Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14810/23.7T8SNT-A.L1-7
Relator: EDGAR TABORDA LOPES
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
FASES PROCESSUAIS
INDEFERIMENTO LIMINAR
RECURSO PROCEDENTE
CUSTAS
CRITÉRIO DO PROVEITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Os embargos de terceiro (artigos 1285.º do Código Civil e 342.º do Código de Processo Civil) constituem-se – basicamente – como um meio de defesa da posse, conferido a um terceiro que não é parte na execução, permitindo-lhe reagir contra penhoras ou actos judicialmente ordenados que impliquem apreensão ou entrega de bens que ofenda a sua posse ou um seu direito incompatível sobre o(s) bem(ns) em causa.
II - Do artigo 345.º do Código de Processo Civil decorre a existência de três momentos de apreciação, no âmbito de uns embargos de terceiro:
- o primeiro que passa pela verificação da sua tempestividade (artigo 344.º, n.º 2) e da existência de outras razões para o seu imediato indeferimento (ou seja, verificar, se perante os factos articulados e o direito aplicável é ou não manifesta a sua improcedência);
- o segundo, que constitui a fase introdutória propriamente dita e que se traduz na realização das diligências probatórias com vista à decisão do Tribunal sobre a admissão ou rejeição dos embargos de terceiro;
- o terceiro, que constitui a fase contraditória a que alude o artigo 348.º, n.º 1.
III - Não devem ser liminarmente indeferidos uns embargos de terceiro, a uma execução para entrega de coisa certa, intentados por terceiros que não constam na sentença que serve como título executivo e que alegam a existência de um contrato de comodato com o fim da sua habitação própria relativo ao imóvel em causa.
IV - Todas as acções (incluindo incidentes e recursos) implicam o pagamento de custas a não ser que exista alguma isenção objectiva, sendo que os artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, determinam que as decisões que julguem a ação, o incidente ou o recurso devem condenar no pagamento de custas a parte que lhes houver dado causa (considerada vencida e na respectiva proporção) ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
V - O critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade (suporta as custas a parte que lhes dá causa, entendendo-se por esta, de acordo com o princípio da sucumbência, a parte vencida ou as partes vencidas na proporção em que o forem) e, subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual obtido.
VI – Embora tenha vencido formalmente o recurso, não tendo havido uma parte vencida, a responsabilidade tributária terá de ser fundada no critério do proveito, em função dos benefícios retirados do processo e do recurso.
VII – Numa situação em que é revogado o despacho de indeferimento liminar de uns embargos de terceiro, não há fundamento para a condenação dos Embargados em custas, por não serem parte vencida, devendo funcionar o critério do proveito, colocando os Embargantes-Recorrentes como a parte que fez movimentar a “máquina judiciária” e disso beneficiou, assumindo as custas do Recurso (sendo certo que, estando apenas em causa custas de parte e não havendo nada a pagar aos Embargados, o resultado final acaba por corresponder a uma situação de “Sem Custas”, embora formalmente – e não só substancial ou tecnicamente – esteja mais correcto).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
Por apenso aos autos de execução n.º 2069/11.3T2SNT em que são Exequentes G, MM, MA, MR, MF e é Executada C, LDA. (onde se peticionou a entrega do prédio urbano sito na Rua ---, na sequência da sentença transitada em julgado que determinou a sua restituição livre e devoluto de pessoas e bens), vieram N e S deduzir embargos de terceiro considerando que a entrega em causa viola o seu direito à habitação da sua casa de morada de família, enquanto comodatários e legítimos possuidores do prédio em causa.
O Tribunal a quo proferiu Despacho de Indeferimento Liminar, com o seguinte conteúdo:
“Cumpre apreciar liminarmente (cfr. n.º 1 do artigo 590.º e art.º 345.º do Código de Processo Civil, doravante CPC).
A execução de que os presentes autos constituem um apenso tem como finalidade, além do mais, a entrega do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ---, descrito na Conservatória de Registo Predial de --- sob o n.º--- e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de --- e --- sob o artigo ---, livre e desocupado de pessoas e bens, sendo o título executivo a sentença proferida na acção n.º 24405/16.6T8SNT, transitada em julgado, não sendo os ora Embargantes parte na referida acção.
Na execução já foi autorizada a entrega do referido imóvel mediante o auxílio das autoridades policiais, se necessário (vd. ref.ª 147580020 do p. e.), mas essa diligência ainda não se concretizou, pelo que os presentes embargos foram deduzidos com função preventiva (cfr. n.º 1 do artigo 350.º do CPC).
Na petição de embargos, os ora Embargantes alegam, em suma, que desde há mais de 25 anos que residem com o seu agregado familiar no prédio urbano supra identificado, uma vez que “há mais de 25 anos JD e JMD, então comproprietários do prédio, entregaram-lho, a título gratuito, para que os ora Embargantes instalassem nele a sua casa de morada de família”, o que os Embargantes aceitaram e vêm fazendo ininterruptamente desde então, nele praticando diversos actos inerentes à sua vida diária, à vista de toda a gente, e que os restantes comproprietários sempre conheceram e aceitaram essa situação, não exigindo qualquer contrapartida pela ocupação, nem deduzindo qualquer oposição.
Concluem que são comodatários do prédio em causa, que tal comodato tem por fim o uso de habitação familiar e que foi outorgado sem prazo, pelo que não existe obrigação de proceder à sua restituição enquanto continuar a ter esse uso.
Ora, nos termos do disposto no artigo 1129.º do Código Civil: “comodato é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir”.
O comodatário não é um possuidor em nome próprio, mas um mero detentor ou possuidor precário [neste sentido, vide Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, vol. III, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1987, p. 10 e 11) (cfr. alínea c) do artigo 1253.º do Código Civil).
Porém, o n.º 2 do artigo 1133.º do Código Civil estatui: “se este for privado dos seus direitos ou perturbado no exercício deles, pode usar, mesmo contra o comodante, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276.º e seguintes”.
Constitui obrigação do comodatário, além do mais, “restituir a coisa findo o contrato” (cfr. alínea h) do artigo 1135.º do Código Civil).
No que concerne à obrigação de restituição da coisa, prevê o artigo 1137.º do Código Civil: “1. Se os contraentes não convencionaram prazo certo para a restituição da coisa, mas esta foi emprestada para uso determinado, o comodatário deve restituí-la ao comodante logo que o uso finde, independentemente de interpelação. 2. Se não foi convencionado prazo para a restituição nem determinado o uso da coisa, o comodatário é obrigado a restituí-la logo que lhe seja exigida. 3. (…)”.
Daqui se extrai que as partes podem convencionar um prazo certo para a duração contrato e, nesse caso, a coisa deve ser restituída logo que findo esse prazo, mas também podem não fixar qualquer prazo.
No que concerne à expressão “uso determinado”, a jurisprudência que se afigura maioritária tem defendido que deverá ser interpretada à luz do carácter temporário subjacente a este contrato.
Conforme se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.11.2020: “em razão dessa nota de temporalidade, assumida como traço essencial do comodato, a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem entendido que o «uso determinado», a que se alude no art.º 1137º, do CC, pressupõe uma delimitação da necessidade temporal que o comodato visa satisfazer, não podendo considerar-se como determinado o uso de certa coisa se não se souber, quando aquele uso não vise a prática de atos concretos de execução isolada mas antes atos genéricos de execução continuada, por quanto tempo vai durar, caso em que se deve haver como concedido por tempo indeterminado.
Assim, o uso só é determinado se o for também por tempo determinado ou, pelo menos, determinável (nota 3: Cf., neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 13.5.2003, revista n.º 1323/03, Relator: Silva Salazar; de 27.5.2008, revista n.º 1071/08, Relator: Alberto Sobrinho; 31-03-2009 ; de 31.3.2009, revista n.º 359/09, Relator: Pereira da Silva; de 16.11.2010, revista n.º 7232/04.0TCLRS.L1.S1, Relator: Alves Velho, disponíveis in www.dgsi.pt.].
Trata-se de orientação que também acolhemos, por se nos afigurar que, no quadro normativo vigente, não seria de aceitar um comodato que subsistisse indefinidamente, seja por falta de prazo, seja por ele ter sido associado a um uso genérico, de tal modo que o comodatário pudesse manter gratuitamente e sem limites o gozo da coisa.
Esta posição que sufragamos é, além disso, a nosso ver, a mais consentânea com o princípio geral emanado do art.º 237º, do CC, segundo o qual, em caso de dúvida, nos contratos gratuitos deve prevalecer o sentido da declaração menos gravoso para o disponente.
Dir-se-á, finalmente, que, a vingar a tese dos recorrentes, o comodatário ficaria numa posição bem mais sólida e favorável do que se tivesse, por exemplo, celebrado um contrato de arrendamento (cf., quanto à duração do contrato de locação o art.º 1025º, do CC), solução que, salvo o devido respeito, a ordem jurídica não poderia tolerar” (Rel. Cons. Maria da Graça Trigo, proc. n.º 3233/18.0T8FAR.E1.S1, disponível em texto integral in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, vide, a título exemplificativo, o acórdão do STJ de 21.03.2019, Rel. Cons. Maria do Rosário Morgado, proc. n.º 2/16.5T8MGL.C1.S1; o acórdão do STJ de 09.12.2021, Rel. Cons. Maria Rosa Tching, proc. n.º 8060/18.1T8ALM.L1.S1; o acórdão do TRG de 17.11.2022, Rel. Des. Anizabel Sousa Pereira, proc. n.º 1978/20.3T8BCL.G1; o acórdão do TRP de 29.09.2022, Rel. Des. António Paulo Vasconcelos, proc. n.º 1487/16.5T8VNG.P1; o acórdão do TRC de 11.03.2014, Rel. Des. Freitas Neto, proc. n.º 886/11.3TBVIS.C1; o acórdão do TRL de 06.12.2022, Rel. Des. Maria do Céu Silva, proc. n.º 8416/21.2T8LSB.L1-8; o acórdão do TRL de 14.09.2023, Rel. Des. Gabriela de Fátima Marques, proc. n.º 14396/20.4T8LSB.L1-6; o acórdão do TRE de 28.09.2023, Rel. Des. Isabel de Matos Peixoto Imaginário, proc. n.º 94/22.8T8ALR.E1, todos disponíveis em texto integral in www.dgsi.pt.)
 Assim sendo, um contrato de comodato em que não tenha sido fixado um prazo certo e em que não exista um uso que tenha sido determinado, no sentido supra exposto, pode ser denunciado pelo comodante a qualquer momento, estando o comodatário sujeito à obrigação de restituição, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 1137.º do Código Civil.
Voltando ao caso concreto, considera-se indiciado que os Embargantes residem no prédio em causa, desde logo porquanto na sentença dada à execução se considerou, como provado, além do mais, o seguinte: “31. O legal representante da Ré vive no prédio com a sua família, fazendo do mesmo sua habitação.”
No entanto, desse facto não resulta que tal ocupação seja realizada ao abrigo de um qualquer contrato de comodato, nem os Embargantes juntaram aos presentes autos qualquer documento comprovativo dessa celebração.
De qualquer modo mesmo admitindo, por mera hipótese, que tal contrato tinha sido celebrado, sempre seriam manifestamente improcedentes os presentes embargos.
Efectivamente, não tendo o alegado contrato sido celebrado por um prazo certo, nem sendo determinado (ou determinável) o uso temporal do imóvel, sempre assistiria às alegadas comodantes (as Exequentes, ora Embargadas), a faculdade de proceder à sua denúncia, a todo o tempo.
A conduta das alegadas comodantes, ao intentar a presente execução, bem sabendo que os ora Embargantes ali residem e ao exigir a sua entrega, livre de quaisquer pessoas e bens, sempre seria idónea para revelar uma denúncia do alegado contrato (cfr. n.º 1 do artigo 217.º do Código Civil), pelo que recai sobre os ora Embargantes a obrigação de proceder à sua restituição.
Pelos fundamentos supra expostos, atento o previsto no artigo 345.º do Código de Processo Civil, decide-se indeferir liminarmente a petição inicial de embargos de terceiro.
As custas são da responsabilidade dos Embargantes, atento o integral decaimento (cfr. n.º 1 e 2 do art.º 527.º do CPC).
Fixa-se o valor em €30.000,01, atento o disposto no n.º 1 do artigo 304.º e n.º 2 do art.º 306 do CPC.
Registe e notifique.
Comunique ao Sr. A.E.”.
É desta Decisão que vem interposto Recurso de Apelação por parte dos Embargantes, as quais apresentaram as suas Alegações, onde lavraram as seguintes Conclusões:
“1ª - O presente recurso respeita a processo de embargos de terceiro à execução que corre nos autos principais, a saber: - Execução para entrega, livre e desocupado de pessoas e bens, de prédio urbano sito na Rua ---, descrito na CRP de --- sob o nº ---/--- e inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de --- sob o art.º ---;
2ª - Essa execução tem por título executivo uma decisão judicial, transitada em julgado, proferida em processo instaurado pelos proprietários do prédio, exequentes ora Recorridos, contra terceira pessoa, no qual os Embargantes, ora Recorrentes, não foram parte.
3ª - Os Recorrentes embargaram de terceiro, invocando tal prédio integrar a sua casa de habitação e domicílio, desde a década de 90 do Sec. XX, encontrando-se a respectiva posse ofendida, na sequência de diligência de solicitador de execução, que se apresentou para os despejar do referido prédio, que ocupam em virtude de contrato de comodato, outorgado na referida década com os comproprietários do mesmo/comodantes, (entre eles os Exequentes nos autos principais), o qual teve por fim o uso de habitação familiar, sem prazo.
4ª - O Tribunal “a quo” procedeu à apreciação liminar dos embargos, nos termos dos art.ºs 345º e 590º, nº 1 do CPC), inferindo liminarmente os embargos, justificando a sua decisão nas seguintes razões-fundamento, as quais, no seu entender, consubstanciam “não se verificar in casu probabilidade séria de existência do direito invocado, sendo o pedido manifestamente improcedente o que determina rejeição liminar:”
a) “ (…) o “uso determinado”, a que se alude no art.º 1.137º do CC pressupõe uma delimitação temporal que o comodato visa satisfazer, não podendo considerar-se como determinado o uso de certa coisa se não se souber, quando aquele uso não vise a prática concreta de actos de execução isolada mas antes actos genéricos de execução continuada, por quanto tempo vai durar, caso em que se deve haver como concedido por tempo indeterminado. Assim, o uso só é determinado se o for também por tempo determinado, ou, pelo menos determinável” – posição mais consentânea com o art.º 237º do C. Civil, sendo que “ a vingar a tese dos recorrentes, o comodatário ficaria numa posição bem mais sólida e favorável do que se tivesse, por exemplo, celebrado um contrato de arrendamento (…), solução que (…) a ordem jurídica não poderia tolerar”.
b) Em desenvolvimento e corolário da anterior, “Assim sendo, um contrato de comodato em que não tenha sido fixado um prazo certo e em que não exista um uso determinado, no sentido supra exposto, pode ser denunciado pelo comodante a qualquer momento, estando o comodatário sujeito à obrigação de restituição, nos termos previstos no nº 2 do art.º 1.137º do CC”.
c) Apesar de considerar indiciada nos autos que os ora Recorrentes “residem no prédio”, entende que “(…) desse facto não resulta que tal ocupação seja realizada ao abrigo qualquer contrato de comodato, nem os Embargantes juntaram aos presentes autos qualquer documento comprovativo dessa celebração”.
5ª – Salvo o devido respeito, o Tribunal “ a quo” não tem razão, pois, mesmo que se entendesse conforme alíneas a) a b) da conclusão anterior (o que não se aceita, mas por mera cautela se prevê) - ou seja, mesmo entendendo-se que, no caso analisado, o comodante pode, a todo o tempo, exigir a restituição do prédio, O FACTO É QUE, NÃO RESULTA DOS AUTOS QUE O CONTRATO DE COMODATO EM ANÁLISE TENHA SEQUER SIDO DENUNCIADO PELOS COMODANTES (pois os ora Recorrentes não foram parte na acção da qual emerge o título executivo, nem são parte na execução), pelo que, mesmo no entendimento do Tribunal “ a quo”, sempre se encontra em vigor, legitimando a posse dos Recorrentes e a possibilidade de procedência dos embargos.
6ª – Também relativamente ao entendimento referido na alínea c) da conclusão 4ª erra o Tribunal “ a quo”, pois, contrariamente ao que refere, “O contrato de comodato não está sujeito a forma escrita, considerando-se celebrado pelas declarações negociais das partes (comodante e comodatário) e pela entrega da coisa móvel ou imóvel, pelo comodante, ao comodatário (contrato real quoad constitutionem, ou seja, quanto à constituição) “ – vide https://diariodarepublica.pt/dr/lexionario/termo/comodato
7ª - Do exposto nas anteriores conclusões, resulta que, no caso em análise, não se verificam os pressupostos enunciados nos art.ºs 345º e 590º, nº 1 do CPC que determinem a possibilidade de uma decisão liminar de rejeição dos embargos, pelo que estas normas se encontram violadas na Douta Sentença recorrida, encontrando-se esta inquinada de erro de julgamento, pois;
a) Os Recorrentes peticionam invocando um contrato de comodato, que, na qualidade de comodatários, outorgaram nos anos 90 do sec. XX, com os comproprietários do prédio/comodantes (entre eles os AA./Exequentes nos autos principais), sem prazo, mas que teve por fim o uso do prédio identificado nos autos, não resultando dos autos que o mesmo tenha sido sequer denunciado pelos exequentes, mantendo-se atualmente tal uso;
b) Tal contrato não está sujeito a forma escrita, considerando-se celebrado pelas declarações negociais das partes (comodante e comodatário) e pela entrega da coisa móvel ou imóvel, pelo comodante, ao comodatário (contrato real quoad constitutionem, ou seja, quanto à constituição) – resultando evidenciada nos autos a ocupação do imóvel pelos Recorrentes como sua casa de habitação (reconhecida pelo próprio Tribunal “a quo”);
c) O Tribunal “a quo” deveria, por isso, ter ordenado recebido os embargos e ter ordenado “as diligências probatórias necessárias” ao julgamento dos embargos, conforme impõe o art.º 345º do CPC, norma objectivamente violada na Douta Sentença recorrida;
8ª O Tribunal “a quo” deveria ter interpretado e aplicado, no caso, as normas dos artºs 345º e 590º, nº 1 do CPC de forma a decidir conforme alínea c) da anterior conclusão 7ª;
9ª - O STJ, no acórdão de 05/07/2018 (procº nº 1281/13.5TBTMR.E1.S1), com base na proteção legal da família, entendeu que, tal como no caso em análise nestes autos, vigorando um contrato de comodato sem prazo para uso e habitação familiar, não há obrigação de restituir o imóvel comodatado, enquanto continuar a ter esse uso.
10ª - “Faltando um prazo certo, mas destinando-se a cedência do prédio a habitação, a sua restituição tem lugar quando finde o uso a que foi destinado (…) como decorre do disposto no art.º 1.137º do CC. (…) não tendo o comodato prazo, a restituição deve ocorrer logo que finde o uso do prédio.” (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, II, 2ª Edição, 1981, Págs. 595 e 596).
11ª - A duração do comodato depende, pois, da persistência do uso determinado; sendo verificada a existência de um uso com incidência familiar, é retirada a conclusão de que “Tratando-se, no caso, de contrato sem prazo e para uso de habitação familiar, não há obrigação de restituir o prédio identificado enquanto continuar a ter esse uso, atento o disposto no art.º 1.137º do CC” (ob. cit.).
12ª - A família é considerada no nosso texto constitucional como o elemento fundamental da sociedade pelo que tem direito à protecção desta e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros (art.º 67º, nº 1 da CRP) e o direito fundamental à habitação e a proteção especial que deverá beneficiar a casa de morada de família encontram-se protegidos pela norma do art.º 65º da CRP e pelo regime legal da Lei nº 83/2019 – Lei de bases da Habitação, maxime pelas normas dos art.ºs 10º e 13º, nºs 1, 2, e 6 alíneas a) a e);
13ª - A Douta Sentença recorrida violou as normas jurídicas referidas na anterior conclusão, ignorando totalmente a especial proteção legal, atrás enunciada, que se impõe levar em consideração na análise e decisão de um caso em que se apreciar um contrato de comodato sem prazo e que tenha por finalidade a habitação do comodatário e de sua família.
14ª - Efectivamente, neste caso e atenta essa especial proteção legal, têm de se aplicar as normas referidas na conclusão 12ª em conjugação com o art.º 1.137º do CC e com o regime legal do comodato, NÃO COMO ENTENDEU A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, mas sim, determinando-se que, “Tratando-se, no caso, de contrato sem prazo e para uso de habitação familiar, não há obrigação de restituir o prédio identificado enquanto continuar a ter esse uso, atento o disposto no art.º 1.137º do CC” (ob. cit.).
15ª - Esta especial proteção legal e o facto de, no contrato de comodato, se convencionar uma utilização gratuita da casa de morada de família, obviamente que coloca o comodatário numa posição mais vantajosa do que a de um arrendatário – o que decorre quer da referida especial proteção legal, quer da vontade das partes, que optaram por comodatar, em lugar de arrendar, afigurando-se completamente irrazoável e errado o argumento “ a vingar a tese dos recorrentes, o comodatário ficaria numa posição bem mais sólida e favorável do que se tivesse, por exemplo, celebrado um contrato de arrendamento (…), solução que (…) a ordem jurídica não poderia tolerar” utilizado pelo Tribunal “ a quo”.
16ª - Bem pelo contrário, as normas do art.º 65º da CRP e da Lei de Bases da Habitação atrás referidas, lei fundamental e lei de valor reforçado, impõem a interpretação ora defendida pelos Recorrentes (com sustentação no Ac. STJ de 05/07/2018 e na Doutrina atrás enunciados) e determinam que a Douta Sentença recorrida tenha, in casu, violado e interpretado erradamente aquele normativo e o art.º 1.137º do C. Civil, o qual deveria ter interpretado e aplicado, não nos termos em que o fez, mas sim, em defesa do direito à família e habitação dos Recorrentes, determinando que:
a) “Tratando-se, no caso, de contrato sem prazo e para uso de habitação familiar, não há obrigação de restituir o prédio identificado enquanto continuar a ter esse uso, atento o disposto no art.º 1.137º do CC” (ob. cit.); logo,
b) Julgando procedentes os presentes embargos OU, pelo menos, ordenando o seu deferimento liminar e prosseguimento regular dos autos.
17ª - Relevam, também, no sentido ora defendido e numa correcta aplicação do Direito, as palavras de SALTER CID («A Proteção da Casa de Morada de Família no Direito Português, 1996, pág. 229 - “ A necessidade da proteção familiar pode, por isso, estender-se à casa objecto de um contrato de comodato para habitação”), bem como a ponderação relativa à concreta realidade socio-económica actual do nosso País, sendo do conhecimento público a grave crise habitacional que enfrentamos, consubstanciada pela drástica diminuição de oferta de habitações e pelo aumento exponenciado pela inflação, dos respetivos custos.
18ª - Toda esta temática determina ainda, pelas razões expostas, a inconstitucionalidade da interpretação da norma do art.º 1.137º do CC quando interpretada da forma em que o Tribunal “ a quo” o faz, ou seja, quando se entenda que, tendo o comodato por finalidade o uso do imóvel locado para habitação do comodatário e sua família e sendo realizado sem prazo, pode ser denunciado pelo comodante a qualquer momento, apesar de persistir tal uso, estando o comodatário sujeito à obrigação de restituição, nos termos previstos no nº 2 do art.º 1.137º do C. Civil – o que expressamente se invoca.
19ª - Tudo o que ora se escreve determina que a questão colocada sub judice deva ser analisada por forma a concluir-se conforme defendem os Recorrentes, sendo essa a solução mais Justa e consentânea com o Direito, devendo ser atribuído efeito suspensivo ao recurso e ser o mesmo julgado integralmente procedente, declarando-se conforme antecedentes conclusões 1ª a 18ª e revogando-se a Douta Sentença ora recorrida.”
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Questões a Decidir
São as Conclusões da Recorrente que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, Abrantes Geraldes[1]), sendo certo que, tal limitação, já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
In casu, e na decorrência das Conclusões dos Recorrentes, importará verificar se os embargos de terceiro foram correctamente indeferidos de forma liminar.
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Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.
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Fundamentação de Facto
Para além do que consta do Relatório, releva para decisão o seguinte:
1- Por Sentença proferida a 31 de Maio de 2021, C, Lda. foi condenada (nomeadamente) a reconhecer aos Autores (Exequentes nos autos apensos), o direito de propriedade sobre o prédio urbano sito na Rua---, e a restituir-lho livre e devoluto de pessoas e bens.
2- Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de Dezembro de 2022, foi confirmada a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância
3- Por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Maio de 2023, transitado em julgado, foi também mantida a decisão de restituição do imóvel.
4- No processo referido em 1, 2 e 3, foi considerado provado que o legal representante da Ré vive no prédio com a sua família, fazendo do mesmo a sua habitação (facto 31).
5- A 9 de Outubro de 2023, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: “Uma vez que está em causa execução de decisão condenatória no pagamento de quantia certa e de entrega de coisa certa, é aplicável o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 626.º do CPC, motivo pelo qual não há lugar à prolação de despacho liminar”.
6- A 20 de Novembro de 2023, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: “Ref.ª 24385833 do p. e. (06.11.2023): uma vez que da sentença e acórdãos dados à execução não se extrai que N e S fossem/sejam titulares de qualquer título que legitimasse/legitime a ocupação do imóvel em causa, é inaplicável, no caso concreto, o disposto no artigo 864.º do CPC.
Assim sendo, inexiste fundamento legal para diferir a desocupação do imóvel e, por conseguinte, ao abrigo do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 757.º do Código de Processo Civil aplicável ex vi n.º 3 do artigo 626.º e n.º 1 do artigo 861.º do mesmo código, autorizo o Sr. A.E. a solicitar o auxílio das autoridades policiais para concretização da entrega aos exequentes do imóvel objecto da presente execução.
Para tanto, deverá ser observado o disposto no n.º 5 do art.º 757.º e n.º 3 do artigo 861.º do Código de Processo Civil, sendo ainda aplicável, caso se revele necessário, o disposto no n.º 6 do art.º 861.º do mesmo código”.
7- No Requerimento Inicial dos presentes embargos, os Embargantes alegam que:
“1º Desde há mais 25 anos de que os ora Embargantes residem com o seu agregado familiar no seguinte prédio:
- Prédio urbano em regime de propriedade horizontal, composto por edifício de rés-do-chão, 1º, 2º e 3º andares e sótão, sito na Rua ---, ---, concelho de ---, descrito na Conservatória do registo Predial de -- sob o nº ---/--- e inscrito na matriz predial urbana da referida União de Freguesias sob o art.º ---.
2º Esse prédio veio à sua posse da seguinte forma:
- Há mais de 25 anos JD e JMD, então comproprietários do prédio, entregaram-lho, a título gratuito, para que os ora Embargantes instalassem nele a sua casa de morada de família.
3º O que os ora Embargantes aceitaram e vêm fazendo, ininterruptamente, há mais de 25 anos, nele praticando, à vista de todos, os seguintes actos:
a) Confecionam as suas refeições;
b) Dormem;
c) Recebem amigos e familiares;
d) Criaram os filhos;
e) Detêm as respetivas chaves;
f) Têm instalado o respetivo domicílio fiscal.
4º Os restantes comproprietários desse prédio sempre conheceram e aceitaram essa situação, nunca tendo instaurado qualquer acção judicial contra os Embargantes
5º Conhecendo sempre, a utilização do prédio como casa de morada de família dos Embargantes, distinta de qualquer outra utilização do mesmo realizada por entidades terceiras com o consentimento dos Embargantes.
6º Nunca deduzindo qualquer oposição contra essa utilização como casa de morada de família e nenhuma contrapartida exigindo em virtude da mesma.
7º Da matéria exposta resulta que:
a) Os ora embargantes são comodatários do prédio identificado no anterior art.º 1º;
b) Tal comodato tem por fim o uso de habitação familiar;
c) E foi outorgado sem prazo. (…)
9º Os ora Embargantes são, assim, legítimos possuidores do prédio identificado no anterior art.º 1º. (…)
10º No dia 21/10/2023, os ora Embargantes foram confrontados por uma visita do Agente de Execução JB que pretendia efectivar despejo do prédio identificado no anterior art.º 1º, removendo os ora Embargantes e os seus bens do mesmo.
11º Os ora Embargantes, logo nesse acto, opuseram-se a tal pretensão, com os seguintes fundamentos:
a) Nunca correu contra eles qualquer processo judicial no qual lhes tenha sido determinada qualquer entrega do prédio;
b) Foi exibida aos Embargantes uma decisão judicial proferida contra uma sociedade comercial que nem sequer tem sede atual no local do prédio e que não integra título executivo contra aqueles;
c) Os ora Embargantes não têm qualquer outro local onde ir morar, pelo que o referido despejo os iria colocar numa situação de perigo para a segurança das suas integridades físicas e bens, violando ainda o direito à habitação constitucionalmente garantido;
d) O Embargante tem mais de 65 anos e padece de doença cardíaca crónica”.
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Fundamentação de Direito
A decisão sob recurso ficou acima transcrita, o que nos dispensa de aqui sintetizar o processo de raciocínio em que assentou.
Assim, o que temos diante de nós é, simplesmente, uns embargos de terceiro deduzidos por duas pessoas que não estavam enquanto partes na acção que deu lugar ao título executivo em que se baseia a execução apensa, sendo certo que essas pessoas se afirmam como comodatárias do prédio em causa e articulam factos com que o pretendem fundamentar.
Ora, a execução tem como finalidade, para o que aqui releva, a entrega do prédio urbano onde – alegam os embargantes – têm, há mais de 25 anos, a casa de morada de família (assente num – também alegado – contrato de comodato celebrado com dois dos seus comproprietários à data e para esse efeito), o onde têm instalada a sua vida (o que é do conhecimento e aceitação dos restantes comproprietários).
Por outro lado, foi já determinada essa entrega no âmbito da execução.
Os embargos de terceiro, como decorre do artigo 1285.º do Código Civil (“O possuidor cuja posse for ofendida por diligência ordenada judicialmente pode defender a sua posse mediante embargos de terceiro, nos termos definidos na lei de processo”) e do artigo 342.º do Código de Processo Civil (“Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”) constituem-se – basicamente – como um meio de defesa da posse, conferido a um terceiro que não é parte na execução, permitindo-lhe reagir contra penhoras ou actos judicialmente ordenados que impliquem apreensão ou entrega de bens que ofenda a sua posse ou um seu direito incompatível sobre o(s) bem(ns) em causa.
O n.º 2 do artigo 344.º define os requisitos concernentes à sua tempestividade (“O embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efetuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas”).
Por outro lado, o artigo 345.º (sob a epígrafe “Fase introdutória dos embargos”), afirma que, sendo apresentados “em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante”.
Daqui decorre a existência de três momentos de apreciação judicial[2]:
- o primeiro que passa quer pela verificação da tempestividade dos embargos, quer pela de outras razões para o seu imediato indeferimento (como referem Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires de Sousa, “Nesta fase liminar e com base na prova informatória que seja produzida, o juiz formula um juízo valorativo sumário, de simples probabilidade ou verosimilhança, sobre a existência do direito invocado pelo embargante. Na formulação desse juízo, há que atender à presunção da titularidade do direito de fundo quando o embargante se arrogue a posse (art.º 1268º do CC). Constituindo o mesmo, condição de prosseguimento do processo, pode ser infirmado após a dedução da contestação”[3]).
No Acórdão da Relação de Lisboa de 27 de Junho de 2019 (Processo n.º 5643/16.8T8LRS-D.L1-6-Eduardo Peterson), a este propósito, escreve-se com enorme clareza: “Que razões outras são estas? O primeiro momento e a decisão que se lhe segue (ordenar a realização de diligências probatórias ou indeferir imediatamente) é o de uma análise liminar que, com coerência, se integra na categoria do indeferimento liminar, ou seja, segundo o artigo 590º nº 1 do CPC, “quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente”.
Nestes casos de apreciação liminar, não tem o juiz senão que, e explicando nós por palavras simples, ler a petição e perceber se, nos termos em que ela está redigida, perante os factos invocados e as razões de direito invocadas, é ou não manifesto que a petição foi apresentada fora de tempo ou é ou não manifesto que o pedido é manifestamente improcedente, juízo liminar que se faz pelo confronto do que está escrito/alegado e o conhecimento jurídico-legal, concretamente, da falibilidade da subsunção dos factos ao direito alegado e mais do que isso, ao efeito pretendido, isto é, ao pedido”.
Em suma, neste momento, não está em causa a decisão sobre a procedência dos embargos, mas sim a verificação da existência das tais razões para o indeferimento liminar, impeditivas do prosseguimento do processo;
- o segundo, a fase introdutória traduzida na realização das diligências probatórias com vista à decisão do Tribunal sobre a admissão ou rejeição dos embargos de terceiro;
- o terceiro, consubstanciado na fase contraditória a que alude o artigo 348.º, n.º 1 (“Recebidos os embargos, as partes primitivas são notificadas para contestar, seguindo-se os termos do processo comum”).
Não se levantam dúvidas, neste momento processual, quanto à qualidade de terceiros dos embargantes (uma vez que não foram partes do processo declarativo de onde decorre o título executivo), nem quanto à tempestividade dos embargos.
Quanto ao demais, os embargantes invocam a posse do imóvel e a titularidade de um direito (o comodato do prédio em causa, tendo por fim o uso de habitação familiar e que lhes foi outorgado sem prazo – artigos 1129.º, 1133.º, 1135.º, alínea h), 1253.º, alínea c) e 1276.º e seguintes, do Código Civil), que se revela incompatível com a pretendida e determinada entrega desse mesmo imóvel: a existir o direito tal qual vem configurado teriam um título que poderia obstar à sua entrega aos Exequentes, ora Embargados.
O Tribunal a quo veio entender que o comodato, no quadro normativo vigente não permite admitir a sua subsistência indefinida, seja por falta de prazo, seja por ter sido associado a um uso genérico, de tal modo que o comodatário pudesse manter gratuitamente e sem limites o gozo da coisa (na linha do entendimento que decorre do princípio geral emanado do artigo 237.º do Código Civil, segundo o qual, em caso de dúvida, nos contratos gratuitos deve prevalecer o sentido da declaração menos gravoso para o disponente), acrescendo que, a vingar a tese dos recorrentes, o comodatário ficaria numa posição bem mais sólida e favorável do que se tivesse, por exemplo, celebrado um contrato de arrendamento (nomeadamente quanto à duração do contrato de locação - artigo 1025.º), solução que a ordem jurídica não poderia tolerar (e, portanto, mesmo não havendo prazo certo, e não existindo um uso que tenha sido determinado, pode haver uma denúncia a qualquer momento, estando o comodatário sujeito à obrigação de restituição, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 1137.º).
O Tribunal a quo, aceita que os Embargantes residam no prédio em causa (face aos factos provados na acção declarativa), mas conclui que desse facto não resulta que tal ocupação seja realizada ao abrigo de um qualquer contrato de comodato, nem os Embargantes juntaram aos presentes autos qualquer documento comprovativo dessa celebração (e ainda que assim fosse, não tendo tal contrato sido celebrado com prazo certo, nem sendo determinado o seu uso temporal do imóvel, sempre assistiria às alegadas comodantes-exequentes-embargadas), a faculdade de proceder à sua denúncia, a todo o tempo, o que sempre teria sido feito com o intentar da presente execução).
Só que este raciocínio linear esbarra com duas circunstâncias que impedem a concordância deste Tribunal:
- o contrato de comodato está factualmente alegado e não carece de prova documental[4], pelo que, inexistindo qualquer norma legal que exija formalidade especial ou prova documental específica[5], o material probatório que vier a ser produzido (e – só pelos embargantes – para alem das suas declarações de parte, estão arroladas oito testemunhas) estará sujeito ao princípio da livre apreciação por parte do Tribunal;
- a possibilidade de, juridicamente, um/a comodante poder denunciar livremente o contrato de comodato, não só não pode suprir a falta de título executivo quanto ao/à(s) comodatário/a(s) (o título executivo, in casu, é uma Sentença e não uma declaração ou comunicação de denúncia…), como simplesmente escamoteia que essa denúncia até pode ser colocada em causa[6] e que, como se assinalou de forma pertinente no Acórdão da Relação de Lisboa de 08 de Outubro de 2019 (Processo n.º 94104/17.3YIPRT.L1-7-José Capacete), apesar de “ser em princípio livre, à luz do princípio da boa-fé que deve nortear as partes na vigência e execução dos contratos, o exercício do direito potestativo de denúncia deverá ser precedido de um aviso prévio, o que significa que tem de ser comunicada com alguma antecedência relativamente à data em que a cessação produzirá efeitos, para que a parte destinatária dessa declaração se possa precaver quanto ao facto de o vínculo contratual se extinguir em breve­”[7].
Assim sendo e neste contexto, não há qualquer fundamento para, perante o alegado e requerido, neste momento liminar, fazer um juízo valorativo de inverosimilhança ou inexistência sobre o direito invocado pelos embargantes, nada impondo o indeferimento liminar dos embargos deduzidos.
A decisão sob recurso deve, assim, ser revertida e o Tribunal a quo, fazer prosseguir o processo, nos termos do artigo 345.º do Código de Processo Civil, proferindo despacho de aperfeiçoamento se assim o entender, ou procedendo à realização das diligências probatórias necessárias, de forma a, perante a probabilidade séria (ou o contrário) da existência do direito invocado pelos embargantes, poderem os embargos ser recebidos ou rejeitados.
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Da responsabilidade tributária
O recurso foi originado por uma decisão processual errada do Tribunal a quo, num processo em que os Embargantes ainda não tiveram intervenção.
O artigo 1.º do Regulamento das Custas Processuais é claro quando afirma que “Todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento”, sendo que, como referem Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires de Sousa em anotação ao artigo 527.º do Código de Processo Civil, salvo “quando exista alguma isenção objetiva (artigo 4.º, nº 2, do RCP), todas as ações (incluindo incidentes ou recursos) implicam o pagamento de custas (art.º 1.º do RCP)”[8].
Os artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, determinam que as decisões que julguem a ação, o incidente ou o recurso devem condenar no pagamento de custas a parte que lhes houver dado causa (considerada vencida e na respectiva proporção), sendo que, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Está a lei imbuída de dois princípios: o da Causalidade e, subsidiariamente, o do Proveito.
Quanto ao princípio da Causalidade, o pagamento da taxa de justiça previsto pelos artigos 529.º, n.º 2 e 530.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, dá o mote no que concerne o impulso processual de uma parte (com a petição inicial, a contestação, o requerimento executivo, a petição de embargos de executado ou de terceiro, um requerimento de implementação de incidente ou de resposta, uma interposição de recurso ou uma apresentação de contra-alegações[9]).
Abordando esta matéria, o Juiz Conselheiro Salvador da Costa escreveu o seguinte: “Na base da referida responsabilidade pelo pagamento das custas relativas às ações, aos incidentes e aos recursos está um de dois princípios, ou seja, o da causalidade e o do proveito, este a título meramente subsidiário, no caso de o primeiro se não conformar com a natureza das coisas (a responsabilidade pelo pagamento das custas com base no princípio do proveito ocorre, por exemplo, nos processos especiais de inventário de partilha ou de divisão de coisa comum).
Grosso modo, a causalidade consubstancia-se na relação entre um acontecimento (causa) e um posterior acontecimento (efeito), em termos de este ser uma consequência daquele.
Considerando o disposto na primeira parte do n.º 1 deste artigo, o primeiro evento é determinado comportamento processual da parte e o último a sua responsabilização pelo pagamento das custas.
Nesta perspetiva, do referido princípio da causalidade emerge a solução legal de dever pagar as custas relativas às ações, aos incidentes e aos recursos a parte a cujo comportamento lato sensu o ajuizamento do litígio seja objetivamente imputável.
A dúvida revelada pela doutrina e pela jurisprudência ao longo do tempo sobre quem devia ser responsabilizado pelo pagamento das custas processuais com base no princípio da causalidade levou o legislador a intervir por via da inserção do normativo que atualmente consta do n.º 2 do artigo, em termos de presunção iuris et de iure, ou seja, de que se entende sempre dar causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for.
Consequentemente, o referido nexo de causalidade tem como primeiro evento o decaimento nas ações, nos incidentes e nos recursos, e o último na responsabilização pelo pagamento das custas de quem decaiu, conforme o respetivo grau.
Assim, a parte vencida nas ações, nos incidentes e nos recursos é responsável pelo pagamento das custas, ainda que em relação a eles não tenha exercido o direito de contraditório, o que se conforme com o velho princípio que envolve esta matéria, ou seja, o da justiça gratuita para o vencedor.
Em suma, o recorrido que não acompanhou o recurso procedente interposto pela parte contrária é responsável pelo pagamento das custas nas suas vertentes de encargos, se os houver, e das custas de parte”[10].
E é com base nestas pertinentes considerações, que formula estas conclusões:
1.ª – É responsável pelo pagamento das custas nos recursos a parte que lhes tenha dado causa;
2.ª – Dá causa às custas dos recursos a parte que neles ficar vencida na respetiva proporção;
3.ª – A circunstância de o recorrido não ter contra-alegado no recurso interposto pela parte contrária, que foi julgado procedente, não exclui a sua responsabilidade pelo pagamento das custas respetivas”.
Num texto posterior, datado de 22 de Outubro de 2020[11], o mesmo Autor reafirma o seu entendimento, quando refere que a parte recorrida não contra-alegou no recurso, “mas podia nele ter contra-alegado, opondo-se à pretensão do recorrente”, pelo que no “âmbito da relação jurídica processual relativa ao recurso”, se configura “como parte vencida, porque a decisão da Relação de procedência lhe é potencialmente desfavorável.
Face ao disposto no n.º 2 do artigo 527.º do mencionado Código, porque é parte vencida no recurso, apesar de neste não ter contra-alegado, (…) é responsável pelo pagamento das custas respetivas em sentido estrito.
As custas em sentido estrito relativas ao recurso abrangem os encargos que nele tenham ocorrido, nos termos dos artigos 529.º, n.º 3, e 532.º, e as custas de parte, estas em conformidade com o estatuído no artigo 529.º, 4, e 533.º, n.ºs 1 e 2, todos do supramencionado Código, e no artigo 26.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais.
No caso vertente, porém, o recorrente nada despendeu no recurso a título de encargos, mas certamente que fez dispêndio a título de custas de parte nas vertentes previstas no n.º 3, alíneas a) e c), do artigo 26.º daquele Regulamento.
Face ao exposto, o segmento relativo às custas a expressar no acórdão em análise devia ter sido no sentido de condenação do recorrido B no pagamento das custas do recurso na vertente das custas de parte liquidandas”.
Neste texto, são as seguintes as conclusões tiradas:
1.ª - O segmento condenatório “custas da apelação na proporção do decaimento a apurar a final” está negativamente afetado pelos vícios processuais de obscuridade e de falta de fundamentação.
2.ª - O nosso sistema de custas processuais não comporta a condenação no pagamento de custas do recurso na proporção do decaimento a apurar a final.
3.ª – Vencido no recurso, apesar de nele não ter contra-alegado, é o recorrido B sujeito da responsabilidade pelo pagamento das respetivas custas em sentido estrito – sem a vertente da taxa de justiça.
4.ª – Como o recorrente nada despendeu no recurso a título de encargos, a responsabilidade do recorrido pelo pagamento de custas cinge-se à vertente das custas de parte liquidandas.
5.ª – O segmento relativo às custas do acórdão devia expressar: “Condena-se o recorrido no pagamento das custas do recurso, na vertente das custas de parte liquidandas”.
Directamente relevante para a apreciação que fazemos, merece referência expressa o Acórdão da Relação de Lisboa de 11-02-2021[12] (Processo n.º 1194/14.3TVLSB.L2-2-Carlos Castelo Branco), onde, depois de se afirmar que da “conjugação do disposto no artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, com o n.º 6 do artigo 607.º e com o n.º 2 do artigo 663.º, todos do CPC, conclui-se que a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no critério do vencimento ou decaimento na causa, ou, não havendo vencimento, no critério do proveito, mas, tal não sucede quanto à taxa de justiça, cuja responsabilidade pelo seu pagamento decorre automaticamente do respetivo impulso processual”, e se sublinhar que de “acordo com o estatuído no n.º 2 do art.º 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual”, se fixou o entendimento segundo o qual “dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for”, sendo que, “Vencidos" são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses” e havendo “um vencedor e não se encontrando uma parte vencida, não funciona o critério da causalidade, atuando o princípio do proveito”, pelo que, não havendo isenção tributária, o recurso está sujeito a tributação - aspecto que é preliminar face à determinação da responsabilidade das partes relativamente a custas - não tendo “fundamento legal uma decisão que se expresse “sem custas””.

Todas estas considerações nos merecem concordância.
Todavia, a situação dos autos tem aspectos peculiares que impõem um tratamento próprio.
De facto, é claro que será responsável pelo pagamento das custas nos recursos a parte que lhes tenha dado causa e que dá causa às custas dos recursos a parte que neles ficar vencida na respectiva proporção e ainda que os/as Embargados/as ainda nem sequer tiveram intervenção do processo, sendo certo que o recurso foi julgado procedente.
Mas também o é que:
- os embargos de terceiro ainda não foram decididos e vão prosseguir os seus termos processuais;
- tendo sido provido o recurso, vencendo-o (artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil), pelo critério do vencimento, não poderiam os Embargantes ser objecto de custas do recurso;
- os/as Embargados/as, por seu turno, sendo totalmente estranhos à situação que deu origem à decisão, não só são alheios à sorte do recurso, como nada dele beneficiam ou se prejudicam, não podendo considerar-se vencidos (impedindo assim o funcionamento do critério da causalidade, por a nada terem dado causa).
Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 22 de Janeiro de 2019 (Processo n.º 45824/18.8YIPRT-A.L1[13]-Micaela Sousa), quando “não haja uma parte vencida, se também não existir uma outra vencedora, será responsável pelas custas aquele (ou aqueles) cuja esfera se mostrar favorecida, e também na sua exacta medida, em face do teor da decisão.
Existindo um vencedor, por princípio e natureza, não lhe pode ser imputada a responsabilidade pela obrigação do pagamento das custas por ser de afastar, naturalmente, a causalidade. Ou seja, por regra, o vencedor é aquele que obteve ganho de causa. Ainda que este ganho de causa implique necessariamente um proveito, não é este proveito que releva quando se recorre ao respectivo princípio subsidiário, pois que, tal como resulta do n.º 1 do art.º 527°, n.º 1 do CPC, apenas não havendo vencimento é que funciona o critério subsidiário do proveito.
Mas havendo um vencedor e não se encontrando uma parte vencida, esta não pode ser condenada no pagamento de custas porque não se verifica a causalidade (não deu causa à acção ou ao recurso), mas também aquele não o pode ser precisamente por ter havido vencimento (o que afasta o critério do proveito).
Nestas situações, impõe-se encontrar uma outra solução.
Será apenas quando perante a resolução do litígio não se descortine nem um vencido, nem um vencedor, que a responsabilidade tributária terá de assentar então no critério do proveito, isto é, em função das vantagens obtidas.
Na situação sub judice, a apelante obteve vencimento na pretensão recursória que trouxe a juízo, ou seja, logrou obter a revogação do despacho que” indeferiu liminarmente os embargos. “Como tal, a recorrente obteve provimento no recurso por si interposto, ou seja, obteve ganho de causa.
Enquanto vencedora, a recorrente não pode ser responsabilizada pela obrigação tributária, pois houve vencimento de causa.
Por sua vez”, os/as Embargados/as mantiveram-se alheios/as “à sorte do recurso. Não contra-alegou (faculdade concedida pelo art.º 638°, n.º 5 do CPC), nem tomou qualquer posição sobre a matéria apreciada na decisão recorrida” (destino dos Embargos de terceiro).
“Independentemente da existência ou inexistência de contra-alegação (cuja falta não produz qualquer efeito processual imediato e sem que seja legítimo atribuir-lhe o significado de concordância com a argumentação ou com a pretensão do recorrente (…)), o que releva determinar é se a parte dispositiva da decisão se reflecte negativamente na esfera jurídica da recorrida, ou seja, se o seu resultado efectivamente a desfavorece”.
Ora, não podemos dizer nem que os/as Embargados/as  tenham saído vencidos/as[14], nem que a decisão os/as desfavoreça, uma vez que a sua situação é exactamente a mesma que tinham no início, tendo sido a decisão prolatada (e para o qual nada contribuíram, repete-se) a criar a situação presente.
Assim, e inexistindo norma que dispense tributação (em conformidade com o princípio geral de tributação ínsito no artigo 1.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais e com o artigo 527.º do Código de Processo Civil), embora com o presente recurso se tenha desenvolvido actividade jurisdicional relevante para efeitos de custas e os/as Embargados/as não tenham dado origem à decisão recorrida, nem apresentado contra-alegações, não podem ser objecto de condenação em custas (sequer a relevar no processo principal): quem recorreu “só em termos estritamente formais, obteve vencimento, já que este em nada afectou a posição de qualquer das outras partes do pedido, não nos parecendo pois, nem razoável, nem adequado, que tenha que suportar as custas quem não foi vencido nem deu causa ao recurso”[15].
Deste modo, fazendo funcionar o critério do proveito[16], ele coloca Embargantes-Recorrentes como a parte que fez movimentar a “máquina judiciária” e disso beneficiou, pelo que terá de ser a si que as custas caberão (admite-se que o resultado final acabe por corresponder a uma situação de “Sem Custas”, mas formalmente – e não só substancialmente – é o mais correcto).
Em conclusão e em face de tudo o exposto, no que à responsabilidade tributária respeita, as custas do Recurso ficarão a cargo dos Embargantes-Recorrente.
*
DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a Decisão proferida, determinando o prosseguimento do processo, nos termos do artigo 345.º do Código de Processo Civil, com o proferindo de despacho de aperfeiçoamento (se assim o entender o Tribunal a quo), ou com a realização das diligências probatórias necessárias, de forma a, perante a probabilidade séria (ou o contrário) da existência do direito invocado pelos embargantes, poderem os embargos ser recebidos ou rejeitados.
Custas a cargo dos Embargantes-Recorrentes.
*
Notifique e, oportunamente, remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º do Código de Processo Civil).
***
Lisboa, 19 de Março de 2024
Edgar Taborda Lopes
José Capacete
Cristina Maximiano
_______________________________________________________
[1] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[2] Como se assinala no Acórdão da Relação do Porto de 07 de Novembro de 2019 (Processo n.º 1560/13.1TBVRL-I.G1 - José Alberto Moreira Dias), “Conforme decorre do art.º 345º do CPC., os embargos de terceiro comportam sempre três fases processuais, a saber: uma fase de apreciação liminar da petição de embargos que, uma vez ultrapassada, é seguida de uma fase introdutória, destinada à produção da prova estritamente necessária para que o juiz decida sobre se recebe ou rejeita os embargos, fase essa que, uma vez igualmente ultrapassada, é seguida, nos termos do art.º 348º do CPC, de uma fase contraditória”.
[3] Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2.ª edição, Almedina, 2020, página 421.  
[4]  “O comodato é um contrato não formal, sendo, pois, de aplicar a regra geral do art.º 219.º”Joana Farrajota-Inês Palma Ramalho, Anotação ao artigo 1129.º, in Ana Prata [coord.], Código Civil Anotado - Volume I, 2.ª Edição, Almedina, 2019, página 1442.
[5] “Não se estabelecem no artigo 1129.º, nem nos preceitos seguintes, quaisquer exigências quanto à forma do comodato, excepção feita quanto à entrega da coisa, dado o carácter real do contrato. Nos termos do artigo 219.º, o contrato é, pois, válido, independentemente da observância de qualquer forma” – Pires de Lima-Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 4.ª edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1997, página 743.
[6] Vd., por exemplo, a situação decidida no Acórdão da Relação de Évora de 03 de Julho de 2007 (Processo n.º 976/08-3-Almeida Simões), onde se concluiu que “a declaração de denúncia é um mero documento particular emitido pelo senhorio destinado a operar a caducidade do contrato, mas tal não significa que o arrendatário fique inibido de discutir se havia lugar à denúncia (sublinhado nosso).
[7] Constituindo “uma declaração unilateral recetícia, que se identifica como um ato jurídico unilateral, e que tem por finalidade pôr termo a um vínculo contratual, consistindo numa declaração universal que é emitida por uma das partes num contrato, tendo como destinatário o outro contraente, e que só se torna eficaz depois de chegar ao poder ou ser conhecida deste, nos termos do art.º 224º, n.º 1, 1.ª parte, do C.C.”.
Tendo um fundamento que “reside no pressuposto da liberdade de desvinculação, podendo, por isso, ser invocada sem menção de qualquer motivo; é exercida ad nutum, de modo discricionário, mas sem abuso de direito”.
Servindo:
 “- para pôr termo a contratos com um período de vigência indeterminado; ou,
- para evitar a renovação em negócios jurídicos de duração limitada,
donde, não poderem fazer-se cessar através denúncia, contratos que tenham um prazo de vigência limitado, antes do seu decurso”
.
[8] António Abrantes Geralde - Paulo Pimenta - Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2.ª edição, Almedina, 2020, página 601.
[9] Nos termos do artigo 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
[10] Salvador da Costa, Responsabilidade pelas custas no recurso julgado procedente sem contra-alegação do recorrido, publicado no Blog do IPPC a 18 de Junho de 2020 e disponível em
https://drive.google.com/file/d/1dCu40RNwIovXdGgHYFpHcSaL13rwlCf6/view (consultado a 26/12/2022).
Em sentido concordante, vd., por exemplo, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 22/03/2022, 08/03/2022 (Processos n.ºs 10591/20.4T8SNT-B.L1-7 e 2214/04.5TBOER-D.L1-7 - Luís Filipe Pires de Sousa) e 07/10/2021 (Processo n.º 5214/19.7T8FNC.L1-6-António Santos) e da Relação de Évora de 25/06/2020 (Processo n.º 769/12.0TBTVR-A.E1-Albertina Pedroso).
[11] Também publicado no Blog do IPPC (a 31/10/2020) - Custas da apelação na proporção do decaimento a apurar a final-Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/4/2020 (Jurisprudência 2020 (77)) - e disponível em https://drive.google.com/file/d/1oc0UvAL2z8mzLXR-Vv2EtMAR7H7CfCiM/view [consultado a 26/12/2022].
[12] Acórdão que foi também publicado por Miguel Teixeira de Sousa no Blog do IPPC a 28/07/2021 (disponível em https://blogippc.blogspot.com/2021/07/jurisprudencia-2021-22.html [consultado a 11/03/2024]) e que segue de perto o Acórdão da mesma Relação e com o mesmo Relator, de 06/02/2020 (Processo n.º 2775/19.4T8FNC-A.L1-2-Carlos  Castelo Branco).
[13] Disponível em
https://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_mostra_doc.php?nid=5566&codarea=58 [consultado a 11/03/2024].
[14] Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/10/1997 (Processo n.º 97S079-Matos Canas), ‘vencidos’ "são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses, ficando, pois, a seu cargo, a responsabilidade total ou parcial pelas custas”.
Também nos Acórdãos da Relação de Lisboa 11/02/2021 (Processo n.º 1194/14.3TVLSB.L2-2-Carlos Castelo Branco) e 06/02/2020 (Processo n.º 2775/19.4T8FNC-A.L1-2-Carlos Castelo Branco), se assinalou que nos “casos em que não haja vencedor nem vencido, onde, por isso, não pode funcionar o princípio da causalidade consubstanciado no princípio da sucumbência, rege o princípio subsidiário do proveito processual, de acordo com o qual pagará as custas do processo quem deste beneficiou.
Como tal, sempre que haja um vencido, com perda de causa, é sobre ele que deve recair, na precisa medida desse decaimento, a responsabilidade pela dívida de custas. Fica vencido quem na causa não viu os seus interesses satisfeitos; se tais interesses ficam totalmente postergados, o vencimento é total; se os interesses são parcialmente satisfeitos, o vencimento é parcial.(…)
Quando não haja uma parte vencida, se também não existir uma outra vencedora, será responsável pelas custas aquele (ou aqueles) cuja esfera se mostrar favorecida, e também na sua exacta medida, em face do teor da decisão”.
[15] Nesta mesma linha, o Acórdão da Relação de Coimbra de 17/10/2018 (Processo n.º 128/15.2T9CDN.C2-Heitor Vasques Osório) tece considerações que temos como pertinentes e adaptáveis à situação dos presentes autos: “Parece-nos, assim, inquestionável que nos autos, relativamente ao recurso decidido pelo acórdão (…), há um vencedor mas não há um vencido.
Nesta situação, à luz dos critérios referidos, o vencedor, precisamente porque obteve vencimento, não pode ser responsabilizado pelas custas precisamente porque a existência de vencimento afasta o princípio do princípio do proveito processual. E qualquer outra parte – contrária ou não –, precisamente porque não é parte vencida, não pode ser responsabilizada pelas custas, já que não se verifica o princípio da causalidade.
Como resolver então a questão, sabido que, como resulta do disposto no art.º 1º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais, são devidas custas pelo recurso? (…)
No acórdão da R. de Lisboa de 11 de Janeiro de 2011, processo nº 277/08.3TBSRQ-F.L1-7, in www.dgsi.pt, no qual a recorrente suporta a sua argumentação, escreveu-se, «Se a decisão permitir encontrar um vencedor, mas não um vencido, a dívida de custas deve ser distribuída à semelhança daquelas que sejam devidas pelo próprio processo, acrescendo aquelas a estas – é o que se chama responsabilidade pela parte vencida a final». Acontece que a questão decidida neste acórdão tinha por objecto uma decisão interlocutória, o que não sucede nestes autos.
Por outro lado, no mesmo acórdão da R. de Lisboa também se lê, «Se, nem no final, for possível descobrir quem seja o vencedor e o vencido no processo, é a quem tomou a iniciativa de desencadear o funcionamento da máquina judiciária – em regra, o autor – que se deve reconhecer a dívida de custas», reconhecendo-se, ainda que a título excepcional, a possibilidade de ter que suportar a dívida de custas determinada pelo procedimento judicial quem o desencadeou, ainda que tenha obtido vencimento.
Ora, in casu, ainda que a recorrente tenha obtido vencimento no recurso, para além do que supra se deixou dito, não vemos que objectiva vantagem obteve com ele, sendo certo que desencadeou o respectivo procedimento.
Por outro lado, não sendo recurso que tenha tido por objecto decisão interlocutória, não poderiam as custas respectivas ficar a cargo da parte vencida a final, no sentido defendido pela recorrente.
Pelas sobreditas razões, entendemos estar-se perante uma situação em que, excepcionalmente, deve suportar as custas quem lançou mão do procedimento recursivo, precisamente porque, só em termos estritamente formais, obteve vencimento, já que este em nada afectou a posição de qualquer das outras partes do pedido, não nos parecendo pois, nem razoável, nem adequado, que tenha que suportar as custas quem não foi vencido nem deu causa ao recurso, tanto mais que é apenas um remédio para colmatar os erros da decisão e não, um meio de refinamento jurisprudencial (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo penal, 6ª Edição, 2007, Editora Rei dos Livros, pág. 25) pelo que, que deve manter-se a decidida condenação quanto a custas”.
[16] À pergunta “dever-se-á lançar mão do critério da vantagem ou proveito processual?” respondem os já citados Acórdãos da Relação de Lisboa de 11/02/2021 e 06/02/2020, que não podendo, em face do que dispõem os artigos 527.º e 607.º, n.º 4, do CPC, decidir-se por uma ausência de responsabilidade (“sem custas”) - que seria ilegal por corresponder a “uma isenção tributária não prevista na lei” (sendo preliminar assumir-se que o recurso “está sujeito a tributação”) – “deve ser apurada a responsabilidade tributária decorrente da instância gerada e do facto de ter desenvolvido actividade jurisdicional relevante para efeitos de custas, dos eventuais encargos assumidos e das custas de parte que poderá ter determinado.
Reiterando a necessidade de consideração dos critérios tributários da causalidade e do proveito – em detrimento de uma solução que isente de tributação o recurso (que, no caso, não se compreenderia) – verifica-se, como se disse supra, que o critério do vencimento não é prestável.
Funciona, pois, o critério do proveito(…)”.