Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5195/21.7T8ALM.L1-4
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
JUSTA CAUSA
FALTA DE PAGAMENTO DA RETRIBUIÇÃO
SUSPENSÃO PREVENTIVA DO TRABALHADOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I - Considera-se ocorrer justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador quando este se encontra sem receber retribuição durante mais de três meses, estando suspenso preventivamente no âmbito de um processo disciplinar que a entidade patronal lhe instaurou e não chegou a concluir.
II - A suspensão preventiva do trabalhador confere a este o direito a não trabalhar e a continuar a auferir a retribuição, beneficiando da presunção prevista no n.º 5, do artigo 394.º, do Código do Trabalho.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
1.1. AAA intentou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do Processo Comum, contra “PANIFICADORA CENTRAL SEIXALENSE, LDA.” pedindo: (i) que se reconheça a sua antiguidade reportada à data de 20 de Abril de 1975; (ii) que seja reconhecido que auferia a retribuição mensal líquida de €1.000,00; (iii) que seja reconhecida a justa causa resolutiva do seu contrato de trabalho; (iv) que seja a ré condenada no pagamento da quantia de €63.060,26, a título de créditos laborais vencidos à data da cessação do contrato de trabalho, acrescidos da indemnização decorrente da resolução com fundamento em justa causa; (v) que seja a ré condenada no pagamento de juros de mora.
Alegou, em síntese, que: (i) foi admitido ao serviço da ré em 20 de Abril de 1975 através de contrato de trabalho não reduzido a escrito, desempenhando, ultimamente, a actividade correspondente à categoria de encarregado; (ii) auferia a retribuição mensal declarada de €635,00 e uma retribuição real e efectiva de €1.000,00 líquidos; (iii) no dia 1 de Abril de 2020, foi notificado da instauração de procedimento disciplinar, tendo sido suspenso preventivamente de funções; (iv) no âmbito do procedimento disciplinar, foi notificado da nota de culpa à qual respondeu; (v) a sua suspensão preventiva manteve-se; (vi) a ré, contudo, não concluiu o procedimento disciplinar e não pagou a sua retribuição no decurso da suspensão preventiva, situação que se mantinha em 28 de Abril de 2021; (vii) perante esta situação e como vivesse a expensas do seu irmão, operou a resolução do contrato de trabalho com fundamento na falta de pagamento pontual das retribuições; (viii) aquando da cessação do contrato de trabalho, a ré não procedeu ao pagamento dos créditos vencidos e decorrentes dessa cessação.
Teve lugar a audiência de partes, sem conciliação.
A ré contestou a acção e deduziu pedido reconvencional. Alegou, em síntese, que: (i) mostra-se caduco o direito de o autor operar a resolução do contrato de trabalho; (ii) no final de Abril de 2020, o autor foi convocado para comparecer no escritório do mandatário da ré a fim de assinar o recibo de vencimento respeitante ao mês de Março, receber o vencimento do mês de Abril e receber a nota de culpa no âmbito do procedimento disciplinar instaurado; (iii) tratava-se de uma situação excepcional, uma vez que o autor recebia a sua retribuição em dinheiro, no seu local de trabalho; (iv) o autor recusou receber o vencimento e assinar qualquer documento, sendo que, depois, nunca mais foi visto no local de trabalho ou abordou a ré no sentido de receber a sua retribuição. A título reconvencional peticionou a ré fosse operada a compensação de créditos em virtude de vales de caixa que lhe foram concedidos e que não foram liquidados.
O autor respondeu à matéria de excepção, pugnando pela sua improcedência. E também quanto ao pedido reconvencional, alegando, em síntese, que: (i) assume como válido o valor de €9.000,00, a título de vales; (ii) desse valor, pagou à ré a quantia de €5.000,00, subsistindo, assim e apenas em dívida a quantia de €4.000,00.
Foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Teve lugar a audiência final.
Proferida sentença nela se finalizou com o seguinte dispositivo:
“Por tudo quanto se deixou exposto, o tribunal julga a presente acção procedente, procedente o pedido reconvencional, e, em consequência:
(i) reconhece como correspondendo à retribuição auferida pelo autor a quantia de €1.000,00 (mil euros) líquidos desde Agosto de 2019;
(ii) reconhece a justa causa de resolução do contrato de trabalho operada pelo autor;
(iii) condena  a ré a pagar ao autor, a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho, a quantia de €46.060,27 (quarenta e seis mil e sessenta euros e vinte e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
(iv) condena a ré a pagar ao autor, a título de créditos laborais emergentes da execução e da cessação do contrato de trabalho, a quantia de €17.000,00 (dezassete mil euros) líquidos, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
(v) opera a compensação da quantia de €9.000,00 (nove mil euros), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data da notificação ao autor do pedido reconvencional, até efectiva e integral compensação, sobre a quantia referida em (iv)”.
1.2. Inconformada com esta decisão dela recorre a Ré, formulando as seguintes conclusões:
I– Objecto do recurso - Pugna a recorrente, pela improcedência da justa causa resolutiva do contrato de trabalho vertente, acolhida na douta sentença, considerando determinante, para que o A, não recebesse a sua retribuição tempestivamente, a sua conduta omissiva ao, encontrando-se suspenso de funções, não se deslocar ao seu local de trabalho para o efeito, atento o facto de receber em dinheiro e no indicado local.
II - Por fim, entende a recorrente, que, salvo o devido respeito, mal andou a douta sentença, salvo o devido respeito, ao fixar a retribuição mensal líquida do A. em 1.000,00€ (ponto 3 da matéria de facto dada por provada), face ao conjunto da prova produzida, em particular, atenta a sua natureza, exiguidade e falta de credibilidade.
A – DA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NA RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
I
II - A recorrente diligenciou para que o recorrido recebesse o seu vencimento, mas este recursou recebe-lo.
IV - O A. não reclamou o pagamento do seu vencimento no local onde sempre recebera, em dinheiro, contra recibo
V - A assinatura de recibo de vencimento, confere quitação da quantia recebida, mas não preclude a eventual reclamação de alegadas diferenças salariais.
VI - A R. processou, em nome do A., recibos de vencimentos, sobre os quais pagou as respectivas contribuições para a segurança social, que outra intenção teria que não fosse colocar à disposição do seu trabalhador as quantias referentes ao seu vencimento?
VII - Entende a recorrente que deveria ter sido dado por provado que: “A R. colocou à disposição do A. o seu vencimento, tendo para o efeito emitido os respectivos recibos de vencimento.”, pugnando-se pelo seu aditamento.
VII - Ora como resultou provado o lugar de pagamento da retribuição à A. era o do seu local do trabalho, de harmonia com o disposto no n.º 1 do art.º 277º do Código do Trabalho.
IX - Estando o contrato suspenso, tal facto não afasta aplicação do art.º 277º do Código do Trabalho, sendo que só após a sua cessação, se aplica a regra supletiva constante no art.º 774º do Código Civil, segundo a qual “se a obrigação tiver por objecto certa quantia em dinheiro, deve a prestação ser efectuada no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento.”
X - Mantendo-se como lugar do pagamento o local de trabalho, cabia ao A., por si ou interposta pessoa, para o efeito mandatada, reclamar o pagamento da retribuição, nesse lugar, o que não fez, incorrendo numa situação de mora a si imputável (mora do credor), nos termos do art.º 813.º CC e 278.º, n.º 5 do Código do Trabalho.
XI Não tendo a R. que mandar pagar a retribuição em lugar diverso do local de trabalho, embora o tenha tentado, e nem sequer que avisar o A. que a retribuição se encontrava à sua disposição no local de trabalho, estando-se perante uma obrigação com prazo certo e com lugar de pagamento no local de trabalho e, nessa medida,
XII - Não se verificou mora da R. aqui devedora, mas mora do A., aqui credor, situação que não preenche, pois, a previsão da referida al. a) do n.º 2 do art.º 394.º do Código do Trabalho.
XIII - Não pode colher a douta sentença ao julgar verificada a justa causa resolutiva, tudo sem prejuízo da produção dos efeitos próprios da denúncia levada a cabo pelo A., pelo que a mesma violou o disposto na al. a) do n.º 2 do art.º 394.º do Código do Trabalho.
- DA FIXAÇÃO DO VALOR DA RETRIBUIÇÃO (ponto 3 da matéria de facto dada por provada)
XIV - A douta sentença, para formar a sua convicção, socorre-se de dois documentos cujas cópias constam nos autos (docs n.ºs 1 e 2 juntos com a P.I.), do que entende ser a falta de credibilidade do depoimento de parte, e deu crédito à única testemunha do A., seu irmão.
XV - A junção da cópia de dois envelopes revela-se inidónea para caracterizar o que possa ser uma prestação pecuniária que integre a retribuição, tendo em conta o caracter de regularidade e periodicidade que se impõe considerar.
XVI - Não ficou provado quantum remuneratório diverso daquele que figura nos recibos de vencimento juntos aos autos.
A este propósito referiu, em depoimento de parte, o legal representante da R., (…)  (HMC) a instâncias do Ilustre Mandatário da R. (IMR) (excerto da sessão única de julgamento no dia 19/01/22, mn. 20H10):
HMC – Os trabalhadores recebem o ordenado que têm na folha, as caixas previdências, pago eu tudo, eles não pagam nada…
E depois (excerto da sessão única de julgamento no dia 19/01/22, mn. 20H45):
IMR- O Senhor mantém que o Senhor (AAA) ganhava 650,00€ por mês?
HMC- Era o que estava na folha era o que ele ganhava.
E ainda, a instâncias de Meritíssima Juíza (excerto da sessão única de julgamento no dia 19/01/22, mn. 24:13):
HMC – Ganham o que está na folha.
XVII - É preciso aqui entender que o legal representante da empresa tem 84 anos e foi notório que não reconheceu os dois envelopes que lhe foram exibidos, sendo certo que mensalmente são às centenas, no sentido de poder afirmar, com segurança, que foram entregues ao A. para pagamento de vencimentos deste, e assim,
Quando perguntado pelo Ilustre Mandatário da R. (IMR) (excerto da sessão única de julgamento no dia 19/01/22, mn. 06H04) refere o legal representante da R.(HMC):
IMR – Foi junto ao processo dois envelopes, tem umas letras apostas num lado e dentro têm um número:
HMC – Envelopes para pagamento, faço pagamentos a dinheiro.
XVIII - Existem outros envelopes que são entregues para pagamento a fornecedores, podendo os envelopes em causa terem sido entregues ao A. para esse efeito. E depois, quando instando sobre os vencimentos pelo Ilustre Mandatário do A. (excerto da sessão única de julgamento no dia 19/01/22, mn. 19:08) refere o legal representante da R.(HMC):
HMC – Os ordenados é o que se pertence dar…ninguém impede gratificar e ajudar...
XIX - Reconheceu reiteradamente o depoente que as retribuições pagas constam dos recibos emitidos, podendo ocasionalmente gratificar algum trabalhador.
XX - O conceito de gratificação não se integra naquele outro de retribuição, excepto se, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição (art.º 260.º, n.º 3 al. a) do Código do Trabalho).
XXI - Mesmo que se aceitasse que as cópias dos dois envelopes junto aos autos respeitassem a pagamentos efetuados ao A. e que continham no seu interior os 1.000,00€, o que não se aceita, esta prova documental não tinha, por si só, a virtualidade de atribuir um carácter regular e permanente a tais pagamentos.
XXII - Ter-se-á socorrido a douta sentença, da única testemunha apresentada pelo A., que o tribunal considerou tratar-se de um depoimento isento, assente na ideia que a proximidade familiar torna natural a partilha de informações inerentes ao trabalho, inclusive ao que se aufere mensalmente. No início do seu depoimento, inquirido pela Meritíssima Juíza (MJ), respondeu a testemunha (…) (RMC) (excerto da sessão única de julgamento no dia 19/01/22, mn. 01:40): MJ – Tem algum interesse pessoal nesta causa?... O Senhor guarda ou perde alguma coisa? RMC – Não ganho nem perco nada com isto. Mais tarde a instâncias do Ilustre Mandatário da R. (IMR), respondeu esta testemunha (excerto da sessão única de julgamento no dia 19/01/22, mn. 14:19): IMR – A outra questão que eu quero colocar é uma razão de ciência Senhora Doutora. É que o A., durante a sua petição inicial refere que o A. cansado de aguardar e de viver a expensas do seu irmão, decidiu resolver o contrato que a ligava à R. com invocação de justa causa. O seu irmão deve-lhe dinheiro? RMC – Deve sim senhor… estes meses todos quem tem sustentado o meu irmão sou eu.
XXIII - É por demais evidente que a testemunha em apreço tem interesse directo no resultado desta causa, contrariando frontalmente o que declarou aos costumes, quando inquirido pela Meritíssima Juíza.
Num primeiro momento, a testemunha (…) (RMC), inquirida pelo Ilustre Mandatáriodo A (IMA), refere (excerto da sessão única de julgamento no dia 19/01/22, mn. 05:20): - IMA – Precisamos saber qual a retribuição que o Senhor AAA recebia mensalmente. Falavam sobre isso? Tem alguma ideia? RMC - … Como ele recebia 1.000,00€ passou a dar-me um envelope com 500,00€ para eu guardar todos os meses.
E, depois, acrescenta:
RMC - Tanto é que eu tenho os dois últimos envelopes, eu tenho-os.
MJ – Os envelopes dos 500,00€?
RMC – Não, não os dos 1.000,00€, ele recebia o envelope com 1.000, tirava os quinhentos e dava-me o envelope. Depois, a instâncias do Ilustre Mandatário da R. (IMR), respondeu a mesma testemunha (excerto da sessão única de julgamento no dia 19/01/22, mn. 11:42):
IMR – O Senhor quando viu, viu que estavam lá os 1000,00€ ou viu só os 500?
RMC – O meu irmão chegou com o envelope ao pé de mim, tirou quinhentos e ficou com o resto, o resto eram 500, ele contou ao pé de mim.
E depois:
RMC – Havia situações que ele contava ao pé de mim, havia outras situações que não, mas as últimas, Março, ele fez isso ao pé de mim.
XXIV - Mesmo que se repute plausível que o A. entregasse ao irmão 500,00€ para que este os guardasse, já nos parece menos credível, que o fizesse contando o resto do dinheiro à frente do irmão, conferindo com este a quantia recebida.
XXV - A testemunha acabou por reconhecer que tal “conferência”, nem sempre ocorreu à frente dele.
XXVI – Mais, ao descrever tal operação, refere-se a ela no singular, como se tivesse acontecido uma única vez.
XXVII - Se o A. recebia mais 50,00€ por cada Domingo ou feriado que trabalhasse, fica bom de ver que o envelope em causa deveria conter uma verba variável, superior a 1.000,00€ e não sempre o mesmo valor, como os envelopes junto aos autos, aparentam ter, e a testemunha (…)  pretendeu atestar.
XVIII - Ao credibilizar a única testemunha do A., que acabou por revelar um interesse directo no resultado do processo, e aceitar a história por esta contada, com contornos falaciosos, a Meritíssima Juíza a quo, incorreu em manifesto erro na apreciação da prova.
XXIX - Pelo que aqui se pugna que o artigo terceiro deveria contar a seguinte factualidade: “O autor auferia, em contrapartida da sua actividade, a retribuição mensal líquida que consta dos recibos de vencimento juntos aos autos.”
Nestes termos e nos mais de direito, com o douto suprimento de V. Exas. deverá ser alterada a douta sentença proferida nos presentes autos, por forma a que:
a) Seja julgada improcedente a justa causa na resolução do contrato de trabalho levado a cabo pelo A. e, em consequência, negada a atribuição da indemnização arbitrada.
b) Seja julgada procedente a alteração ao ponto três da matéria de facto dada por provada e, nessa medida, reduzidos os valores em que a R. vem condenada.
Assim se fazendo Justiça!
1.3. O Autor contra-alegou com vista ao não provimento do recurso
1.4. O recurso foi admitido com o efeito e regime de subida adequados.
1.5. Remetidos os autos a este tribunal foi aberta vista, tendo a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitido parecer no sentido do não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida, não tendo nenhuma das partes respondido a esse parecer.
Cumpre apreciar e decidir
2. Objecto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º s 3, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado e das que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras. Deste modo, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal consistem na impugnação da matéria de facto e em aquilatar se não ocorre justa causa para a resolução do contrato por parte do Autor.
3. Fundamentação de facto
3.1. Encontram-se provados os seguintes factos:
1. A ré é uma sociedade comercial cujo objecto principal consiste na actividade da panificação.
2. O autor foi admitido ao serviço da ré em 20 de Abril de 1975, a fim de, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, lhe prestar a sua actividade, sendo que, ultimamente, exercida as funções inerentes à categoria profissional de encarregado de fabrico.
3. Ultimamente e pelo menos desde Agosto de 2019, o autor auferia, em contrapartida da sua actividade, a retribuição mensal líquida de € 1.000,00.
4. A qual lhe era paga pela ré em dinheiro colocado no interior de envelopes.
5. Por missiva datada de 1 de Abril de 2020, recebida pelo autor na mesma data, a ré comunicou-lhe como segue:
«(…) Exmo. Senhor,
Tendo por referência alegada infracção por si cometida no âmbito do contrato de trabalho que nos vincula, somos a informá-lo de que lhe foi instaurado procedimento prévio de inquérito.
Mais informamos de que, face à gravidade dos factos que lhe são imputados, nomeadamente ameaças e tentativa de agressão física a colega de trabalho, consideram-se tais comportamentos incompatíveis com a normal laboração da empresa, pelo que reputamos de inconveniente a sua presença nas instalações fabris, e como tal deverá considerar-se suspenso preventivamente das suas funções nos termos do art.º 354.º do Código do Trabalho (…)».
6. Por missiva registada datada de 30 de Abril de 2020, recebida pelo autor pelo menos no dia 6 de Maio de 2020, a ré comunicou-lhe a nota de culpa deduzida no âmbito de procedimento disciplinar contra si instaurado, mais lhe comunicando que « (…) [d]ada a gravidade da ocorrência, informa-se que se mantém a suspensão preventiva, sem perda de retribuição, que sobre si impende, até à conclusão do presente processo
(…)».
7. O autor respondeu à nota de culpa, juntou prova documental e requereu a inquirição de quatro testemunhas. 
8. A ré não ouviu as testemunhas arroladas e não concluiu o procedimento disciplinar.
9. A partir da data referida 5., a ré não procedeu ao pagamento, ao autor, da sua retribuição.
10. Por missiva datada de 28 de Abril de 2021 recebida pela ré pelo menos em 6 de Maio de 2021, o autor comunicou-lhe como segue: «(…)
Assunto: Resolução de contrato de trabalho
Exmos. Senhores,
Conforme resulta da comunicação escrita que V. Ex.ªs remeteram ao meu mandatário em Abril de 2020, encontro-me suspenso da prestação de trabalho “sem perda da retribuição”.
O certo é que, volvido mais de um ano, nunca me foi paga qualquer retribuição desde aquela data, pelo que se encontra em atraso a retribuição normal, acrescida dos subsídios de férias e de Natal desde Abril de 2020 até à presente data, no valor de €14.000,00 (…). Nestas circunstâncias, não me resta outra opção que não seja a de proceder à resolução do contrato de trabalho que me vincula a V. Exas., com efeitos imediatos e com justa causa, fundada na verificação de salários em atraso, tudo nos termos do disposto no art.º 394.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), aplicáveis “ex vi” do n.º 5 do citado artigo, todos do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro. Por força da presente comunicação resolutória, acrescem também aos supra citados créditos as férias e subsídio vencidos em 1 de Janeiro de 2021 e, ainda, os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, relativos ao ano de 2021.
(…)».
11. Aquando do envio da missiva referida em 10., o autor estava cansado de aguardar o pagamento da sua retribuição e de, então, viver a expensas do seu irmão de algum tempo a essa parte.
12. Datada de 6 de Maio de 2021, a ré enviou missiva ao autor, que este recebeu, sendo o seguinte o seu teor:
«(…)
ASSUNTO – Resolução de contrato de trabalho
Exmo. Senhor representante do Sr. AAA,
Na carta recebida, enviada à Panificadora Central Seixalense, Lda., sobre o vosso cliente, é tudo muito simples, o empregado não foi despedido, ele simplesmente abandonou o serviço em estado degradante, e naquela hora se não fosse o gerente Sr. AAA, ele destruía a empresa.
Exmo. Senhor,
Tendo por referência alegada infracção por si cometida no âmbito do contrato de trabalho que nos vincula, somos a informá-lo de que lhe foi instaurado procedimento prévio de inquérito. Mais informamos de que, face à gravidade dos factos que lhe são imputados, nomeadamente ameaças e tentativa de agressão física a colega de trabalho, consideram-se tais comportamentos incompatíveis com a normal laboração da empresa, pelo que reputamos de inconveniente a sua presença nas instalações fabris, e como tal deverá considerar-se suspenso preventivamente das suas funções nos termos do art.º 354.º do Código do Trabalho.
(…)».
6. Por missiva registada datada de 30 de Abril de 2020, recebida pelo autor pelo menos no dia 6 de Maio de 2020, a ré comunicou-lhe a nota de culpa deduzida no âmbito de procedimento disciplinar contra si instaurado, mais lhe comunicando que «(…) [d]ada a gravidade da ocorrência, informa-se que se mantém a suspensão preventiva, sem perda de retribuição, que sobre si impende, até à conclusão do presente processo (…)».
3.2. Factos não provados
Não se provou que:
1. Que a retribuição mensal do autor sempre tenha estado à sua disposição a partir de Maio de 2020.
2. Que por conta do valor referido em 16., o autor tenha pago à ré a quantia de € 5.000,00.
4. Fundamentação de Direito
4.1. Da impugnação da matéria de facto
Impugna a Ré o número 3 dos factos provados que, em seu entender, não deveria ter sido dado como provado. Diz que não ficou provado quantum remuneratório diverso do que figura nos recibos de vencimento do Autor juntos aos autos. Invoca, para tanto, o depoimento de parte, do legal representante da Ré, , discordando da relevância que na sentença recorrida se atribuiu ao depoimento de , irmão do Autor.
Entende que o mencionado número 3 deve ter a seguinte redacção:
“O autor auferia, em contrapartida da sua actividade, a retribuição mensal líquida que consta dos recibos de vencimento juntos aos autos.”
Tendo a Ré cumprido, no seu essencial, o disposto no art.º 640.º do Código de Processo Civil, vejamos se deve alterar-se a matéria de facto nos termos por si propugnados.
No número 3 dos factos provados consta o seguinte:
“3. Ultimamente e pelo menos desde Agosto de 2019, o autor auferia, em contrapartida da sua actividade, a retribuição mensal líquida de €1.000,00”.
Ouvida na integralidade a prova gravada e ponderando a globalidade da prova produzida nos autos, desde já se adianta que a Ré não tem razão.
Com efeito, o depoimento de não nos permite concluir no sentido da versão pretendida pela mesma Ré. Desse depoimento, no essencial, apenas resulta que era o depoente que pagava a segurança social do Autor e que este o acompanhava a ver os jogos do Benfica, sendo também o depoente que suportava as respectivas despesas.
Relativamente ao montante da retribuição do Autor, o depoente não foi claro no sentido de o trabalhador apenas receber o que constava dos recibos de vencimento (€635,00). Admitiu que lhe pagava em dinheiro, bem como aos demais empregados. Sendo que quanto ao valor de €1.000,00 mensais reclamados a título salarial pelo Autor e ao facto dessa verba estar indicada nos envelopes que lhe eram entregues, contendo tal quantia, cuja cópia consta dos autos, limitou-se o depoente a dizer que poderia ser muita coisa, como, por exemplo, gratificações, sem dar outras explicações convincentes. 
A testemunha (…), por seu turno, prestou um depoimento objectivo, coerente e aparentemente isento. Esclareceu que o Autor passou a viver na casa da mãe de ambos após o seu divórcio, onde a testemunha se deslocava com regularidade.
Do salário de €1.000,00 que o Autor auferia na Ré, e com a fim de juntar algum dinheiro, entregava aquele à testemunha €500,00 para que esta o guardasse e lho entregasse quando fizesse falta. O que veio a suceder, quando a Ré ter deixou de pagar a retribuição ao Autor durante o período de suspensão do seu contrato de trabalho. 
Mais referiu que o Autor lhe disse que ficaria com os outros €500,00, por mês, para si. E que, tendo-lhe a testemunha perguntado se essa quantia seria insuficiente, o Autor retorquiu dizendo que era, até porque recebia €50,00 por cada Domingo ou feriado que trabalhava e, por isso, acabava por se remediar com o valor global, ao que acrescia o facto de estar a viver com a mãe e, por isso, não ter despesas com habitação, gás, luz, etc.
Em suporte das suas afirmações a testemunha exibiu os dois dos envelopes que guardou com o valor entregue pelo Autor, estando num deles escrito 1.000 euros (cópias de fls. 16 e 16 verso).
Mais cumpre assinalar que em face das regras da experiência, não se afigura razoável, nem normal, que um trabalhador com a categoria de encarregado de fabrico, e com uma antiguidade reportada a 1975, aufira apenas o ordenado mínimo nacional, sendo que em resposta ao escrito resolutivo do Autor, no qual este afirma, de forma clara, auferir € 1.000,00, mensais, a Ré nem sequer emitiu pronúncia quanto a este aspecto (fls. 21).
Perante o exposto, entende-se ser de manter a redacção do facto provado n.º 3.
Pretende também a Ré que passe a constar dos factos provados que:
“A Ré colocou à disposição do Autor o seu vencimento, tendo para o efeito emitido os respectivos recibos de vencimento”.
Também quanto a este aspecto está a Ré carecida de razão.
Na verdade, a referida matéria já consta e/ou se retira dos factos provados (números 13 e 14) não assumindo, por isso, interesse para a boa decisão da causa. Além de que a sua inclusão no elenco dos factos provados constituiria acto inútil, proibido por lei (art.º 130.º do CPC).
Não se adita, pois, aos factos provados a matéria supra referida. Improcedendo, por conseguinte, a presente questão.
4.2. Da não verificação da justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte do Autor
Nos termos do 394.º, do Código do Trabalho de 2009
“1 - Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
2 - Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, designadamente a prática de assédio praticada pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores;
c) Aplicação de sanção abusiva;
d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;
e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;

f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante.
3 - Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:
a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato;

b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador;
c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.
d) Transmissão para o adquirente da posição do empregador no respetivo contrato de trabalho, em consequência da transmissão da empresa, nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 285.º, com o fundamento previsto no n.º 1 do artigo 286.º-A.
4 - A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações.
5 - Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.”
Como é sabido, a resolução é uma causa de cessação comum à generalidade dos contratos e traduz a possibilidade que o ordenamento reconhece a qualquer dos contraentes de fazer cessar  o contrato sempre que ocorra uma situação em que deixa de ser exigível o prosseguimento da relação contratual, situação que pode derivar de um incumprimento imputável à contraparte, como da verificação de circunstancias de carácter objectivo  (Ricardo Nascimento “Da Cessação do Contrato de Trabalho”, Coimbra Editora, pág. 161).
A liberdade de cessação do contrato de trabalho apresenta-se, assim, como uma liberdade irrenunciável e de ordem pública. “Não se pode impor ao trabalhador a manutenção do vínculo contra a sua vontade, pois isso significaria uma espécie de servidão contratual, contrária à natureza livre do trabalho por conta de outrem desenvolvida através do contrato de trabalho” (Alonso Olea “Extinción  del contrato de Trabajo por Decisión del Trabajador” Revista Politica Social, n.º 126. pág. 138, citado por Ricardo Nascimento, “Ob. Cit”. pág. 165).
Na resolução contratual operada pelo trabalhador o legislador prevê requisitos de ordem procedimental e substancial. Isto é, para a eficácia da declaração de resolução do contrato, como a seguir se verá, é mister que a comunicação do trabalhador seja reduzida a escrito, e com indicação dos fundamentos, no prazo de 30 dias, e que ocorra situação enquadrável na noção de justa causa.
Assim,
A resolução deve ser comunicada ao empregador nos 30 dias subsequentes ao conhecimento pelo trabalhador dos factos que a fundamentam. Essa comunicação, com invocação de justa causa, deve ser feita por escrito, com a “indicação sucinta dos factos que a justificam” (n.º 1, do art.º 395.º), sendo a partir dessa indicação que se afere a procedência dos motivos invocados para a resolução, já que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem (n.º 3, do art.º 398.º, do Código do Trabalho).
A comunicação tem de permitir ao empregador entender os fundamentos invocados na resolução do contrato, devendo o trabalhador concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão (Furtado Martins, “Cessação do Contrato de Trabalho”, 3.ª Edição, Principia, 2012, pág. 533).
Como observa Maria do Rosário Palma Ramalho, referindo-se ao art.º 395.º do Código do Trabalho, «Nos termos desta norma, a declaração de resolução deve ser emitida sob forma escrita e com a indicação sucinta dos respetivos factos justificativos (art.º 395.º n.º 1). Apesar da referência da lei ao carácter “sucinto” desta indicação, a descrição clara dos factos justificativos da resolução é importante, uma vez que, em caso de impugnação judicial da resolução, são estes factos os únicos atendíveis pelo tribunal, nos termos do art.º 398.º n.º 3» (“Tratado de Direito do Trabalho”, Parte II – 6.ª Edição, Almedina, Coimbra, pág. 949)
No mesmo sentido se pronuncia João Leal Amado ao referir que «Não é, pois, indispensável proceder a uma descrição circunstanciada dos factos, bastando uma indicação sucinta dos mesmos, de modo a permitir, se necessário, a apreciação judicial da justa causa invocada pelo trabalhador», «Isso mesmo resulta do n.º 3 do art.º 398.º, norma relativa à impugnação da resolução pelo empregador, na qual se esclarece que em tal ação judicial apenas são atendíveis para justificar a resolução os factos constantes da comunicação escrita prevista no art.º 395.º, n.º 1» (Contrato de Trabalho, Noções básicas”, 2016, Almedina, pág. 384).
«I. O art.º 395.º, nº1, do Código do Trabalho exige que a comunicação do trabalhador ao empregador com vista à resolução do contrato de trabalho deve conter a indicação sucinta dos factos que a justificam. II. Cumpre a referida disposição legal a comunicação enviada pelo trabalhador ao empregador, na qual fez consignar que pretende a resolução imediata, com justa causa, do contrato de trabalho, por motivo de violação do direito de continuar a exercer efetivamente a atividade para a qual foi contratado, na medida em que indica de forma sucinta o fundamento da resolução, com recurso a uma expressão de base factual.” (Ac. do STJ de 31.10.2018, proc. 16066/16.9T8PRT.P1.S1).
«I - O trabalhador deve fazer a comunicação da resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa por escrito, com a “indicação sucinta dos factos que a justificam” [n.º1, do art.º 395.º], sendo a partir dessa indicação que se afere a procedência dos motivos invocados para a resolução, já que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem [n.º 3, do art.º 398.º].
II - Justamente porque na apreciação judicial da licitude da resolução apenas são atendíveis os factos que foram invocados para a justificar, mas também porque essa comunicação tem que permitir que para o empregador sejam perceptíveis os fundamentos invocados na resolução do contrato, a expressão “indicação sucinta dos factos”, embora possa sugerir outra leitura, deve ser entendida no sentido de que o trabalhador não está dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão (Ac. do TRP de 07-12-2018, proc.º 1953/17.5T8VFR.P1).  (No mesmo sentido, ainda, o Ac.  do STJ de 14-07-2016, proc. 1085/15.0T8VNF.G1.S1 e os Acórdãos do TRP de 20-11-2017, proc.º 10948/14.0T8PRT.P1  e de 04-04-2022, proc. 3191/20.0T8MTS-A.P1).
A resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador assenta em três requisitos:
Um objectivo, relativo à ocorrência de factos que infrinjam os direitos e garantias do trabalhador (artigos 127.º e 129.º, do Código do Trabalho); outro subjectivo, referente à violação ou ofensa com culpa da entidade patronal desses direitos e garantias do trabalhador e, por fim, um referente à gravidade e consequências da conduta do empregador que torne imediata e praticamente impossível a manutenção do contrato de trabalho.
Nos termos prescritos no citado art.º 394.º, do Código do Trabalho, não basta a verificação de comportamentos imputáveis à entidade empregadora, é necessário que se verifique a característica essencial do conceito de justa causa.
É preciso, como se viu, que o comportamento da entidade empregadora lhe seja imputável a título de culpa e que, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral (Cfr. Furtado Martins, “Op. Cit.”, pág. 534).
A justa causa subjectiva, que aqui curamos, refere-se a comportamentos ilícitos e culposos do empregador e traduz-se no chamado despedimento indirecto, visto abranger casos em que o verdadeiro responsável é o empregador que infringe os direitos e garantias do trabalhador.
À semelhança do que se verifica no despedimento por iniciativa do empregador com fundamento em justa causa por facto imputável ao trabalhador, a noção de justa causa para resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador assenta na ideia de inexigibilidade do prosseguimento da relação laboral, o que pressupõe respeitar a situações anormais e particularmente graves, mas agora apreciadas na perspectiva do trabalhador (Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho”, 16.ª Edição, Almedina, pág. 644).
Para que a resolução seja lícita, deve o trabalhador invocar e demonstrar a existência de justa causa, ou seja, impõe-se ao mesmo a alegação e prova de factos constitutivos do direito a fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho (art.º 342.º, 1, do Código Civil). Feita essa prova pelo trabalhador, a culpa do empregador presume-se, nos termos gerais da responsabilidade contratual, por aplicação do artigo 799.º, do Código Civil.
Cabe à entidade empregadora afastar a presunção, alegando e provando os elementos suficientes para habilitar o tribunal a formular um juízo de não censurabilidade da sua conduta - artigos 344.º 1 e 350.º 1 e 2, do Código Civil (Acórdãos do TRP de 24-10-2022, proc. 1953/21.0T8OOAZ.P1 e de 12-10-2017, proc. 896/13.6TTMTS.P1, www.dgsi.pt).
Posto isto, retornemos ao presente caso.
Consoante resulta a factualidade provada, a Ré a partir de 01-04-2022, deixou de pagar a retribuição ao Autor. Invoca que o Autor se recusou a receber o vencimento e não reclamou o seu pagamento no local onde sempre o recebeu (na empresa).
Relembra-se que o Autor foi suspenso preventivamente no âmbito de um processo disciplinar que a Ré lhe instaurou, o que implica a manutenção do pagamento da retribuição (art.º 354.º, n.º 1, do Código do Trabalho).
Não sendo legítimo ao trabalhador, por via dessa situação e do que lhe foi comunicado pela Ré, deslocar-se às instalações da Ré para receber a retribuição, impunha-se a esta continuar a pagá-la ao Autor.
A retribuição constitui um dos elementos essenciais do contrato de trabalho, face à sua natureza onerosa (art.º 11.º, do Código do Trabalho) e à circunstância de ser com ela que o trabalhador provém à sua subsistência e da sua família. O pagamento da retribuição constitui um dos deveres principais do empregador e uma das garantias do trabalhador (artigos 127.º n.º 1, alínea b), e 129.º n.º 1 alínea d), do Código do Trabalho).
Quanto ao lugar do cumprimento dessa obrigação estipula o art.º 277.º n.º 1, do Código do Trabalho que “A retribuição deve ser paga no local de trabalho ou noutro lugar que seja acordado, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo anterior”.
No caso em análise provou-se, é certo, que a Ré (através do seu Ilustre mandatário) tentou pagar a retribuição do mês de Abril ao Autor, o que este recusou. Todavia, nenhum outro comportamento assumiu aquela em termos proactivos para cumprir o seu sinalagma, sendo certo que estava em causa uma situação continuada de não pagamento.
Por força do princípio da boa fé, que assume especial relevância nas relações jurídicas intuito personae, como é o caso da relação laboral, e está expressamente previsto no art.º 126.º, n.º 1 do Código do Trabalho, como se fez constar da decisão recorrida, “recebendo o Autor a sua retribuição no seu local de trabalho e estando suspenso de funções, com expressa menção quanto à inconveniência da sua presença, cumpriria à Ré disponibilizar-se para proceder ao pagamento da sua retribuição por outro meio ou noutro local. Mais, recebendo o autor em dinheiro dentro de envelopes cumpriria também à ré ter provado, pretendendo prevalecer-se da denominada mora do credor, que a retribuição mensal do Autor estava à sua disposição no seu local de trabalho (dia e momento), conferindo-lhe autorização para aí se deslocar para esse efeito, prova essa que não fez”.
Perante este quadro, ao invés do sustentado pela Ré, é de concluir pela ausência de mora do credor, não tendo a Ré logrado demonstrar que a falta de cumprimento não proviesse de culpa sua.
Como se consignou no Ac. do STJ de 26 de Janeiro de 2022, proc. 8910/18.2T8LSB.L1.S1 www.dgsi.pt(…) o trabalhador tem direito à retribuição tanto quando trabalha, como quando está suspenso preventivamente. Por paradoxal que possa parecer, quando o trabalhador suspenso preventivamente não recebe a retribuição a que tem direito está até mais indefeso do que quando deixa de a receber quando está a trabalhar, hipótese em que a lei lhe permite suspender o seu contrato de trabalho, designadamente no caso de falta de pagamento por período de quinze dias sobre a data do vencimento (n.º 1 do artigo 325.º do CT) ou até antes (n.º 2 do artigo 325.º do CT), meio de defesa que de pouco vale nesta hipótese. A condição da licitude da suspensão preventiva do trabalhador (e da recusa da prestação pelo empregador), que corresponde a um interesse do empregador, é a manutenção do pagamento da retribuição e o trabalhador tem o mesmo direito a esta, esteja ou não a trabalhar, devendo beneficiar, em um e outro caso, da presunção do n.º 5 do artigo 394.º”
No presente caso, conforme resulta dos factos provados, Autor esteve sem receber a retribuição por vários meses, tendo assinalado na comunicação que dirigiu à Ré que “não lhe restava outra opção” que não seja a “resolução do contrato com efeitos imediatos e com justa causa”.
Não obstante o carácter sintético de tal declaração, a mesma permite à Ré e ao tribunal entender os motivos que estão na base da resolução contratual, não se devendo olvidar que o trabalhador não tem ao seu dispor outros meios legais que lhe permitam ultrapassar a crise contratual. 
Na apreciação da justa causa, deve atender-se à globalidade dos factos provados, a fim de se aferir o que, em termos médios, seria exigível a qualquer trabalhador colocado na situação do trabalhador em presença. Como assinalado na decisão recorrida “(…) procurando justamente esta apreciação, dirá o tribunal, (…), que ao autor não era de todo exigível manter o vínculo com a ré. Aliás, a sua expressão, constante do escrito resolutivo, quando se refere ao facto de não ter outra opção senão resolver o contrato de trabalho, é bastante significativa. Três meses sem auferir retribuição, sobretudo quando estamos perante um valor que sequer se pode qualificar de elevado, estando, aliás, muito próximo de uma qualificação de mediano/baixo, representa um prejuízo sério na vida de qualquer pessoa, sobretudo de pensarmos que o autor era trabalhador da ré desde 1975, não dando nota os autos que tivesse qualquer outra fonte de rendimento. E se é verdade que como fundamento da resolução apenas relevam as sobreditas retribuições, já na avaliação global da justa causa e dos pressupostos a que temos que recorrer nos termos do art.º 394.º, n.º 4, estamos perante omissão retributiva que perdurava há praticamente um ano, sem que nos autos se surpreenda ou a ré tenha sequer tentado demonstrar, que foi tentada uma aproximação com o autor com vista a sanar o incumprimento. Uma relação laboral como a em presença, isto é, que remonta a 1975, a par da situação em que foi colocado o autor – no fundo, suspenso no âmbito de um procedimento disciplinar cujo fim nunca viu – legitima dúvida do comportamento futuro da ré e, em rectas contas, a perda da confiança inerente ao vínculo laboral”.
 Perante o quadro descrito, apenas nos resta concluir pela verificação de todos os requisitos legais para a resolução do contrato com justa causa (subjectiva) por parte do Autor, improcedendo a presente questão.
4.3. Da ampliação do objecto do recurso
Vem o Autor requerer a ampliação do objecto do recurso invocando, em suma, que formulou corretamente o seu pedido (no limite máximo de 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, ou fracção, tendo apenas cometido um simples erro de cálculo na quantificação desse mesmo pedido), pelo que a sentença recorrida deveria ter condenado a Ré no valor de €53.733,339 não ocorrendo, por essa via, condenação além do pedido.
Para o que ora releva, estipula o art.º 636.º do Código de Processo Civil, que
“1 - No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação”.
Na ampliação do objecto do recurso, o Tribunal ad quem conhece de um dos vários fundamentos invocados na acção, possibilitando-se à parte vencedora nas suas alegações ao recurso do recorrente requerer ao Tribunal, ainda que a título subsidiário, que conheça de algum dos fundamentos por si invocados e não conhecido pelo Tribunal de 1ª instância, prevenindo a necessidade da sua apreciação, ou seja, se o recurso interposto pela parte contrária dever vingar e, nesta outra hipótese, poder ainda a sua pretensão ser acolhida à luz daquele outro fundamento por si invocado e não conhecido.
No presente caso, uma vez que nenhum dos fundamentos invocados na acção deixou de ser conhecido na sentença (o pedido de indemnização formulado pelo Autor foi expressamente apreciado pelo juiz “a quo”), não procedendo o recurso da Ré, não se verificam os referidos pressupostos legais, pelo que não se conhece da requerida ampliação do objecto do recurso.
5. Decisão
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela Ré.
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Lisboa, 2023-05-17
Albertina Pereira
Leopoldo Soares
Alves Duarte