme explica Antunes Varela (Op. Cit, pág. 246), a declaração de aceitação da proposta do remitente, pode considerar-se especialmente facilitada pelo disposto no artigo 234º do Código Civil, segundo o qual “quando a proposta, a própria natureza ou circunstâncias do negócio, ou os usos tornem dispensável a declaração de aceitação, tem-se o contrato por concluído logo que a conduta da outra parte mostre a intenção de aceitar a proposta”.
Por tudo o exposto, não só a pretensão do Autor receber da Ré uma indemnização/compensação por antiguidade é manifestamente improcedente, com o quer quanto a esta, quer quanto aos demais créditos reclamados se verifica a procedência da excepção de remissão abdicativa, que configura excepção peremptória, determinante da absolvição da Ré do pedido [cfr. artigos 576º, n.º 3 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho], o que sempre prejudicaria a apreciação da existência dos créditos reclamados, pois, ainda que existissem, estariam extintos.”

Vejamos.

Nos termos dos nºs 1 e 2 da Cláusula Primeira  do Acordo de Cessação de Contrato de Trabalho,  subscrito pelas partes, fizeram estas constar que aceitavam a cessação do contrato de trabalho com efeitos a partir de 30 de Setembro de 2019, bem como acordaram, no n.º 3 da mesma Cláusula, que:3.- Por tal motivo, o Trabalhador reconhece igualmente que nada tem a reclamar da Entidade Patronal e/ou impugnar, seja a que título for, aceitando tal cessação nos seus precisos termos, não podendo, nomeadamente, interpor qualquer acção judicial com fundamento na cessação do se contrato de trabalho, nem queixa ou participação reivindicativa civil ou por qualquer outra forma reclamar quaisquer outros doreitos decorrentes do contrato de trabalho ora cessado.”

E na Cláusula Segunda, as partes fizeram constar: 1.- A BB, Lda. pagará ao Trabalhador, a título de compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato, o valor líquido de € 1.824,51 (mil oitocentos e vinte e quatro euros e cinquenta e um cêntimos), quantia esta que o Segundo Outorgante aceita, nada mais tendo a receber e/ou a reclamar. 2.- O pagamento da quantia referida no ponto 1 da presente cláusula é feito em transferência bancária, servindo o presente acordo de quitação.”
Dispõe o n.º 5 do artigo 349.º do CT que “Se, no acordo ou conjuntamente com este, as partes estabelecerem uma compensação pecuniária global para o trabalhador, presume-se que esta inclui os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta.”
Conforme escreve o Professor João Leal Amado na obra citada, pag.366: “ É certo que i) a presunção legal só opera caso as partes estabeleçam uma compensação pecuniária de natureza global, pelo que nada as impede de  esclarecer que a compensação será de x, sem prejuízo dos créditos y, z; ii) a própria natureza global da compensação não se presume, pelo que se as partes especificarem o título ao abrigo do qual o montante acordado será pago (indicando, p.ex.,que este será devido a título de «indemnização pela cessação do contrato»), já à referida compensação não poderá ser atribuída uma natureza global; iii) por outro lado, o trabalhador apanhado de surpresa pela presunção legal pode lançar mão do direito potestativo previsto no art.350.º do CT (cessação do acordo de revogação), desfazendo o negócio extintivo do contrato de trabalho. Ainda assim, porém, atendendo aos valores juslaborais em presença, esta presunção não deixa de suscitar alguma perplexidade.”

No caso, atenta a fórmula adoptada nas Cláusulas Primeira n.º 3 e Segunda n.º 1 e socorrendo-nos das regras relativas à interpretação das declarações negociais (art.236.º do Código Civil), é de concluir, como concluiu o saneador sentença, que as partes quiseram pôr termo ao contrato e que acordaram, para tanto, numa contrapartida pecuniária global, pelo que, face ao disposto no n.º 5 do artigo 349.º do CT, é de presumir que a compensação pecuniária global acordada no valor de €1 824,51, inclui os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta. Repare-se ainda que, mesmo aceitando que o valor aposto na Cláusula Segunda respeita ao valor dos salários em dívida, o certo é que foi esse valor que os outorgantes do Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho elegeram a título de compensação pecuniária global pela cessação do contrato de trabalho.

E mesmo perfilhando o entendimento de que a presunção a que alude o n.º 5 do artigo 349.º do CT é uma presunção juris tantum, o certo é que os factos alegados pelo Recorrente não são suficientes para a ilidir, tanto mais que o Recorrente pretende uma compensação em valor correspondente à de um despedimento que, no caso, não se verificou.

Consequentemente, não tendo sido ilidida a mencionada presunção, prejudicada fica a apreciação da alegada remissão abdicativa na medida em que não existem créditos a reclamar por já incluídos na compensação global pecuniária acertada entre Recorrente e Recorrida.

Por conseguinte, não procede o recurso devendo o saneador sentença ser confirmado, embora com fundamentos não totalmente idênticos.

Considerando o disposto no artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, as custas são da responsabilidade do Recorrente.

Decisão

Face ao exposto, acordam as Juízas deste Tribunal e Secção em:
1Não admitir a junção aos autos do documento que acompanhou as alegações e, em consequência, determinar o seu desentranhamento e entrega ao Recorrente.
2Condenar o Recorrente na multa de 0,5UC.
3Rejeitar o recurso da matéria de facto nos termos supra mencionados.
4Julgar o recurso improcedente e confirmar o despacho saneador sentença recorrido.
Custas do recurso pelo Recorrente.



Lisboa, 21 de Fevereiro de 2024



Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Maria José Costa Pinto
Alda Martins