Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
486/23.5T8PDL.L1-8
Relator: RUI MANUEL PINHEIRO DE OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO DE AGÊNCIA
RESOLUÇÃO INFUNDADA
INOBSERVÂNCIA DO PRÉ-AVISO
INDEMNIZAÇÃO
CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO EQUITATIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - À resolução infundada de um contrato de agência é aplicável, subsidiariamente, o regime sancionatório previsto para a inobservância dos prazos de pré-aviso, previsto nos arts. 28.º e 29.º do DL n.º 178/86, de 03.07 (que aprovou o regime jurídico do contrato de agência);
II - A indemnização prevista no art.º 29.º, n.º 2, do DL n.º 178/86, é uma indemnização à forfait, através da qual se evitam as dificuldades inerentes ao processo de indagação e prova dos prejuízos;
III - No âmbito do contrato de agência, as partes podem estabelecer uma obrigação de não concorrência, para vigorar após a cessação do contrato, de harmonia com o previsto no art.º 9.º do DL n.º 178/86, e estipular o montante da indemnização exigível em caso de violação dessa obrigação (cláusula penal – art.º 810.º, n.º 1, do Código Civil);
IV - A redução equitativa dessa cláusula penal, nos termos do art.º 812.º do Código Civil, deve atender, designadamente, à extensão dos danos causados pelo não cumprimento, à gravidade da ilicitude, à gravidade da culpa, às finalidades da cláusula penal, à situação económica do lesado, à situação económica do lesante e à culpa do lesado na produção ou no agravamento do dano;
V – Em caso de incumprimento da obrigação de não concorrência estabelecida, deve atender-se, na fixação do montante da indemnização a arbitrar ao principal, ao valor da compensação a que o agente tem direito, de acordo com o previsto no art.º 13.º, al. g) do DL n.º 178/86, ainda que esse valor não tenha sido, concretamente, previsto no contrato.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
1.1. A, LDA., intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra B, pedindo a sua condenação:
«1) a pagar à autora por violação do número dois da cláusula terceira do contrato de prestação de serviços celebrado com a autora, e nos termos do número três, a título de cláusula penal, o montante de 60.000,00€ (sessenta mil euros), acrescido de juros de mora civis contabilizados desde a data da citação até ao integral e efectivo pagamento;
2) a pagar à autora por violação do número dois da cláusula oitava do contrato de prestação de serviços celebrado com a autora, e nos termos do número quatro, a título de cláusula penal, o montante de 60.000,00€ (sessenta mil euros), acrescido de juros de mora civis contabilizados desde a data da citação até ao integral e efectivo pagamento;
3) a pagar à autora a quantia global de €213.966,49, a título de danos patrimoniais sob a vertente de lucros cessantes, assim como, nos respectivos juros de mora, calculados à taxa legal, contabilizados desde a citação do réu até ao integral e efectivo pagamento daquela quantia».
Para tanto, alegou, em síntese, que celebrou com o R., em 02.06.2020, um contrato de prestação de serviços, pelo qual este se obrigou a prestar serviços de angariador e técnico de mediação imobiliária, mediante a contrapartida do pagamento de uma remuneração variável, sendo que, em 05.05.2022, o R. cessou tal contrato de forma unilateral, sem fundamento e sem observância do prazo de pré-aviso acordado, e  passou a prestar os mesmos serviços para outra sociedade de mediação imobiliária concorrente, violando os deveres de exclusividade e de confidencialidade a que se havia obrigado. Acresce que, se o R. tivesse cumprido o prazo que restava do contrato de prestação de serviços, teria originado lucros para a A. no valor que refere, que a A., desta forma, deixou de receber.
1.2. O R. contestou, pronunciando-se pela improcedência da acção e deduzindo reconvenção contra a A., pela qual pede a sua condenação «no pagamento ao Réu da quantia de 6.764,63€, acrescida de juros contados desde a data da notificação da contestação até efetivo e integral pagamento».
Para tanto, defendeu, em suma: a licitude da denúncia do contrato; a inexistência de previsão contratual da obrigação de indemnização em caso de incumprimento do prazo da denúncia; a nulidade do pacto de não concorrência (por nada dizer quanto à área ou círculo de clientes); a excessividade e desproporcionalidade da cláusula penal fixada; o carácter manifestamente abusivo e atentatório da boa-fé do eventual direito da A. a qualquer indemnização; a inexistência de violação do dever de confidencialidade; a inexistência da obrigação de indemnizar por lucros cessantes, em face da licitude da denúncia.
No que concerne ao pedido reconvencional, alegou, em síntese, que, após a cessação do contrato, a A. ficou a gozar de todo o trabalho prestado, até então, pelo R., recebendo comissões, sobre as quais o R. tem um direito de compensação no montante referido.
1.3. A A. replicou, defendendo a improcedência do pedido reconvencional, por o R. não poder pedir o cumprimento do contrato que ele próprio  denunciou; por ter sido acordado entre as partes que não seriam devidas quaisquer comissões após a cessação do contrato; por, após essa cessação, o seguimento das angariações ter sido feito por outros colaboradores, que receberam as comissões respectivas.
1.4. Foi realizada a audiência prévia, onde foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os seguintes temas da prova, sem reclamações:
«1) Investimento da Autora na formação do Réu;
2) Celebração pelo Réu, enquanto agente da Z, de contratos de mediação imobiliária com clientes da Autora;
3) Utilização das bases de dados da Autora para obtenção dos elementos de identificação de tais clientes;
4) Lucros para a Autora gerados pelo Réu;
*
1) Falta de autonomia do Réu na prestação de serviços;
2) Imóveis angariados pelo Réu e vendidos pela Autora após a sua saída».
1.5. Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, que culminou com o seguinte dispositivo:
«julgo a presente ação parcialmente procedente, e, consequentemente, condeno B a pagar à Autora a quantia de 20.000,00€ (vinte mil euros), montante acrescido dos respetivos juros de mora, à taxa de 4%, desde a presente data e até integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.
Mais julgo totalmente improcedente a reconvenção, absolvendo a Autora do peticionado.
Custas pela Autora e pelo Réu na proporção do respetivo decaimento, supra fixado».
1.6. Inconformada apelou a A.., pedindo que tal sentença seja substituída:
«a) Por Acórdão que condene o réu no pagamento à autora do valor de 213.966,49€ pela cessação ilícita do contrato, seja pela aplicação do artigo 29.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de julho; seja a título de lucros cessantes, nos termos gerais de direito;
b) Caso assim não se entenda, deverá a Sentença recorrida ser substituída por Acórdão que condene o réu a pagar à autora, a diferença entre o que se pediu, 213.966,49€, e o "potencial de comissionamento" de 42.183,76€, num total de 171.782,73€ pela cessação ilícita do contrato;
c)Caso assim não se entenda, deverá a Sentença recorrida ser substituída por Acórdão que que condene o réu a pagar à autora, pelo menos, a diferença entre o que foi pedido, 213.966,49€, e o máximo potencial de comissionamento que no seu total tem o valor de 104.278,15€, que equivale ao montante de 109.688,34€ pela cessação ilícita do contrato;
d) Em todo o caso, e em cumulação com a indemnização referida nas alíneas anteriores, deverá a Sentença recorrida ser substituída por Acórdão que condene o réu no pagamento à autora da totalidade da cláusula penal pela violação do pacto de não concorrência, no montante de 60.000,00€», formulando para tanto as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que julgou a presente ação parcialmente procedente, condenando o aqui recorrido no pagamento à autora da quantia de apenas 20.000,00€, absolvendo-o do demais peticionado e com o que a aqui recorrente não se pode conformar, sendo, também, um recurso da matéria de facto;
2. O contrato que a autora e o réu celebraram por escrito foi autenticado no Cartório Notarial de ... no dia 8 de junho de 2020 e, assim não é um simples documento particular, como resulta do documento 2 que foi junto com a p.i. e que não foi impugnado, pelo que, deve esse facto ser corrigido para que do mesmo passe a constar:
"2. No dia 2 de junho de 2020, o réu celebrou com a autora, por escrito, um documento particular autenticado que as partes denominaram por "contrato de prestação de serviços", com o seguinte teor: [...] tendo as partes declarado que já o leram e que o mesmo exprime a sua vontade".
3. Ou, ainda que assim não se entenda, deverá de todo o modo ser aditado um facto ao elenco dos factos dados como provados com o seguinte teor: "O contrato assinado pelas partes e denominado "contrato de prestação de serviços" foi autenticado, tendo as partes declarado que: "já o leram e que o mesmo exprime a sua vontade", porquanto é o que do teor do contrato junto, nos termos dos artigos 364º, nº 2, 371º e 376º, todos do Código Civil;
4. Nenhuma prova foi produzida para que o Tribunal a quo pudesse chegar à conclusão que entre o dia 5 de maio e o dia 24 de junho de 2022, o réu entregou as suas angariações à autora, em especial, no que diz respeito às datas que ali vêm mencionadas;
5. Pelo que, o facto dado como provado constante do ponto 33 do elenco dos factos dados como provados foi incorretamente dado como provado, devendo ser dado como não provado, ou, caso assim não se entenda, deve ser substituído pelo seguinte facto: "0 Réu entregou a angariação do imóvel de … ao seu colega …";
6. Ou, ainda que assim não se entenda, pelo seguinte facto: O Réu entregou angariações de imóveis à Autora e todos os contactos recebidos por potenciais compradores que iam surgindo, entregou-os aos seus colegas, que desempenhavam funções com a Autora";
7. Já no que diz respeito aos factos constantes do ponto 34 e 35 dos factos dados como provados, estes não eram temas de prova e como tal, o Juiz não poderia dar tais factos como provados, sem previamente, e antes do encerramento da audiência, anunciar às partes que estava a equacionar utilizar o mecanismo de ampliação da matéria de facto, em observância do principio da proibição das decisões surpresa;
8. Não o tendo feito, encontramo-nos perante uma nulidade da decisão ou, pelo menos, um erro de julgamento, pois como é natural, nos termos do artigo 608.º n.º 2 do CPC, a sentença não pode resolver uma questão que não foi posta à discussão, tendo dado como provados factos que não poderia ter dado, nos termos em que deu, artigo 615.º n.º 2 alínea d) do CPC, tendo se violando, ainda, o principio do contraditório (artigo 3.º do CPC), devendo estes factos ser expurgados do elenco dos factos dados como provados;
9. Deu-se erroneamente como provado o facto constante do ponto 37: "Os imóveis deixados pelo réu tinham o potencial de comissionamento de 222.390,00€", mas, não é de todo assim, aquele valor de 222.390,00€ não se provou, nem se pode dar provado;
10. À presente data, a autora nada recebeu por esses imóveis, e nem sabe se alguma fez irá receber, pois não existem potenciais indemnizatórios: ou a autora tem direito a ser indemnizada (como bem entendeu o Tribunal) ou não tem;
11. Pelo que o facto dado como provado do ponto 37 foi incorretamente dado como provado e deve ser dado como não provado;
12. Ainda que assim não se entenda, tendo os contratos de mediação imobiliária melhor identificados nas alíneas a), b), d), h), i) e j) do facto do ponto 37 sido denunciados, o único valor que a autora potencialmente poderia receber era o total de 42.183,76€ (75% da soma de todas as comissões pagas pelos clientes):
c) Cliente vendedor …: 3.750,00€;
e) Cliente …: 15.935,63€;
f) Cliente …: 3.750,00€;
g) Cliente ...: 18.748,13€;
13. Pelo que, o facto constante do ponto 37 ser substituído pelo seguinte: "Os imóveis deixados pelo réu tinham o potencial de comissionamento de 42.183,76€:
a) Cliente: …, preço base: 890 000,00€, contrato denunciado;
b) Cliente: …, preço base 424 950,00€, ainda não vendido.
c) Cliente: …, preço base 24 950,00€, ainda não vendido
d)  Cliente: …, preço base 499 950,00€, ainda não vendido";
14. Ainda que se entenda que só porque o réu angariou aqueles imóveis tal constitui um potencial de comissionamento capaz de "indemnizar a autora" pela cessão ilícita do contrato, então de qualquer maneira, as contas continuam a não estar correctas, pois, o valor do potencial de comissionamento só poderia ser de 104.278,15€, que é o que resulta da soma dos seguintes valores:
a) Cliente vendedor …: 8.212,50€;
b) Cliente …: 10.012,50€;
c) Cliente vendedor …: 3.750,00€;
d) Cliente Vendedor …: 8.248,13€;
e) Cliente …: 15.935,63€;
f) Cliente …: 3.750,00€;
g) Cliente …: 18.748,13€;
h) Cliente vendedor …: 18.748,13€;
i) Cliente …: 13.123,13€;
j) Cliente …: 3.750,00€.
15. Pelo que, em último caso, e mesmo que se quisesse seguir o raciocínio adoptado pelo Tribunal a quo, o facto provado constante do ponto 37 sempre teria de ser substituído pelo seguinte: "os imóveis angariados pelo réu tinham o potencial de comissionamento de €:
a) Cliente vendedor …: 8.212,50€;
b) Cliente …: 10.012,50€;
c) Cliente vendedor …: 3.750,00€;
d) Cliente Vendedor …: 8.248,13€
e) Cliente …: 15.935,63€;
f) Cliente …: 3.750,00€;
g) Cliente …: 18.748,13€;
h) Cliente vendedor …: 18.748,13€;
i) Cliente …: 13.123,13€;
j) Cliente …: 3.750,00 €".
16. O Tribunal a quo também deu como provado que os imóveis angariados pelo réu e já vendidos geraram o valor de 54.117,00€ para a autora, o que é falso, pois aqui também as contas não estão correctas e consideraram-se prédios que não foram sequer vendidos;
17. Pelo que, os factos constantes das alíneas a) e do ponto 38 da Sentença devem ser dados como não provados, porque esses imóveis não foram sequer vendidos, e, em consequência, deve o facto provado do ponto 38 ser substituído por:
"Os seguintes imóveis angariados pelo Réu foram vendidos pela Autora após a sua saída, gerando para aquela, comissões no valor de 31.348,13€:
a) Cliente angariador: …, comissão de 5.000,00€, da qual a autora recebeu 3.750,00.
b) Cliente vendedor: …, comissão de 7.247,50€, da qual a autora recebeu 5.435,63€;
c) Cliente vendedor: …, comissão 6.750,00€, da qual a autora só recebeu 5.062,50€;
d) Cliente vendedor: …, comissão de 5.300,00€, da qual a autora só recebeu 3.975,00€;
e) Cliente: …, comissão de 1€, da qual a autora só recebeu 9.375,00€
f) Cliente: …, comissão 5.000,00€, da qual autora só recebeu 3.750,00€"
18. Para além disto, o Tribunal a quo também não deu como provado a faturação que o réu obteve na imobiliária concorrente da autora, que foi alegado pela autora e que complementa o tema de prova do ponto 1 do Despacho Saneador, tendo-se produzido prova nesse sentido, desde logo, tendo sido juntos os recibos do réu no dia 13 de julho de 2023, conforme requerimento com a referência Citius 5275793;
19. Na verdade, nos 14 meses em que o réu concorreu com a autora violando o pacto de não concorrência que bem conhecia e ignorou, recebeu um total de 72.197,87€, numa média mensal de 5.197,87€;
20. Pelo que deverá ser aditado um facto novo ao elenco dos factos dados como provados como seguinte teor: "40. Nos 14 meses em que foi prestar serviços de consultor para a Z, Lda, o réu recebeu um total de 72.197,87€, numa média mensal de 5.197,87€.";
21. No que diz respeito à indemnização pela resolução ilícita do contrato de agência o Tribunal ignorou o disposto no artigo 29.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 178/86 a aplicar subsidiariamente à resolução quando considerada ilícita;
22. Ora, não tivesse o contrato sido ilicitamente resolvido, o mesmo ter-se-ia renovado por mais 12 meses e 26 dias, como, aliás, resulta da Sentença e foi precisamente com base nesta circunstância que a autora peticionou o pagamento pelo réu do montante de 213.966,49€, o qual corresponde à quantia calculada com base na remuneração média mensal auferida pela autora em função das     comissão geradas pelas vendas angariadas pelo réu, no decurso do ano precedente, multiplicada pelo tempo em falta do contrato estabelecido entre as partes.
23. Ainda que assim não se entenda, recorrendo ao raciocino feito pelo Tribunal a quo, pelo regime geral do Código Civil, teria de todo o modo a autora direito aos "lucros cessantes correspondem aos ganhos que o lesado deixou de ter por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património.";
24. Note-se que, neste aspeto, entendeu o Tribunal a quo que por o réu ter deixado imóveis com "um potencial de comissionamento" muito superior ao pedido da autora, seria um abuso de direito pedir essa indemnização, nos termos do artigo 334.º do CC;
25. Ora, se é abuso de direito no entendimento do Tribunal então é porque ficou reconhecido à autora o direito e, ser indemnizada;
26. Acontece que, a conclusão a que o Tribunal chegou está viciada e não existe nenhum potencial de comissionamento porque nenhum daqueles imóveis foi vendido, nem sabe a autora se alguma vez serão vendidos, sendo certo que os clientes podem a qualquer momento - por mil e uma razões - denunciar os contratos de mediação imobiliária.
27. Pelo que deve a Sentença ora recorrida ser substituída por Acórdão que condene o réu a pagar à autora o valor de 213.966,49 € pela cessação ilícita do contrato, seja pela aplicação do artigo 29.º n.º 2 do Decreto-lei n.º 178/86, de 3 de julho, seja a título de lucros cessantes ou nos termos gerais de direito;
28. Ainda que assim não se entenda, e se recorra ao raciocínio do Tribunal que existe um "potencial de comissionamento" então temos de ter em consideração o facto de que, com toda a certeza, a autora nada receberá dos contratos que já foram denunciados, nomeadamente os melhor identificados nas alíneas a), b, d), h) , i) e j) do facto do ponto 37, pelo que o "potencial de comissionamento" não pode exceder o valor total de 42.183,76€;
29. Assim, e neste caso deverá a Sentença recorrida ser substituída por Acórdão que condene o réu a pagar à autora, a diferença entre o que se pediu, 213.966,49€, e o "potencial de comissionamento" de 42.183,76€, num total de 171.782,73€ pela cessação ilícita do contrato;
30. Em último caso, isto é, mesmo que se entenda que deverá ser abatido o valor "potencial de comissionamento" por contratos que ao dia de hoje já não estão em vigor (seguindo-se, deste modo, na sua totalidade, o raciocínio do Tribunal a quo), incluindo-se os denunciados e não denunciados, neste caso, o valor total do "potencial comissionamento" só poderá ser no máximo de: 104.278,15€;
31. Pelo que, nesta situação, deve a Sentença recorrida ser substituída por Acórdão que condene o réu a pagar à autora, pelo menos, a diferença entre o que foi pedido, 213.966,49€, e o potencial de comissionamento que no seu total tem o valor de €, que equivale ao montante de 109.688,34€ pela cessação ilícita do contrato;
32. Por fim, andou bem o Tribunal à quo quando julgou válida a cláusula penal fixada entre as partes de não concorrência, contudo, andou mal quando reduziu o pedido de 60.000,00€ contratualmente fixado para 20.000,00€;
33. De facto, o réu cessou o contrato para ir de imediato prestar idênticos serviços para uma sociedade concorrente, que era precisamente aquilo que a cláusula de não concorrência permitia acautelar;
34. O réu, bem sabendo as consequências da violação daquela cláusula - que conhecia como bem entendeu o Tribunal a quo - conformou-se com esse resultado e foi prestar serviços para uma concorrente direta da autora, sendo por isso intensa a ilicitude da sua conduta e justificando-se perfeitamente a condenação no pagamento da totalidade da clausula penal que as partes fixaram;
35. Para além disso, provou-se que o réu nada sabia até ter sido formado pela autora e ainda que o réu nos 14 meses subsequentes à saída da autora, violando o pacto de não concorrência que bem conhecia e ignorou, recebeu doutra agência imobiliária para onde foi prestar serviços, o montante total de 72.197,87€, numa média mensal de 5.197,87€;
36. Assim, se o réu estava obrigado a não concorrer com a autora durante 24 meses e durante identifico período irá faturar um total de 124.748,88€ (já tendo faturado 72.197,87€), não é de todo exagerada a cláusula penal no valor de 60.000,00€ (que é metade), antes pelo contrário;
37. Por tudo isto, deve a douta Sentença proferida ser subsistida por Acórdão que dê como não provados e provados os factos supra referidos, condenando ainda o ré no pagamento à autora da indemnização peticionada nos termos do artigo 29.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 178/86, ou nos termos gerais de direito, no valor de 213.966,49€, ou caso assim não se entenda no valor de 171.782,73€, ou caso assim não se entenda, pelo menos de 109.688,34€ e por fim, que condene, também, o réu a pagar à autora a totalidade da cláusula penal pela violação do pacto de não concorrência, no montante de 60.000,00€».
1.7. O R. contra-alegou, defendendo a manutenção da decisão recorrida, com base nas seguintes conclusões:
«1. A douta Sentença recorrida não merece qualquer reparo. Como tal, Não assiste qualquer razão ao Recorrente, sendo manifesta a divergência entre as alegações de Recurso e o que, de facto, se sucedeu, quer na fase de articulados, quer na audiência de discussão e julgamento, no diz respeito à correta apreciação e valoração da prova produzida, bem como à justa aplicação do direito aos factos, que foi efetivamente levada a cabo pelo Tribunal a quo.
2. Ora, a verdade é que, não é por ter sido autenticado que a natureza do contrato deixa de revestir a de um documento particular.
3. Sendo a sua autenticação apenas relevante para aferir a sua autenticidade e sua força probatória perante o presente juízo. Algo que nunca foi posto em causa ao longo de todo o processo comum que tramitou no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores.
4. Ademais, é certo que o termo de autenticação refere que as partes, pelo Contrato, exprimiram a sua vontade. Ora, o Recorrido nunca negou ao longo do presente processo que, o Contrato de Agência por si assinado com a Recorrente traduzia-se na sua pretensão de estabelecer um vínculo prestacional dos seus serviços de mediador imobiliário para com esta última, nunca tendo tal facto sido impugnado pelo Reclamado.
5. No entanto, apesar de a pretensão de prestar serviços de mediação imobiliária não é sinónimo de que tenha entendido o seu conteúdo e o que significaria, na prática, a aceitação de algumas daquelas cláusulas, porquanto o seu conteúdo nunca foi explicado pela Reclamante ao Reclamado, como o deveria ter feito, conforme o Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, publicado pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, tendo o Recorrido confirmado tais factos em juízo através das suas declarações prestadas.
6. Assim, não deverá o facto dado como provado número 2, ser alvo de qualquer alteração. Sendo certo que, caso assim não se entenda, e apenas por mera cautela de patrocínio admite-se pela adição do vocábulo autenticado. Ainda que, tal alteração não consubstancie, em momento algum, um facto relevante para a decisão da causa.
7. Mais a mais, não entende o aqui Recorrido o que pretende a aqui Reclamante com a impugnação do conteúdo do facto constante no ponto 33 dos factos dados como provados pela douta Sentença.
8. Nomeadamente, ao afirmar que não foi produzida qualquer prova que pudesse levar à conclusão de que entre o dia 5 de maio e o dia 24 de junho de 2022, o Reclamado tivesse entregado as suas angariações conseguidas aquando do exercício das suas funções.
9. Ora, a douta Sentença, e bem, fundamenta tal facto pelo relato do Recorrido, corroborado pelas Testemunhas T, E, Á e, pasme-se, pelo próprio representante legal da Reclamante.
10. Assim, não poderá, jamais, o facto constante no ponto 33 ser alterado para o peticionado pela Reclamante, nomeadamente “O Réu entregou a angariação do imóvel do imóvel de … ao seu colega …”, por tal não corresponder à verdade material, como acima já provado, quer pela transcrição dos depoimentos, quer pela prova documental junta pelo Recorrido.
11. A aqui Reclamante defendeu nas suas alegações de Recurso que os factos dados como provados nos pontos 34 e 35 deveriam ser expurgados do elenco dos factos dados como provados, porquanto não são aqui factos convertidos que tenham sido postos à discussão da causa.
12. Ora, não assiste qualquer razão à Recorrente. Vejamos, ambos os factos dados como provados foram alegados pelo Recorrido em sede de articulados, designadamente na contestação apresentada, mais concretamente nos articulados 58 e 59, tendo sido requerida a prestação de declarações de facto, justamente sobre esses dois mesmos articulados.
13. Logo, não pode, a aqui Reclamante afirmar que foi violado o princípio do contraditório, sobre uma matéria que foi não só anunciada na contestação, mas como é inequívoco que era do seu conhecimento que as declarações do Recorrido se iriam debruçar sobre o tema.
14. Ademais, não entende o aqui Recorrido a pretensão da Reclamante com tais argumentos, quando a própria Reclamante da página 35 à 39 das alegações apresentadas, advoga exatamente pelo oposto.
15. Nomeadamente, referiu que, tais temas de prova devem ser colocados com alguma amplitude, sendo admissível a produção de prova sobre factos diretamente relacionados com os mesmos e, claro, admitindo-se sempre dar como provados factos que lhes são complementares ou instrumentais.
16. Posto isto, não deverão os factos constantes nos pontos 34 e 35 da douta Sentença serem expurgados, por corresponderem à verdade e se encontrarem diretamente relacionados com a causa de pedir e, porquanto a sua menção reveste um caráter essencial para uma decisão justa e equitativa do presente processo.
17. O Recorrido ao cessar o contrato de agência que havia celebrado com a Recorrente deixou a esta última um potencial comissionamento no valor total de 222.390,00€.
18. Em nenhum momento processual, opôs-se a Reclamante quanto ao valor apresentado. Sendo que, é no mínimo curioso que, agora, em momento posterior, em que a decisão não lhe foi favorável, é que lhe é conveniente se opor a tais valores, tendo até à presente data, a Reclamante se conformado com mesmos.
19. Até pelo contrário, a mesma confessou que teriam sido deixadas, de facto, angariações pelo Recorrido, aos seus colegas, à data da sua saída.
20. Importa ainda referir que, se a Recorrente não obteve quaisquer lucros provenientes das mesmas, conforme alega em alguns casos, não poderá tal facto ser imputado ao Recorrido, pois era a Reclamante que teria de ter assumido uma conduta ativa, de forma a diligenciar pela manutenção de tais contratos.
21. Acrescentou ainda que, o Tribunal a quo, de forma errada, não deveria ter dado como provado tal valor sem se socorrer de qualquer cálculo aritmético.
22. Os cálculos das comissões sobre 5% dos valores foram demonstrados no documento 11, junto com a contestação, correspondendo os mesmos à verdade.
23. Aliás, ao invés do alegado pela Recorrente, esta teria direito, no mínimo, a 87,5%, sobre todas as comissões recebidas, uma vez que não teriam de entregar qualquer valor ao angariador, por não se encontrar à data da sua venda a prestar os seus serviços à mesma.
24. O Recorrido, após a sua cessação de funções junto da Reclamante, deixou as suas angariações que efetivamente foram vendidas, perfazendo um valor total de comissões de 54.117,00€, conforme prova documental junta pelo primeiro na sua contestação, sob a forma de doc. 11.
25. A própria Reclamante não nega que foram geradas tais comissões, provenientes de angariações realizadas pelo Recorrido, apenas contestando o seu valor.
26. Mais uma vez, a Recorrente, conformou-se com o referido valor, não logrando em produzir prova para impugnar o mesmo, sendo certo que dispôs de momentos processuais para tal.
27. Ademais, a Recorrente ignorou o facto de que a mesma não obteve apenas 75% da comissão adquirida através da venda do prédio.
28. Isto porque, uma vez que, o Recorrido já não se encontrava em funções, esta acumulou para si, o valor de comissão que lhe seria devido em 12,5% sobre o valor angariado.
29. Pelo que, deverá o facto 38 ser mantido na íntegra, não devendo ser alvo de quaisquer alterações, por o seu conteúdo corresponder à verdade.
30. O Tribunal a quo, e bem, não considerou a faturação que o Recorrido obteve na Z, Lda., doravante designada por Z, uma vez que, tais factos não podem ser considerados como factos relevantes para a ponderação da causa de pedir.
31. Num primeiro plano, alega que nos articulados 32.º e 33.º da sua P.I. que, foi pela formação que obteve, aquando da prestação de serviços à Reclamante que foi posteriormente contactado pela empresa de mediação mobiliária acima identificada.
32. Ora, tal alegação é conclusiva, não tendo sido provado um nexo de causalidade entre a formação dada pela Reclamante e a posterior contratação da Z.
33. Aliás, foi comprovado, quer pelas declarações do recorrido, quer pelas declarações das testemunhas D e R, que à chegada à Z, todos os colaboradores eram submetidos a diversas formações, estas sim certificadas.
34. Assim, não existe qualquer relação direta entre os rendimentos obtidos pelo Recorrido e a causa de pedir da aqui Recorrente, não consubstanciado tais factos, factos instrumentais ou complementares essenciais para o apuramento da verdade material e, subsequente, decisão da causa de pedir.
35. Além do mais, para todos os reais efeitos, foi entendido por todos que a cessação do contrato de agência produziria efeitos a partir do dia 5 de maio de 2022, correspondendo a carta enviada a 9 de maio de 2022 a uma mera formalidade necessária para finalizar o processo.
36. Ainda assim, mesmo que assim não se entenda, nunca se poderá dizer que por ter havido lugar à comunicação verbal de intenção de rescisão do Contrato a 5 de maio de 2022, que a carta enviada a 9 de maio de 2022 e todo o seu conteúdo deixam de ter qualquer tipo de valor. A comunicação transmitida verbalmente sobre a pretensão de cessação de um contrato de agência, nunca poderá traduzir-se na invalidade de uma posterior comunicação por escrito da mencionada intenção.
37. Pelo que, não assiste qualquer razão à aqui Reclamante ao afirmar que nada do que foi transmitido na comunicação por escrito poderia ter sido em conta e, consequentemente por esta última ser inválida, é ilícita a forma como foi cessado o contrato de agência por não ter respeitado a forma legalmente prevista.
38. O regime previsto no Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de julho, é aplicável aos casos em que o contrato de agência não previu aplicação de qualquer sanção pecuniária, em caso de incumprimento do contrato, o que não se sucede no caso sub judice.
39. A verdade é que, o Recorrido não teve qualquer intervenção na redação do contrato, limitando-se após o rececionar, a dar a sua anuência expressa a todas as disposições clausuladas. Sendo certo que, o conteúdo do mencionado contrato de agência não lhe foi, em momento algum, explicado.
40. O Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais, é aplicável ao contrato sub judice. Porquanto, o presente contrato dispõe de todas as características de um contrato de adesão, nomeadamente: pré-redação das condições negociais pelo proponente; imodificabilidade/rigidez, no sentido de as cláusulas predispostas destinarem-se a ser aceites em bloco, na sua versão original, sem possibilidade de negociação individual e a generalidade/indeterminação.
41. O ordenamento jurídico português consagrou, através dos artigos 5.º e 6.º do RGCG, a obrigação de comunicação prévia das condições gerais ao cliente, impondo, desta forma, um dever especial de informação e esclarecimento.
42. O mencionado dever de comunicação reveste um caráter antecipado, integral, adequando e efetivo.
43. O que efetivamente não se sucedeu no caso sub judice, não assistindo qualquer razão à aqui Reclamante, aquando do pedido de pagamento de um montante monetário a título de indemnização pelo ressarcimento dos danos alegadamente causados à Reclamante, uma vez que a mesma não sofreu qualquer prejuízo com a cessão de prestação de serviços do Recorrido.
44. Aliás, o próprio representante legal em sede de discussão e julgamento afirmou que os lucros da Reclamante têm vindo a sofrer um aumento, nestes últimos anos, não tendo a saída do Recorrido representado uma queda.
45. O Recorrido não celebrou qualquer contrato de mediação imobiliária com clientes da Reclamante, nem que forneceu a terceiros elementos de identificação daqueles clientes.
46. Neste sentido, o Código Civil, pela aplicação do seu artigo 798.º, pressupõe a adoção de uma conduta ilícita culposa atinente a um dano causa, isto é, terá sempre de ser provado um nexo de causalidade entre o dano causado e o comportamento do sujeito que o originou.
47. O que manifestamente não se sucedeu no caso sub judice, pelo que, a pretensão da Reclamante em que lhe seja atribuída uma indemnização na quantia de 213.966,49€, é no mínimo excessiva, abusiva e de má-fé.
48. Ademais, o Recorrido, deixou à Reclamante imóveis que tinham o potencial de comissionamento de 222.390,00€.
49. Tendo gerado, desde a sua saída até à presente data, comissões no valor de 54.117,00€.
50. Pelo que, já foi a Reclamante devidamente compensada pela cessação antecipada do contrato de agência por parte do Recorrido a nível de lucros cessantes, pois este à sua saída, deixou imóveis com o potencial de comissionamento de valor superior àquele que havia gerado aquando exercia as suas funções junto da Reclamante, sendo manifestamente abusivo peticionar qualquer tipo de outro valor ao aqui Reclamado, nos termos do artigo 334.º do Código Civil. Sendo que a pretensão da Reclamante traduzir-se-ia no seu enriquecimento duplo.
51. O contrato de agência celebrado pelas partes previa no seu conteúdo a aplicação de uma cláusula penal, em caso de incumprimento do referido contrato, encontrando-se o seu valor fixado em três vezes o valor do capital social da Reclamante.
52. Ora, tal cláusula demonstra-se ser manifestamente desproporcional, não sendo à mesma atribuída qualquer explicação do porquê da fixação naquele valor, que no caso sub judice, se traduz na quantia de 60.000,00€.
53. Conforme o disposto no artigo 810.º do Código Civil, a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.
54. O Recorrido esteve ao serviço da Reclamante desde o dia 2 de junho de 2020, até ao dia 5 de maio de 2022, tendo nesse hiato temporal auferido um valor total ao peticionado na cláusula penal. Isto é, ao longo de dois anos o Reclamado apenas auferiu um total de 54.796,00€.
55. Assim, a pretensão da Reclamante é manifestamente excessiva, ferindo, novamente, os princípios da boa-fé e equidade.
56. Não existe uma relação direta entre a formação não certificada dada pela Reclamante e os bons resultados do Recorrido, até porque, mais se diga que todos os profissionais da Reclamante são alvo das mesmas sessões de formação e nem todos se tornam, após as mesmas, bons vendedores.
57. Mais a mais, a Reclamante alega que ao longo do hiato temporal em que prestou serviços à mesma, o Reclamado teve acesso à sua rede de contactos. Porém, por lapso, ou não, não mencionou que ficou provado em sede de audiência de discussão e julgamento pelo depoimento de testemunhas como a M, A, T e E, que o Recorrido não celebrou contratos de mediação imobiliária com clientes da Reclamante, pelo que o acesso que o Recorrido teria, ou não, à rede de contactos mostra-se irrelevante para a causa, uma vez que o mesmo não fez, em nenhum momento, uso dos mesmos para angariar clientes após a sua saída.
58. Deste modo, por tudo o exposto, não subsistem dúvidas que o valor a título de cláusula penal se demonstra excessivo, tendo em conta tudo o acima já descrito, nomeadamente a gravidade da ilicitude e a culpa. Sendo certo que a redução da causa penal, tendo em conta todos os elementos do caso sub judice se demonstra justa equitativa, não devendo a pretensão da Reclamante subsistir».
1.8. O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo e, quanto à nulidade invocada, foi, pelo tribunal a quo, proferido o seguinte despacho: «Compulsada a decisão recorrida, afigura-se-nos que a mesma não padece da nulidade invocada, razão pela qual nada há a suprir (artigo 617º, nº1 do Código de Processo Civil), pois os factos 34º e 35º foram alegados pelo Réu na sua contestação (artigos 58º e 59º), não havendo qualquer ampliação da matéria de facto».
1.9. Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
Decorre do disposto nos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, que as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, atendendo às conclusões supra transcritas, as questões essenciais a decidir consistem em saber:
a) se a sentença recorrida é nula, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC;
b) se deve ser alterada a matéria de facto;
c) se a sentença recorrida fez correcta aplicação do Direito aos factos, no que concerne (i) à indemnização pela cessação ilícita do contrato celebrado entre as partes e (ii) à redução da cláusula penal prevista na cláusula 3.ª, n.ºs 2 e 3 desse contrato.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
3.1. A sentença sob recurso considerou provada a seguinte matéria de facto:
«1. A Autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à atividade de mediação imobiliária, a atividades intermediárias na compra e venda e arrendamento, à avaliação com vista ao arrendamento e compra e venda por conta de terceiros, à administração e gestão de imóveis por conta de outrem e condomínios, à atividade de compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, à emissão de certificados energéticos e presença ou ausência de térmitas, a atividades desenvolvidas em nome de proprietários necessárias ao funcionamento dos imóveis e edifícios, incluindo a cobrança de rendas, à prestação de serviços nas áreas da consultoria jurídica, fiscal, comercial, económica e bancária nos limites impostos na Lei e a mediação de seguros, à prestação de serviços de caráter administrativo, orientação e assistência operacional a pessoas singulares e coletivas em matérias diversas com vista à aquisição de imóveis.
2. No dia 2 de junho de 2020, o réu celebrou com a autora, por escrito, um documento particular que as partes denominaram por "CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS", com o seguinte teor:
CLÁUSULA 1ª
OBJETO
A Primeira Outorgante contrata o Segundo Outorgante, e este aceita, para prestação de serviços de angariador e técnico de mediação imobiliária, cujas funções compreendem o desenvolvimento das ações necessárias à preparação e execução de Contratos de Mediação Imobiliária, a celebrar entre os Clientes e a Primeira Outorgante, nomeadamente:
a) Procura de destinatários para a realização de negócios com a Primeira Outorgante, que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis;
b) Ações de prospeção e recolha de informações que visem encontrar o bem imóvel pretendido pelos Clientes da Primeira Outorgante;
c) Ações de promoção dos bens imóveis sobre os quais os Clientes da Primeira Outorgante pretendam realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação, publicitação ou da realização de leilões;
d) Obtenção de documentação e de informações necessárias à concretização dos negócios objeto dos Contratos de Mediação Imobiliária a celebrar entre os Clientes e a Primeira Outorgante;
e) Aferição, no momento da celebração dos Contratos de Mediação Imobiliária, da capacidade e legitimidade para contratar das pessoas intervenientes nos negócios que irão promover; e
f) Aferição, no momento da celebração dos Contratos de Mediação Imobiliária, por todos os meios ao seu alcance, da correspondência entre as caraterísticas do imóvel objeto do contrato de mediação e as fornecidas pelos interessados contratantes, bem como se sobre o mesmo recaem quaisquer ónus ou encargos.
CLÁUSULA 2ª
AUTONOMIA
O Segundo Outorgante prestará os serviços que são objeto do presente contrato, descritos na Cláusula 1ª, em regime de plena autonomia não estando sujeito a qualquer período ou horário de trabalho.
CLÁUSULA 3ª
EXCLUSIVIDADE
1. O Segundo Outorgante prestará os serviços que são objeto do presente contrato, descritos na Cláusula 1ª, em regime de exclusividade, para a Primeira Outorgante.
2. O Segundo Outorgante obriga-se a não prestar serviços de técnico de angariação imobiliária ou de angariador imobiliária para qualquer outra Sociedade de Mediação Imobiliária no prazo de 24 (vinte e quatro) meses, contados a partir do termo do presente Contrato de Prestação de Serviços e independentemente da causa da sua cessação, sob pena de indemnizar a Primeira Outorgante de todas as despesas em que incorreu com a formação e transmissão continuada de conhecimentos, gerais e específicos, os quais foram essenciais e fundamentais para sua prestação de serviços e para os resultados e exercício da atividade do Segundo Outorgante, nomeadamente porquanto muitos deles advieram dos contactos e conhecimentos pessoais e profissionais dos sócios e gerentes da Primeira Outorgante e, outros, tendo origem em contatos gerados na loja de atendimento ao público, sede da Primeira Outorgante. Tanto mais que, confessa, o Segundo Outorgante, não tinha qualquer experiência nesta área profissional de angariação e mediação imobiliária, os quais foram, na íntegra, transmitidos pela Primeira Outorgante, de acordo com o seu próprio método de trabalho e conhecimento do mercado local e técnicas específicas de angariação e venda criadas e desenvolvidas pela Primeira Outorgante segundo o seu próprio método pessoal de trabalho e experiência pessoal e profissional da sua gerência, essências para a otimização dos resultados obtidos.
3. Nestes termos, em caso de incumprimento pelo Segundo Outorgante, do disposto no número anterior, deverá o mesmo de pagar uma indemnização à Primeira Outorgante, no montante correspondente a 3 (três) vezes o capital social desta à data de assinatura do presente contrato, quantia da qual o Segundo Outorgante se considera devedor e aceita sem qualquer possibilidade de redução judicial ou extra- judicial.
CLÁUSULA 4ª
IMPEDIMENTOS E OBRIGAÇÕES DO SEGUNDO OUTORGANTE
1. Ao Segundo Outorgante, na prestação dos serviços que são objeto do presente contrato, descritos na Cláusula 1ª, não lhe é permitido:
a) Celebrar Contratos de Mediação Imobiliária em nome próprio, mas apenas em nome e por conta da Primeira Outorgante;
b) Cobrar e/ou receber dos intervenientes do negócio visado com o Contrato de Mediação Imobiliária quaisquer quantias a título de retribuição.
2. O Segundo Outorgante, na prestação dos serviços que são objeto do presente contrato, descritos na Cláusula 1 a, obriga-se a: a) entregar à Primeira Outorgante todos os montantes recebidos, no âmbito da celebração dos Contratos de Mediação Imobiliária, que lhe tenham sido confiados pelos Clientes da Primeira Outorgante;
b) aferir, no momento da celebração dos Contratos de Mediação Imobiliária, da capacidade e legitimidade para contratar das pessoas intervenientes nos negócios que irão promover;
c) aferir, no momento da celebração dos Contratos de Mediação Imobiliária, por todos os meios ao seu alcance, da correspondência entre as caraterísticas do imóvel objeto do Contrato de Mediação Imobiliária e as fornecidas pelos interessados contratantes, bem como se sobre o mesmo recaem quaisquer ónus ou encargos;
d) fornecer aos Clientes da Primeira Outorgante, de forma clara, objetiva e adequada, informações, nomeadamente sobre as caraterísticas, composição, preço e condições de pagamento do bem em causa;
e) propor, com exatidão e clareza, os negócios de que for encarregada, procedendo de modo a não induzir em erro os Clientes da Primeira Outorgante.
CLÁUSULA 5ª
PREÇO
1. Pelos serviços prestados, a Primeira Outorgante pagará ao Segundo Outorgante, a percentagem mínima de 25% da Transação de Angariação do Imóvel que tenha sido angariado pelo Segundo Outorgante, ou seja, em que este tenha intervindo como angariador do imóvel, sendo que a transação imobiliária de angariação apenas corresponde a metade do valor da comissão imobiliária total recebida pela Primeira Outorgante, ou seja, os supra referidos 25% (vinte e cinco por cento) da transação de angariação do imóvel, corresponde a 12,5% do valor total da comissão imobiliária recebida pela Primeira Outorgante.
2. Da mesma forma, a Primeira Outorgante pagará ao Segundo Outorgante, a percentagem mínima de 25% da Transação de Venda do Imóvel, caso o Segundo Outorgante tenha intervido, naquele negócio em concreto, como vendedor do imóvel, sendo que a transação imobiliária de venda apenas corresponde a metade do valor da comissão imobiliária total recebida pela Primeira Outorgante, ou seja, os supra referidos 25% (vinte e cinco por cento) da transação de venda do imóvel, corresponde a 12,5% do valor total da comissão imobiliária recebida pela Primeira Outorgante.
3. Os valores suprarreferidos, não incluem a taxa legal de IVA liquidada pelos clientes do Segundo Outorgante, e por cada transação de angariação ou venda, a esta sim acrescerá o IVA à taxa legal aplicável.
4. O pagamento das quantias previstas nos números anteriores será efetuado pela Primeira Outorgante ao Segundo Outorgante até ao final do mês do recebimento.
5. Por cada pagamento dos serviços prestados, o Segundo Outorgante emitirá o correspondente recibo.
CLÁUSULA 6ª
PRAZO
1. O presente Contrato de Prestação de Serviços é celebrado por um período de 12 meses, com início em 02.06.2020 e termo em 01.06.2021.
2. Findo o prazo estabelecido no número anterior, o presente Contrato de Prestação de Serviços renovar-se-á automaticamente por período iguais de 12 (doze) meses, exceto se algum dos Outorgantes o denunciar, por meio de Carta Registada, com a antecedência mínima de 90 (noventa) dias em relação ao termo de cada período contratual.
3. No caso de renovação do presente Contrato de Prestação de Serviços nos termos do número anterior, o Primeiro Outorgante, em função dos critérios que considerar pertinentes, poderá ajustar o regime da prestação de serviços, nomeadamente no que concerne à retribuição.
CLÁUSULA 7ª
RESOLUÇÃO
O incumprimento, pelo Segundo Outorgante, de qualquer das disposições do presente Contrato de Prestação de Serviços, conferirá, à Primeira Outorgante, mediante envio de Carta Registada, o direito de resolvê-lo, sem prejuízo de poder exigir uma indemnização pelos danos sofridos, e sem prejuízo do apuramento da eventual responsabilidade civil e criminal decorrente desse incumprimento.
CLÁUSULA 8ª
DEVERES DE CONFIDENCIALIDADE
1. O presente contrato é confidencial, pelo que os signatários se obrigam a manter completo sigilo relativamente ao mesmo e a não divulgar a terceiros o seu conteúdo sem prévio consentimento expresso da Primeira Outorgante, salvo na estrita medida do necessário à sua execução por qualquer das partes.
2. O Segundo Outorgante obriga-se a não usar ou comunicar a qualquer pessoa, firma, organização ou entidade, exceto quando no desempenho normal dos seus serviços e com o consentimento expresso da Primeira Outorgante ou, também, quando requerido por um Tribunal ou Autoridade competente, quaisquer segredos ou outras informações confidenciais da Primeira Outorgante ou de entidades em que preste serviços por decorrência do presente contrato, relativas ao negócio, organização, transações, contas, finanças ou assuntos da mesma, incluindo nomes dos clientes e fornecedores, relatórios, documentos, dados informáticos e quaisquer outras informações preparadas para a Primeira Outorgante, e que obtenha enquanto ao serviço da Primeira Outorgante.
3. Em caso de cessação por qualquer motivo do presente contrato, o Segundo Outorgante deverá devolver imediatamente à Primeira Outorgante todos os originais,
e/ou cópias dos dossiers, correspondência, arquivos, memorandos e outros documentos e informações que se encontrem em seu poder.
4. Esta restrição de confidencialidade manter-se-á aplicável após o termo do presente contrato, seja qual for a causa, sem qualquer limite temporal, fazendo incorrer o Segundo Outorgante em responsabilidade indemnizatória para com a Primeira Outorgante em caso de inobservância, no montante mínimo de 3 (três) vezes o capital social desta à data de assinatura do presente contrato ou, se superiores forem os danos, o que for quantificado, bem como em eventual responsabilidade criminal.
CLÁUSULA 9ª
ALTERAÇÕES
Quaisquer alterações ou aditamentos ao presente Contrato de Prestação de Serviços, só serão válidos se constarem de documento escrito assinado pelos Outorgantes, do qual conste expressamente a indicação das cláusulas modificadas ou aditadas.
CLÁUSULA 10ª
COMISSÕES APÓS A CESSAÇÃO DO PRESENTE CONTRATO
Acordam as partes em que, após a cessação do presente contrato, não será devida pela primeira ao segundo outorgante, qualquer quantia a título de comissão em que este tenha participado em termos de mediação, angariação ou venda, ou a qualquer outro título.
CLÁUSULA 11ª
FORO
É competente para dirimir qualquer litígio relativo ao cumprimento, interpretação ou validade do presente contrato de prestação de serviços a competente Instância de Ponta Delgada do Tribunal Judicial de 1ª Instância da Comarca dos Açores, com expressa renúncia a qualquer outro.
CLÁUSULA 12ª
AUTENTICAÇÃO
Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 703. º do Código do Processo Civil, o presente contrato será objeto de autenticação de acordo com o preceituado no n.º 2 do artigo 38. º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março.
3. No dia 5 de maio de 2022, o Réu comunicou, verbalmente, ao sócio-gerente da Autora, a sua intenção de fazer cessar o contrato de prestação de serviços.
4. O Réu, por escrito, e por carta datada de 9 de maio de 2022, dirigida e recebida pela autora, comunicou-lhe o seguinte: Eu, B, venho informar v. exa. Que pretendo rescindir o meu contrato de prestação de serviços, com efeitos imediatos, nos termos e com os fundamentos seguintes: 1. Uma vez que sou uma pessoa correta, honesta e de bons princípios, não me sinto bem em continuar a prestar serviços na vossa empresa, tendo em conta que a minha esposa aceitou uma proposta irrecusável, mediante contrato de trabalho, e, portanto, mais estável, como diretora administrativa e financeira, numa imobiliária local concorrente. 2. Entendo existir uma incompatibilidade e não seria correto da minha parte continuar a trabalhar na vossa imobiliária, podendo pôr em causa a confidencialidade que é fundamental existir neste ramo. 3. Para além disso, apesar do meu contrato frisar que era um prestador de serviços, com autonomia técnica, não estando sujeito a qualquer período ou horário de trabalho, na realidade isso nunca aconteceu, tendo eu a obrigação, sob vossa ordem de comparecer na loja todos os dias às 8:30 horas e às 15:30 horas. 4. Estas instruções violam o disposto na cláusula 2.2 do contrato de prestação de serviços, o que me dá o legal direito de rescindir o contrato com efeitos imediatos. 5. Nesta semana, será entregue, pelo colega T, todo o material que tenho na minha posse.
5. O Réu, após ter rescindido o contrato de prestação de serviços com a autora a 05/05/2022, foi trabalhar, a 24/06/2022, para outra sociedade de mediação imobiliária concorrente da autora e denominada por "Z, Lda.".
6. O Réu, desde junho de 2022 e até à presente data, continua a prestar serviços de angariador e técnico de mediação imobiliária na sociedade de mediação imobiliária concorrente da autora e denominada por Z, Lda.
7. O Réu, no ano de 2022, recebeu diversos prémios de reconhecimento nacional, nomeadamente: - Top 50 Volume de Negócios - prémio nacional de produção. - Top 25 Volume de Negócios - prémio nacional de produção. - Top n.º 1 Income - em termos de faturação nacional.
8. A Autora tinha e sempre teve uma base de dados dos seus clientes.
9. Essa base de dados é composta pelo nome do cliente, número de identificação fiscal, número do cartão de cidadão, morada, contactos telefónicos e endereço eletrónico.
10. Eram clientes da autora, e como tal consta da sua base de dados de clientes: …….
11. O Réu, quando assinou o contrato de prestação de serviços com a Autora, não tinha qualquer conhecimento na área da mediação imobiliária, nem tinha exercido qualquer atividade relacionada com essa área de comércio.
12. Nos quase dois anos de relação contratual entre a Autora e o Réu, esta dotou o réu de diversos conhecimentos de modo a que pudesse desenvolver a atividade de angariador e técnico de mediação imobiliária.
13. A Autora deu diversas ações de formação ao Réu, explicando-lhe procedimentos a adotar; forneceu-lhe diversas minutas e formulários.
14. Entre outros conhecimentos passados pela autora ao réu, destacam-se os seguintes: Como efetuar a abordagem pessoal para imóveis que estão atualmente na concorrência - a apresentação de serviços; As objeções contratuais - o que são, como devem ser trabalhadas e ultrapassadas e as várias objeções e quais os argumentos que devem ser utilizados; Como fazer o seguimento inicial ao cliente da angariação; Como efetuar o seguimento de um imóvel de um outro colega que tenha saída; Minutas dos contratos de mediação imobiliária (o Contrato Prioritário e o Imóvel de Luxo); Minutas para apresentação dos Estudos de Mercado (Apartamentos, Moradias e Lotes); A correta forma de apresentação de um Estudo de Mercado; O procedimento para Seguimento da Angariação (Cada 30 dias); A apresentação da avaliação do Imóvel; A apresentação do seguimento da visita ao cliente Vendedor - Os documentos bancários necessários dos Compradores; A qualificação financeira dos Compradores minuta correta do atendimento; Minuta do email a enviar para os clientes para obtenção dos documentos bancários; O registo e tabela de seguimento das angariações na zona de prospeção - minuta do telefonema no dia de atendimento à loja (argumentos que devem ser utilizados); Os telefonemas para os imóveis na Concorrência; Os telefonemas para os Imóveis que estão em Estado Inativo; Os particulares com os imóveis à Venda - O telefonema correto; As listagens dos Comprados; As rescisões Contratuais com outras imobiliárias; O quadro da equipa - Registo de Contatos de Vendedores e Compradores; As várias zonas de prospeção na Ilha de São Miguel (divisão em 84 zonas de trabalho, todas elas identificadas, limitadas e atribuídas aos vários colegas e equipas); O mapa de agendamento de escrituras - O qualificador financeiro - Instrumento para Qualificação Financeira dos Compradores.
15. O Réu tornou-se num elemento importante e valioso na estrutura da Autora.
16. A Autora, ao longo dos anos, tem tido um excelente desempenho na sua área de atividade, o que, de resto, tem sido reconhecido por diversos prémios nacionais na área da mediação imobiliária e na rede de lojas ibérica da ComprarCasa, nomeadamente: O prémio Cinco Estrelas de Melhor Imobiliária Açores em 2021; O prémio Cinco Estrelas de Melhor Imobiliária Açores em 2022; O prémio do banco CGD de melhor agência; O prémio do banco BPI de melhor Agência; O prémio do banco Santander Totta de melhor agência; O prémio banco BIC de melhor agência; O prémio de melhor agência do site Imovirtual; O prémio melhor agência do site Idealista.
17. Na rede ComprarCasa, e nos últimos 5 anos, a Autora recebeu os prémios de melhor agência em angariação, faturação, volume de vendas, tendo sido a melhor agência da Península Ibérica no ano de 2022.
18. O capital social da Autora é de 20.000,00€.
19. O Réu acedia à base de dados confidencial através de uma senha e password pessoal e intransmissível que foi cedida especificamente pela autora, e isto em qualquer local e computador, porque se encontrava numa base de dados em "cloud".
20. A palavra passe fornecida pela Autora ao Réu permitia aceder ao sistema e informação interna da Autora nomeadamente à identificação de todos os clientes desta e os respetivos imóveis a serem comercializados, não só os angariados pelo Réu mas a todos os clientes da Autora em virtude duma autorização especial que lhe foi concedida, permitindo que este pudesse consultar todos os restantes clientes e imóveis angariados por todos os colegas, nomeadamente com acesso aos contactos diretos (telemóvel e emails) a compradores e vendedores.
21. Uma base de dados de clientes de uma sociedade de mediação imobiliária leva anos a fazer-se e com enormes custos.
22. Tal base de dados é fulcral para o desenvolvimento da atividade da autora ou de qualquer outra sociedade de mediação imobiliária.
23. Desde o mês de junho de 2020 a abril de 2022, o Réu gerou para a Autora comissões no valor de 378.532,50€:
a) Junho de 2020 – 0,00€.
b) Julho de 2020 – 5 000,00€.
c) Agosto de 2020 – 5 000,00€.
d) Setembro de 2020 - 0€.
e) Outubro de 2020 – 0,00€.
f) Novembro de 2020 – 6 247,50€.
g) Dezembro de 2020 – 12.650,00€.
h) Janeiro de 2021 – 14.500,00€.
i) Fevereiro de 2021 - 21.247,50€.
j) Março de 2021 - 10.000,00€.
k) Abril de 2021 - 17.347,50€.
l) Maio de 2021 - 10.000,00€.
m) Junho de 2021 - 46.742,50€.
n) Julho de 2021 – 29.125,00€.
o) Agosto de 2021 – 10.000,00€.
p) Setembro de 2021- 0,00€.
q) Outubro de 2021- 7.300,00€.
r) Novembro de 2021- 10.625,00€.
s) Dezembro de 2021 – 16.250,00€.
t) Janeiro de 2022 – 10.000,00€.
u) Fevereiro de 2022 – 26.350,00€.
v) Março de 2022 – 28.750,00€.
w) Abril de 2022 – 36.245,00€.
24. De tais comissões o Réu auferiu 54.796,00€ pelos serviços prestados.
25. A Autora tinha direito a 75% da comissão gerada, deduzindo os valores pagos de 12,5% ao consultor angariador e 12,5% ao consultor vendedor.
26. A venda de imóveis na Região Autónoma dos Açores e mais especificamente ilha de São Miguel tem vindo a crescer ano após ano.
27. O Réu tinha de se apresentar todos os dias na agência da Autora, às 08h30m e às 15h30m para participar em reuniões.
28. O Réu tinha de estar de escala um dia por semana na sede da Autora durante um período de 10 horas.
29. O Réu tinha de estar de escala um dia por semana na sede da Autora, durante um período de 10 (dez) horas.
30. O Réu era obrigado a ter uma agenda de trabalho toda preenchida, com uma antecedência mínima de 15 (quinze) dias e exibir à gerência.
31. O Réu era obrigado a agendar previamente as férias e tinha de ser necessariamente autorizado pela gerente da Autora.
32. O Réu é que pagou os seus cartões de identificação com a marca associada à Autora, despendeu a sua gasolina com as deslocações que fez na tentativa de prospeção e angariação de clientes.
33. Entre o dia 5 de maio de 2022 e o dia 24 de junho de 2022, o Réu entregou angariações de imóveis à Autora e todos os contatos recebidos por potenciais compradores que iam surgindo, entregou-os aos seus colegas, que desempenhavam funções com a Autora.
34. O contrato celebrado pelas partes trata-se de um conteúdo análogo aos demais subscritos pela Autora com os seus demais colaboradores sendo que, nenhuma das cláusulas foi discutida ou negociada entre as partes.
35. E sem que ao Réu tivesse sido explicado as consequências das cláusulas penais aí previstas.
36. A partir do dia 5 de maio de 2022, o Réu nunca mais acedeu à referida base de dados.
37. Os imóveis deixados pelo réu tinham o potencial de comissionamento de 222 390,00€:
a) Cliente vendedor: …, preço base: 219.000,00€, contrato denunciado;
b) Cliente: …, preço base: 890.000,00€, contrato denunciado;
c) Cliente vendedor: …, preço base: 59.950,00€, ainda não vendido;
d) Cliente vendedor: …, preço base: 219.950,00€, ainda não vendido;
e) Cliente: …, preço base 424.950,00€, ainda não vendido;
f) Cliente: …, preço base 24.950,00€, ainda não vendido;
g) Cliente: …, preço base 499.950,00€, ainda não vendido;
h) Cliente vendedor: …, preço base 499.950,00€, ainda não vendido;
i) Cliente: …, preço base 349.950,00€, contrato não denunciado;
j) Cliente: …, preço base 81.950,00€, contrato não denunciado.
38. Os seguintes imóveis angariados pelo Réu foram vendidos pela Autora após a sua saída, gerando para aquela comissões no valor de 54.117,00€:
a) Cliente vendedor: …, comissão de 625,00€.
b) Cliente angariador: …, comissão de 625,00€;
c) Cliente vendedor: …, comissão de 999,69€;
d) Cliente vendedor: …, comissão de 843,75€;
e) Cliente vendedor: …, comissão de 734,38€;
f) Cliente: …, comissão de 687,19€.
g) Cliente: …, comissão de 1 624,68€.
h) Cliente: …, comissão devida 625,00€.
39. O contrato de prestação de serviços foi enviado por e-mail para o Réu para sua análise».
3.2. A sentença sob recurso considerou não provada a seguinte matéria de facto:
«a) O Réu celebrou, por si ou por interposta pessoa, designadamente pela sociedade de mediação imobiliária denominada por "Z, Lda.", com os clientes referidos em 10) e forneceu a terceiros todos os elementos de identificação daqueles clientes.
b) O Réu, por si e pela sociedade de mediação imobiliária denominada por "Z", a quem o Réu forneceu os elementos de identificação daqueles clientes, contactaram-nos, convencendo-os a denunciarem os contratos de mediação imobiliária que tinham assinado com a autora para passarem a ter contratos do mesmo género com eles.
c) O Réu angariou o imóvel de …, um terreno … com preço base 317.700,00€».
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1. Comecemos pela nulidade da sentença invocada (conclusões 7.ª e 8.ª).
Defende a recorrente que a sentença recorrida é nula, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, porquanto os factos provados sob os n.ºs 34 e 35 não constituíam temas de prova e, por isso, não poderiam ter sido dados como provados sem, previamente e antes do encerramento da audiência, o tribunal a quo ter anunciado às partes que estava a equacionar utilizar o mecanismo de ampliação da matéria de facto, em observância do princípio da proibição das decisões surpresa. Não o tendo feito, ocorreu uma nulidade da decisão, por a sentença não poder resolver uma questão que não foi posta à discussão, dando como provados factos que não poderia ter dado, tendo violando, ainda, o princípio do contraditório (art.º 3.º do CPC), pelo que devem esses factos ser expurgados do elenco dos factos dados como provados.
Argumenta, ainda, que «a enunciação dos temas de prova delimitam o âmbito da instrução, para que ela se efectue dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas excepções deduzidas, assegurando uma livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa. Resulta, assim, que a instrução continua a ter por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova, que constituem, impedem, modificam ou extinguem o direito controvertido, tal como plasmados nos articulados. Por isso, a não abrangência pelos temas da prova enunciados de factos essenciais ou nucleares de um das pretensões deduzidas, acarreta a anulação da decisão, uma vez que se não pode considerar que, realmente, sobre uma tal factualidade, por decorrência de um incumprimento do não exercício do contraditório, de um modo direto, incisivo e intencional tenha sido arrolado e produzido todo o substrato probatório que, efetivamente, o poderia ter sido, se resultasse inequívoco, linear e claro e que as partes tiveram a plena consciência de que esses factos faziam parte de um dos temas de prova enunciados. A recorrente porque tais factos não faziam parte dos temas de prova, não indicou prova quanto aos mesmos e não exerceu o direito ao contraditório, porquanto foi o próprio tribunal que ao não integrá-los em nenhum tema de prova os retirou da discussão».
O recorrido pronunciou-se, dizendo que os factos em causa foram por si alegados nos arts. 58.º e 59.º da contestação e que requereu a prestação de declarações sobre os mesmos, pelo que não houve violação do princípio do contraditório, nem se está perante uma “decisão surpresa”. Ademais, é a própria recorrente que, nas suas alegações de recurso, defende que o temas de prova devem ser colocados com alguma amplitude, sendo admissível a produção de prova sobre factos diretamente relacionados com os mesmos e podendo dar-se como provados factos que lhes são complementares ou instrumentais.
Vejamos.
Nos termos do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, é nula a sentença quando «d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronúncia) resulta da violação do dever prescrito no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, de acordo com o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
No caso vertente, a arguição da nulidade da sentença por excesso de pronúncia decorre do alegado conhecimento de factos que não se integram em nenhum dos temas da prova enunciados.
Tal questão conduz-nos à problemática da identificação do objecto do litígio e da enunciação dos temas da prova, regulada no art.º 596.º do CPC.
A identificação do objecto do litígio é, comummente, entendida pela doutrina como sendo a «enunciação dos pedidos deduzidos (objeto do processo) sobre os quais haja controvérsia» (cfr., Lebre de Freitas, in A Acção Declarativa Comum, 3.ª ed., p. 198).
Trata-se, contudo e quanto cremos, de uma definição insuficiente, por deixar de fora a causa de pedir e, eventualmente, a matéria de excepção. Por isso, em face do disposto no art.º 608.º, nº 2, do CPC, propendemos a entender que o objecto do litígio coincide com as questões que as partes submetem à apreciação do juiz, delimitadoras dos seus poderes de cognição (sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso), nomeadamente das questões consubstanciadas no pedido, na causa de pedir e na matéria de excepção.
A identificação do objecto do litígio, tendo em conta os pressupostos em que assenta, tem como finalidade esclarecer as partes, depois dos articulados e antes da instrução, dos termos precisos da controvérsia da acção, de modo a potenciar uma melhor e mais esclarecedora discussão dos termos da causa. Não obstante, o despacho de identificação do objecto do litígio, servindo apenas para delimitação da controvérsia da acção, não atribui nem retira direitos às partes e, como tal, não decide qualquer relação processual, sendo certo, ainda, que as questões a resolver na acção resultam da alegação deduzida nos articulados.
No que respeita aos temas da prova, que substituiu a anterior base instrutória (que, por sua vez, já tinha substituído o questionário), pretende-se, genericamente, que o juiz enumere as questões de facto fundamentais controvertidas (cfr., Lebre de Freitas, Ob. Cit., p. 197). Ou seja, a partir dos factos controvertidos que corporizam a causa de pedir e as excepções, procede-se à sua enumeração, delimitando a matéria objecto da instrução, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Apesar de certa desvalorização e também alguma indefinição, a enunciação dos temas da prova constitui um acto processual relevante, nomeadamente pela definição do objecto da instrução e por poder facilitar a disciplina da audiência e, desta forma, o julgamento da matéria de facto, o que, naturalmente, permitirá uma composição do litígio mais justa.
Certo é que, quer a identificação do objecto do litígio, quer a enunciação dos temas da prova não constituem caso julgado formal (cfr., por exemplo, os acórdãos do STJ de 08.01.2019, de 27.04.2017 e de 16.06.2016, todos in www.dgsi.pt).
Com efeito, quanto ao objecto da acção, a sentença pode ir além daquele despacho, se o conteúdo dos articulados o permitir, na medida em que são os mesmos que delimitam os poderes de cognição do tribunal, independentemente da identificação do litígio que tenha sido declarada (embora esta, observando a disciplina processual, deva, obviamente, corresponder à alegação dos articulados).
De igual forma, a enunciação dos temas da prova pode ser modificada posteriormente (aliás, nem mesmo a anterior “especificação” formava caso julgado, por poder ser modificada até à decisão final, conforme se decidiu no assento do STJ de 26.05.1994, in BMJ nº 437, p. 35), sendo o despacho que os fixa, meramente, instrumental da posterior instrução e destinado a prover o andamento do processo e sem decidir o conflito de interesses entre as partes, podendo, posteriormente, o juiz considerar factos complementares que resultem da instrução da causa, mesmo que não articulados pelas partes (art.º 5.º, n.º 1, al. b) e art.º 602.º, ambos do CPC).
Ora, voltando ao caso dos autos, e sendo certo, como se viu, que a enunciação dos temas da prova não formou caso julgado, terá de concluir-se que o tribunal a quo não conheceu de questão de que não podia conhecer, não ocorrendo, por esta via, a nulidade da sentença.
Sustenta, no entanto, o recorrente que a sentença traduziu, para si, uma decisão surpresa, ao incluir factos não integrados nos temas da prova, para os quais não ofereceu ou produziu prova, sendo certo que o tribunal a quo não advertiu as partes quanto a uma possível ampliação dos temas da prova previamente enunciados, concedendo-lhes a possibilidade de produzir a prova que entendessem relevante, não observando o contraditório no decurso da audiência de julgamento.
Como é consabido, o juiz deve tomar em consideração todos os factos alegados pelas partes e que considere indispensáveis à boa decisão da causa (cfr. art.º 5.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). Todavia, se alguns desses factos forem expressamente excluídos da enunciação dos temas de prova, a sua consideração posterior na sentença só pode ocorrer após observância do princípio do contraditório, tendo em conta a concepção ampla com que foi consagrado no art.º 3.º, n.º 3, do CPC, entendido como «garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão» (cfr. Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, I, p. 8).
Em obediência ao princípio do contraditório, ressalvados os casos de manifesta desnecessidade, devidamente justificada, o juiz não deve proferir nenhuma decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente tenha sido conferida às partes, especialmente àquela contra quem é ela dirigida, a efectiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar, proibindo-se as decisões surpresa.
No caso que nos ocupa, afigura-se-nos inegável o dever de audição prévia das partes relativamente à apreciação da factualidade vertida nos n.ºs 34 e 35 dos factos provados, na medida em que, apesar de ter a mesma sido alegada pelo R. na contestação como excepção (nulidade da cláusula contratual que sustenta um dos pedidos formulados pela A.), não foi incluída nos temas da prova, pelo que a A./recorrente não podia contar que a mesma viesse a ser apreciada e tomada em consideração na sentença entretanto proferida.
O tribunal a quo, através da enunciação dos temas da prova, gerou na A. a confiança e a expectativa de que tal factualidade não seria objecto de instrução, não seria apreciada e seria irrelevante para a decisão da causa. Por isso, não tendo advertido as partes que considerava tal factualidade importante para a boa decisão da causa e que a iria tomar em consideração na sentença, terá de concluir-se pela efectiva violação do princípio do contraditório, no sentido de não se ter concedido às partes, ao menos, a possibilidade de se pronunciarem sobre a ampliação dos temas de prova.
Sucede que tal violação só constituiria nulidade processual se influísse no exame ou decisão da causa, nos termos do art.º 195.º do CPC.
Relembremos que, embora as nulidades enquadráveis no art.º 195.º do CPC tenham de ser arguidas pela parte interessada, sob pena de ficarem sanadas (arts. 197.º e 199.º do CPC), tem-se entendido que, quando a nulidade só se revela com a prolação da sentença, como é o caso dos autos, nada obsta a que a mesma seja invocada e conhecida em sede de recurso (cfr., o acórdão do STJ de 5.07.2022, in www.dgsi.pt).
Ora, analisada a sentença recorrida, vemos que o tribunal a quo não retirou dos factos provados sob os n.ºs 34 e 35 qualquer consequência relativamente à invocada nulidade da cláusula 3.ª do contrato celebrado entre as partes, uma vez que entendeu que «… para se considerar que foi violado o dever de informação, torna-se necessário demonstrar que o aderente solicitou a prestação de esclarecimentos ao proponente, sendo que, neste caso, o ónus da prova recai sobre o aderente, e, no presente caso, o Réu confessou ter recebido o contrato por e-mail, ter analisado e após, de livre vontade, o ter assinado, sem ter solicitado qualquer outro esclarecimento à Autora, pelo que, não tendo feito prova da violação dos deveres de comunicação e de informação previstos nos artigos 5º a 8º do RJCCG, não podemos concluir pela exclusão das mesmas do contrato celebrado entre as partes».
Significa isto que o tribunal a quo considerou que, não obstante o que consta dos n.ºs 34 e 35 dos factos provados, a cláusula 3.ª do contrato (obrigação de exclusividade e não concorrência) é válida, entendimento que vai de encontro e é favorável à posição da A. e não foi posto em causa no recurso em apreço.
Desta forma, a factualidade assente em violação do princípio do contraditório acabou por não ter, em absoluto, qualquer influência para a decisão da causa, em nada prejudicando a A./recorrente, não ocorrendo, pois, a nulidade prevista no art.º 195.º do CPC.
Tanto assim é que a pretendida exclusão dos factos em causa (n.ºs 34 e 35) do elenco dos factos provados, como consequência da invocada nulidade, em nada alteraria a decisão (em sentido favorável à A.) sobre a questão da nulidade da cláusula 3.ª, suscitada pelo R.
E, sendo assim, terá de concluir-se pela não verificação da arguida nulidade, improcedendo o recurso nesta parte.
4.2. Vejamos, agora, a impugnação da matéria de facto.
A este respeito, importa não esquecer que o regime processual vigente restringe a possibilidade de revisão da matéria de facto a questões de facto controvertidas, relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente, admitindo-se, apenas, a reapreciação de concretos meios probatórios relativos a determinados pontos de facto impugnados.
Rejeitaram-se, desta forma, quer soluções maximalistas que determinam a repetição de julgamentos ou a reapreciação de todos os meios de prova anteriormente produzidos, quer a possibilidade de recursos genéricos contra a decisão de facto (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 7.ª ed., 2022, p. 194 e segs.).
Com efeito, de acordo com o disposto no art.º 640.º do CPC, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões) e, fundando-se a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos, devendo, ainda, consignar, na motivação do recurso, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos (cfr. Ob. Cit., p. 197 e 198).
No caso dos autos, a recorrente cumpriu o ónus de impugnação previsto no art.º 640.º do CPC, pelo que nada obsta à apreciação do recurso.
4.2.1. Principia a recorrente por requerer a alteração do facto provado sob o n.º 2, por forma a que passe a ter a seguinte redacção «2. No dia 2 de junho de 2020, o réu celebrou com a autora, por escrito, um documento particular autenticado que as partes denominaram por "contrato de prestação de serviços", com o seguinte teor: […]  tendo as partes declarado que já o leram e que o mesmo exprime a sua vontade» ou, caso assim não se entenda, que se adite um facto ao elenco dos factos provados com o seguinte teor: «O contrato assinado pelas partes e denominado "contrato de prestação de serviços" foi autenticado, tendo as partes declarado que: "já o leram e que o mesmo exprime a sua vontade».
Sustenta, para tanto, que resulta do documento n.º 2 junto com apetição inicial que o contrato em causa foi autenticado no Cartório Notarial de …, no dia 8 de junho de 2020, pelo que não é um simples documento particular.
O recorrido pronunciou-se pela inutilidade da alteração pretendida para a decisão de direito, defendendo que, apesar de autenticado, o documento em causa tem a natureza de documento particular, sendo a autenticação relevante, apenas, para aferir da sua autenticidade e força probatória, o que nunca foi posto em causa no processo.
E, com efeito, assim é.
O acordo celebrado entre as partes foi formalizado, tal como se refere no n.º 2 dos factos provados, por documento particular (cuja cópia foi junta com a petição inicial, sob o n.º 2), sendo que a natureza do documento não é alterada pelo facto de ter havido autenticação (cfr. art.º 363.º, n.º 2 do CC).
Acresce que a referência, no n.º 2 dos factos provados, ao documento particular que corporiza o contrato celebrado entre as partes, abrange, implicitamente, todo o teor do referido documento, incluindo, portanto, o termo de autenticação que dele faz parte.
Aliás, tal facto foi fixado em audiência prévia e não consta da respectiva acta que a A./recorrente, tenha, quanto ao mesmo, deduzido qualquer reclamação, nomeadamente, no sentido que ora propugna.
Finalmente, nenhuma das partes colocou em causa a veracidade e/ou valor probatório do documento, que não constitui, pois, uma questão a decidir no processo, não se vislumbrando, por isso, qualquer utilidade na alteração pretendida pela recorrente.
Ora, a apreciação da impugnação da matéria de facto não subsiste por si, assumindo um carácter instrumental face à decisão de mérito do pleito. Por isso, só se justifica nos casos em que da modificação da decisão possa resultar algum efeito útil relativamente à resolução do litígio no sentido propugnado pelo recorrente. Quando a modificação pretendida não interfere no resultado declarado pela 1.ª instância é dispensável essa reapreciação (cfr., neste sentido, os acórdãos do STJ de 23.01.2020 e 28.01.2020, in www.dgsi.pt).
Deste modo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(veis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente (cfr., neste sentido, o acórdão da RC de 27.05.2014, in www.dgsi.pt, onde e escreveu que “se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante para a solução da questão de direito e para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente destituído de qualquer eficácia, por não interferir com a solução de direito encontrada e com a decisão tomada”).
No caso dos autos, como se demonstrou, mostra-se inútil a reapreciação da matéria de facto quanto ao n.º 2 dos factos provados, uma vez que o “aditamento” que a recorrente propugna é irrelevante para a decisão pela mesma preconizada, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito.
É certo que, de acordo com a recorrente, «…isto é importante porque nesse termo de autenticação o aqui réu declarou que leu o documento e que o mesmo exprimia a sua vontade…Pelo que, não pode vir o réu dizer que não estava inteirado do conteúdo do mesmo». Mas, não só do termo de autenticação não pode retirar-se, sem mais, que o recorrido estava “inteirado do conteúdo do mesmo”, como a decisão recorrida não concluiu que o recorrido não o estivesse, não se estando, mais uma vez, perante uma questão que constitua objecto do recurso.
Assim sendo, rejeita-se o recurso nesta parte.
4.2.2. Prossegue a recorrente, defendendo que o facto provado sob o n.º 33 deve ser dado como não provado ou, caso assim não se entenda, deve ser substituído pelo seguinte facto «O Réu entregou a angariação do imóvel de … ao seu colega T» ou, caso assim também não se entenda, pelo seguinte facto «O Réu entregou angariações de imóveis à Autora e todos os contactos recebidos por potenciais compradores que iam surgindo, entregou-os aos seus colegas, que desempenhavam funções com a Autora».
Argumenta que nenhuma prova foi produzida para que o tribunal a quo pudesse concluir que, entre o dia 5 de Maio e o dia 24 de Junho de 2022, o réu entregou as suas angariações à autora, em especial, no que diz respeito às datas que ali vêm mencionadas, que não constituem factos instrumentais.
O recorrido pronunciou-se pela manutenção da decisão, apelando aos depoimentos das testemunhas T e E, às declarações de parte do legal representante da A. e ao documento n.º 4 junto com a contestação. No que respeita às datas referidas no n.º 33, argumenta que todas as angariações por si realizadas foram entregues aos seus pares à data da sua saída, logo num período entre o dia 5 de Maio (data da comunicação verbal da sua saída) e dia 24 de Junho (data em que iniciou funções na nova empresa), o que se depreende, tacitamente, do depoimento prestado pela testemunha T, sendo certo que a data em concreto em que se procedeu à entrega dos imóveis não é relevante para uma boa decisão da causa.
A sentença recorrida fundamentou a sua decisão, nesta parte, da seguinte forma: «O facto 33º foi-nos relatado pelo Réu, corroborado por T (que afirmou ter dado continuidade a todos os clientes angariados pelo B), por A (que nos disse que foi contactado por T a dizer que o imóvel agora estava consigo) e confirmado por A, o qual, no entanto, fez questão de dizer que a maioria dos contratos de mediação imobiliária deixados pelo Réu foram rescindido».
Ouvidas as declarações e depoimentos em causa, afigura-se-nos inequívoco que o ora recorrido diligenciou pela entrega de todas as angariações e contactos que teria conseguido até à sua saída da empresa recorrente, sendo que, tal como bem salienta o recorrido, muito embora as partes e as testemunhas não tenham referido, nas suas declarações e depoimentos, as datas mencionadas no n.º 33, resulta evidente ter sido intenção do tribunal a quo, à falta de prova concreta sobre as datas da entrega, aludir ao período temporal que decorreu entre a data da comunicação verbal da saída do recorrido (05.05.2022 – n.º 3 dos factos provados) e a  data em que o mesmo iniciou funções na nova empresa (24.06.2022 – n.º 5 dos factos provados).
Não vislumbramos, pois, que o tribunal a quo tenha violado qualquer regra de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova, antes tendo procedido a uma análise conjugada e crítica da prova produzida, observando e aplicando as normas legais, os princípios e as regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum que se impunham.
Não podemos esquecer-nos que, de acordo com o disposto no art.º 607.º, n.º 5 do CPC, o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, com exclusão, apenas, dos factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, bem como daqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
O princípio da livre apreciação da prova impõe que o julgador proceda a uma valoração de cada meio de prova produzido, interligando-o com os demais elementos probatórios que constem dos autos, socorrendo-se dos conhecimentos científicos adquiridos e das regras de experiência comum da vida (cfr. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à luz do Código Revisto, Coimbra, 1996, p. 157 e segs., e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II, p. 209).
A prova é, assim, apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, com recurso às regras da experiência e critérios de lógica. Neste sentido, escreve Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, p. 384, que «segundo o princípio da livre apreciação da prova o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas».
A prova idónea a alcançar um tal resultado é a prova suficiente, isto é, a que conduz a um juízo de certeza jurídica (e não uma certeza absoluta): a prova visa, apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto.
É, por isso, comumente aceite que o juiz da 1ª Instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação, e, designadamente, detectar no comportamento das testemunhas e das partes elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos, o que, frequentemente, não transparece da respectiva gravação.
Conforme se escreveu, lapidarmente, no acórdão da RC de 02.04.2019, in www.dgsi.pt «estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias, nada impede que o tribunal superior, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas. Não se pode olvidar que existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso, ainda que com base nas transcrições dos depoimentos prestados, a qual, como é óbvio, decorre de que só quem o observa se pode aperceber da forma como o testemunho é produzido, cuja sensibilidade se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e observação directa dos comportamentos objectivados no momento em que tal depoimento é prestado, o que tudo só se logra obter através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão. As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v. g. quando o julgador refere não foram (ou foram) convincentes num determinado sentido) o tribunal de recurso não tem grandes possibilidades de sindicar a aplicação concreta de tal princípio. Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, reacções imediatas, o contexto em que é prestado o depoimento e o ambiente gerado em torno de quem o presta, não sendo, ainda, despiciendo, o próprio modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo isso contribuindo para a convicção do julgador. (…) Então, perguntar-se-á, qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento? Este tribunal poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação. Tudo isto, sem prejuízo, como acima já referido, de o Tribunal de recurso, adquirir diferente (e própria) convicção (sendo este o papel do Tribunal da Relação, ao reapreciar a matéria de facto e não apenas o de um mero controle formal da motivação efectuada em 1.ª instância)».
Também Ana Luísa Geraldes, Impugnação e Reapreciação da Decisão sobre a Matéria de Facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, I, p. 609, refere que «em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte».
Desta forma, e tal como supra se salientou, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este possa concluir, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida pelo tribunal a quo, isto é, quando tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto.
No caso dos autos, após ouvidas as declarações e depoimentos produzidos e analisados os mesmos, criticamente e de forma conjugada com a prova documental junta aos autos (doc. n.º 4 junto com a contestação), não podemos deixar de aderir à fundamentação aduzida pelo tribunal a quo.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
4.2.3. Seguidamente, entende a recorrente que o facto provado sob o n.º 37 deve ser considerado não provado ou, caso assim não se entenda, deve ser substituído pelo seguinte facto «Os imóveis deixados pelo réu tinham o potencial de comissionamento de 42.183,76€: a) Cliente:…, preço base: 890.000,00€, contrato denunciado; b) Cliente:…, preço base 424.950,00€, ainda não vendido; c) Cliente: …, preço base 24 950,00€, ainda não vendido; d) Cliente:…, preço base 499.950,00€, ainda não vendido», ou, caso assim também não se entenda, deve ser substituído pelo seguinte facto «"os imóveis angariados pelo réu tinham o potencial de comissionamento de104.278,15€: a) Cliente vendedor ...: 8.212,50€; b) Cliente …: 10.012,50€; c) Cliente vendedor …: 3.750,00€; d) Cliente Vendedor …: 8.248,13€; e) Cliente …: 15.935,63€;  f) Cliente….: 3.750,00€;  g) Cliente ….: 18.748,13€; h) Cliente vendedor: …: 18.748,13€; i) Cliente …: 13.123,13€; j) Cliente …: 3.750,00€».
Advoga, ainda, a recorrente que o facto provado sob o n.º 38 deve ser substituído pelo seguinte: «Os seguintes imóveis angariados pelo Réu foram vendidos pela Autora após a sua saída, gerando para aquela, comissões no valor de 31.348,13€: a) Cliente angariador: …, comissão de 5.000,00€, da qual a autora recebeu 3.750,00€; b) Cliente vendedor: …., comissão de 7.247,50€, da qual a autora recebeu 5.435,63€; c) Cliente vendedor: …, comissão 6.750,00€, da qual a autora só recebeu 5.062,50€; d) Cliente vendedor: …., comissão de 5.300,00€, da qual a autora só recebeu 3.975,00€; e) Cliente: …., comissão de 1€, da qual a autora só recebeu 9.375,00€; f) Cliente: …., comissão 5.000,00€, da qual autora só recebeu 3.750,00€».
Alega, para tanto, que as contas feitas pelo tribunal a quo não estão correctas e que se consideraram prédios que não foram sequer vendidos.
O recorrido defende que a recorrente não impugnou os valores em causa e não negou que foram geradas comissões, provenientes de angariações realizadas por si.
O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão da seguinte forma: «Os factos 37º e 38º são admitidos pela Autora (tendo o legal representante da mesma confirmado o lucro que tiveram com os imóveis angariados pelo Réu), sendo que as denúncias dos contratos de mediação imobiliária encontram-se comprovadas documentalmente».
Os factos em causa foram alegados pelo R. nos arts. 101.º e 102.º da contestação e são pressuposto da conclusão que o mesmo retirou no art.º 103.º: «Assim, o Réu tem um direito de compensação sob o Autor, no valor de 6 764,63€…».
Tratam-se, pois, de factos que visam sustentar o pedido reconvencional deduzido.
A sentença recorrida julgou o pedido reconvencional improcedente e absolveu a A. do mesmo, por ter entendido que não era devida ao R. qualquer quantia a título de comissão em mediações, angariações ou vendas em que ele tenha participado.
Aquela sentença, nessa parte, transitou em julgado, pois que o R. dela não recorreu.
Ora, como já se salientou supra, a apreciação da impugnação da matéria de facto não subsiste por si, assumindo um carácter instrumental face à decisão de mérito do pleito.
Por isso, só se justifica nos casos em que da modificação da decisão possa resultar algum efeito útil relativamente à resolução do litígio no sentido propugnado pelo recorrente. Ao invés, sempre que a modificação pretendida não interfere no resultado declarado pela 1.ª instância, é dispensável essa reapreciação.
In casu, as alterações pretendidas pela recorrente nos factos provados sob os n.ºs 37 e 38 são inconsequentes, por insusceptíveis de ter relevância jurídica: sejam aqueles ou outros os valores dos potenciais de comissionamento e das comissões geradas, o R. nada tem a haver da A., pelo que são irrelevantes para a solução da questão de direito e para a decisão a proferir, que sempre seria a mesma.
Assim sendo, rejeita-se o recurso nesta parte.

4.2.4. Finalmente, considera a recorrente que deve ser aditado aos factos provados, sob o n.º 40, o seguinte facto: «Nos 14 meses em que foi prestar serviços de consultor para a Z, o réu recebeu um total de 72.197,87 €, numa média mensal de 5.197,87€».
Defende que a facturação que o réu obteve na imobiliária concorrente foi alegada pela A. e complementa o tema de prova n.º 1, tendo-se produzido prova nesse sentido (recibos juntos aos autos em 13.07.2023). Acrescenta que tal facto é relevante, em face do argumento utilizado na sentença recorrida para redução da cláusula penal fixada pelas partes para a violação do pacto de não concorrência: o montante auferido pelo R. por serviços prestados à A. em dois anos. E conclui que, peticionando-se o pagamento de uma cláusula penal pela violação de um pacto de não concorrência, o facto em causa é mais do que complementar ou instrumental, sendo antes um facto nuclear à causa.
O recorrido defende que a faturação que o recorrido obteve na sociedade Z, Lda., não constitui facto relevante e que não existe qualquer relação directa entre os rendimentos obtidos pelo recorrido e a causa de pedir da recorrente, não consubstanciado factos instrumentais, complementares ou essenciais para o apuramento da verdade material e subsequente decisão.
Era o seguinte o tema da prova enunciado sob o n.º 1 «Investimento da Autora na formação do Réu».
Nesse tema não pode ter-se como incluída a matéria atinente aos rendimentos auferidos pelo R. ao serviço da empresa Z, Lda., nem, de resto, tal matéria de facto foi alegada (nomeadamente, nos arts. 32.º, 33.º e 43.º da petição inicial referidos pela recorrente nas suas alegações de recurso).
Uma coisa são os factos relativos ao investimento que a A. fez na formação do R. como mediador imobiliário (a que se alude no tema da prova citado) e outra são os rendimentos posteriores provenientes da actividade do R. ao serviço de outra entidade, que não podem ser considerados meros factos complementares ou instrumentais daqueles.
Por isso, incluir, neste momento processual, o facto pretendido - que, repete-se, nem sequer foi alegado - no elenco dos factos provados, traduzir-se-ia na violação do princípio do contraditório, pelas razões já explanadas no ponto 4.1. deste acórdão.
Acresce que, também aqui, ao contrário do defendido pela recorrente, o facto em causa em nada influenciaria a decisão da causa (como se verá no ponto 4.3.2 deste acórdão), nomeadamente a questão relativa à redução da cláusula penal, sendo, portanto, inútil a alteração pretendida.
É que, ainda que se desse por assente tal facto, com base nos documentos juntos aos autos em 13.07.2023, do mesmo nunca poderia extrair-se a conclusão, preconizada pela recorrente, de que os rendimentos que o R. auferiu ao serviço da empresa Z, Lda., advieram da formação dada pela A.
Como é bom de ver, para tanto, seriam, ainda, necessárias outras provas, para além dos sobreditos documentos, que não foram produzidas e que os autos não contêm.
E, desta forma, nada mais resta do que julgar o recurso improcedente, também nesta parte.
4.3. Vejamos, agora, se, em face da matéria de facto provada, a sentença recorrida fez uma incorrecta aplicação do direito, sendo certo que, a este respeito, são duas as questões suscitadas pela recorrente:
1.ª saber se é lhe devida uma indemnização pela cessação ilícita do contrato que celebrou com o R., seja por aplicação do disposto no art.º 29.º, n.º 2 do DL n.º 178/86, de 03.07, seja a título de lucros cessantes, nos termos gerais de direito (conclusões 21.ª a 31.ª);
2.ª saber se a cláusula penal prevista na cláusula 3.ª, n.ºs 2 e 3 do referido contrato deve ser reduzida nos termos do art.º 812.º do CC (conclusões 32.ª a 36.ª).
4.3.1. Quanto à primeira questão, defende a recorrente que o tribunal a quo, embora tivesse concluído bem que as partes celebraram entre si um contrato de agência (regulado pelo DL n.º 178/86, de 03.07) e que a cessação do mesmo por iniciativa do R./recorrido foi ilícita, pecou quanto às consequências que extraiu dessa ilicitude.
 Argumenta a recorrente que à resolução ilícita do contrato se aplica, subsidiariamente e com as necessárias adaptações, o regime sancionatório previsto nos arts. 28.º e 29.º do DL n.º 178/86 para a inobservância dos prazos de pré-aviso, pelo que deve ser indemnizada pelos danos causados pela falta do pré-aviso, isto é, os lucros que deixou de ter com o recorrido, tendo por base a remuneração média mensal que auferiu no decurso do ano precedente, multiplicada pelo tempo em falta. Acrescenta que, mesmo aplicando o regime geral do Código Civil, como o fez o tribunal a quo, a recorrente teria direito a ser indemnizada pelos lucros cessantes, correspondentes aos ganhos que deixou de ter, por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património, sendo certo que se provou que o R. gerou lucros para a A., durante o tempo que para ela trabalhou (Junho de 2020 a Abril de 2022), no montante de 378.532,50€.
Nas suas contra-alegações, o recorrido opõe-se a tal pretensão, defendendo, em suma, que: a resolução do contrato por sua iniciativa foi lícita, válida e eficaz, por ter obedecido ao requisito de forma previsto na lei; o regime do art.º 29.º, n.º 4 do DL n.º 178/86 só se aplica subsidiariamente aos casos em que o contrato de agência não previu a aplicação e qualquer sanção pecuniária para os casos de incumprimento; o recorrido não teve qualquer intervenção na redacção do contrato, limitando-se a dar a sua anuência a todas as disposições clausuladas, que não lhe foram explicadas, violando o Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais; a recorrente não sofreu qualquer prejuízo com a cessão de prestação de serviços que necessitem de ser ressarcidos, nomeadamente, o lucro da recorrente não sofreu qualquer depreciação; a pretensão da recorrente de que lhe seja atribuída uma indemnização no valor de 213.966,49€, é excessiva, abusiva e de má-fé, tendo em conta que o recorrido lhe deixou imóveis que tinham um potencial de comissionamento de valor superior àquele que havia gerado quando exercia as suas funções junto da recorrente e que geraram comissões no valor de 54.117,00€, pelo que a recorrente já foi compensada pela cessação antecipada do contrato de agência, traduzindo-se a sua pretensão num enriquecimento duplo.
Vejamos.
Na petição inicial  a A. pediu a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de €213.966,49, a título de danos patrimoniais, sob a vertente de lucros cessantes, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, sustentando tal pedido no facto de o R. ter, em 05.05.2022, resolvido/denunciado ilicitamente o contrato entre ambos celebrado, cujo termo ocorreria em 01.06.2023, sendo que, no período de 12 meses e 26 dias que restava para o final do contrato, era expectável que a actividade do R. originasse lucros para a A. no valor total referido, tendo em conta a média mensal (16.629,52€) dos lucros que a sua actividade gerou entre Janeiro de 2021 e Abril de 2022 e sendo certo que a venda de imóveis com intervenção de sociedades de mediação imobiliária aumentou.
Na contestação, o R. pronunciou-se pela improcedência desse pedido, defendendo, então e apenas, que a denúncia do contrato é lícita, não se verificando o pressuposto básico do funcionamento da responsabilidade, sendo que, de qualquer forma, os lucros  totais da A. foram de 229.102,46€, o que corresponde a um ganho mensal médio gerado pelo  R., durante os 23 meses de serviço para a mesma, de 9.960,98€, pelo que, no período de 12 meses e 26 dias, o R. originaria lucros para a A. de, apenas, 128.164,74€.
A sentença recorrida qualificou o contrato celebrado entre as partes como contrato de agência, sujeito ao regime jurídico do DL n.º 178/86, de 03.07, não tendo as partes colocado em causa essa qualificação, que aqui se acompanha.
A mesma sentença, embora sem o afirmar expressamente, concluiu que a resolução do contrato por iniciativa do R. foi ilícita, pois que «o Réu não logrou provar qualquer facto que permitisse concluir que a resolução do contrato por si operada foi com justa causa, sendo a questão do horário e das férias manifestamente insuficiente para se concluir pela justeza da resolução, tanto mais que, segundo a sua alegação, tal sempre aconteceu, não se tratando de qualquer alteração contratual levada a cabo pela Autora».
Daí que a sentença recorrida tenha prosseguido na análise da indemnização por lucros cessantes, que, não havendo ilicitude da resolução, estaria, obviamente, afastada.
Também a este respeito inexistem motivos para não concordar com tal conclusão.
Com efeito, provou-se que o contrato em causa, celebrado em 02.06.2020, terminaria em 01.06.2021, data em que se renovou, automaticamente, por um período de 12 meses, portanto, até 01.06.2022.
Sucede que no dia 05.05.2022, o R. comunicou, verbalmente, ao sócio-gerente da A./recorrente a sua intenção de fazer cessar tal contrato (n.º 3 dos factos provados) e, por carta de 09.05.2022, comunicou à A. que pretendia “rescindir” o contrato, com efeitos imediatos, por, no seu entender, existir uma incompatibilidade decorrente do facto de a sua mulher ter começado a trabalhar para uma empresa imobiliária concorrente e por ter ocorrido violação, por parte da A./recorrente, do disposto na cláusula 2.ª, n.º 2, do contrato (n.º 4 dos factos provados).
Ora, como é consabido, o contrato de agência pode cessar, para o que aqui releva, por denúncia e resolução (art.º 24.º do DL n.º 178/86).
A denúncia constitui uma forma típica de cessar relações contratuais duradouras por tempo indeterminado, podendo as partes, livre e discricionariamente (isto é, sem invocar qualquer motivo ou justificação), fazer cessar o contrato, por mera declaração unilateral receptícia, exigindo-se, no contrato de agência, que a comunicação revista a forma escrita (art.º 28.º, n.º 1 do DL n.º 178/86) e que observe uma antecedência mínima relativamente à produção dos efeitos extintivos (tempo de pré-aviso).
Já a resolução consiste na destruição da relação contratual operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato (cfr. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, II, p. 265), pretendendo fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado (cfr. arts. 289.º, 433.º, 434.º, n.º 1 primeira parte, do CC). A resolução do contrato necessita de ser motivada, opera nos contratos por tempo indeterminado e nos demais, sem qualquer aviso prévio e tem efeitos imediatos.
De acordo com a cláusula 6.ª, n.º 2, do contrato sub judice, o mesmo era livremente denunciável pelos outorgantes com uma antecedência mínima de 90 dias em relação ao termo de cada período contratual.
Por sua vez, a cláusula 7.ª do contrato previa o direito de resolução do contrato por parte da A., mas, como é evidente, ao R. assistia, também, esse direito, nos termos gerais mencionados.
No caso dos autos, em face da redacção do n.º 3 dos factos provados, não pode entender-se que o R. tenha procedido à denúncia do contrato, de forma verbal, em 05.05.2022.
Na verdade, nessa data, o R. limitou-se a comunicar ao sócio-gerente da A. a sua intenção de fazer cessar o contrato, intento que viria a concretizar, apenas, com a carta de 09.05.2022 (o n.º 5 dos factos provados, ao referir “o réu, após rescindir o contrato de prestação de serviços com a autora a 05/05/2022…”, pretendeu transpor a alegação que a A. deduziu no art.º 12.º da petição inicial, que, por ser conclusiva, não tem qualquer carácter vinculativo no que tange à correcta interpretação e qualificação daquele acto do R., sendo certo que o facto relevante neste no nº 5 é a circunstância de o R. ter ido trabalhar para outra sociedade em 24.06.2022).
O termo “rescisão” é frequentemente utilizado como sinónimo de resolução e tem o sentido de desvinculação por incumprimento de obrigações da contraparte. No entanto, «como a rescisão não tem um sentido unívoco, quando o legislador ou as partes recorrem a esta terminologia ter-se-á de interpretar o respectivo significado. Na dúvida, entender-se-á que corresponde a uma resolução (legal ou convencional), pois é este o sentido em que amiúde o termo rescisão é empregado» (cfr. Romano Martinez, in Da Cessação do Contrato, Almedina, 3.ª ed., 2015, p. 84 e segs).
Na carta referida, o R. indicou os motivos da cessação do contrato (a que chamou de “rescisão”) e informou que a mesma tinha efeitos imediatos, o que demonstra que o R. pretendeu resolver o contrato, uma vez que esta, enquanto exercício de um direito potestativo vinculado, impõe à parte o ónus de alegar e demonstrar o fundamento justificativo da desvinculação contratual e opera imediatamente.
Sucede que os fundamentos de resolução do contrato de agência encontram-se previstos no art.º 30.º do DL n.º 178/86:
a) incumprimento de obrigações contratuais, quando, pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual;
b) ocorrência de circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia.
Conforme escreve Pinto Monteiro, in Contratos de Distribuição Comercial, Almedina, 2009, p. 145, em relação ao fundamento de resolução previsto na al. a), «não é qualquer incumprimento, tout court, de uma ou mais obrigações, que legitima a outra parte, ipso facto, a resolver o contrato. A lei exige que a falta de cumprimento assuma especial importância, quer pela sua gravidade (em função da própria natureza da infracção, das circunstâncias de que se rodeia ou da perda de confiança que justificadamente cria na contraparte, por exemplo), quer pelo seu carácter reiterado, sendo essencial que, por via disso, não seja de exigir à outra parte a subsistência do vínculo contratual», e no que concerne ao fundamento previsto na al. b) «qualquer contraente pode socorrer-se da resolução, apesar de o contrato ter estado a ser regularmente cumprido, quando se verifique alguma circunstância que impossibilite ou faça perigar gravemente o fim do contrato. Decisivo é, também aqui que, por via disso, não seja exigível a subsistência do contrato até expirar o prazo convencionado (nos contratos celebrados por tempo determinado) ou imposto em caso de denúncia (nos restantes contratos, quanto aos prazos de pré-aviso). Significa isto que, mesmo havendo motivos para a resolução, isso pode não dispensar o contraente que decida por termo ao contrato de o fazer com uma antecedência razoável. (…) Trata-se de um fundamento objectivo, baseado em circunstâncias respeitantes ao próprio contraente que decide resolver o contrato ou à contraparte (…). Em suma, estamos perante uma situação de "justa causa", não por força de qual quer violação dos deveres contratuais, mas por força de circunstâncias não imputáveis a qualquer das partes, que impossibilitem ou comprometam gravemente a realização do escopo visado».
Ora, compulsada a matéria de facto provada, terá de conclui-se, como na sentença recorrida, que não se provou nenhum dos fundamentos que, nos termos da lei, legitimava o R. a resolver o contrato, sendo que os motivos invocados pelo R. e provados sob os n.ºs 27 a 32 não assumiam a importância e gravidade exigidas para sustentar a resolução do contrato, nem, de resto, se perceberia que, a assumirem essa relevância para o R., só tivessem sido por si invocados mais de um ano após o normal cumprimento do contrato.
Estamos, portanto, perante uma resolução ilícita do contrato por iniciativa do R., cumprindo extrair as respectivas consequências.
Atentemos, mais uma vez, nos ensinamentos de Pinto Monteiro, Ob. Cit., p. 149: «Uma vez que a resolução opera extrajudicialmente mas carece de ser motivada, quid iuris se uma das partes resolve o contrato, vindo a apurar-se, no entanto, por decisão judicial posterior, mediante recurso intentado pela outra parte, a falta de fundamento da resolução? Duas soluções se perfilam, "a priori": ou declarar que o contrato se mantém, tendo a outra parte direito a ser indemnizada pelos danos causados pela suspensão do contrato; ou partir do princípio de que o contrato se extinguiu, ao ser recebida a declaração resolutiva, que opera extrajudicialmente, tendo a acção judicial natureza meramente declarativa. A resposta não é fácil: em princípio, parece-nos que será de entender que o contrato se extinguiu, traduzindo-se a falta de fundamento da resolução numa situação de não cumprimento, com a consequente obrigação de indemnização; e, para este efeito, achamos razoável equiparar a resolução sem fundamento a uma denúncia sem observância do pré-aviso exigível, o que implicará a correspondente obrigação de indemnização, mas sem que isso evite a extinção do contrato. Tem sido esta a posição para que nos inclinamos, que se harmoniza, de resto, com a solução consagrada no art.º 29.º, n.º 1, para a denúncia que não observe os requisitos legais».
No caso que nos ocupa, não obstante a falta de fundamento da resolução, os factos provados revelam uma vontade séria e determinada do R. de não querer manter vivo o contrato, pelo que se nos afigura inequívoco que o mesmo se extinguiu.
Na verdade,  quem resolve infundadamente um contrato revela uma vontade séria, definitiva e consciente de não o querer cumprir e de se sujeitar às consequências desse incumprimento, pelo que a declaração resolutiva sem fundamento constitui o seu autor numa situação de incumprimento definitivo (cfr., por exemplo, o acórdão desta Relação de 26.01.2023, relatado pelo ora signatário, in www.dgsi.pt).
E, traduzindo a ilícita resolução do contrato um incumprimento definitivo por parte do R., a mesma tem as consequências previstas no art.º 29.º, onde se dispõe que:
«1 - Quem denunciar o contrato sem respeitar os prazos referidos no artigo anterior é obrigado a indemnizar o outro contraente pelos danos causados pela falta de pré-aviso.
2 - O agente poderá exigir, em vez desta indemnização, uma quantia calculada com base na remuneração média mensal auferida no decurso do ano precedente, multiplicada pelo tempo em falta; se o contrato durar há menos de um ano, atender-se-á à remuneração média mensal auferida na vigência do contrato».
Veja-se, por exemplo, o acórdão do STJ de 19.02.2015, in www.dgsi.pt, onde se considerou que «A declaração de denúncia de um contrato de agência de duração determinada reconduz-se a uma resolução infundada, sendo-lhe aplicável, subsidiariamente, o regime sancionatório previsto para a inobservância dos prazos de pré-aviso, conforme o previsto nos artigos 28.º e 29.º do Dec.-Lei n.º 178/86».
O art. 29.º citado confere a possibilidade de se optar por um montante indemnizatório correspondente ao valor dos danos que, efectivamente, se sofreu (quer sejam danos emergentes, quer lucros cessantes), devido ao facto de não ter sido concedido um prazo razoável para tomar as medidas necessárias para anular as consequências negativas da cessação do contrato (n.º 1), ou por um valor calculado com base na remuneração média mensal auferida no decurso do ano precedente, multiplicada pelo tempo do pré-aviso em falta (n.º 2) -  cfr. acórdão do STJ de 08.09.2021, in www.dgsi.pt.
O n.º 2 do art.º 29.º prevê, assim, a denominada indemnização à forfait, forfetária ou parametrizada, que é fixada previamente com base noutros critérios que não a medida efectiva do dano, tendo em conta as dificuldades de prova dos prejuízos futuros e/ou do seu montante com que o lesado se poderá deparar ou o facto de a indemnização apurada nos termos do n.º 1 não ser significativa. Através desta forma, evitam-se as dificuldades inerentes ao processo de indagação e prova dos prejuízos, dispensando-se o lesado da comprovação dos prejuízos que a falta ou insuficiência do pré-aviso lhe possa causar e arbitrando-se uma quantia única, calculada segundo critérios diversos dos que geralmente presidem à fixação de indemnização (arts. 562.º e segs. do CC) – cfr. acórdão da RG de 09.01.2024, in www.dgsi.pt.
Tal quantia pretende compensar os benefícios que o lesado deixou de receber, isto é, os proventos que, segundo critérios de normalidade, teria auferido não fosse a cessação inopinada do contrato. No entanto, a exigibilidade da indemnização à forfait poderá revelar-se vantajosa, quer porque pode ser reclamada mesmo que a cessação ilícita do contrato não tenha causado qualquer dano (pois que é dispensada a prova do dano), quer porque o seu montante poderá exceder o da indemnização calculada nos termos gerais, mas poderá também ser desvantajosa, por ficar aquém da indemnização calculada nos termos gerais.
No caso dos autos, a A./recorrente optou pela indemnização prevista do n.º 2 do art.º 29.º do DL n.º 178/86, que, como se viu, dispensa a prova do dano efectivo.
Sucede que, contrariamente ao pretendido pela A./recorrente, tal indemnização não é calculada tendo em conta o tempo que restava até ao final da segunda renovação do contrato (01.06.2023), que, de resto, nunca ocorreu (em virtude da cessação do contrato em data anterior à renovação), mas sim o tempo de pré-aviso que não foi respeitado, sendo esse o sentido da expressão “multiplicada pelo tempo em falta” do n.º 2 referido.
Tendo o R. resolvido o contrato com efeitos imediatos (em 09.05.2022) e devendo tal resolução ser equiparada a denúncia sem aviso prévio, o R. desrespeitou, integralmente, o prazo de 90 dias de aviso prévio estabelecido no contrato, pelo que a remuneração média mensal auferida no decurso do ano precedente deverá ser multiplicada por 90 dias/três meses.
E qual foi essa remuneração?
Provou-se que no ano precedente à resolução, isto é, entre Abril de 2021 e abril de 2022 inclusive, o R. gerou para a A. comissões de €248.735,00 (cfr. n.ºs 23 dos factos provados) e que a A. tinha direito a 75% das comissões geradas (deduzido os valores pagos aos consultores – cfr. n.º 25 dos factos provados), o que perfaz um lucro líquido de €186.551,25. Desta forma, a média mensal do lucro líquido que a A. auferiu em virtude do trabalho do R., no ano precedente à declaração de resolução, foi de €15.545,94, o que, multiplicado por três meses, perfaz €46.637,81.
É este, portanto, o montante da indemnização fortefária que a A. tem direito a receber, em virtude da resolução ilícita do contrato, nos termos do art.º 29.º, n.º 2 do DL n.º 178/86.
Deverá, todavia, ser tal direito paralisado, nos termos do art.º 334.º do CC, como se entendeu na sentença recorrida?
Não cremos.
A sentença recorrida considerou que «…a Autora já ficou devidamente compensada pelo Réu a nível de lucros cessantes, pois aquele, na sua saída, deixou imóveis com um potencial de comissionamento de valor superior àquele que gerou para a Autora durante todo o período em que prestou funções, sendo aqui sim manifestamente abusivo peticionar mais lucros cessantes» e «…ficando a Autora com os contratos de mediação referentes a angariações do Réu, com um potencial de comissionamento superior ao valor que peticiona a título de lucros cessantes, o seu pedido ultrapassa os limites impostos pela boa fé, pois pretende exercer enriquecer duplamente à custa do Réu».
Ora, ressalvado o devido respeito, não pode ter-se por válido tal raciocínio.
Desde logo, porque, como se viu, a indemnização a que a A. tem direito em virtude da resolução ilícita do contrato, nos termos do art.º 29.º, n.º 2 do DL n.º 178/86 (direito esse que a sentença recorrida reconhece, embora considere o seu exercício abusivo…), é devida independentemente da prova da existência de lucros cessantes. Assim, ainda que a A. não tenha tido ou não venha a ter quaisquer lucros cessantes em consequência da cessação do contrato, sempre teria direito à indemnização peticionada, que, tal como se salientou supra, pode resultar em montante superior ao que seria devido nos termos gerais do direito, se se considerasse o dano efectivamente sofrido. Não se vê, por isso, como possa considerar-se tal indemnização abusiva em face do “potencial de comissionamento” deixado pelo R., quando é o próprio legislador que a institui, admitindo como possível que possa ser de valor superior ao dano sofrido.
Depois, e tal como bem salienta a recorrida nas suas alegações, um “potencial de comissionamento” é algo eventual e incerto, dependendo da efectiva concretização das vendas e do preço final por que vierem a ser concretizadas: «Ou seja, o Tribunal rejeita um direito indemnizatório que reconhece que a autora tem, por uma eventualidade, isto é, hoje a autora nada recebeu e nem sabe se alguma fez irá receber nem o que poderá receber». Ora, do n.º 37 dos factos provados consta, expressamente, que, relativamente a alguns dos imóveis “deixados pelo réu” os contratos de mediação foram denunciados e que os demais imóveis não foram, ainda, vendidos, não podendo, obviamente, imputar-se à A. as referidas denúncias ou a falta de concretização das vendas (pois que nada se provou a este respeito, ainda que coubesse à A. a “responsabilidade pelo seguimento das angariações”). E, embora resulte do n.º 38 dos factos provados que, dos imóveis angariados pelo R., foram vendidos, após a sua saída, alguns imóveis que geraram comissões no valor de €54.117,00, tal montante corresponde, apenas, a um valor de lucro líquido de €40.587,75, desconhecendo-se a medida de contribuição do R. e da A. ou dos outros consultores que substituíram o R. para as referidas vendas, sendo certo que a própria sentença reconhece que cabia à A. a “responsabilidade pelo seguimento das angariações”, pelo que, se é certo que, como se escreve na sentença recorrida, “não pode ser imputado ao Réu o facto de a Autora não ter conseguido vender tais imóveis”, então também não lhe pode ser imputado o facto de o ter conseguido.
Em face de todo o exposto, não se configura que o exercício do direito de indemnização forfetária decorrente da resolução ilícita do contrato possa traduzir-se no exercício manifestamente abusivo de um direito, nos termos do art.º 334.º do CC, como decidiu o tribunal a quo.
Como é consabido, o abuso de direito consiste num exercício inadmissível de posições jurídicas, isto é, num exercício de posições permitidas, mas em termos tais que são contrariados os valores fundamentais do sistema, expressos, por tradição, na boa fé.
Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, I, 6.ª ed., p. 516, refere que «para que haja lugar ao abuso de direito é necessário a existência de uma contradição entre o modo ou o fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito».
Trata-se de uma válvula de segurança, de conhecimento oficioso, que obsta a situações de injustiça reprováveis para o sentimento jurídico prevalente na comunidade social.
Existirá abuso do direito quando, admitido um certo direito como válido em tese geral, aparece, todavia, no caso concreto, exercitado em termos, clamorosamente, ofensivos da justiça e contrários ao seu fim (económico e social), ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito.
Muito embora o intérprete-aplicador da lei tenha uma lata disponibilidade na concretização da boa fé, têm-se apontado dois instrumentos que conferem maior segurança na decisão: o princípio da tutela da confiança legítima e o princípio da materialidade subjacente.
Através do primeiro princípio, subjacente ao abuso de direito, protegem-se situações de confiança justificada ou plausível, alicerçada em elementos razoáveis, susceptíveis de provocar a adesão de um pessoa normal, com base na qual alguém actua de acordo com o que acreditava ir acontecer (cfr. Baptista Machado, no estudo Tutela da Confiança e Venire Contra Factum Proprium, in Obra Dispersa, I, p. 415 a 418, e RLJ anos 116, 117 e 118, n.º 3735, p. 171 e segs.). A protecção da confiança salda-se na constituição, a favor do confiante, de direitos que, de outra forma, não lhe assistiriam, permitindo assegurar uma solução justa ou equitativa.
Já a ideia que aflora do princípio da materialidade subjacente é a de que o Direito visa, através dos seus preceitos, a obtenção de certas soluções efectivas, para o que é insuficiente a adopção de condutas que só formalmente correspondem aos objectivos jurídicos. Ou seja, a boa fé exige que os exercícios jurídicos sejam avaliados em termos materiais, de acordo com as efectivas consequências que acarretam, pois que o cumprimento formal de uma norma jurídica pode, materialmente, contrariar a boa fé ou traduzir-se num exercício desequilibrado de posições jurídicas.
Com recurso a tais princípios, a doutrina e a jurisprudência têm tipificado certos comportamentos inadmissíveis, entre os quais, para o que ora releva, se destaca o exercício em desequilíbrio de direitos, em que existe uma desproporção inadmissível entre a vantagem própria do exercente e o sacrifício que impõe a outrem.
Foi este, quanto cremos, o entendimento perfilhado na sentença recorrida, que, pelas razões, expostas, não acompanhamos, posto que nada na factualidade provada nos permite concluir que o exercício do direito indemnizatório que a A./recorrente pretende fazer valer é desequilibrado ou abusivo e, como tal, deva ser paralisado, não se vislumbrando, também, no comportamento da A. qualquer indício revelador de má-fé. Ao invés, foi o R. que, colocando termo ao contrato de forma inopinada e súbita, se sujeitou às consequências legais da suas livres opções, sendo certo que não alegou, nem demonstrou que lhe tenham sido geradas quaisquer expectativas e “estados de confiança” que devam merecer a tutela do direito.
Procede, desta forma, o recurso nesta parte, ainda que parcialmente, tendo a recorrente direito a haver do recorrido a quantia de €46.637,81, a título de indemnização pela cessação ilícita do contrato, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
4.3.2. Finalmente, cumpre analisar a questão de saber se a cláusula penal prevista na cláusula 3.ª, n.ºs 2 e 3, do referido contrato deve ser reduzida nos termos do art.º 812.º do CC.
Considera a recorrente que o Tribunal a quo andou mal ao reduzir a cláusula penal de não concorrência fixada entre as partes, de 60.000,00€ para 20.000,00€, tendo em conta que o R. cessou o contrato para ir de imediato prestar idênticos serviços para uma sociedade concorrente, que era precisamente aquilo que a cláusula de não concorrência permitia acautelar, e sendo certo que sabia das consequências da violação daquela cláusula. Acrescenta que o R. recebeu da outra agência imobiliária para onde foi prestar serviços, o montante total de 72.197,87€, numa média mensal de 5.197,87€, pelo que durante os 24 meses que estava obrigado a não concorrer com a A., o R. irá facturar um total de 124.748,88€, não sendo de todo exagerada a cláusula penal no valor de 60.000,00€.
Já o recorrido advoga que a cláusula referida é, manifestamente, desproporcional e excessiva, ferindo os princípios da boa-fé e equidade, não sendo explicada a razão da fixação daquele valor, sendo certo que, ao serviço da A., o R. auferiu um total de 54.796,00€ e que não existe uma relação directa entre a formação dada pela A. e os bons resultados do R.
Vejamos.
A sentença recorrida considerou que o R. violou o “pacto de não concorrência” previsto na cláusula 3.ª, n.º 2 do contrato e que a cláusula 3.ª, n.º 3 é válida, conclusões que não vêm questionadas por nenhuma das partes e com as quais concordamos (cfr., a este respeito, o acórdão do STJ de 18.03.2021, in www.dgsi.pt).
A recorrente discorda, contudo, da redução da cláusula penal que foi operada na sentença recorrida.
Recordemos que a sentença recorrida entendeu que «afigura-se-nos líquido que o quantitativo constante da cláusula penal é ostensivamente desproporcionado ou manifestamente excessivo aos danos tidos pela Autora em razão do incumprimento contratual, não se encontrando qualquer justificação para que tal cláusula tenha sido fixada no triplo do capital social da Autora. Não ignoramos que a Autora facultou o acesso do Réu à sua base de dados informática, obrigando-se este a guardar confidencialidade de toda a informação disponibilizada através da mesma, bem como que providenciou pela formação daquele, sendo certo que a Autora não comprovou qualquer custo com as mesmas (pois, da produção de prova resultou que a formação era padronizada para os agentes). No entanto, repare-se que o Réu esteve ao serviço da Autora entre 02/06/2020 e 05/05/2022 e nesses quase dois anos auferiu, pelos serviços prestados, valor inferior (54.796,00€) ao fixado na cláusula penal (60.000,00€), sendo que deu a ganhar à Autora 229.102,46€ (!). Para esta ponderação não podemos ignorar ainda a gravidade da ilicitude e da culpa do agente, pois, independentemente da questão da licitude da resolução, que se analisará de seguida, certo é que, tendo o réu cessado funções para a autora, em maio de 2022, estaria vinculado à observância da obrigação de não concorrência e à indemnização inerentemente estipulada, sendo que, quanto à fixação do respetivo montante declarou ter sido livre e conscientemente fixado, obrigação que, contudo, veio a incumprir logo em junho desse ano, passando a desempenhar as funções acima assinaladas, concorrentes e semelhantes às que desempenhava na Autora, para a empresa “Z”. Em face do exposto, e não esquecendo ainda a ausência da estipulação contratual da compensação pelo pacto de não concorrência, consideramos estar perante uma situação em que o acionar da aludida cláusula penal se revela uma pena excessiva, ofendendo a equidade, não havendo qualquer justificação para que esteja acoplada ao capital social da Autora. Justifica-se, pois a sua redução equitativa, de acordo com o que dispõe o artigo 812º do Código Civil, afigurando-se criteriosa e razoável, de acordo com o tudo o que foi exposto, a redução para 20.000,00€, valor que, atendendo ao tipo, conteúdo e fins do contrato celebrado (prestação de serviços de angariação e mediação imobiliária), à formação prestada e às condicionantes que modelam o exercício da atividade em questão, num mercado concorrencial, bem como à ausência da compensação por tal cláusula, que o Tribunal reputa como equitativo».
Atentemos no teor das cláusulas em causa:
«2. O Segundo Outorgante obriga-se a não prestar serviços de técnico de angariação imobiliária ou de angariador imobiliária para qualquer outra Sociedade de Mediação Imobiliária no prazo de 24 (vinte e quatro) meses, contados a partir do termo do presente Contrato de Prestação de Serviços e independentemente da causa da sua cessação, sob pena de indemnizar a Primeira Outorgante de todas as despesas em que incorreu com a formação e transmissão continuada de conhecimentos, gerais e específicos (…)»;
3. Nestes termos, em caso de incumprimento pelo Segundo Outorgante, do disposto no número anterior, deverá o mesmo de pagar uma indemnização à Primeira Outorgante, no montante correspondente a 3 (três) vezes o capital social desta à data de assinatura do presente contrato, quantia da qual o Segundo Outorgante se considera devedor e aceita sem qualquer possibilidade de redução judicial ou extra- judicial».
No referido n.º 2 as partes estabeleceram o, vulgarmente, denominado “pacto de não concorrência”, que visa impedir a prática de acções que induzam desvio de clientela.
Ora, a este respeito, dispõe o art.º 9.º do DL n.º 178/86, sob a epígrafe “Obrigação de não concorrência”, que: «1 - Deve constar de documento escrito o acordo pelo qual se estabelece a obrigação de o agente não exercer, após a cessação do contrato, actividades que estejam em concorrência com as da outra parte. 2 - A obrigação de não concorrência só pode ser convencionada por um período máximo de dois anos e circunscreve-se à zona ou ao círculo de clientes confiado ao agente».
Nos ensinamentos de Pinto Monteiro, in Contrato de Agência, Almedina, 5.ª ed., 2004, p. 80, «a lei não obsta (…) a que as partes, por acordo, estipulem a obrigação de não concorrência. Mas estabelece algumas condições e limites: deve constar de documento escrito; não pode exceder dois anos; circunscreve-se à zona ou ao círculo de clientes confiados ao agente (…). Se o agente tiver assumido a obrigação de não concorrência, goza do direito a uma compensação, nos termos do artigo 13.º, al. g)».
Já no citado n.º 3, as partes estipularam uma cláusula penal, que, na definição de Pinto Monteiro in Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, 1990, p. 44, que neste lugar seguimos de perto, consiste na «estipulação negocial em que qualquer das partes, ou uma delas apenas, se obriga antecipadamente, perante a outra, a efectuar certa prestação, normalmente em dinheiro, em caso de não cumprimento, ou de não cumprimento perfeito (máxime, em tempo), de determinada obrigação», consistindo tal prestação na pena convencional.
Como é consabido, na construção tradicional, a cláusula penal era concebida como liquidação antecipada e convencional do dano, sendo indiferente a função ou finalidade subjacente à sua estipulação: fosse ela destinada a compelir o devedor ao cumprimento ou somente a pré-fixar o montante indemnizatório, tratar-se-ia sempre da mesma figura, sujeita ao mesmo regime jurídico.
O autor citado entende, contudo, que a cláusula penal em sentido amplo compreende várias espécies ou modalidades, merecedoras de tratamentos e regimes diversos, consoante a opção dos contraentes e em função do escopo por eles visado.
Propõe, por isso, na obra citada, uma classificação tripartida, em substituição da tradicional construção unitária, mas bifuncional, da cláusula penal (cfr., ainda, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 4.ª ed., 2005, p. 590 e segs):
a) cláusula penal indemnizatória, que é a consagrada no art.º 810.º do CC e que tem por finalidade a fixação antecipada de uma indemnização (antes de ocorrer o facto constitutivo da responsabilidade), que o devedor deverá satisfazer ao credor em situações de incumprimento definitivo da obrigação, com intuito de se evitarem futuras dúvidas e litígios entre as partes quanto à reparação e determinação do montante do dano (indirecta ou eventualmente, esta cláusula pode ter um efeito coercitivo, sobretudo se o montante da indemnização acordado for superior àquele que o credor obteria nos termos gerais). No que respeita às características de regime desta espécie de cláusula penal, na medida em que a pena é estipulada como substituto da indemnização, temos que o acordo vincula ambas as partes ao montante predeterminado, sendo este, portanto, o único exigível a esse título. Por outro lado, tendo ela uma função essencialmente indemnizatória, o credor fica dispensado de fazer a prova do dano sofrido, cabendo ao devedor, se pretender a redução equitativa da pena, provar a sua manifesta excessividade. De igual forma, sendo a pena estipulada para facilitar a indemnização e predeterminar o seu montante, pode o devedor provar a inexistência de qualquer prejuízo efectivo para libertar-se ao pagamento da indemnização, pois que a falta do dano retira base à sua liquidação anterior. Finalmente, destinando a cláusula a liquidar o dano, o devedor só terá de pagar a soma preestabelecida casa seja responsável, isto é, se houver culpa da sua parte.
b) cláusula penal puramente compulsória, que é acordada pelas partes a título sancionatório ou coercitivo, como forma de pressionar o devedor ao cumprimento, sem qualquer influência na indemnização, acrescendo a pena convencional à execução específica da prestação ou à indemnização pelo não cumprimento. Aqui também, as características da cláusula (espécie diversa da prevista no art.º 810.º do CC), determinam um regime jurídico distinto do referido. Assim, não visando a pena reparar o credor, de nada valerá ao devedor alegar e provar a falta de danos decorrentes do incumprimento (a não ser para uma eventual redução da pena). No entanto, a natureza sancionatória da cláusula exige, ainda, uma censura ético-jurídica e, por conseguinte, a demonstração da culpa do devedor.
c) cláusula penal stricto sensu, que visa, fundamentalmente, compelir ou pressionar o devedor ao cumprimento, através da estipulação de uma sanção mais gravosa, que substitui, também, a indemnização. Ou seja, o credor, em caso de mora ou incumprimento, pode exigir do devedor, a título sancionatório, uma outra prestação (a pena), em alternativa à que era inicialmente devida, que constitui, assim, uma forma de satisfação do interesse do credor que o levou a contratar. Essa pena visa proporcionar ao credor um benefício ou valor equivalente ou superior ao que pretendia retirar do cumprimento da prestação. Trata-se de um incentivo ao cumprimento e, fracassando este, uma forma de prevenir o credor contra as consequências de um eventual incumprimento. Destas características resulta, em termos de regime jurídico, que o credor fica libertado do ónus da prova da existência do dano e do seu montante (já que a pena não se destina a reparar os danos causados pelo incumprimento), de nada servindo, também, ao devedor provar que o incumprimento não causou prejuízos. Acresce que o credor pode exigir a pena (por não representar uma indemnização) logo que o devedor se constitui em mora, sem ter de provar a perda do seu interesse no cumprimento ou sem ter de recorrer à interpelação admonitória com fixação de prazo suplementar. O credor pode, contudo, prescindir da pena (que constitui uma faculdade alternativa do credor) e optar por exigir o cumprimento, promover a execução específica da prestação ou reclamar, nos termos gerais, uma indemnização pelo não cumprimento, provando, neste caso, os prejuízos sofridos. O que não pode é accionar a cláusula penal e, ao mesmo tempo, pedir a reparação do dano excedente (tendo, não obstante, direito aos juros calculados sobre a importância da pena, a partir do momento que devia ser paga – neste sentido, Pinto Monteiro, Ob. Cit., p. 712).  A natureza da cláusula exige, também aqui, a prova da culpa do devedor.
As diferenças de regime referidas tornam essencial saber qual a modalidade ou espécie de cláusula penal acordada em cada caso. Essa tarefa constitui um problema de interpretação negocial, a resolver pelos critérios previstos nos arts. 236.º e segs. do CC.
Primordial é atentar na finalidade das partes ao estipularam a cláusula penal. Conforme salienta Pinto Monteiro, Ob. Cit., p. 573 e 574, «o escopo prosseguido pelas partes ao estipularem a cláusula, o qual, tradicionalmente, não carecia de ser indagado (…), é, hoje, pelo contrário, um factor decisivo para se apurar a figura concretamente acordada e, assim, o seu regime. Mormente no que concerne à possibilidade do devedor fazer a prova da inexistência de qualquer dano». Nessa tarefa de qualificação, «além do teor das expressões utilizadas pelas partes, interessa, sobretudo, apurar o conteúdo da cláusula, designadamente, se aquelas precisaram ser a soma devida mesmo na ausência de qualquer dano, bem como o tipo de obrigação que sanciona, os interesses em jogo e demais circunstâncias susceptíveis de esclarecer a sua finalidade. De entre os factores a considerar, para esse efeito, avulta, indubitavelmente, a relação entre o valor da pena e os danos previsíveis. Excedendo o montante daquela o valor máximo desses danos, a finalidade compulsória da pena vem ao de cima, visto que, desejando os contraentes liquidar o dano futuro, a soma estabelecida teria de mostrar-se, em princípio, adequada a esse objectivo. Não sendo esse o caso, pois, tratar-se-á de uma cláusula penal em sentido estrito (…)» (Pinto Monteiro, Ob. Cit., p. 640).
Volvendo ao caso dos autos, em face do teor literal das cláusulas em apreço e da sua estipulação sequenciada, e sendo certo que nada mais se provou, especificamente, em relação ao escopo das partes, teremos que concluir que com tais cláusulas pretenderam as partes estabelecer que, em caso de incumprimento da obrigação de não concorrência por culpa do R., ficaria este obrigado a compensar a A. pelas despesas que suportou relativas à formação e transmissão de conhecimentos ao R. (n.º 2), em montante que entenderam liquidar, desde logo, em €60.000,00 (n.º 3).
As partes visaram, portanto e apenas, compensar a A. pelas despesas de formação, o que se traduz no estabelecimento de uma cláusula penal indemnizatória, prevista no art.º 810.º do CC, com a finalidade de fixação antecipada da indemnização (antes de ocorrer o facto constitutivo da responsabilidade), sem prejuízo, como se viu, do seu inerente ou consequente efeito coercitivo.
Ora, a respeito da formação, provou-se que, quando assinou o contrato dos autos, o R. não tinha qualquer conhecimento na área da mediação imobiliária, nem tinha exercido qualquer actividade relacionada com essa área de comércio; que, nos quase dois anos de relação contratual, a A. dotou o R. de conhecimentos específicos de modo a que pudesse desenvolver a actividade de angariador e técnico de mediação imobiliária; que a A. deu diversas acções de formação ao Réu, explicando-lhe procedimentos a adoptar, e forneceu-lhe diversas minutas e formulários; que lhe transmitiu vários conhecimentos e que o R. se tornou num elemento importante e valioso na estrutura da A. (cfr. n.ºs 11 a 15 dos factos provados).
Não se provou, contudo, que com essa actividade a A. tenha incorrido em qualquer despesa. Acontece que, como se viu, a A. estava dispensada de fazer a prova do dano sofrido, cabendo ao R. provar a inexistência de qualquer prejuízo efectivo para libertar-se do pagamento da indemnização, o que também não ocorreu.
É, destarte, devida a indemnização peticionada, a não ser que venha a considerar-se a mesma manifestamente excessiva, o que também competia ao R. demonstrar, como facto impeditivo do direito da A.
Vejamos, então, se estão preenchidos os pressupostos da redução impostos pelo art.º 812.º do CC, em cujo n.º 1 se dispõe que «a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente».
O controlo judicial da cláusula penal está «ancorado na ideia de desequilíbrio grosseiro ou manifesto (na gíria internacional, releva a gross disparity), que evidencia uma assimetria relevante entre as prestações em referência, a saber, a prestação não realizada e a prestação objeto da cláusula penal» (cfr. Ana Filipa Morais Antunes, em anotação ao artigo 812.º do CC, no Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora, 2019, p. 1172, nota 5).
O fundamento normativo do mencionado mecanismo de redução assenta no princípio geral da proporcionalidade, constituindo uma exigência da diretriz genérica da boa-fé, o que significa que estamos perante uma norma de ordem pública, e, por conseguinte, que tal mecanismo de controlo prevalece sobre as estipulações privadas.
Ora, para se reputar como “manifestamente excessiva” a cláusula penal, não basta que a mesma que traduza num excesso; é necessário que esse excesso seja patente, significativo ou notório, face às finalidades que presidiram à sua estipulação e ao direito que visa acautelar.
Assim, o excesso tem de ser manifesto, extraordinário ou significativo (não podendo o juiz intervir na presença de uma cláusula penal simplesmente excessiva) e tem de ser apurado à luz do momento do cumprimento do clausulado, tendo em conta o dano e o quantum do dano efectivamente verificado.
Importa, pois, atender aos factores, em geral, relevantes para averiguar se a cláusula penal é ou não desproporcionada ou excessiva: extensão dos danos causados pelo não cumprimento; gravidade da ilicitude; gravidade da culpa; finalidades da cláusula penal; situação económica do lesado; situação económica do lesante; culpa do lesado na produção, ou no agravamento, do dano (cfr. acórdão do STJ de 24.05.2022, in www.dgsi.pt).
No acórdão da RL de 27.01.2022, in www.dgsi.pt, escreveu-se que «Entre os indícios que devem ser ponderados pelo julgador, na tarefa de redução equitativa da cláusula penal, contam-se, designadamente: a gravidade do incumprimento, em termos de ilicitude e culpa do agente; o interesse das partes; as vantagens que, para o devedor, resultam do incumprimento; o interesse do credor na prestação; o prejuízo efetivo do credor ou a extensão dos danos causados pelo não cumprimento; a situação económica de ambas as partes; a boa/má-fé das partes; a natureza e a finalidade do contrato; as circunstâncias em que foi negociado; a finalidade prosseguida com a estipulação da cláusula penal».
Certo é que competia ao R., como se referiu, demonstrar que o montante fixado na cláusula penal é ostensivamente desproporcionado ou manifestamente excessivo aos danos havidos pela A. em razão do seu incumprimento contratual.
A este respeito, a sentença recorrida limitou-se a considerar que o quantitativo da cláusula penal é ostensivamente desproporcionado ou manifestamente excessivo aos danos tidos pela Autora em razão do incumprimento contratual, mas não quantifica esses danos, limitando-se a aludir ao facto de o R. ter auferido, pelos serviços prestados à A., um valor inferior (54.796,00€) ao fixado na cláusula penal (60.000,00€), e de ter dado a ganhar à A. a quantia de 229.102,46€.
Ora, quanto a nós, deve, precisamente, ter-se em conta o montante que o R. deu a ganhar à A. no período em que para ela prestou serviços (e não tanto o que auferiu) para determinar o dano decorrente do incumprimento da obrigação de não concorrência (e consequente desvio para outra empresa concorrente da capacidade do R. de gerar lucro), pois que só desta forma se compreende o interesse da A. no cumprimento dessa obrigação.
Assim, no caso dos autos, no que respeita aos danos ou à extensão dos danos causados pelo não cumprimento, temos que, no período de 23 meses em que prestou serviços para a A. (de Junho de 2020 a Abril de 2022), o R. gerou para a A. comissões de €378.532,50 (o que corresponde a uma média mensal de €16.457,93) e auferiu o rendimento de €54.796,00 (o que corresponde a uma média mensal de €2.382,43).
Logo, a facturação previsível ou espectável do R. nos dois anos que estava vinculado à obrigação de não concorrência ou, por outra perspectiva, a sua capacidade de gerar lucro - tendo em conta as qualidades e capacidades que adquiriu com a formação e conhecimentos dispensados pela A. e o facto de a venda de imóveis na Região Autónoma dos Açores e, mais especificamente, na ilha de São Miguel, ter vindo a crescer ano após ao ano (cfr n.º 26 dos factos provados) - deveria aumentar ou, pelo menos, manter-se. Foi, portanto, essa a capacidade que o R. levou consigo para uma empresa concorrente (atente-se que o R., em 2022, recebeu diversos prémios de reconhecimento nacional, nomeadamente, em termos de facturação – cfr. n.º 7 dos factos provados)
Desta forma, não cremos que possa entender-se que o montante da cláusula penal seja “ostensivamente desproporcionado” ou “manifestamente excessivo” aos danos sofridos pela A./recorrente em razão do incumprimento contratual, tendo, ainda, em conta as vantagens patrimoniais que tal incumprimento proporcionou ao R. ao serviço de outra empresa concorrente.
Outro argumento acolhido na sentença recorrida tem que ver com a obrigação de confidencialidade e o facto de nada se ter provado a respeito da sua violação.
Sucede que a cláusula penal em apreço tem que ver com a obrigação de não concorrência e não com a obrigação de confidencialidade ou de sigilo, o que impõe que se distinga a cláusula penal prevista para o não cumprimento de cada uma dessas obrigações. Tal como se decidiu no acórdão do STJ de 24.05.2022, já citado, «…o juízo sobre a adequação, sobre a necessidade ou sobre a proporcionalidade da pena não deverá atender ao “papel fundamental” da confidencialidade ou do segredo».
Seguidamente, a sentença recorrida considera como relevante a circunstância de a A. não ter comprovado qualquer custo com a formação do R. Mas, tal como supra se notou, a A. estava dispensada de fazer a prova do dano sofrido, cabendo, ao invés, ao R. provar a inexistência de qualquer prejuízo efectivo para libertar-se ao pagamento da indemnização, prova que não logrou fazer.
No que concerne à gravidade da ilicitude e da culpa, a própria sentença recorrida afirma que as mesmas são muito intensas, com o que se concorda: o R. decidiu, inopinada e subitamente, colocar termo ao contrato, sem qualquer aviso prévio e com efeitos imediatos (09.05.2022), sendo que, escasso mês e meio depois (em 24.06.2022), começou a trabalhar para outra sociedade de mediação imobiliária concorrente da A., como angariador e técnico de mediação imobiliária, onde se mantém ainda hoje (cfr. n.ºs 5 e 6 dos factos provados).
Desconsiderou, pois, o R., completamente, o pacto de não concorrência a que se tinha vinculado (de forma livre e consciente), frustrando, desta forma, as finalidades da cláusula de não concorrência e beneficiando com isso de consideráveis vantagens patrimoniais, o que é bem revelador da sua má-fé.
Tal como se escreveu no acórdão da RL de 27.01.2022, já citado, em situação semelhante, «…é inegável o interesse da autora em que os respetivos colaboradores e agentes não desempenhem atividades concorrenciais com a sua – no que reveste papel fundamental o “manto” de confidencialidade que se encontrava subjacente à informação disponibilizada pela autora ao réu, bem como, as obrigações de observância e de cumprimento das normas, metodologias e orientações estratégicas da Autora, inerentes ao relacionamento com clientes e empresas protocoladas e respetivo modelo de funcionamento, - , razão que está subjacente à estipulação da cláusula penal em apreço, aspeto que o réu não desconhecia».
Enfim, perante das considerações expostas, não se vislumbra nenhuma circunstância que evidencie o carácter excessivo e, muito menos, manifesto ou inequívoco, da cláusula penal em apreço, não se nos afigurando que a quantia de €60.000,00 estipulada, como forma de ressarcimento da violação da obrigação de não concorrência, seja desproporcionada ou irrazoável face ao incumprimento verificado ou que exista algum desequilíbrio contratual.
Citando, mais uma vez o acórdão desta Relação de 27.01.2022, «o valor da cláusula penal fixado no contrato - €50.000,00 – atendendo ao tipo, conteúdo e fins dos contratos celebrados – prestação de serviços de angariação e mediação imobiliária, mediação de obras e construção de imóveis - , à formação prestada e às condicionantes que modelam o exercício da atividade em questão, num mercado altamente concorrencial (a que não é alheia a usual fixação de cláusulas de exclusividade entre as mediadoras imobiliárias e os respetivos clientes, visando proteger a atividade e a remuneração daquelas, ou a partilha de comissões entre os próprios mediadores), não se mostra desadequado ou desproporcionado à finalidade a que a mesma se destinava (vedar o exercício de atividade concorrencial à da autora, por determinado período de tempo, atendendo ao investimento e tempo da relação com o réu e à inerente partilha de informações e de “segredo” da atividade da autora para com aquele, sem prejuízo de tal exercício ser viável, mediante o pagamento da inerente contrapartida pecuniária antecipadamente fixada)».
É certo que não foi fixada qualquer compensação a favor do R., nos termos do artigo 13.º, al. g) do DL n.º 178/86, que devia vigorar pelo período que vigorar a obrigação de não concorrência (cfr. Pinto Monteio, in Contrato de Agência - Anotação ao Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, p. 93 e segs.). Todavia, tal circunstância não tem, em nosso entender, qualquer relevo para a determinação do carácter adequado ou excessivo da cláusula penal, devendo, apenas, actuar como factor a ter em conta no cômputo dos valores globais a considerar (cfr., neste sentido, o acórdão do STJ de 18.03.2021, já citado).
É que o cumprimento desse dever de compensação não depende da medida do cumprimento ou da observância da obrigação que mesmo visa compensar, constituindo uma mera condição da fixação contratual da obrigação de não concorrência, ainda que esta seja violada, pelo que quem assumiu a obrigação de não concorrência tem direito a tal compensação, independentemente de ter sido cumprida ou não a obrigação de não concorrência, não derivando da inobservância da obrigação de não concorrência, qualquer consequência para a redução ou exclusão do valor da compensação (cfr., neste sentido, o acórdão da RL de 07.04.2022, in www.dgsi.pt).
No acórdão do STJ de 24.05.2022, em situação muito semelhante à dos presentes autos (em que estava em causa uma cláusula penal de €50.000,00), entendeu-se que o facto de não ter sido convencionada uma compensação pela obrigação de não concorrência, deve ser sopesado na consideração da culpa do lesado/principal, ainda que, em concreto, tal omissão não tenha contribuído para a causação do dano: «considerados os comportamentos da Autora (…) e do Réu (…), deve concordar-se com a afirmação contida no acórdão do STJ de 7 de Setembro de 2021 — processo n.º 3066/18.3T8LRA.C1.S1 —, no sentido da injustiça da condenação do Réu, agora Recorrente, ao pagamento da pena, sem redução. A gravidade da ilicitude e da culpa do comportamento do Réu (…), determina que deva ser condenada a pagar à Autora 60% do total da pena convencionada — 30.000 euros —; a gravidade da ilicitude e da culpa do comportamento da Autora (…), determina que o Réu não deva ser condenado a pagar-lhe 40% do total da pena convencionada».
Refira-se que os acórdãos do STJ 07.09.2021 e de 12.01.2022, ambos in www.dgsi.pt, confrontados com cláusulas semelhantes, chamaram a atenção para a injustiça que decorreria da condenação do R. no pagamento da pena, mas tais acórdãos tratam de situações de facto ligeiramente diferentes (nomeadamente, neles o agente havia desempenhado funções por um período muito mais curto de, apenas, seis meses).
Aqui chegados, e seguindo o critério de redução proposto no acórdão supra referido do STJ, a A./recorrente terá direito a haver do R./recorrido, a título de indemnização pelo incumprimento da obrigação de não concorrência, a quantia de €36.000,00 (correspondente a 60% do valor fixado no contrato), quantia que se afigura justa e equitativa e à qual acrescerão juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
Uma última palavra para dizer que, em face das considerações expostas quanto ao carácter não desproporcional ou desequilibrado da cláusula em causa, não pode, obviamente, entender-se, como propugna o R., que a mesma seja abusiva ou que infrinja os limites impostos pela boa-fé, pelo que o correspondente direito da A. não deve ser paralisado nos termos do art.º 334.º do CC.
E, assim sendo, procede, também parcialmente, o recurso nesta parte.
V – DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, condenando-se o Réu a pagar à A. a quantia global de €82.637,81 (oitenta e dois mil seiscentos e trinta e sete euros e oitenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, absolvendo-o do mais peticionado.
Custas da acção e do recurso por apelante e apelado na proporção do respectivo vencimento.
Notifique.
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Lisboa, 18.04.2024
Rui Manuel Pinheiro de Oliveira
Maria Teresa Lopes Catrola
Teresa Sandiães