Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
31332/07.6YYLSB-B.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
VENCIMENTO AUTOMÁTICO
PRESTAÇÕES VINCENDAS
JUROS REMUNERATÓRIOS
OBRIGAÇÃO ILÍQUIDA
SANAÇÃO DA ILIQUIDEZ NA EXECUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. Num contrato de mútuo reembolsável em prestações, poderão as partes convencionar o vencimento automático de todas as prestações sem comunicação ao devedor no caso de incumprimento deste, face à natureza supletiva da norma do artigo 781º do CC.
2. O AUJ nº7/2009 fixou jurisprudência no sentido de que, com o vencimento imediato, não são devidos os juros remuneratórios das prestações posteriores ao incumprimento, mas a natureza supletiva do artigo 781º permite também o acordo das partes convencionando que são devidos juros remuneratórios com o vencimento antecipado, desde que a respectiva cláusula o preveja claramente, de forma a que um declaratário normal o possa apreender.
3. Tornando-se ilíquida a quantia exequenda, por via da alteração do seu valor, resultante da procedência parcial dos embargos de executado com a eliminação dos juros remuneratórios, não há viabilidade para o prosseguimento dos autos de embargos para apurar esse valor, por a exequente embargada já ter sido notificada duas vezes para suprir a iliquidez do remanescente sem aceder ao convite o Tribunal, podendo esta iliquidez superveniente ser sanada na execução de que os embargos são dependência, com a fixação de um prazo para a exequente proceder à liquidação, com a cominação de, não o fazendo, a instância executiva se extinguir por deserção ou por impossibilidade superveniente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.
Por apenso à execução comum em que é exequente C, SA e é executado O…, para pagamento de quantia certa de 10 113,79 euros, sendo 8 317,00 euros de prestações não pagas e 1 796,79 euros de juros de mora e penalidades, provenientes do contrato de crédito apresentado como título executivo e celebrado com o executado, veio este deduzir embargos à execução, alegando, em síntese, que nunca foi notificado do invocado vencimento antecipado de todas as prestações, nem interpelado para proceder a qualquer pagamento, estando prescrito o direito da exequente e que, a não se entender assim, deve ser considerada abusiva a cláusula contratual que fixa os juros remuneratórios.
Concluiu pedindo a procedência da excepção de prescrição e a extinção da execução e, se assim não se entender, a improcedência do pedido de juros remuneratórios e a consequente extinção parcial da execução.
A exequente contestou opondo-se à excepção de prescrição e alegando, em síntese, que houve vencimento antecipado das prestações, abrangendo a dívida todas as prestações, tendo o executado sido interpelado para pagar e sendo os juros remuneratórios devidos ao abrigo do estipulado no contrato.
Concluiu pedindo a improcedência da oposição.
Após os articulados, foi proferido despacho, em que, prevendo a eventualidade de poderem ser excluídos os juros remuneratórios da quantia exequenda, convidou a exequente a informar qual o valor do capital em dívida reportado ao período posterior à data do incumprimento e a suprir assim a insuficiência da alegação do requerimento executivo em face das soluções plausíveis de direito existentes.
Em resposta, a exequente veio informar o que já constava no requerimento executivo, ou seja, que o capital em dívida era de 8 317,00 euros, sem excluir o valor dos juros compensatórios.
Face a esta resposta, foi proferido novo despacho no sentido de a exequente informar o que lhe fora solicitado, sob pena de considerar cumprido o dever imposto no artigo 590º nº4 do CPC e se decidir em conformidade com o que resulta dos autos.
A este despacho não foi dada resposta pela exequente.
Seguidamente foi proferido saneador sentença que julgou improcedente a excepção de prescrição e parcialmente procedentes os embargos, declarando extinta a execução no valor que excede 166,34 euros, acrescida de juros à taxa mencionada no requerimento executivo.
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Inconformada, a embargada interpôs recurso formulando as seguintes conclusões:
A) Com o devido respeito e salvo melhor entendimento, a fundamentação da Sentença peca por falta de rigor, não correspondendo à verdade dos factos, porquanto não se verifica qualquer prescrição.
B) O instituto da prescrição reveste indubitavelmente natureza substantiva –, às dívidas exequendas são aplicáveis as disposições do Código Civil (doravante designado por CC), aplicando-se o prazo ordinário da prescrição é de 20 anos (cfr. art.º 309.º do CC).
C) A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (cfr. art.º 323.º, nº 1 do mesmo diploma).
Acontece que,
D) Se a citação se não fizer dentro do prazo de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao Requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram cinco dias (art.º 323.º, n.º 2 do CC).
E) O prazo prescricional interrompe-se igualmente pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular, por aquele contra quem o direito pode ser exercido (art.º 325.º, nº 1 do CC).
F) O que se aplica ao capital e aos juros art.º 310º, alínea d) do CC.
G) Veja-se, ainda, que o acórdão uniformizador do STJ n.º 7/2009 determinou: “No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redação conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados.”
H) Assim, se conclui que não se verificando qualquer prescrição, deverá a sentença recorrida substituída por outra decisão que não a de extinção do processo.
I) Na verdade, a sentença recorrida padece de vicio - nulidade - já que se constata da mesma a ausência total de explicação da razão por que foi tomada a decisão em crise.
J) Inexistindo fundamentação, ou sequer explicação plausível que pudesse escrutinar o bom juízo.
K) Concluindo-se que a sentença não se pronunciou acerca dos pedidos formulados e causa de pedir elencados pelos Embargantes, ignorando os mesmos.
L) Existe clara violação do artigo 607º do CPC, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
K) Estatui o mesmo artigo que na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.
M) Não existe na sentença qualquer menção à prova produzida, nem sequer à prova que fundamentou a matéria dada como assente, redundando-se numa clara falta de fundamentação da sentença, fundamentação que se exige e cumpre a função de sufrágio da legitimidade e autocontrole das decisões, ao arrepio do estatuído no artigo 154º CPC e art. 205ºda CRP.
N) A justificação de qualquer sentença não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento.
O) In casu, verificando-se o vazio de fundamentação da sentença, esta é, sem mais, nula.
P) Os Executados não colocaram em causa o valor apurado em divida pelo que extravasou o Tribunal a quo o pedido formulado pelos Executados nos seus Embargos.
Q) O tribunal a quo, quanto a nós erradamente, sustenta a tese de improcedência da presente acção com base suposta falta de demonstração de valor em divida e fê-lo sem qualquer análise ou exame crítico quanto aos factos carreados para aqueles autos de execução, concluindo-se que a sentença não se pronunciou acerca dos pedidos formulados em sede de Embargos.
R) Estando o tribunal limitado ao princípio dos pedido nos termos do Art 609 CPC, estando perante uma sentença ultra petitum porquanto, um dos princípios estruturantes do direito processual civil é o princípio do dispositivo, a que alude o artigo 264º/1 do CPC, segundo o qual “às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções” e o art. 660º/2 do mesmo CPC, que diz que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
S) Conforme este princípio, cabe às partes alegar os factos que integram o direito que pretendem ver salvaguardado, impondo ao juiz o dever de fundamentar a sua decisão nesses factos e de resolver todas as questões por aquelas suscitadas, não podendo ocupar-se de outras questões.
Segundo A. dos Reis “o princípio do dispositivo é, substancialmente, a projecção, no campo processual, daquela autonomia privada que, dentro dos limites marcados pela lei, encontra a  sua afirmação mais enérgica na figura tradicional do direito subjectivo; até onde a lei substancial reconhecer tal autonomia, mesmo para a coordenar melhor com os fins colectivos, o princípio dispositivo deverá ser coerentemente mantido no processo civil, como expressão irrefragável do poder atribuído aos particulares, de dispor da sua esfera jurídica própria.
T) A violação deste limite determina a nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art.668°, n° 1, al. d) 2.ª parte) ou por conhecimento de um pedido diferente do formulado (art. 668°, n° 1, al. e)).
U) A Recorrente continua sem ver o seu crédito ressarcido e a divida ainda por liquidar, da qual é ainda devedora, deve-se em exclusivo aos actos censuráveis praticados pelos Recorridos, cuja condenação no pagamento de viu a Recorrente ser declarada, pasme-se, improcedente.
V) Devendo o presente recurso ser julgado procedente por provado e bem assim a decisão do Tribunal a quo ser anulada e substituída por outra que determine a condenação dos Executados no pagamento da divida peticionada.
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Não foram apresentadas contra-alegações e o recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo.
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As questões a decidir são:
I) Excepção de prescrição.
II) Nulidade da sentença por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia.
III) Nulidade da sentença por excesso de pronúncia e por condenação em objecto diverso do pedido.
IV) Valor da quantia exequenda.
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FACTOS.
A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos (consignando-se agora, para maior comodidade de leitura, o conteúdo dos documentos digitalizados que constituem os nºs 1 e 7 dos factos provados, no lugar da referida digitalização e aditando-se também o ponto 1-A aos factos):
1. A execução tem como título executivo o acordo escrito epigrafado contrato de crédito, com o seguinte teor:
Contrato de crédito nº17081405, entre C…, SA e o Consumidor O…, residente na … para aquisição de automóvel usado Peugeot 206 …, sendo o valor do crédito concedido de 7 092,92 euros, a reembolsar em 60 prestações mensais, no valor de 166,34 euros cada, com início em 15/11/2005, no valor total de 9 980,40 euros, subscrito por ambas as partes em 17/10/2005  (provado em face do requerimento executivo e contrato junto aos autos).
1-A. Por contrato de transmissão de activos e passivos de 24/3/2006, a Caixa …, SA vendeu à ora exequente, que comprou, a totalidade de todos os activos e passivos da primeira (documento junto aos autos com o documento referido em 1, mediante termo de 19/11/2020 do processo de execução).  
2. A execução foi instaurada em 2.12.2007 (provado em face do que resulta da execução).
3. O executado foi citado em 27.11.2019 (provado em face do que resulta da execução, concretamente o aviso de receção junto a fls.39 da mesma).
4. Na execução a exequente, invocando o contrato de mútuo, alegou o seguinte:
“1- No exercício da sua actividade de instituição de crédito, a exequente celebrou com o executado a operação de crédito formalizada através do escrito particular que se junta como doc. nº 1 e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
2- Nos termos desse contrato, a exequente concedeu ao executado um empréstimo de 7.092,92€, cujo reembolso se convencionou em 60 prestações mensais e sucessivas de 166,34€ cada, a pagar por transferência bancária, vencendo-se a primeira em 15-11-2005 - cf. Condições Particulares do Contrato de Crédito.
3- Em 15-09-2006 venceu-se e ficou por pagar a 11ª prestação contratual, pelo que igualmente se venceram nessa data, antecipadamente, todas as demais prestações contratuais, conforme convencionado na Cláusula XIII do Contrato de Crédito.
4- Assim, o executado é devedor à exequente da quantia de 8.317,00€, correspondente à soma das prestações contratuais não pagas, e, bem assim, dos juros de mora vencidos desde 15-09-2006 e calculados de acordo com a taxa contratual de 17,8% ao ano - taxa nominal de 13,8% acrescida de quatro pontos percentuais de penalidade pela mora, conforme convencionado na Cláusula XIII do Contrato de Crédito -, na presente data no valor de 1.796,79€, tudo somando a quantia global de 10.113,79€.” (provado em face do requerimento executivo).
5. Consta do verso do documento referido em 1) sob a epigrafe “Cláusulas Gerais do Contrato”, a cláusula com o seguinte teor:
Cláusula XIII Incumprimento)
1. No caso de incumprimento do presente Contrato de Crédito, a Credora cobrará juros de mora calculados com base na taxa de juro em vigor para operações da mesma natureza à data da verificação do incumprimento, acrescida de 4%, assim como quaisquer outras despesas ou encargos ao mesmo inerentes, incluindo penalidade de 10%aplicada sobre cada prestação em atraso.
2. O não cumprimento do(s) Consumidor(es) de qualquer uma das obrigações do presente Contrato de Crédito confere igualmente à Credora o direito de considerar antecipadamente vencido todo o seu crédito independentemente de interpelação. (provado com base no contrato).
6. E consta também cláusula com o seguinte teor:
Cláusula III (Antecipação do reembolso)
1. Nos termos do art. 9º do Decreto-Lei nº359/91, de 21/9, caso o(s) Consumidor(es) pretenda(m) cumprir antecipadamente, parcial ou  totalmente, o presente Contrato de Crédito deverá(ão) para tal avisar a Credora, com a antecedência mínima de 15 dias, sendo que, em caso de cumprimento parcial antecipado, só o poderá(ão) fazer uma vez.
2. Em caso de cumprimento antecipado, parcial ou total, no decurso da primeira quarta parte do prazo inicialmente fixado, a Credora mantém o direito de exigir a totalidade dos juros e outros encargos respeitantes às prestações correspondentes a esse período.
3. Em caso de cumprimento, parcial ou total, depois de decorrida a primeira metade quarta parte do prazo inicialmente fixado, o valor do pagamento antecipado do montante em dívida será calculado com base numa taxa de actualização, que corresponderá a uma percentagem mínima de 90% da taxa de juro em vigor no momento da antecipação.
4. A antecipação deverá entender-se sempre como reportada á última ou últimas prestações vincendas e não pode implicar a redução de custos relativamente à primeira prestação vincenda.
5. Em qualquer dos casos referidos nos pontos 2 e 3 anteriores, a Credora poderá ainda cobrar uma comissão de intervenção, de acordo com o preçário em vigor, disponível na sede da Credora e actualizável nos termos previstos. (provado com base no contrato).
7. A exequente enviou ao executado a carta com o seguinte teor:
Carta registada com aviso de recepção, dirigida para a morada do executado indicada no contrato de crédito, datada de 5/03/2007, com indicação do contrato de crédito nº17081405, com o seguinte texto:
Exmº Senhor:
Na sequência da nossa carta anterior e por falta da regularização da dívida na mesma indicada, vimos comunicar a V. Exa(s) que consideramos o contrato em assunto antecipadamente vencido.
Em consequência, encontram-se V. Exa(s) obrigado(s)ao pagamento de:
Prestações contratuais, no montante de           8 317,01 €
Juros de mora vencidos, no montante de           128,73 €
Imposto de Selo, no montante de                           5,15 €
Cláusula Penal, no montante de                         103,80 €
Total                                                                 8 554,69 €
(…) (provado em face da carta junta aos autos e AR a ela pertinente, não impugnados)
8. Essa carta foi devolvida ao remetente, por não ter sido reclamada junto dos CTT, após aviso para tal (provado em face do AR junto aos autos com o requerimento de 21.10.2022).
9. O executado deixou de pagar as prestações do contrato a partir da 11.ª inclusive, vencida em 15.9.2006 (provado por não ter sido impugnado pelo executado o incumprimento a essa data e por referência a tal prestação).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
I) Excepção de prescrição.
A apelante defende nas suas alegações e respectivas conclusões que a dívida exequenda não está prescrita.
Efectivamente, o embargante, na petição de embargos, invocou a prescrição da dívida exequenda.
Contudo, a sentença recorrida julgou improcedente a excepção de prescrição, pois, apesar de o executado só ter sido citado em 2019, a execução foi instaurada em 2/12/2007, quando ainda não tinha decorrido o prazo de prescrição (o incumprimento ocorreu em 2006) e este prazo interrompeu-se em 7/12/2007, ou seja, cinco dias depois de intentada a execução, por força do artigo 323º nº2 do CC, uma vez que a demora na citação não foi imputável ao exequente.
Face a esta decisão da sentença recorrida, com a improcedência da excepção de prescrição, não se vislumbra o interesse em agir da exequente apelada nesta parte do recurso.
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II) Nulidade da sentença por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia.
A apelante invoca a nulidade da sentença por falta de fundamentação, falta de discriminação dos factos provados, falta de indicação dos meios de prova em que se baseou para selecionar os factos provados, falta de fundamentação da razão pela qual foi tomada a decisão e omissão de pronúncia quanto aos pedidos formulados e causa de pedir elencados na petição de embargos, tudo em violação dos artigos 607º e 154º do CPC e 205º da CRP.
Tais nulidades, a verificarem-se, integrariam o disposto nos artigos 615º nº1 alíneas b) e d), 1ª parte do CPC.
Contém o artigo 607º do CPC as regras da elaboração da sentença, com a enunciação das questões a solucionar, a discriminação dos factos provados e fundamentação da decisão da matéria de facto. Por seu lado, o artigo 154º impõe o dever de fundamentação das decisões judiciais e o artigo 608º nº2, 1ª parte, impõe a pronúncia sobre todas as questões que as partes tenham submetido a apreciação, salvo as que estejam prejudicadas pela solução dada a outras.
No caso da sentença recorrida, foram discriminados os factos provados e a selecção dos mesmos encontra-se fundamentada no final de cada um deles, fundamentação esta naturalmente simplificada, por se tratar de decisão em que não houve produção de prova em julgamento e em que a prova é documental, mas que se afigura clara e suficiente.    
 Igualmente a decisão de direito se encontra fundamentada com profundidade, tendo sido também apreciadas todas as questões suscitadas quer na petição de embargos, quer na contestação (para além da excepção da prescrição, já acima referida, foram apreciadas as questões do vencimento antecipado, da interpelação do executado e dos juros remuneratórios).
Conclui-se, pois, que não se verificam as apontadas nulidades, nem a violação do artigo 205º da CRP.
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III) Nulidade da sentença por excesso de pronúncia e por condenação em objecto diverso do pedido.
Invoca também a apelante a nulidade da sentença por apreciação de questão não suscitada nos embargos e por condenação em pedido diferente do formulado pelo embargante, em violação do artigo 609º, 660º nº2 e 264 nº1 do CPC (os dois últimos artigos correspondem aos actuais artigos 608º nº2 e 5º do CPC, que são os aplicáveis, por força do artigo 6º da Lei 41/2013 de 26/6, que aprovou o NCPC).
São estas nulidades as que estão previstas no artigo 615º nº1 alíneas d), 2º parte e e) do CPC.
Na petição de embargos, o embargante formula o pedido principal de extinção da execução, como consequência da invocada prescrição. Formula depois um pedido subsidiário para o caso da improcedência da excepção de prescrição, que é o da extinção parcial da execução, como consequência do invocado abuso do pedido de juros remuneratórios.
A sentença recorrida, depois de ter julgado improcedente a excepção de prescrição e apreciando todas as questões suscitadas pelas partes e fundamentando a respectiva apreciação e decisão (conforme acima exposto), entendeu ter havido interpelação do executado e vencimento antecipado das prestações acordadas no contrato, entendendo, porém, que não são devidos os juros remuneratórios.
Antecipando esta decisão, o Tribunal, antes de a proferir, notificou a exequente, por duas vezes, para vir discriminar os valores correspondentes às prestações em dívida sem incluir os juros remuneratórios, o que a exequente não fez.
Perante a situação, entendeu o Tribunal, na sentença recorrida, que, notificada a exequente ao abrigo o artigo 590º do CPC para vir alegar o valor do capital antecipadamente vencido em singelo e não tendo a exequente acedido ao solicitado, os factos provados, interpretados no sentido de não serem devidos os juros remuneratórios, não permitem apurar o valor do capital vencido aquando do vencimento antecipado.
Concluiu a sentença recorrida que, quanto à 11ª prestação, que não foi paga e a partir da qual se verificou o incumprimento do contrato, não colhe a questão de não inclusão dos juros remuneratórios, sendo a mesma devida no montante integral de 166,34 euros, acrescida dos juros moratórios, mas não dos juros remuneratórios, julgando então parcialmente procedentes os embargos, com a declaração de extinção da execução, na parte que excede o referido valor de 166,34 euros, acrescido de juros de mora.
Vejamos então se foram cometidas as invocadas nulidades na sentença.
Estabelece o artigo 5º nº1 do CPC que cabe à parte alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas. Já o artigo 608º nº2, 2ª parte, impõe que só possam ser apreciadas pelo Tribunal as questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento de outras e o artigo 609º nº1 proíbe a condenação em quantidade superior ou em objecto do que se pedir.
Voltando à sentença recorrida, no que respeita ao excesso de pronúncia previsto na aliena d), 2ª parte do nº1 do artigo 615º do CPC, o mesmo não se verifica, tendo em atenção que a questão da liquidação do remanescente da quantia exequenda como consequência da não consideração dos juros remuneratórios é o resultado do pedido formulado pelo embargante no sentido de não serem devidos estes juros.
Não se afigura correcta alegação da apelante de que o executado embargante não pôs em causa o montante da dívida exequenda, pois este impugnou o pedido de juros remuneratórios, o que, obviamente, tem reflexo no valor da obrigação exequenda.
E, tendo o Tribunal procurado resolver a questão com recurso ao artigo 590º do CPC, a não colaboração da exequente deu causa à dificuldade de liquidação do remanescente em dívida.       
Também não se verifica a nulidade da alínea e) do mesmo nº1 do artigo 615º, pois a condenação em objecto diferente do pedido só se verificaria se houvesse procedência total dos embargos, com a extinção da execução, face ao pedido formulado pelo embargante de procedência parcial (no caso de improcedência da excepção de prescrição, como veio a suceder).
Havendo procedência parcial, com a redução da quantia exequenda, não há condenação diversa do pedido, por este consistir precisamente na procedência parcial dos embargos com redução da quantia exequenda.
Improcedem, pois as invocadas nulidades, sendo que a solução dada pela sentença à questão da iliquidez da quantia exequenda não as integra, constituindo a discordância da apelante uma questão de apreciação do mérito de tal solução, a apreciar em sede própria.
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III) Valor da quantia exequenda.
Não sendo nula a procedência parcial dos embargos, com a alteração do valor da quantia exequenda, por a decisão não constituir uma apreciação de questão que não podia ser conhecida, nem constituir condenação em objecto diferente do pedido, resta saber se foi cometido erro de julgamento e se, como defende a apelante, a decisão deveria ser de improcedência total dos embargos, ou se, impondo-se uma procedência parcial, deveria o valor da quantia exequenda ser diferente daquele que foi fixado na sentença.
Para tal, haverá que apreciar se, com o incumprimento do executado, se verificou o vencimento antecipado das prestações vincendas e, em caso afirmativo, se são devidos os juros remuneratórios.
O contrato que constitui o título executivo é um contrato de mútuo oneroso previsto nos artigos 1142º e seguintes do CC, reembolsável em sessenta prestações, pelo que se lhe aplica o artigo 781º do mesmo código, que prescreve: “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
Este direito do credor não é automático, cabendo-lhe optar por exercê-lo ou não e, no caso de considerar vencidas todas as prestações, deverá comunicá-lo ao devedor, interpelando-o nesse sentido. Mas, não tendo o artigo 781º natureza imperativa, poderão as partes, ao abrigo do artigo 405º nº1 do CC, estipular cláusulas que prevejam o vencimento automático, independentemente de interpelação, como é o caso da cláusula XIII nº2 do contrato dos autos (ponto 5 dos factos), onde se estipula: “o não cumprimento por parte do(s) Consumidor(es) de qualquer uma das obrigações do presente Contrato de Crédito confere igualmente à Credora o direito de considerar antecipadamente vencido todo o seu crédito independentemente de interpelação” (cfr. neste sentido, entre muitos outros, ac STJ de 25/05/2017, p. 1244/15 e ac. RC 13/07/2020, p. 1757/18, ambos em www.dgsi.pt).    
Apesar de o contrato ser tratado como sendo um contrato de crédito ao consumo, celebrado em 2005 na vigência do DL 359/91 de 21/9, não está ainda abrangido pelo regime mais exigente do actual DL 133/2009 de 2/6, que nos contratos de consumo impõe, nos seus artigos 20º e 26º, não só uma interpelação simples, mas sim uma interpelação admonitória, com a fixação de um prazo suplementar mínimo para o cumprimento.
No caso dos autos houve uma comunicação do vencimento das prestações e interpelação ao devedor ora embargante, pois em 5/03/2007 foi-lhe enviada carta nesse sentido, dirigida para a morada constante no contrato de crédito,  com aviso de recepção e que, embora devolvida ao remetente por não ter sido reclamada (pontos 8 e 9 dos factos), produziu os seus efeitos nos termos do artigo 224º nº2 do CC, por lhe ser imputável o não recebimento da carta. De qualquer forma, o incumprimento já havia ocorrido, face à referida cláusula XIII do contrato, que previa o vencimento automático independente de interpelação. 
Conclui-se, portanto, que, com o incumprimento, se verificou o vencimento antecipado das prestações vincendas.
Alegou o embargante, na petição de embargos, que é abusiva a cláusula que fixa os juros remuneratórios e que foi aplicada às prestações devidas por via do vencimento antecipado.
Sobre esta matéria pronunciou-se o AUJ do STJ nº7/2009 de 5/5, que fixou a seguinte jurisprudência uniformizada: “no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula conforme ao artigo 781º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros compensatórios”.
Porém, como se entendeu neste acórdão de uniformização de jurisprudência e uma vez mais ao abrigo da liberdade contratual prevista o artigo 405º nº1 do CC, poderão as partes convencionar um regime diferente do que resulta do artigo 781º, podendo, assim, convencionar o pagamento de juros remuneratórios, mesmo no caso de vencimento antecipado, pelo que, se o fizerem, não será abusiva tal cláusula como defende o embargante, não se verificando os pressupostos do artigo 334 do CC.    
Analisemos então se no contrato existem cláusulas das quais se retire a existência de um acordo de pagamento de juros remuneratórios no caso de vencimento antecipado.
Na sua contestação, a embargada apelante, defendendo que são devidos os juros remuneratórios com o vencimento antecipado, invoca para o efeito as cláusulas do contrato XIII nº2 (ponto 5 dos factos) e III nº2 (ponto 6 dos factos).
A cláusula III nº2 prevê que, em caso de cumprimento antecipado na primeira quarta parte do prazo do contrato, a credora mantém o direito de exigir a totalidade dos juros e outros encargos respeitantes às prestações correspondentes a esse período.
Esta cláusula, todavia, não se aplica ao vencimento antecipado, mas sim ao cumprimento antecipado por iniciativa do mutuário, como resulta claramente do seu nº1, que remete para o regime do cumprimento antecipado pelo devedor, previsto n artigo 9º do DL 359/91 de 21/9.
Já a cláusula XIII nº2 consigna que o incumprimento do devedor confere à credora o direito de considerar antecipadamente vencido “todo o seu crédito”, expressão que não revela exactamente em que consiste o objecto deste direito: refere-se a todas as prestações vincendas em singelo, ou inclui os juros remuneratórios?
Ora, o fundamento em que se baseia a jurisprudência do AUJ nº7/2009 na interpretação do artigo 781º, consiste no facto de os juros remuneratórios só se vencerem juntamente com cada uma das prestações a que se reportam, como remuneração destas, pelo que o vencimento antecipado das prestações não justifica tal remuneração, tendo em atenção que deixa de existir a disponibilização do capital diferida no tempo.
Deste modo, para ser afastado este regime resultante da interpretação da norma legal supletiva do artigo 781º do CC, será necessário que a convenção das partes, no sentido de que os juros remuneratórios estão incluídos, seja expressa e perfeitamente clara para que, nos termos do artigo 236º nº1 do mesmo código, o declaratário a possa apreender (cfr sobre esta questão o ac. RE de 10/05/2018, p. 3216/12, em www.dgsi.pt, onde se entendeu que a cláusula que referia o vencimento antecipado de “todas as prestações vincendas” não era suficiente esclarecedora para se considerar incluídos os juros remuneratórios).       
Conclui-se, portanto, que não são devidos os juros remuneratórios, por não haver cláusula que expressa e claramente afaste o regime do artigo 781º do CC, em conformidade com o AUJ nº7/2009.     
Assim, até aqui acompanha-se a fundamentação da sentença recorrida, o que, porém, deixa de suceder no que respeita à apreciação da iliquidez da quantia exequenda.
Não se incluindo os juros remuneratórios, levanta-se a questão do valor das prestações vincendas, já que o mesmo não se mostra discriminado no requerimento executivo.
A exequente embargada já foi notificada duas vezes nestes autos de embargos para discriminar os valores em causa nos termos do artigo 590º nº4 do CPC e não acedeu ao convite do Tribunal nesse sentido, por isso, preludindo nos autos a faculdade de proceder a este esclarecimento, não se mostra viável neste caso o prosseguimento dos autos para apurar um valor que a exequente já recusou disponibilizar.
Mas a extinção da execução com base neste facto constituiria desde logo uma condenação diversa do pedido formulado pelo embargante, que pediu a procedência parcial dos embargos com redução da quantia exequenda mediante a subtracção dos juros remuneratórios.
E, por outro lado, não se pode acompanhar a sentença recorrida quanto ao valor fixado à quantia exequenda, ao decidir o prosseguimento parcial dos embargos de executado.
O valor assim fixado corresponde ao valor da 11ª prestação e respectivos juros e mora, a partir da qual se considerou o contrato incumprido. E a prestação em causa é a primeira de todas as prestações vincendas a contar da data do incumprimento, não havendo qualquer razão para fazer distinção entre esta prestação e as subsequentes, sendo igual a incerteza do valor de todas.
Ignorando-se assim o valor de todas as prestações que se venceram sem incluir os juros remuneratórios, não há que afirmar, como se afirma na sentença recorrida, que, não se apurando o valor do capital, a execução não pode prosseguir porque o valor se mostra agora ilíquido e que “os embargos, contrariamente ao que sucederia numa acção declarativa, não servem para condenar num valor a liquidar”.
Na verdade, se é certo que nos embargos de executado não há lugar a condenação no que vier a ser liquidado ao abrigo do artigo 609º nº2 do CPC, há que atender ao facto de que a quantia exequenda cujo valor não está apurado é o objecto da execução que está em curso e de que os embargos são dependentes.
E, face à circunstância superveniente de alteração do valor da quantia exequenda, por via dos embargos de executado, não se vê obstáculo a que, na execução, caso haja dificuldade no apuramento da quantia assim alterada, se fixe prazo à exequente para proceder a tal liquidação, informando os valores em dívida sem os juros remuneratórios, sob pena de, não o fazendo, ser extinta a instância por decurso do prazo de deserção, ou por impossibilidade superveniente da lide, tudo com respeito pelo contraditório do executado (cfr no sentido de se remeter para a execução a questão de se apurar o valor líquido da quantia exequenda, ac. RE de 10/05/2018 acima citado e ac. RL de 23/11/2021, p. 3167/20, também em www.dgsi.pt).
Deverá então determinar-se o prosseguimento da execução para pagamento da quantia exequenda à qual serão subtraídos os juros remuneratórios, procedendo, parcialmente, as alegações de recurso.
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DECISÃO.
Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revogando-se a sentença recorrida, julgar parcialmente procedentes os embargos de executado, devendo prosseguir a execução, subtraindo-se à quantia exequenda o valor dos juros remuneratórios.     
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Custas em ambas as instâncias pelas partes na proporção do vencimento.
2024-02-22
Maria Teresa Pardal
Anabela Calafate
António Santos