Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10926/20.0T8LSB-B.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: ALIMENTOS
MENORES
DIVÓRCIO
TRIBUNAL COMPETENTE
COMPENSAÇÃO ENTRE EX-CÔNJUGES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- Tendo ocorrido divórcio entre os progenitores, o titular e beneficiário  da obrigação de alimentos é o menor, agindo o progenitor (com guarda)  em substituição processual, parcial, representativa do menor.
II- Tendo o progenitor com a guarda dos menores assegurado todas as despesas destes, atento o incumprimento da prestação de alimentos pela ex-cônjuge, não pode aquele com tal fundamento extinguir, por compensação, as tornas devidas à ex-cônjuge nos termos do contrato-promessa de partilha.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
BB intenta ação declarativa de condenação contra  DD alegando, em síntese, que:
-Foram casados entre si em regime de comunhão de adquiridos, tendo-se divorciado em 18.8.2008;
- São progenitores de MM, nascida no dia 25 de Agosto de 1998, VV, nascido no dia 21 de Maio de 2002,  e de JJ, nascida no dia 11 de Fevereiro de 2004;
- Autor e Ré acordaram que esta prestaria alimentos aos filhos menores, na forma de pensão mínima mensal de € 300,00, na proporção de um terço para cada um dos filhos;
- Em 23 de Maio de 2008, Autor e Ré celebraram promessa de partilha do património comum, nos termos da qual ficavam para o outorgante marido todos os bens do ativo, bem como a responsabilidade pelo pagamento do passivo, recebendo a outorgante mulher, no ato da partilha, tomas no valor de € 35.000,00;
- Apesar de o autor ter marcado por duas vezes a realização da escritura de partilha, a ré faltou sempre à mesma;
- Desde 2008 que é o autor quem suporta todas as despesas com os filhos de ambos, não cumprindo a ré a sua obrigação de alimentos;
- Assim, a  título de pensão de alimentos, a Ré deve ao Autor, no valor total de € 44.760,88 e a título da parte que lhe cabia nas despesas de escolares, educativas e saúde dos filhos do casal, a Ré deve ao Autor, no valor total de € 25.491,65.
Termina formulando os seguintes pedidos:
«
a) seja proferida sentença a declarar a transmissão a favor do Autor dos bens do seu dissolvido matrimónio, nos termos do contrato- promessa de partilha celebrado, sendo o direito sobre a metade indivisa da fração autónoma  destinada a habitação, designada pela letra “U”, correspondente ao 10.° andar esquerdo do prédio urbano sito na (...)1, freguesia de (...), concelho de Lisboa, inscrito na matriz sob o artigo (...) e descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número (...), do Livro F-18, da propriedade de ambos, adjudicado ao Autor;
b) seja reconhecido o crédito do autor sobre a Ré no valor de € 77.240,23, a título de alimentos devidos aos filhos do casal e juros vencidos;
c) seja declarada a compensação do crédito de tomas que a Ré tem a receber do Autor, no valor de € 35.000, com o crédito no montante de € 77.240,23 de que o Autor é titular sobre a Ré, a título de alimentos devidos aos filhos do casal e juros vencidos;
d) seja a Ré condenada a pagar ao Autor o remanescente de 42.240,23, a título daquelas prestações alimentares, acrescidos dos respetivos juros vincendos sobre a quantia de € 35.252,53 (€ 44.760,88 + € 25.491,65 - € 35.000), desde a data da citação;
e) subsidiariamente, a não ser reconhecido o crédito de tomas da Ré sobre o Autor ou a compensação de créditos operada por este, seja a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de € € 77.240,23, acrescida de juros vincendos sobre a quantia de € 70.252,53 (€ 44.760,88 + € 25.491,65), desde a data da citação.»
Em 16.3.2022, o tribunal a quo proferiu a seguinte decisão [impugnada]:
«Conforme entendimento plasmado no despacho de 21-01-2022, segunda parte, afigura-se-nos no que concerne aos pedidos deduzido sob a al. nomeadamente “b)  seja reconhecido o crédito do autor sobre a Ré no valor de € 77.240,23, a título de alimentos devidos aos filhos do casal e juros vencidos” e e)  “subsidiariamente, a não ser reconhecido o crédito de tomas da Ré sobre o Autor ou a compensação de créditos operada por este, seja a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de € € 77.240,23, acrescida de juros vincendos sobre a quantia de € 70.252,53 (€ 44.760,88 + € 25.491,65), desde a data da citação”,  estando em causa um crédito de alimentos devida aos filhos do casal, bem como a parte que à R cabia participar nas despesas de educação e saúde (devidas entre anos 2008 e 2020), a competência para tal matéria é da exclusiva competência dos tribunais de família e menores, nos termos do artigo 123º als. d) e e) da LOSJ. Estamos perante uma incompetência em razão da matéria, de conhecimento oficioso, cuja consequência é a absolvição da Rés da instância - arts. 96.º, 97.º, 278.º, n.º 1, al. e), 577.º, al. a), todos do CPC.
Pelo exposto, julgo este Tribunal incompetente para a tramitação do pedido constante na al. b) da petição inicial e, consequentemente, absolvo a Ré DD da instância dos mesmos pedidos.
(…)
No que concerne aos pedidos constantes das alíneas c) “seja declarada a compensação do crédito de tomas que a Ré tem a receber do Autor, no valor de € 35.000, com o crédito no montante de € 77.240,23 de que o Autor é titular sobre a Ré, a título de alimentos devidos aos filhos do casal e juros vencidos” e d) “seja a Ré condenada a pagar ao Autor o remanescente de 42.240,23, a título daquelas prestações alimentares, acrescidos dos respetivos juros vincendos sobre a quantia de € 35.252,53 (€ 44.760,88 + € 25.491,65 - € 35.000), desde a data da citação”, entende-se verificar-se uma incompatibilidade de cumulação de pedidos e causa de pedir, tal qual está prevista na al. c) do artigo 186° do CPC, atenta a natureza de créditos de alimentos a menores, cujo reconhecimento o A peticiona como seu, quando, não é um direito próprio do A, que se insira na sua esfera jurídica, mas são créditos dos filhos da A e R., não existindo assim créditos recíprocos do A e R que possam ser compensados, à luz do artigo 847° do CC.
Na esteira do decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-07­2014, disponível in www.dgsi.pt «No art.° 847°, n° 1, o primeiro dos requisitos exigíveis para que haja compensação é a existência de créditos recíprocos, o que significa que cada uma das partes tem que possuir na sua esfera jurídica um crédito sobre a outra parte, e só pode operar a compensação para extinguir a sua própria dívida. Assim, o declarante só pode usar para efetuar a compensação créditos seus sobre o seu credor, estando-lhe vedada a utilização para esse efeito de créditos alheios ainda que o titular respetivo dê o seu consentimento (art.º 851.º, n.º 2).”
(…)
[Na situação dos autos, A e R não estão a falar de créditos próprios, de créditos seus, de direitos que se insiram na esfera jurídica de cada um deles, mas de créditos dos filhos de ambos, que representam, contra cada um deles, progenitores. O crédito de alimentos são dos filhos menores; são eles os credores da prestação alimentícia e são deles, por isso, o direito de exigir alimentos de cada um dos pais, ainda que para tanto tenham que ser representados.]
O art.° 1905° é expresso no sentido de que os alimentos são devidos ao filho pelos seus pais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento; o mesmo se passando relativamente aos cônjuges separados de facto (art.° 1909°). Também o art.° 186°, n° 1, da OTM, estabelece que fixação dos alimentos devidos ao menor, ou a alteração dos anteriormente fixados, o seu representante legal, o curador, a pessoa à guarda de quem aquele se encontre ou o director do estabelecimento de educação ou assistência a quem tenha sido confiado.
Amadeu Colaço transcreve o sumário de um acórdão da Relação de Coimbra de 12.10.2004, nos seguintes termos: “o dever de contribuir para o sustento dos filhos menores   constitui uma obrigação dos pais, assumindo estes a posição de devedores e aqueles a de credores, tendo origem na relação biológica da filiação”.
Ainda que normalmente gerida pelo progenitor que exerce as responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho que com ele reside, é habitualmente o outro progenitor que se constitui devedor da pensão de alimentos (art.° 2005°), devendo prestá-los nos termos fixados ou homologados judicialmente. Se ocorre um pai suceder ao outro na obrigação de prestar alimentos, admitir a possibilidade de compensar tais créditos entre eles prejudicaria o próprio filho (o verdadeiro credor), pois que, sendo beneficiário das prestações alimentícias a que ambos os pais estariam obrigados, ficariam sem a possibilidade de delas usufruir por os progenitores se perdoarem mutuamente as prestações devidas, mesmo prestações já vencidas. Levado ao extremo, o menor poderia ser colocado pelos pais numa situação de não beneficiar de qualquer prestação quando, na realidade, o tribunal fixou a pensão a que tem direito por reconhecida necessidade e dependência. Deixar-se-ia nas mãos dos pais a possibilidade de frustrarem o superior interesse do filho menor, judicialmente reconhecido, prejudicando, em alguma medida, o seu sustento, instrução e educação ou ainda que apenas o nível de bem-estar de que o alimentando fruiria se estivesse integrado no meio familiar do obrigado.”
(…)
É no plano de um direito verdadeiramente inerente à personalidade do alimentando que o crédito de alimentos é irrenunciável, indisponível e impenhorável (art.° 2008°). A prestação de alimentos do filho menor deve ser efetiva e o obrigado deve pagá-la nos termos estabelecidos a favor daquele. A prestação não é um direito do outro progenitor (não obrigado) e, por isso, não ocorre, no caso, o requisito da reciprocidade dos créditos, indispensável à compensação.
Pires de Lima e A. Varela vão mesmo mais longe ao referirem que “não há que por, quanto a alimentos, por ser de impossível verificação, o caso de obrigações recíprocas da justificando assim que o art.º 2008º prevê uma impossibilidade (e, diríamos nós, absoluta) de compensação de prestações alimentícias. » vd Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-07-2014, já citado.
Nestes termos, por se verificar a incompatibilidade substancial entre os pedidos cumulados nas alíneas c) e d) - ou seja, a compensação de créditos de alimentos a menores, filhos A. e R, como se direito próprio do A. fosse e o crédito de tornas da Ré decorrente da partilha de bens do casamento dissolvido da A. e R., nos termos do artigo 186° als. c) e d) do Código de Processo Civil, verifica-se uma ineptidão da petição inicial quanto a tais pedidos, nos termos do artigo 577° do CPC, absolvendo-se da instância a Ré quanto aos mesmos pedidos constantes nas alíneas c) e d).»
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou o requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes CONCLUSÕES:
«
1.a
O presente recurso tem por objeto a decisão de fls. (referência citius 413863673), absolutória da Ré da instância quanto aos pedidos formulados nas alíneas b) e e), por incompetência do Tribunal a quo em razão da matéria, e nas alíneas c) e d), por ineptidão da petição inicial.
2. a
Quanto aos pedidos formulados nas alíneas c) e d), a decisão impugnada não foi formalmente proferida em despacho saneador, mas absolveu a Ré da instância, sem pôr termo ao processo, pelo que dela cabe recurso autónomo, a subir imediatamente.
3. a
Na alínea b), o ora Apelante pediu o reconhecimento de crédito sobre a Recorrida no valor de € 77.240,23, a título de alimentos devidos aos filhos do casal e juros vencidos; a título subsidiário, pediu, sob a alínea e), a condenação da Apelada a pagar-lhe aquele valor, acrescido de juros vincendos desde a data da citação.
4. a
O Recorrente não peticionou nos autos a regulação do exercício das responsabilidade parentais sobre os filhos menores que nasceram do casamento com a Apelada, nem o conhecimento de questões respeitantes àquele exercício.
5.a
O Recorrente não pediu ao Tribunal a quo a fixação da prestação de alimentos, nem executou o património da Apelada por dívida de alimentos.
6.a
A presente ação não constitui nenhuma das providências tutelares cíveis previstas nas alíneas c) e d) do artigo 3.° do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, pelo que a competência para o respetivo julgamento não é conferida aos juízos de família e menores, em concreto pelas normas das alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 123.° da Lei da Organização do Sistema Judiciário.
7. a
Pertencendo antes aos juízos cíveis, enquanto tribunais comuns, e ao juízo central cível, por se tratar de ação de valor superior a € 50.000.
8. a
O Apelante pediu o reconhecimento de crédito emergente de prestação alimentar, em primeira linha, para extinguir por compensação o dever de pagamento de tornas emergente de pedido de execução específica de contrato.
9.a
Tendo o juízo central cível competência para apreciar aquele pedido de execução específica, deve igualmente ser competente para conhecer de causa extintiva - a compensação - da obrigação de pagamento de tornas prevista no mesmo contrato.
10.a
Sob a alínea c), o Apelante pretendeu ver declarada a compensação do crédito de € 35.000 de tornas que a Recorrida dele teria a receber, com o crédito de € 77.240,23 de que é titular sobre aquela, a título de alimentos devidos aos filhos do casal; da alínea d) consta o pedido de condenação da Recorrida no pagamento do remanescente de € 42.240,23, acrescidos de juros vincendos.
11.a
A Apelada não cumpriu a prestação de alimentos a que se encontrava obrigada, mas os filhos do casal continuaram a ser sustentados, a sua segurança mantida, a saúde vigiada e a educação dirigida, porque o Recorrente assegurou a totalidade dos alimentos devidos aos menores, cumprindo em lugar do progenitor inadimplente.
12.a
O Apelante ficou investido no crédito correspondente sobre a Recorrida, seja por sub-rogação legal, já que teve interesse direto na satisfação da prestação alimentar, seja por via do regresso quanto à parte da dívida que satisfez para além do que lhe competia, na configuração, alternativa, de reconhecimento da responsabilidade solidária dos progenitores pelos alimentos devidos aos filhos menores.
13. a
A titularidade do crédito é particularmente nítida quanto às despesas escolares, educativas e de saúde dos filhos do casal, que a Recorrida se obrigou a suportar em metade, mas que foram pagas na totalidade pelo Apelante, que assim se tornou credor daquela, por ter proporcionado aos menores os cuidados de saúde e de educação para além da medida que lhe competia.
14. a
Este crédito do Apelante sobre a Recorrida é suscetível de extinção por via compensatória, pois apenas esta, enquanto obrigada a alimentos, não pode livrar-se da sua dívida através de compensação.
15. a
A decisão recorrida infringiu o disposto nos artigos 40.°, 123.°/1, alíneas d) e e), e 117.°/1, alínea a), da Lei da Organização do Sistema Judiciário, no artigo 64.° do Código de Processo Civil e nos artigos 524.° e 592.°/1 do Código Civil.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que determine o prosseguimento dos autos para conhecimento dos pedidos formulados na petição inicial, sob as alíneas b) a e).»
*
Contra-alegou a apelada, propugnando pela improcedência da apelação.
Este Tribunal da Relação conferiu o contraditório às partes, pretendendo pronunciar-se sobre o mérito dos pedidos das alíneas c) e d) da petição.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, as questões a decidir consistem em aferir:
i. se ocorre incompetência material do tribunal para a apreciação dos pedidos enunciados sob b) e e);
ii. se ocorre incompatibilidade substancial entre os pedidos deduzidos sob c) e d), ocorrendo nesta parte ineptidão da petição inicial.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto relevante para a apreciação de mérito é a que consta do relatório, cujo teor se dá por reproduzido.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
se ocorre incompetência material do tribunal para a apreciação dos pedidos enunciados sob b) e e).
Tendo o autor e a ré, aquando do divórcio, fixado por acordo o montante dos alimentos devidos pela ré, o incumprimento de tal prestação alimentícia sujeita-se a um regime próprio.
Com efeito, o Artigo 41º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível prevê uma tramitação própria  que o progenitor não incumpridor poderá acionar face ao progenitor não cumpridor. O Artigo 48º do mesmo diploma prevê um procedimento executivo especial para tornar efetiva a prestação de alimentos.
Por sua vez, o Artigo  989º do Código de Processo Civil , prevê o procedimento a seguir quanto a alimentos devidos a filho maior, o que também já é o caso. Conforme se refere em Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 2020, Almedina, p. 441-442, « No que tange à legitimidade ativa, com referência a uma situação em que um dos progenitores esteja em dívida quanto a prestações alimentícias vencidas na menoridade do filho, o outro progenitor manterá ainda legitimidade para instaurar a execução, a par do próprio filho já maior. Na verdade, o título executivo formou-se antes de o alimentando atingir a maioridade, sendo o credor imediato das mesmas o progenitor que, entretanto, suportou as despesas correspondentes, ainda que em nome desse filho (RL 17-12-20, 373/14, RL 16-10-18, 4189/17).»
Ora, o tribunal competente para apreciar o incumprimento da obrigação de alimentos, bem como para os procedimentos executivos daí emergentes, é – de facto – o tribunal de Família e Menores, nos termos das disposições conjugadas dos Artigos 123º, nº1, als. d) e e) e Artigo 3º, als. c) e d), do RGPTC.
Nada há, pois, a censurar nesse segmento à decisão impugnada.
Se ocorre incompatibilidade substancial entre os pedidos deduzidos sob c) e d), ocorrendo nesta parte ineptidão da petição inicial.
Em caso de divórcio e de fixação de direito a alimentos a favor de menor,  o titular desse direito é o menor e não o progenitor a quem está confiada a guarda do menor.
Na síntese de Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores), Coimbra Editora, 2007, pp. 333-334:
«Devendo o julgador individualizar os montantes devidos à pessoa do outro cônjuge e aqueles cujo beneficiário é o menor, certo é que o cônjuge, a quem incumbe a guarda do menor não aufere, aufere iure próprio, todas as quantias fixadas pelo juiz, a despeito de ser o titular dos poderes-deveres paternais e estar legalmente autorizado a exercê-los, aí onde se inclui o custeamento dos encargos mencionados no art. 1879º do CC, já que uma coisa  é o custeamento da parte que lhe cabe em relação aos encargos financeiros originados pelo sustento e manutenção do menor, que são a consequência do funcionamento do exercício do poder paternal , coisa diversa são as quantias cujo pagamento o outro progenitor (devedor de alimentos) se obriga precisamente em atenção à pessoa do menor, cuja guarda não detém (ou só detém , alternadamente), as quais devem ser entregues ao outro progenitor para que este as utilize no custeamento das referidos despesas.
A pessoa do titular delas coincide com a do beneficiário: o menor.
O progenitor (com guarda) age, por isso, em substituição processual, parcial, representativa do menor.»
Na substituição processual alguém faz valer em juízo, em nome próprio, um direito alheio – cf. , por todos,  João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL, 2022, p. 336.
Em suma,  os titulares do direito a alimentos são os filhos do autor e da ré e não o autor (cf. Artigos 1905º, nº 1, e 2003º, nºs 1 e 2 do Código Civil).
Na jurisprudência, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4.4.2019, Arlindo Crua, 18697/17:
- no processo especial de incumprimento, a dedução pelo Requerido progenitor de alegadas despesas feitas com os filhos, como contra crédito do débito de alimentos que fundamento o petitório contra si deduzido, sem deduzir reconvenção (e independentemente da legal admissibilidade desta), mais não consiste do que a invocação de defesa por exceção de compensação, nos moldes previstos nos artigos 847º e 848º, ambos do Cód. Civil;
- todavia, na presente sede, não é legalmente viável o funcionamento do mecanismo da compensação, pois, desde logo, não se preenche o requisito da reciprocidade dos créditos, indispensável à sua operacionalidade;
- efetivamente, a Requerente e o Requerido não estão a aludir a créditos próprios, de que sejam titulares, de direitos que detenham na sua esfera jurídica, mas antes de créditos dos filhos de ambos, que representam.
Nessa medida, está arredada a possibilidade de compensação desde logo porque o autor não é o titular de tais créditos de alimentos, sendo que a compensação só pode ser utilizada para compensação de créditos próprios (cf. Artigo 851º, nº2, do Código Civil), não sendo manifestamente esse o caso.
Face ao que fica dito, é correta a análise efetuada no despacho impugnado quando aí se afirma:
«Na esteira do decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-07­2014, disponível in www.dgsi.pt «No art.° 847°, n° 1, o primeiro dos requisitos exigíveis para que haja compensação é a existência de créditos recíprocos, o que significa que cada uma das partes tem que possuir na sua esfera jurídica um crédito sobre a outra parte, e só pode operar a compensação para extinguir a sua própria dívida. Assim, o declarante só pode usar para efetuar a compensação créditos seus sobre o seu credor, estando-lhe vedada a utilização para esse efeito de créditos alheios ainda que o titular respetivo dê o seu consentimento (art. 851º, nº2)”.
[Na situação dos autos, A e R não estão a falar de créditos próprios, de créditos seus, de direitos que se insiram na esfera jurídica de cada um deles, mas de créditos dos filhos de ambos, que representam, contra cada um deles, progenitores. O crédito de alimentos são dos filhos menores; são eles os credores da prestação alimentícia e são deles, por isso, o direito de exigir alimentos de cada um dos pais, ainda que para tanto tenham que ser representados.]»
Todavia, já é despropositada a ilação que o tribunal a quo daí retira no sentido de que ocorre «a incompatibilidade substancial entre os pedidos cumulados nas alíneas c) e d) - ou seja, a compensação de créditos de alimentos a menores, filhos A. e R, como se direito próprio do A. fosse e o crédito de tornas da Ré decorrente da partilha de bens do casamento dissolvido da A. e R., nos termos do artigo 186° als. c) e d) do Código de Processo Civil.»
O tribunal a quo efetuou uma primeira subsunção da pretensão ao direito substantivo de forma pertinente, após o que concluiu – erradamente - que ocorria uma exceção dilatória da ineptidão da petição inicial.
Nos termos do Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil, «O juiz não está sujeitos às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.» Segundo este princípio da oficiosidade no que tange à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, incumbe ao Tribunal (incluindo o da Relação) proceder à qualificaçao que julgue adequada, dentro da fronteira da factualidade alegada e provada.
Destarte, esse Tribunal da Relação considera que os pedidos formulados pelo autor sob as alíneas c) e d) são, de acordo com o direito material pertinente, absolutamente improcedentes porquanto não têm fundamento legal bastante, mesmo a provarem-se os factos pertinentes alegados pelo autor.
Ao contrário do que entendeu o tribunal a quo, o vício em causa não é de incompatibilidade substancial entre causas de pedir ou pedidos, o qual ocorre quando os fundamentos da ação se excluem reciprocamente ou quando os pedidos se excluem reciprocamente (cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 2020, Almedina, pp. 233-234).
Termos em que, também nesta sede, improcede o recurso porquanto – tal como também reconheceu a 1ª instância – não estão preenchidos os requisitos da compensação, nomeadamente o da reciprocidade dos créditos.
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art. 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida quanto ao dispositivo atinente à incompetência material, mais se julgando improcedentes os pedidos enunciados sob c) e d).
Custas pela apelante na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 14.7.2022
Luís Filipe Sousa
José Capacete
Carlos Oliveira
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., 2018, p. 115.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 119.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).