Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
236/23.6YUSTR.L1-PICRS
Relator: PAULO REGISTO
Descritores: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
LEI DAS COMUNICAÇÕES ELETRÓNICAS
CONTRATO
CONDIÇÕES
INFORMAÇÕES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - O art.º 48.º, n.ºs 1, al. g) e 2, al. a), da Lei n.º 5/2004, de 10-02, exigia que dos contratos de prestação de serviços de comunicações electrónicas constassem, entre outros elementos, a sua duração, o que incluía o período de fidelização, cuja existência estava dependente da atribuição de vantagens ao cliente.
II - Os elementos obrigatórios que deviam fazer parte integrante dos contratos, incluindo os relativos às condições de duração, de renovação e de cessação, denotavam a preocupação do legislador com a defesa do consumidor, que podia surgir desprotegido perante as empresas que desenvolvem esta actividade.
III - As condições relativas à duração do contrato, incluindo o período de fidelização e as vantagens a ele associadas, deviam ser comunicadas ao consumidor, de forma clara e exaustiva, mesmo que o contrato fosse celebrado por telefone ou por outro meio de comunicação à distância.
IV - Incorre na prática da contra-ordenação p. e p. pelos art.º s 48.º, n.ºs 1, al. g), 2, al. a) e 3, e 113.º, n.º 2, al. x), da Lei n.º 5/2004, a empresa que não prestou informação completa sobre as condições promocionais (atribuição de um voucher de €120) associadas ao período de fidelização do cliente.
V - Deve ser considerada “prática comercial enganosa” e, por isso, proibida por lei, o oferecimento de informações falsas ou mesmo a prestação de informações verdadeiras por parte da empresa, desde que induzam ou que sejam susceptíveis de induzir o consumidor em erro, relativamente aos elementos contratuais previstos nas diversas alíneas do art.º 7.º, n.º 1, do DL n.º 57/2008, de 26-03.
VI - As características do serviço contratado, incluindo a sua disponibilidade, constitui um dos elementos contratuais relevantes para que, que acordo com o disposto no art.º 7.º, n.º 1, do DL n.º 57/2008, a prática comercial desenvolvida pela empresa possa ser considerada enganosa para o consumidor.
VII - A empresa incorre numa “prática comercial enganosa” se, não obstante ter transmitido ao cliente que era possível a prestação de serviços de comunicações electrónicas na sua residência através de fibra óptica, nunca procedeu a essa instalação, por ser necessária a colocação de 6 postes e 500 metros de cabo de fibra óptica, o que implicava um elevado custo.
VIII - A atenuação especial de pena prevista pelo art.º 72.º, n.ºs 1 e 2, do CP, é, subsidiariamente, aplicável às contra-ordenações, por força do disposto no art.º 32.º do DL n.º 433/82, de 27-10.
IX – Todavia, a coima aplicada só deve ser especialmente atenuada quando esteja demonstrada uma situação excepcional, ao nível da ilicitude, da culpa ou das exigências sancionatórias, que justifique a substituição da moldura prevista pelo legislador por outra menos severa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que integram a secção da propriedade intelectual, concorrência, regulação e supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO:
A “MEO – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÔES E MULTIMÉDIA, SA”, melhor identificada nos autos, veio interpor recurso da sentença proferida no dia 10-01-2024, pelo Juízo de Concorrência, Regulação e Supervisão – J 2, na parte em que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada e que, em consequência, a condenou pela prática das seguintes infracções:
--1 (uma) contraordenação grave, a título de negligência, prevista na al. x) do n.º 2 do art.º 113.º da LCE, por violação do n.º 3, conjugado com a al. a) do n.º 2, ambos do art.º 48.º da LCE, na redação vigente à data dos factos (não prestação de informação completa ao consumidor (…) sobre todas as condições de utilização do voucher), na coima de dez mil euros (€10.000);
--1 (uma) contraordenação dolosa, prevista no n.º 1 do art.º 21.º do DL n.º 57/2008, de 26-03, por adoção de uma prática comercial desleal proibida nos termos do n.º 1 do art.º 7.º do mesmo diploma (prestação de informação falsa ao consumidor (…) que o conduziu a celebrar um contrato que, de outro modo, não teria celebrado), na coima de dezasseis mil euros (€16.000);
--1 (uma) contraordenação grave, prevista na al. x) do n.º 2 do art.º 113.º da LCE, por violação do n.º 3, conjugado com o n.º 1, ambos do art.º 48.º da LCE (não prestação de informação ao consumidor (…) sobre a existência do direito de livre resolução, o prazo e procedimento para o exercício desse mesmo direito), na coima de vinte mil euros (€20.000);
--1 (uma) contraordenação grave, prevista na al. x) do n.º 2 do art.º 113.º da LCE, por violação do n.º 3, conjugado com o n.º 1, ambos do art.º 48.º da LCE (não prestação de informação ao consumidor (…) sobre a existência do direito de livre resolução, o prazo e procedimento para o exercício desse mesmo direito), numa coima de quinze mil euros (€15.000);
--1 (uma) contraordenação, a título de negligência, prevista no n.º 1 do art.º 21.º do DL n.º 57/2008, de 26-03 (adoção de uma prática comercial desleal proibida pelo n.º 1 do art.º 5.º deste diploma, por activação, ao assinante (…), de um pacote de serviços diferente do contratado e cobrança de uma mensalidade superior ao acordado), na coima de vinte mil euros (€20.000);
--na coima única de €68.000, em cúmulo jurídico.
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Na parte final do recurso, a recorrente “MEO – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÔES E MULTIMÉDIA, SA apresentou as seguintes conclusões:
“1. A Mma. Juiz a quo veio dar como provado que a actuação da MEO havia sido delituosa no que respeita ao voucher que foi atribuído ao cliente (…) e de que com respeito ao mesmo havia sido violado o disposto no Decreto-Lei nº 57/2009 e no art.º 48º da LCE pelo facto de a colaboradora da arguida não ter informou o assinante de quaisquer incompatibilidades ou limitações na utilização do voucher que pudesse haver com alguma campanha que pudesse vir a haver, o que deveria ter feito, pois tal constituiria condição contratual desse voucher.
2. Pelo exposto nos autos e dado como provado pela Mma. Juiz a quo, decorre de forma clara da contratação telefónica havida, que o voucher não era uma contrapartida da contratação com o período de vinculação de 24 meses, sendo que nos termos do art.º 48.º da LCE apenas se o fosse é que teria a Recorrente de referir expressa e exaustivamente todas as condições do voucher que veio a atribuir ao Cliente (o que na verdade fez).
3. A atribuição do voucher não era condição contratual, pois não fazia parte de qualquer tarifário que tivesse como contrapartida da vinculação ou condição desta a oferta de um voucher, nem o cliente aderiu a nenhuma campanha concreta e específica em que esse voucher fosse anunciado como vantagem ou benefício dessa contratação e sim uma oferta comercial totalmente excepcional e autónoma daquele.
4. A própria Mma. Juiz a quo vem reconhecer que a atribuição do voucher não decorria da vinculação contratada de 24 meses por não pertencer às contrapartidas contratuais decorrentes dessa vinculação, antes constituindo uma mera oferta comercial atribuída aquando da contratação efectuada pelo Cliente, mas depois vem erroneamente tratar tal oferta como sendo uma condição da vinculação contratual e a aplicar o regime legal aplicável a tal situação.
5. Ou seja, pretende a Mma. Juiz a quo que para que não existisse violação daquele normativo, para além das informações que foram prestadas ao consumidor com  respeito às condições de utilização do voucher, e que eram a totalidade das efectivamente aplicáveis, teria que também ter sido prestadas outras informações sobre condições que de facto não se verificavam no momento do atribuição do mesmo, mas que poderiam, eventualmente, vir a surgir - ou não – no futuro, a da incompatibilidade de utilização do voucher com alguma campanha que visse a surgir o que não se 0020 aceitar.
6. A informação relativa as condições do voucher, foi devidamente explicada ao Cliente aquando da informação da respectiva atribuição na chamada telefónica havida em 16/10/2020: o seu valor, o prazo de validade e locais onde poderia ser rebatido.
7. A eventual incompatibilidade de utilização do voucher com determinadas campanhas é ocasional e esporádica, e pode nem sequer se vir em momento algum a verificar, donde não se pode entender que essa situação teria que constar das condições do voucher ou ser especificada e detalhadamente comunicada ao cliente aquando da sua atribuição.
8. Por conseguinte, diferentemente do que vem referenciado pela Mma. Juiz a quo, a ausência da referência a essa eventual incompatibilidade não pode ser considerada uma omissão de informação das condições de utilização do voucher, sendo que quer telefonicamente quer no próprio voucher constavam as condições que efectivamente a MEO determinava para utilização do mesmo.
9. Destarte, mal andou a Mma. Juiz a quo ao ter entendido que o facto de não ter sido expressamente referenciado ao cliente aquando da atribuição do voucher da eventual existência de incompatibilidade do mesmo com alguma campanha que viesse a existir durante o período de validade do mesmo constitui violação da regra do art.º 48º da LCE.
10. Com efeito, diferentemente do que vem entender a Mma. Juiz a quo, não se verificou falta de cuidado na informação a prestar ao consumidor, pois em momento algum foi omitida qualquer informação legalmente obrigatória, sendo que não existe o elemento subjectivo da infração, uma vez que em momento algum a Recorrente representou como possível que ao não referir aquela informação ao cliente estaria a omitir informação legalmente obrigatória nem a se conformar com tal resultado ilícito.
11. Além disso, vem a Mma. Juiz a quo entender que existiu falta de dever de cuidado ao não ter sido definido que teria que ser comunicado ao cliente que poderia futuramente vir a haver alguma incompatibilidade na utilização do voucher e que o facto de não o ter feito representa intenção deliberada de omitir informação legalmente obrigatória, o que não se pode admitir, pois, um lado, essa informação em concreto não era obrigatória (apenas o era a que foi efectivamente prestada ao cliente, conforme se deu por provado), e por outro, não existiu em momento algum intenção de omitir qualquer tipo de informação ao cliente, seja com que objectivo fosse.
12. Pelo que mal andou a Mma. Juiz a quo ao ter decidido de modo diferente e sem correspondência com a factualidade e fazendo um erróneo enquadramento jurídicolegal da situação concreta, pelo que não pode deixar a coima aplicada de ser revogada e a Recorrente absolvida da contraordenação em que foi condenada.
13. Ainda que assim não se entenda, não pode deixar a coima aplicada de ser especialmente atenuada, pois a própria Mma. Juiz a quo admite que a coima deveria ser mais próxima do limite mínimo da moldura penal, donde não existindo efectivamente factores que conduzam a um agravamento da coima face ao valor mínimo da moldura penal e antes ao inverso existindo diversos que ser reduzida ao valor mínima da moldura penal por negligência, no valor de €5.000.
14. Vem a Mma. Juiz a quo dar como provado, e condenar em conformidade a MEO, que esta prestou informações incorrectas ao ter informado o consumidor (…) de que na zona da sua residência prestava serviços de comunicações electrónicas através da fibra óptica, adoptando uma prática comercial enganosa em violação do disposto no art.º 7.º do DL nº 57/2008 de 26 de Março.
15. Contudo, tal não corresponde à verdade dos factos, porquanto a colaboradora, tendo consultado o sistema, verificou que efectivamente existia viabilidade de serviço de fibra óptica na zona da morada do cliente, o que corresponde à verdade dos factos, mas tal não significa imediatamente que seja possível activar os serviços numa residência concreta inserida nessa zona, porquanto essa possibilidade pode ficar casuisticamente condicionada a factores que podem em algum momento inviabilizar a respectiva instalação, como factores não imputáveis à MEO ou inviabilidade técnica específica.
16. Deste modo, a instalação do serviço com recurso à rede de Fibra óptica está sempre dependente da validação técnica de todas as infraestruturas que servem o local e da verificação concreta dessa viabilidade específica.
17. Não é falso, conforme vem entender a Mma. Juiz a quo, que existisse fibra na morada do assinante e que essa informação lhe tenha ido assim falsamente transmitida; com efeito, essa fibra existia, mas dadas as condições especiais e específicas da casa em causa, para se pudesse efectuar a ligação dessa morada à fibra existente, eram exigidas operações que não foram possíveis de concretizar de imediato, o que é substancialmente diferente de não existir fibra na morada e de haver falsidade nessa informação, como facilmente se consegue compreender.
18. O facto de existir fibra numa determinada morada significa apenas que existe fibra óptica nas condutas que servem essa morada, mas que a ligação à residência em concreto a essa fibra que passa nas condutas tem sempre que ser realizada e foi essa operação em concreto que se revelou impossível de realizar de imediato e que inviabilizou o contrato, sendo verdadeiro e não falso o que foi informado ao Cliente aquando da chamada telefónica em causa.
19. É verdade que a necessidade desta aferição concreta poderia ter sido mencionada pela colaboradora que celebrou o contrato, mas não se pode dizer que o Cliente, antes da data de instalação do serviço, não tivesse plena consciência de que essa instalação podia ficar dependente das condições encontradas no terreno pelos técnicos instaladores, pois tal exigência consta das condições especiais do contrato que celebrou e que recebeu em simultaneidade com a contratação do mesmo.
20. Com efeito, não obstante o contrato considerar-se celebrado aquando da chamada telefónica uma vez que a mesma foi da iniciativa do Cliente, nos termos do art.º 48.º da LCE, a verdade é que as condições contratuais foram-lhe remetidas durante essa chamada telefónica, pelo que não se pode dizer que não tomou conhecimento da informação constante da mesmo pelo menos em simultaneidade com a aceitação do contrato sendo que consta das condições gerais do contrato, às quais o Cliente teve acesso antes de remeter à MEO a confirmação do contrato via SMS, no art.º 2 sob a epigrafe “ADESÃO”, esta questão.
21. Entende a Mma. Juiz a quo que tal procedimento seria uma acção enganosa no âmbito do DL nº 57/2008, sendo que pelo exposto verifica-se que não existiu qualquer informação ao cliente susceptivel de o induzir em erro nem levar a uma decisão de contratar que não teria tomado caso essa informação não tivesse sido enganosa, porquanto é manifesto ser verdadeira a informação de que existia cobertura de rede no local e de que a viabilidade concreta ficava dependente da celebração do contrato para verificação no local da respetiva viabilidade.
22. De igual modo mal andou a Mma. Juiz a quo ao ter entendido que a informação da existência de fibra óptica local era falsa – que de facto não era - apenas pelo facto de não ter sido acompanhada de informação de que iria ser efectuada uma verificação técnica concreta no local de modo a confirmar se era possível imediata activação do contrato nessa tecnologia.
23. Assim, não se revela verdadeiro que a Recorrente, através da colaboradora da MEO adoptou, uma conduta que teria levado o Cliente a celebrar um contrato que não teria celebrado caso tivesse sido bem informado quanto ao mesmo, pois na verdade a informação era correcta e o cliente pretendia efectivamente a celebração do contrato, de tal modo que aguardou a viabilidade concreta de instalação do mesmo, pelo que facilmente se conclui que não se verificou a violação do disposto no nº 1 do art.º 7.º do DL nº 57/2008, conforme a Impugnante vem condenada.
24. Face ao exposto, não se verifica a ilicitude dos comportamentos imputados à MEO, muito menos a título doloso, devendo a mesma ser absolvida da prática do ilícito contraordenacional pelo qual vem condenada.
25. A Mma. Juiz a quo vem condenar a MEO por ilícito a título doloso, mas da análise da fundamentação invocada para tal qualificação verifica-se que a mesma é manifestamente insuficiente, pois refere apenas à obrigação de conhecimento da lei e à verificação desse conhecimento o que não é suficiente para subsunção do comportamento como doloso, além de que na verdade não se verificou a violação de qualquer normativo, o que não pode conduzir à existência de dolo.
26. Deste modo, no limite, há que entende que a Arguida terá actuado com negligência ao não ter tido a operadora em causa o eventual cuidado de explicar ao cliente que, não obstante existir fibra óptica nas condutas em local suspectível de servir a morada em causa, poderia vir a verificar-se em concreto e naquela situação um eventual impedimento ao ligamento imediato da sua casa a essa rede de fibra óptica existente na sua morada.
27. Ainda que assim não se entenda - o que não se admite - não pode deixar a coima aplicada de ser especialmente atenuada.
28. Considera a Mma. Juiz a quo que a culpa é reduzida mas que ainda assim existe por haver uma postura de informação aos operadores no sentido de que não seja transmitido que a viabilidade concreta de ativação dos serviços em local onde exista fibra ótica pode ficar dependente da verificação técnica no local, que não possui qualquer sentido, uma vez que não foi produzida qualquer prova no sentido de que essas instruções são veiculadas e são as que devem ser comunicadas e que no caso concreto foram omitidas pela operadora que recebeu a chamada em causa.
29. Não existindo efectivamente factores que conduzam a um agravamento da coima face ao valor mínimo da moldura penal e antes ao inverso existindo diversos que conduzem a que a mesma, a existir, se situe no valor mínimo, não podem V. Exas., caso entendam que deva ser aplicada qualquer coima à Recorrente pela alegada infracção em causa, que a mesma seja por negligência e seja reduzida ao valor mínima da respectiva moldura penal por negligência ao invés dos €16.000,00 em que vem a Mma. Juiz a quo condenar.
30. Vem a Mma. Juiz a quo condenar a Recorrente de, através de um seu prestador de serviços, intencionalmente ter activado um serviço diferente do contratado com o cliente (…) e com uma mensalidade superior à acordada, o que a Recorrente não admite, pois nunca deu entrada nos serviços da MEO o contrato que o Cliente refere ter celebrado, com tais características - internet móvel, celebrado no dia 6 de Novembro de 2018 - o qual não consta nem nunca constou dos registos desta empresa.
31. A MEO desconhecia que os formulários respeitantes a tal oferta comercial alguma vez pudessem ter sido assinados pelo cliente, pois o agente em causa referenciado nos autos nunca o fez chegar à MEO, motivo pelo qual jamais poderia ter activado este contrato com estas condições, sendo que activou o único contrato que deu entrada nos serviços da MEO foi o constante dos Factos Provados, relativo a um MEO Satélite TOP com a mensalidade de €33,99, celebrado com o comercial (…) de um prestador de serviços da Impugnante, datado de 07-11-2018.
32. Destarte, é falso que esta empresa tenha activado um pacote de serviços diferente do contratado e que tenha cobrado ao mesmo mensalidade superior à acordada, pois esta empresa limitou-se a activar o contrato que lhe foi apresentado nas exactas condições do mesmo constantes.
33. O facto de o contrato não possuir assinatura é um facto que deveria ter sido perpecionado e verificado pelo operador que procedeu à confirmação dos requisitos formais do contrato e procedeu à respectiva activação, mas tal situação em nada contribuía para a possível constatação de que as condições que se encontravam explanadas no contrato podiam não corresponder às pretendidas pelo cliente, porquanto foi esse o impresso que a Recorrente recebeu do seu agente não tinha como prever ou suspeitar que o mesmo não correspondia ao que o cliente pretendia, porquanto tal situação não possui qualquer correspondência com as instruções veiculadas pela Recorrente aos seus agentes.
34. Por conseguinte, os factos descritos não se subsumem no tipo contraordenacional que é imputado à Arguida por violação do disposto no art.º 7.º do Decreto-Lei nº 57/2008, uma vez que não assumiu qualquer prática comercial desleal na instalação, activação e cobrança deste serviço.
35. A ser verdade que o cliente havia firmado um outro contrato distinto daquele que veio a ser activado e que era apenas esse que pretendia activar – o que a Recorrente desconhece e não possui responsabilidade se tal ocorreu, como se deu por provado nos autos – tal apenas pode resultar de actuação do comercial que celebrou tais contratos com desconhecimento e contra as instruções da MEO.
36. No entanto, vem a Mma. Juiz a quo entender que a actuação do colaborador que efectuou a ativação deste contrato não foi contra ordens ou instruções suas, para assim condenar a Recorrente pela prática da contraordenação em causa - facto este que, no entanto, não possui qualquer sentido, porquanto é por demais evidente que a Recorrente transmite de modo claro aos seus colaboradores e prestadores de serviços todas as instruções relativas à verificação prévia das condições formais do contrato e exigências para a respectiva activação, pois apenas desse modo poderiam os mesmos na sua actividade se conformar com a vontade da Recorrente e agir em sua representação.
37. Ora, é manifesto que a apresentação à Recorrente para activação de um contrato que não corresponde à vontade manifestada pelo cliente é contrário às instruções transmitidas pela MEO aos seus colaboradores e prestadores de serviços, que naturalmente vai no sentido de nos contratos a activar constarem apenas e todas as condições expressamente acordadas com os clientes, e do mesmo modo, a activação de um contrato sem que o mesmo se encontrasse assinado não corresponde às instruções que a Recorrente passa aos seus colaboradores, pois bem sabe que nos termos da Lei o contrato deve possuir essa manifestação de vontade do cliente, devendo apenas ser activado quando a mesma existir.
38. Prevê-se no artigo 3.º n.º 2 da Lei nº 99/2009 que “as pessoas colectivas referidas no número anterior são responsáveis pelas infracções cometidas em actos praticados em seu nome ou por sua conta, pelos titulares dos seus órgãos sociais, pelos titulares dos cargos de direcção e chefia e pelos seus trabalhadores no exercício das suas funções, bem como pelas infracções cometidas por seus mandatários e representantes, em actos praticados em seu nome ou por sua conta”.
39. Ora, o mesmo artigo 3.º dessa Lei nº 99/2009, muito semelhante ao artigo 11.º n.º 6 do Código Penal, prevê ainda uma exceção dessa imputação à pessoa colectiva “quando o agente actue contra ordens ou instruções expressas daquela”, pois não pode considerar-se que esse trabalhador actue no interesse coletivo quando este pratica actos que vão contra as ordens e instruções de quem tem poder para determinar e manifestar o interesse da pessoa coletiva.
40. Foi exactamente o que sucedeu no caso sub judice¸ pois o comercial em causa claramente incumpriu com as instruções recebidas ao não ter apresentado à MEO o contrato pretendido pelo cliente e um outro que não pretendia activar, bem como ter feito entrar nos serviços da MEO um contrato que não possuía a devida assinatura do cliente, como bem sabia que teria de fazer, e do mesmo modo, incumpriu as instruções claras que recebeu o operador que veio a activar um contrato sem que do mesmo constasse a assinatura do cliente que o havia subscrito.
41. Deste modo, é manifesto que o comportamento do comercial e do operador são opostos e distintos a todos os procedimentos e instruções que lhe são previamente apresentados pela MEO e que se comprometem contratualmente a cumprir, donde não pode, pois, e por força do art.º 3º n.º 3 da Lei nº 99/2009, imputar-se os factos descritos na Acusação à MEO.
42. Vem a Mma. Juiz a quo entender que, não obstante ser absolutamente lógico que as instruções passadas aos agentes são de que apenas podem dar entrada na MEO para activação contratos que tenham sido assinados pelos clientes e que correspondam à vontade destes, o facto de a Recorrente não referir especificamente que mencionou tal facto ao comercial que celebrou o contrato dos autos e ao operador que activou o contrato afasta a evidência de que tais instruções lhe foram veiculadas e incumpridas pelos mesmos, o que não possui qualquer fundamento, pois manifestamente nunca poderia a Recorrente ter prestado instruções aos prestadores de serviços para que actuassem de forma visível e manifesta contra as regras que estabeleceu e que tem que cumprir para se conformar com a Lei.
43. Pelo exposto, mal andou a Mma. Juiz a quo condenado a pela contraordenação prevista no Decreto-lei nº 57/2009, devendo, deste modo, ser a coima aplicada revogada e a MEO absolvida, por não ter praticado tal infracção.
44. Sendo a negligência a preterição de deveres de cuidado e representação como possível da concretização de um facto que preenche um tipo de crime ou aceitação de tal situação, é patente que não se pode considerar ter existido da parte da Recorrente comportamento delituoso integrável na previsão do Decreto-Lei nº 57/2009, nem sequer a título negligente, por tal não se ter verificado, pelo que no limite não pode deixar a coima aplicada de ser especialmente atenuada.
45. A Mma. Juiz a quo vem dar como provado e condenar a Impugnante por não ter informado o consumidor (…) com anterioridade à celebração do contrato que lhes assistia do direito de resolver o contrato, o respectivo prazo e o procedimento que o mesmo deveria empreender para exercício desse direito.
46. Contudo, tal não corresponde à verdade, pois essa informação foi prestada ao consumidor na chamada telefónica, em que a operadora expressamente refere que possuía esse direito de resolução e que as condições de execução desse direito constam do contrato, na sua cláusula 18, tendo sido utilizada a seguinte frase: Assistelhe o direito de resolução nos termos da Condição 18 das condições gerais do serviço.
47. A totalidade das condições gerais do contrato de comunicações electrónicas contratado foi-lhe remetida por email em simultaneidade com a chamada telefónica onde foram acordadas as condições contratuais, sendo que após a recepcção destas condições por email confirmou por SMS a recepção das mesmas e dar assentimento à activação dos serviços em conformidade com o conversado no contacto telefónico.
48. Este concurso de informação que foi prestada com respeito ao direito à resolução aquando da chamada telefónica não é suficiente para que o cliente fique a conhecer que possui esse direito e do modo como o poderia exercer antes de confirmar a aceitação do contrato que celebrou através da chamada telefónica, pois claramente refere que possui esse direito e que o mesmo possui condições de exercício cujo conhecimento lhe é disponibilizado.
49. Deste modo verifica-se que o cliente foi informado da existência do direito de resolução, do respectivo prazo e condições de exercício em anterioridade à aceitação da contratação, inexistindo, por conseguinte, violação do disposto no nº 1 e 3 do art.º 48º da LCE, donde não poderia a Recorrente ter sido condenada pela violação do disposto no nº 1 e nº 3 do art.º 48º da LCE, porquanto não existiu omissão do dever de informação do direito de livre resolução, devendo a Recorrente ser absolvida da coima em que foi condenada.
50. Ademais, a atuação da MEO foi imputada a título de dolo, sendo que, pelo exposto, não pode a conduta ser imputada a título doloso, atendendo ao disposto no nº 1 do art.º 8.º do Decreto-Lei 433/82, pois este pressupõe o conhecimento e a vontade de realização do tipo objectivo de ilícito, nem sequer previu a situação como consequência necessária ou inevitável da sua conduta, sendo que a Recorrente jamais pretendeu desrespeitar os seus Clientes ou a Lei.
51. Face ao exposto, não se verifica a ilicitude do comportamento imputado à MEO, muito menos a título doloso, devendo a mesma ser absolvida da prática do ilícito contraordenacional pelo qual vem condenada.
52. Pelo exposto e ainda que se possa por hipóteses entender que a MEO deve ser sancionada, o que não se admite, sempre se dirá que a coima em cúmulo jurídico de €68.000 é desproporcionada face aos factos apurados e não encontra justificação nos fundamentos apresentados, devendo, no limite, ser substancialmente reduzida.”
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A “AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES” veio responder, conforme requerimento que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, no qual sustentou, em síntese, que o recurso deverá ser julgado improcedente e que deverá ser mantida a sentença recorrida.
Apresentou, nessa resposta, as seguintes conclusões:
“1.ª Determina o n.º 1 do artigo 75.º do RGCO que, no âmbito de recurso de contraordenação, o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito, não havendo, assim, possibilidade de recurso sobre a decisão de facto, sem prejuízo da existência de vícios da sentença, os quais devem ser manifestos e aferidos pelo texto da decisão recorrida, sem necessidade de recurso a outros meios, conforme prevê o n.º 2 do artigo 410.º do CPP.
2.ª O erro notório na apreciação da prova – vício que tem de resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, tratando-se, portanto, de um vício intrínseco da decisão que, por isso, quanto a ele, terá de ser autossuficiente;
3.ª Não pode ser confundido com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida e a convicção que o Tribunal a quo firmou sobre os factos, através da valoração da prova, valoração que aquele Tribunal é livre de fazer, em harmonia com o preceituado no art.º 127.º do CPP.
4.ª Percorrendo a Sentença Recorrida, não se vislumbra qualquer vício de erro notório na apreciação da prova, nem qualquer outro, verificando-se, antes, uma discordância da Recorrente face aos factos dados como provados quanto ao elemento subjetivo pelo Tribunal a quo – que demonstram a atuação dolosa da MEO –, discordância essa que não poderá ser apreciada pelo Tribunal ad quem conforme dispõe o n.º 1 do artigo 75.º do RGCO.
Em concreto,
5.ª No que concerne ao assinante (…), a Recorrente discorda do facto provado d) – o qual demonstra que o voucher atribuído ao  assinante consubstanciava uma contrapartida pela celebração do contrato com um período de fidelização de 24 meses – e do facto provado jjj) – do qual resulta a atuação negligente (negligência inconsciente) por parte da Recorrente.
6.ª Quanto ao consumidor (…), a Recorrente discorda do facto provado r) – do qual resulta que a MEO informou o consumidor de que na sua residência era possível prestar os serviços de comunicações eletrónicas através da tecnologia de fibra ótica;
7.ª Informação essa que, atento facto provado z), era falsa e conduziu o consumidor a celebrar um contrato para a prestação de serviços de comunicações eletrónicas que, de outro modo, não teria celebrado.
8.ª Ainda no que concerne ao consumidor (…), a Recorrente impugna ainda os factos provados lll) e mmm), os quais demonstram a sua atuação dolosa (dolo eventual) na prestação de informação falsa.
9.ª No que respeita ao consumidor (…), a Recorrente discorda dos factos provados oo), pp), qq) e rrr) e dos factos não provados h) e i);
10.ª Pretendendo, antes, que fosse considerado como não provado que tenha ativado um pacote de serviços diferente do contratado e que tenha cobrado ao mesmo uma mensalidade superior à acordada e como provado que (…) incumpriu com as instruções recebidas ao não ter apresentado à MEO o contrato pretendido por (…) e ter apresentado um outro que aquele não pretendia ativar, bem como por ter feito entrar nos serviços da MEO um contrato que não possuía a assinatura do cliente, como sabia que teria de fazer;
11.ª Pretensão essa que, atento o disposto no n.º 1 do artigo 75.º do RGCO, não é possível ser conhecida pelo Tribunal ad quem.
12.ª Saliente-se que, ainda que o agente porta-a-porta tivesse agido contra ordens e instruções da Recorrente – o que foi considerado não provado pelo Tribunal a quo (facto não provado i) –, a responsabilidade contraordenacional da Recorrente não seria excluída, pois que a mesma resultaria, de qualquer forma, diretamente de outros factos – a ativação do pacote de serviços referido no contrato sem que o mesmo se mostrasse assinado, formalidade que se impunha no caso em apreço.
13.ª A contraordenação em cuja prática a MEO foi condenada – contraordenação prevista no n.º 1 do art.º 21.º do DL n.º 57/2008 – é punível quando praticada com negligência, tal como refere o n.º 7 do mesmo artigo;
14.ª Pelo que não assiste qualquer razão à MEO quando afirma que não se pode considerar ter existido da parte da Recorrente comportamento delituoso integrável na previsão do Decreto Lei n.º 57/2008.
15.ª Relativamente ao assinante (…), estando provado que o voucher consubstanciava uma das vantagens associadas ao período de fidelização contratual de 24 meses e que a utilização do mesmo tinha incompatibilidades de que    o assinante consumidor não foi informado, dúvidas não restam que, como bem considerou o Tribunal a quo, a Recorrente praticou uma contraordenação prevista na alínea x) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, por violação do disposto no n.º 3, conjugado com o disposto na alínea a) do n.º 2, ambos do artigo 48.º da mesma Lei.
16.ª Pois, como resulta da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, a Recorrente não informou, na chamada telefónica através da qual foi celebrado o contrato (pois a chamada foi da iniciativa de (…)), o consumidor da existência de quaisquer incompatibilidades na utilização do voucher quando existiam, pelo menos, duas incompatibilidades; o voucher não poderia ser utilizado numa troca no âmbito do programa MEOS e também não poderia ser utilizado na compra de equipamentos abrangidos por descontos da campanha Black Friday – o que impediu o consumidor de utilizar o voucher em 30.11.2020.
17.ª Como refere o n.º 3 do artigo 48.º da LCE, quando o contrato for celebrado por telefone ou através de outro meio de comunicação à distância, o prestador do serviços, ou seu representante, deve facultar ao consumidor, antes da celebração do contrato, sob pena de nulidade deste, todas as informações referidas nos n.ºs 1 e 2, ficando o consumidor vinculado apenas depois de assinar proposta contratual ou enviar o seu consentimento escrito ao fornecedor de bens ou prestador de serviços.
18.ª De acordo com a alínea a) do n.º 2 do artigo 48.º da LCE, a informação relativa à duração dos contratos, deve ser clara, percetível, disponibilizada em suporte duradouro e incluir, designadamente, a indicação de eventual período de fidelização, cuja existência depende da atribuição de qualquer vantagem ao consumidor, identificada e quantificada, associada à subsidiação de equipamentos terminais, à instalação e ativação do serviço ou a outras condições promocionais.
19.ª A Recorrente teria, no mínimo, de ter informado o assinante consumidor, na chamada telefónica ocorrida, que a utilização do voucher atribuído poderia ser incompatível com outros campanhas promocionais.
20.ª Ainda quanto ao assinante consumidor (…) e a propósito da omissão da informação, na chamada telefónica através da qual foi celebrado o contrato, do prazo e procedimento para exercício do direito de livre resolução, a inclusão dessas informações nas condições gerais do contrato, que foram enviadas ao cliente após a celebração do contrato não afasta a verificação do ilícito;
21.ª Pois que as condições gerais do contrato foram transmitidas ao consumidor já depois da consumação do ilícito, a qual ocorreu, no decurso da chamada telefónica, com a aceitação do consumidor da proposta apresentada.
22.ª Tal é o que resulta dos n.ºs 1 e 3 do artigo 48.º da LCE, dos quais resulta que, estando em causa a celebração de um contrato através de chamada telefónica, a informação sobre o prazo e procedimento para o exercício do direito de resolução tem de ser facultada no decurso da chamada e antes da aceitação da proposta apresentada – e não depois, como fez a Recorrente.
23.ª A Sentença Recorrida não padece de qualquer vício, tendo efetuado uma correta interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis aos casos concretos.
24.ª O valor das coimas parcelares aplicadas deve ser mantido pelo Tribunal ad quem, pois que o Tribunal a quo fez uma correta aplicação dos critérios relevantes para a determinação das coimas, sendo a mesma justa, proporcional e adequada;
25.ª O mesmo ser verificando relativamente à coima única aplicada, no valor de 68.000 euros.".
*
Por seu turno, o MINISTÉRIO PÚBLICO, junto do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, também apresentou resposta ao recurso interposto pela recorrente “MEO – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÔES E MULTIMÉDIA, SA”, na qual apresentou as seguintes conclusões:
“-É manifesto que o recurso, o que resulta à saciedade da mera leitura das suas conclusões, versa essencialmente impugnação da matéria de facto provada da douta sentença,
-E mesmo as asserções de direito, que surgem misturadas com o argumentário de facto, não resultam na invocação de erros de direito, ou de interpretação normativas, pois estão dependentes, sempre, da pretendida impugnação de facto, não detendo qualquer autonomia desta,
- Nos termos do disposto no artigo 75.º/1 do RGCO o recurso de sentença em processo de contraordenação/recurso de impugnação judicial é somente de direito, funcionando o Venerando Tribunal da Relação como tribunal de revista, ainda que possa ver-se confrontado com os vícios previstos no artigo 410.º do CPP, por via do previsto no n.º 2 do mesmo normativo,
-A douta sentença, por um lado, não contém vício algum ou nulidade ou erro de direito, julgamento ou interpretação, por outro lado, contém soluções acertadas e plausíveis de direito, tendo encontrado concretas reações sancionatórias adequadas e proporcionais ao grau de ilicitude e de responsabilidade social das condutas infracionais,
Pelo que o recurso de MEO deverá ser julgado manifestamente improcedente e manter-se na íntegra a douta sentença recorrida “.
*
A Senhora Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal da Relação de Lisboa, emitiu parecer, no qual após o seu “visto”.
*
Mostrando-se colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO:
a) Factos provados:
A primeira instância considerou como provados os seguintes factos:
 
“(…)
a. Em 04.11.2015, (…) (doravante (…)) celebrou com a Arguida um contrato para a prestação de serviços de comunicações eletrónicas.
b. Até 15.10.2020, a Arguida prestava ao assinante os serviços de comunicações eletrónicas incluídos no pacote “M4O PLUS”, com uma mensalidade no valor de 40,49 euros, ao qual acresciam 11,50 euros pela mensalidade de um segundo cartão adicional de telefone móvel e 11,50 euros pela mensalidade de um terceiro cartão adicional, perfazendo, assim, uma mensalidade total de 63,49 euros.
c. Em 16.10.2020, a Arguida, através de uma colaboradora que agia em seu nome e representação, propôs ao assinante, em chamada telefónica da iniciativa deste, a celebração de um contrato para prestação dos serviços de comunicações eletrónicas incluídos no pacote “M4” – televisão, Internet, telefone fixo e telefone móvel –, com uma mensalidade total no valor de 61,99 euros e um período de fidelização de 24 meses.
d. A colaboradora da Arguida, que agia em seu nome e representação, informou o assinante, no decurso da chamada telefónica, que a proposta apresentada, que implicava um período de fidelização de 24 meses, tinha as seguintes vantagens: desconto de 9,99 euros/mês no pacote de dados móveis – 2 Gb adicionais, durante 24 meses; desconto de 5,49/mês euros na mensalidade da 1.ª MEO Box, durante 24 meses; desconto de 17 euros/mês na mensalidade durante 24 meses; desconto de 2,90 euros/mês na mensalidade do cartão adicional durante 24 meses; e oferta de um voucher no valor de 120 euros.
e. A colaboradora da Arguida, que agia em seu nome e representação, esclareceu ainda o assinante que o voucher no valor de 120€ acima mencionado deveria ser utilizado no prazo de 70 dias, numa loja física da Arguida ou na sua loja on-line, sendo que o valor de compra teria de ser igual ou superior a 130 €.
f. A colaboradora da Arguida não informou o assinante de quaisquer incompatibilidades ou limitações na utilização do mencionado voucher com outras campanhas efetuadas pela Arguida.
g. A colaboradora da Arguida, que agia em seu nome e representação, prestou ao assinante, durante a chamada telefónica já referida, diversas informações quanto aos serviços de comunicações eletrónicas – nomeadamente o preço, as características e condições dos serviços e o período de fidelização –, não tendo, contudo, feito qualquer menção ao direito de livre resolução.
h. No decurso da chamada telefónica supra mencionada, o assinante aceitou as condições propostas por causa das vantagens referidas na alínea d), incluindo o voucher, sem as quais não teria celebrado o contrato nos termos em que o fez, com o período de fidelização de 24 meses.
i. O assinante também confirmou a aceitação dessas mesmas condições através do envio de uma mensagem escrita para o número (…) com o texto “SIM(...)”.
j. Por carta datada de 16.10.2020, a Arguida enviou ao assinante o resumo das novas condições contratuais, no qual se referiram as seguintes vantagens associadas ao período de fidelização de 24 meses: desconto de 9,99 euros/mês no pacote de dados móveis – 2 Gb adicionais, durante 24 meses; desconto de 5,49/mês euros na mensalidade da 1.ª MEOBox, durante 24 meses; desconto de 17 euros/mês na mensalidade durante 24 meses; desconto de 2,90 euros/mês na mensalidade do cartão adicional durante 24 meses.
k. A Arguida não incluiu, nas vantagens associados ao período de fidelização de 24 meses, a oferta de um voucher no valor de 120 euros.
l. Em 22.10.2020, o assinante recebeu uma mensagem escrita da Arguida, com o seguinte conteúdo: “DESCONTOS EQUIPAMENTOS: Apresente o código E4GYbdAQJ numa das nossas lojas e tenha 120 Eur de desconto em equipamentos. Válido até 20-12-2020. Obrigado”.
m. Em 30.11.2020, o assinante encomendou, na loja on-line da Arguida, um equipamento Huawei P30 Lite New Edition Dual Sim, com um valor comercial de 359,99 €, que tinha um “Desconto Loja Online” no valor de 110€.
n. Aquando da realização da encomenda – mais concretamente no momento em que foi possível inserir um código de desconto –, o assinante inseriu o código referido na al. l) que correspondia ao voucher que lhe havia sido atribuído.
o. Tendo sido confrontado com a informação de que “Os vales de desconto não são compatíveis com as campanhas de desconto atualmente em vigor”.
p. Face a tal situação, em 30.11.2020, 13:29, apresentou uma reclamação, na qual referiu que “Na renovação do serviço foi atribuído um vale no valor de 120€ que não é aceite pela Loja Online da MEO. Mais foi informado na altura que deveria ser utilizado em compras superiores a 120€, CONFORME REGISTO CONSTANTE NA GRAVAÇÃO DE CHAMADA PARA EFEITOS DE TRANSAÇÃO COMERCIAL. Conforme prova em anexo a compra é de valor superior e não é dada a possibilidade de utilização do Vale/Voucher TRATA-SE DE PUBLICIDADE ENGANOSA? FOI COM O OBJETIVO DE LUDIBRIAR O CLIENTE?”.

(…)

q. Em 30.11.2020, (…) (doravante (…)) contactou telefonicamente a Arguida, a fim de aferir se essa empresa prestava serviços de comunicações eletrónicas através de fibra ótica na sua residência – (…)
r. Tendo a colaboradora da Arguida, que agia em seu nome e representação, informado o assinante de que na (…) era possível prestar os serviços através da tecnologia pretendida – fibra ótica.
s. Na sequência de tal informação, o assinante solicitou à colaboradora da Arguida que o informasse das ofertas de que a empresa dispunha para prestação de serviços de comunicações eletrónicas através de tal tecnologia – fibra ótica.
t. No decurso da chamada telefónica referida, a Arguida, através de uma colaboradora que agia em seu nome e representação, propôs a celebração de um contrato para prestação dos serviços de comunicações eletrónicas incluídos no pacote “M3200” – televisão, Internet e telefone fixo –, com uma mensalidade no valor de 34,99€ e associado um período de fidelização de 24 meses.
u. A colaboradora da Arguida, que agia em seu nome e representação, prestou ao assinante, durante a chamada telefónica já referida, diversas informações quanto aos serviços de comunicações eletrónicas – nomeadamente o preço, as características e condições dos serviços e o período de fidelização –, tendo ainda lhe transmitido o seguinte: “Assiste-lhe o direito da resolução nos termos da condição 18 das condições gerais do serviço”.
v. No decurso da chamada telefónica mencionada, o assinante aceitou as condições propostas.
w. Tendo a instalação dos serviços sido agendada para o dia 18.12.2020.
x. No dia 18.12.2020 o técnico que iria proceder à instalação dos serviços contratados à Arguida não compareceu na residência do assinante.
y. Nesse mesmo dia, o assinante deslocou-se ao estabelecimento comercial da Arguida sito no centro comercial Marshopping, tendo sido informado por um colaborador da Arguida que “não foi o técnico a casa porque a sua habitação não tem (tinha) cobertura MEO (fibra), sendo que no site, essa informação é (era) errada”.
z. A requisição para instalação dos serviços contratados pelo assinante foi anulada pela Arguida por inviabilidade técnica, pois seria necessária a instalação de seis postes e 500m de cabo de fibra ótica, o que acarretava um elevado custo.
aa. Na chamada telefónica supra descrita, a colaboradora, tendo consultado o sistema, verificou que existia viabilidade de serviço de fibra ótica na zona da morada do cliente, como existia.
bb. Não obstante o facto da zona em causa estar coberta com infraestruturas de rede de fibra ótica, tal não significa imediatamente que seja possível ativar os serviços numa morada concreta inserida nessa zona, porquanto essa possibilidade pode ficar casuisticamente condicionada a fatores que inviabilizam a respetiva instalação, como fatores não imputáveis à MEO ou inviabilidade técnica específica.
cc. A instalação do serviço com recurso à rede de Fibra ótica está sempre dependente da validação técnica de todas as infraestruturas que servem o local e da verificação concreta dessa viabilidade específica, não podendo, na maior parte das vezes, ser efetuada remotamente.
dd. Essa validação é realizada aquando da respetiva instalação, após uma contratação de serviços anterior.
ee. A disponibilidade do serviço em determinado local pode-se verificar num momento e noutro já não existir, ou vice-versa.
ff. Deste modo, quando é prestada a informação a qualquer cliente de cobertura de rede em determinado local de acordo com os registos existentes na MEO, tal implica que a concreta ativação do serviço Fibra requer análise de cobertura e/ou de viabilidade a efetuar aquando da respetiva instalação.
gg. Foi o que aconteceu no caso dos autos, em que, tendo-se verificado que a zona em causa possuía rede de fibra ótica, foi necessário uma verificação no terreno da solicitação do Cliente na morada concreta do mesmo, tendo-se concluído que, face ao afastamento da mesmo do local onde tal rede se encontrava instalada, tal implicava a construção de um novo troço de rede, envolvendo um procedimento demasiado moroso e dispendioso para permitir a mediata ativação dos serviços pretendidos pelo cliente.
hh. Consta nas condições gerais do Contrato, às quais o Cliente teve acesso antes de remeter à MEO a confirmação do contrato via SMS, seguinte: art.º 2 ADESÃO 2.1. A adesão a um serviço, que poderá ser efetuada presencialmente, ao domicílio ou por qualquer meio à distância (telefone, Internet ou outro), pressupõe o conhecimento e aceitação prévios, por parte do cliente, do disposto nas presentes Condições Gerais, do disposto nas Condições Específicas aplicáveis, bem como das condições comerciais. (…) 2.4. Caso não seja possível à MEO proceder à instalação e/ou ativação de qualquer serviço, por motivo que não lhe seja imputável ou por impossibilidade técnica, a adesão às Condições Específicas cessará após a comunicação de tal facto ao cliente, não sendo devida qualquer indemnização ao mesmo por esse facto.
ii. Mais consta nas condições gerais do contrato o seguinte: “18. RESOLUÇÃO (…) 18.3. Quando a adesão ao serviço não for efetuada em lojas, o cliente, caso seja consumidor, pode exercer o direito de livre resolução sem que lhe seja exigida qualquer indemnização, no prazo de 14 (catorze) dias a contar da data de adesão às condições contratuais, mediante comunicação de resolução, através de declaração inequívoca, dirigida à MEO, podendo utilizar a minuta abaixo indicada. 18.3.1. Sempre que a prestação do serviço tenha início, a pedido do cliente, durante o prazo de exercício do direito de livre resolução, o cliente fica obrigado a pagar à MEO o montante proporcional ao serviço prestado até ao momento da comunicação da resolução, incluindo o valor da instalação e ativação, se aplicável. 18.3.2. Não há lugar ao direito de livre resolução sempre que a prestação do serviço tenha início, a pedido do cliente, durante o prazo de exercício do mesmo e o cliente reconheça a respetiva cessação no momento da instalação e/ou ativação do serviço. Minuta para formulário de livre resolução (só deve preencher e devolver o presente formulário se quiser resolver o contrato) — Para (inserir aqui o nome, o endereço geográfico e, eventualmente, o número de fax e o endereço de correio eletrónico do profissional): Pela presente comunico/comunicamos (*) que resolvo/resolvemos (*) do meu/nosso (*) contrato de compra e venda relativo ao seguinte bem/para a prestação do seguinte serviço (*) — Solicitado em (*)/recebido em (*) — Nome do(s) consumidor(es) — Endereço do(s) consumidor(es) — Assinatura do(s) consumidor(es) (só no caso de o presente formulário ser notificado em papel). (*) Riscar o que não interessa”.
jj. Após a construção da extensão de rede que permitia à Arguida prestar ao assinante os serviços de fibra ótica pretendidos por (…), este celebrou com a MEO um contrato em 22.01.2021.

(…)
kk. Em 19.02.2015, (…) (doravante (…)), portador do cartão de cidadão n.º (…), com o número de identificação fiscal (…), celebrou um contrato para a prestação do serviço de telefone móvel, com uma mensalidade de 10,17€, paga através de débito direto, e associado a um período de fidelização de 24 meses, no qual constava como prestadora do serviço a Arguida.
ll. Em 06.11.2018, (…) abordou um indivíduo, que se apresentava como (…) e como agente da Arguida (com o endereço eletrónico (…)), que lhe propôs uma oferta comercial.
mm. Na mesma data, o assinante consumidor aceitou a proposta apresentada pelo referido indivíduo para celebração de um contrato para a prestação do serviço de Internet móvel (pacote Router MEO S/Fios) na sua habitação – sita na (…).
nn. A proposta aceite pelo assinante consumidor tinha uma mensalidade de 22,99 € (sem as vantagens/benefícios associados ao período de fidelização de 24 meses, a mensalidade seria de 33,99 euros), paga através de débito direto, e estava associado a um período de fidelização de 24 meses.
oo. Em 07.11.2018, foi registado no sistema informático da Arguida, por uma pessoa não identificada e mediante a aposição do número do agente porta-a-porta (…) (doravante (…) e que era um prestador de serviços da Arguida), que identificava o assinante consumidor como cliente, para prestação dos serviços de televisão, Internet fixa e telefone, com uma mensalidade de 33,99€ (Sem as vantagens/benefícios associados ao período de fidelização de 24 meses, a mensalidade seria de 58,99€) e associado a um período de fidelização de 24 meses.
pp. Contrato esse que não estava assinado pelo assinante consumidor, nem correspondia ao serviço por si pretendido.
qq. Em 28.11.2018, a Arguida ativou, ao assinante, os serviços referidos na alínea oo).
rr. Após o segundo mês de vigência do contrato, o assinante consumidor verificou que a Arguida lhe estava a cobrar uma mensalidade de 33,99€, superior ao que havia acordado.
ss. Face a tal situação, o assinante consumidor contactou o agente porta-a-porta da Arguida que lhe apresentou a proposta comercial aceite, que o informou que iria resolver a situação.
tt. De seguida, o assinante consumidor deslocou-se a um estabelecimento comercial da Arguida e expôs a situação: que lhe estava a ser cobrado um preço diferente do que tinha sido acordado.
uu. Nos meses seguintes, a situação manteve-se e a Arguida continuou a debitar, na conta bancária do assinante, a mensalidade no valor de 33,99€.
vv. Após os primeiros seis meses de vigência do contrato e uma vez que a situação se mantinha (cobrança de preço diferente do acordado), o assinante cancelou o débito direto.
ww. Em 10.02.2020, o assinante consumidor recebeu uma comunicação a informar que a Arguida tinha apresentado, no Balcão Nacional de Injunções, uma Injunção (injunção n.º 836/20.6YIPRT), com vista à cobrança de uma dívida no valor total de 641,13€ (564,23€ a título de dívida principal, 76,50€ correspondente à taxa de justiça e 0,40€ de juros de mora).
xx. A dívida principal respeitava ao incumprimento do período contratual mínimo previsto no contrato referido na alínea oo).
yy. Nunca deu entrada nos serviços da MEO o contrato referido na alínea kk) o qual não consta nem nunca constou dos registos desta empresa, por decisão de pessoa não concretamente apurada.
zz. O cliente procedeu ao pagamento das faturas A686853853, A688832642, A690810983, A692790454, A694770731 de dezembro 2018 a abril de 2019 por débito direto, e da fatura A696744762 de maio de 2019 por Multibanco.
aaa. Das faturas constava quer quais os serviços que se encontravam a ser faturados, quer o respetivo preço.
bbb. Nos termos do ponto 2.5 das Condições Gerais de Prestação dos serviços de comunicações Eletrónicas do contrato referido na alínea oo), o pagamento da primeira fatura implica a aceitação tácita das condições do contrato em causa.
ccc. Perante o cancelamento do pagamento do débito direto por (…) o sistema da MEO atou automaticamente e emitiu a penalização por incumprimento do período de vinculação contratual.

Factos relativos ao elemento subjetivo e à culpa:
ddd. A Arguida é uma empresa de grande dimensão que exerce há vários anos a actividade de prestação de serviços de comunicações eletrónicas, conhecendo as normas legais que regulam a sua atividade e as regras e obrigações a que se encontra sujeita e as proibições que impendem sobre si, designadamente as que respeitam à informação a prestar aos assinantes consumidores, quer antes, quer durante e até mesmo após a celebração de contratos de prestação de serviços de comunicações eletrónicas.
eee. E sabe também que qualquer afirmação, ação, omissão ou conduta por si adoptada que viole tais obrigações e proibições, bem como o princípio da boa-fé – por que se deve pautar nas relações comerciais e contratuais que estabelece, bem como na oferta de serviços no mercado de comunicações eletrónicas –, consubstancia uma atuação ilícita, a qual constitui contraordenação.
fff. A Arguida sabe igualmente que lhe está vedada, nas suas relações com os consumidores, a adoção de qualquer prática comercial desconforme à diligência profissional, que distorça ou seja suscetível de distorcer, de maneira substancial, o comportamento económico do consumidor seu destinatário ou que o afete, no caso de oferta de certo bem ou serviço –designadamente, através de ações e/ou omissões enganosas.
ggg. Sabendo ainda que é enganosa a prática comercial que contenha informações falsas, que conduza ou seja suscetível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transação que, de outro modo, não tomaria, ou que omita uma informação com requisitos substanciais para uma decisão negocial esclarecida do consumidor.
hhh. E que a adoção de tais práticas comerciais desleais consubstancia a prática de contraordenações.
iii. A Arguida conhece igualmente as regras aplicáveis à cessação dos contratos celebrados com os assinantes.
jjj. A Arguida, na pessoa dos seus colaboradores responsáveis pela definição dos vouchers, que agiam em seu nome e representação, não foi cuidadosa e rigorosa na definição da informação que deveria ser prestada aos consumidores ou assinantes acerca da sua utilização, cuidado de que era capaz, não tendo representado como possível que ao não serem transmitidas as informações descritas na al f) estaria a omitir informações legalmente obrigatórias.
kkk. A Arguida, na pessoa dos colaboradores da MEO responsáveis pela informação relativa à disponibilidade do serviço pretendido pelo consumidor na morada por si indicada e na pessoa dos seus colaboradores responsáveis pela definição da informação que devia ser transmitida pelos operadores da Arguida que atendiam os consumidores por telefone, tinham noção de que aquela informação não era segura.
lll. Contudo, apesar de terem conhecimento dessa informação não transmitiram aos referidos operadores que os consumidores deviam ser informados, antes da aceitação do contrato, de que a informação sobre a viabilidade do serviços na sua morada não era segura, que só no momento da instalação é que poderiam ter a certeza e que o contrato ficaria sem efeito caso se viesse a confirmar que o serviço não estava disponível.
mmm. Tais colaboradores representaram como possível que ao não instruírem os operadores da Arguida que contactavam os assinantes por telefone nos termos indicados aqueles podiam transmitir a estes que as moradas por si indicadas tinham disponibilidade de serviço quando tal não correspondia à verdade e que essa informação falsa podia levar os clientes a celebrarem os contratos que de outra forma não celebrariam, conformando-se com essa possibilidade, tendo agido de forma livre e consciente, com noção de que tal conduta constituía uma contraordenação.
nnn. À data dos factos, os colaboradores da Arguida, que agiam em seu nome e representação, responsáveis pela definição das informações que deviam ser transmitidas pelos operadores da MEO que celebravam contratos com os clientes por telefone recomendavam aos mesmos que comunicassem aos clientes o direito de resolução antes da aceitação da celebração do contrato nos casos de renegociação do contrato sem que existisse mudança de tecnologia, de serviços ou mudança de casa.
ooo. Tais colaboradores representaram como possível que os referidos operadores não efetuassem essa comunicação nos casos mencionados, conformando-se com a mesma, tendo agido de forma livre e consciente, com noção de que tal conduta constituía uma contraordenação.
ppp. Nos casos de celebração de novos contratos tais colaboradores, que agiam em nome e representação da Arguida, transmitiram aos referidos operadores que comunicassem o direito de resolução nos seguintes termos: “Assiste-lhe o direito de resolução nos termos da Condição 18 das condições gerais do serviço”, querendo que os mesmos procedessem nesses termos.
qqq. Tais colaboradores representaram como possível que essa forma de informação não era clara e conformaram-se com tal possibilidade, deforma livre e consciente, e sabendo que tal conduta constituía uma contraordenação.
rrr. A Arguida ativou o contrato referido na alínea oo) sem a assinatura do consumidor, porque os seus colaboradores responsáveis por desencadear os procedimentos para a ativação dos contratos identificados como tendo sido celebrados pelos seus agentes porta-a-porta não tiveram o cuidado após sua receção de verificar os respetivos requisitos formais, especificamente a assinatura, cuidado de que eram capazes, não tendo representado como possível que tal contrato não correspondia à vontade de (…).

Outros factos:
sss. De acordo com os dados constantes do seu Relatório e Contas, no ano de 2020 a Arguida teve um resultado líquido no montante de 32.818.319 euros, um volume de negócios de 2.044.864.387 euros e um número médio de 5.168 trabalhadores.
ttt. Em 31.12.2019, a Arguida tinha ao seu serviço 5.272 trabalhadores.
uuu. De acordo com a informação prestada à ANACOM, no ano de 2021, a Arguida teve um resultado líquido negativo no montante de 221.246.011€, um volume de negócios de 2.112.704.721€ e um número médio de 4.143 trabalhadores.
vvv. Em 31.12.2020, a Arguida tinha ao seu serviço 5.096 trabalhadores.
www. Por sentença proferida em 17.02.2020, no Proc. n.º 11/20.0YUSTR deste Tribunal, junta aos autos com a ref.ª 428782, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor, transitada julgado em 12.06.2020, a Arguida foi condenada pela prática de uma contraordenação, na forma negligente, prevista e punida pelo art.º 21.º, n.º 1, por referência ao art.º 7.º, n.º 1, ambos do DL n.º 57/2008, de 26-03, na coima de 7.500 €, suspensa na sua execução em 1/3 e pelo período de 2 anos, condicionada ao cumprimento da obrigação de proceder ao pagamento a (…) de 480€, a liquidar no prazo de um mês após o trânsito em julgado da decisão.
xxx. A Arguida não revela sentido crítico da sua conduta.”

Para além dos que acima ficaram descritos, o tribunal de primeira instância não considerou como provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.

b) Enquadramento jurídico dos factos:
O recurso em processo de contra-ordenação deve seguir a tramitação dos recursos em processo penal, com excepção das especialidades que resultem do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas, aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27-10, na redacção que lhe foi introduzida pelo DL n.º 244/95, de 14-09.
Dentro dessas especialidades, de acordo com o disposto no art.º 75.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27-10, importa anotar que nos processos de contra-ordenação, os tribunais de segunda instância conhecem apenas, por regra, de matéria de direito, funcionado enquanto tribunais de revista.
Deste modo, o art.º 74.º, n.º 4, do DL n.º 433/82, de 27-10, remete para o regime jurídico dos recursos que se mostra vertido no Livro IX do CPP.
Como decorre do disposto nos arts. 402.º, 403.º e 412.º, todos do CPP, as conclusões do recorrente delimitam o recurso apresentado, estando vedado ao tribunal hierarquicamente superior àquele que proferiu a decisão recorrida conhecer de questões ou de matérias que não tenham sido suscitadas, com excepção daquelas que sejam de conhecimento oficioso.
Isto significa compete ao sujeito processual, que se mostra inconformado com a decisão judicial, indicar, nas conclusões do recurso, que segmento ou que segmentos decisórios pretende ver reapreciado(s), delimitando o recurso quanto aos seus sujeitos e/ou quanto ao seu objecto. 
A delimitação (objectiva e/ou subjectiva) do recurso condiciona a intervenção do tribunal hierarquicamente superior, que se deve cingir à apreciação e à decisão das matérias indicadas pela parte recorrente, com excepção de eventuais questões que se revelem de conhecimento oficioso.
 Está vedado ao tribunal de recurso proceder a uma reapreciação de questões que não tenham sido suscitadas e, por consequência, os seus poderes de cognição encontram-se delimitados pelo recurso interposto pelo sujeito processual, sem prejuízo daquelas que se revelem de conhecimento oficioso.
Os recursos não se destinam a proceder a um novo julgamento de todo o objecto da causa, antes visam a reapreciação de questões anteriormente decididas, mediante o impulso processual do sujeito que se mostre afectado pela decisão.  
No caso vertente, a “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” veio sustentar, no recurso interposto, que a sentença recorrida, proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão – Juiz 2, deverá ser revogada e que deverá ser absolvida da prática das seguintes contra-ordenações, por falta de preenchimento dos seus elementos típicos:
--1 (uma) contraordenação p. e p. pelos arts. 48.º, n.ºs 2, al. a) e 3, e 113.º, n.º 2, al. x), ambos da Lei n.º 5/2004, de 10-02, na redação vigente à data dos factos (por falta de informação completa ao consumidor (…) sobre todas as condições de utilização de um voucher);
--1 (uma) contraordenação p. e. p. pelos arts. 48.º, n.ºs 1 e 3, e 113.º, n.º 2, al. x), ambos da Lei n.º 5/2004, de 10-02, na redação vigente à data dos factos (por falta de informação ao consumidor (…) sobre a existência do direito de livre resolução do contrato, do seu prazo e do seu procedimento);
--1 (uma) contra-ordenação p. e p. pelos arts. 7.º, n.º 1 e 21.º, n.º 1, do DL n.º 57/2008, de 26-03 (por prestação de informação falsa ao consumidor (…), que o levou a celebrar um contrato que, de outro modo, não teria celebrado);
--1 (uma) contraordenação p. e p. pelos arts. 5.º, n.º 1 e 21.º, n.º 1, do DL n.º 57/2008, de 26-03 (por prática comercial desleal devido à activação ao assinante (…) de um pacote de serviços diferente do contratado e à cobrança de uma mensalidade superior ao acordado);
Veio ainda sustentar que, caso assim não se entenda, ocorrerá uma violação dos princípios constitucionalmente consagrados da legalidade e da tipicidade, que as coimas parcelares aplicadas deverão ser especialmente atenuadas (vide máxime arts. 13.º, 27.º e 44.º das conclusões do recurso) e que a coima única se mostra desproporcionada perante os factos apurados.
           
As contra-ordenações dos arts. 48.º e 113.º da Lei n.º 5/2004:
Como se viu, a recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” foi condenada pela prática de uma contra-ordenação por não ter prestado uma informação completa ao consumidor (…) sobre todas as condições relativas à utilização de um voucher.    
No recurso interposto, veio defender, com particular destaque, que a atribuição do voucher não era uma condição contratual, ainda que possa ter sido relevante para o cliente (…), que constituía uma oferta comercial e que as condições de utilização do voucher não estavam sujeitas às regras de clareza e perceptibilidade exigidas pelo art.º 48.º da Lei n.º 5/2004.  
A “Autoridade Nacional de Comunicações” veio responder ao recurso interposto, afirmando, a este respeito, que a recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” discorda da matéria de facto provada na parte em que consta que o voucher atribuído ao assinante consubstanciava uma contrapartida pela celebração do contrato de prestação de serviços.
Por seu turno, o Ministério Público, junto do Juízo de Concorrência, Regulação e Supervisão, veio alegar, a este propósito, que a empresa está a impugnar de facto, que essa impugnação é proibida e que, por isso, deverá ser desconsiderada, nos termos do disposto no art.º 75.º, n.º 1, do DL n.º 433/82.
Vejamos, então, se merece procedência o recurso interposto:
Com particular relevância para a apreciação das questões suscitadas, o tribunal a quo considerou como provada a seguinte matéria de facto:
 No dia 16-10-2020, uma colaboradora da empresa recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” propôs ao cliente (…), a celebração de um contrato para prestação dos serviços de comunicações eletrónicas, com a mensalidade total de €61,99 e com o período de fidelização de 24 meses, proposta que apresentava, para além de outras vantagens, a oferta de um voucher no montante de €120.
Essa colaboradora esclareceu o cliente em causa que o voucher devia ser utilizado no prazo de 70 dias, numa loja física ou na loja online da empresa, numa compra de valor igual ou superior a €130, mas nada lhe transmitiu sobre incompatibilidades ou sobre limitações na utilização do voucher quando estivessem em curso outras campanhas promovidas pela recorrente.
No dia 30-11-2020, o cliente (…) encomendou um telemóvel com o valor comercial de €359,99 e que apresentava um desconto de €110, inseriu o código que correspondia ao voucher que lhe havia sido atribuído no momento da realização da encomenda e foi, então, confrontado com a seguinte informação: “Os vales de desconto não são compatíveis com as campanhas de desconto atualmente em vigor”.
Estabelecia o art.º 48.º da Lei n.º 5/2004, de 10-02 (Lei das Comunicações Electrónicas), sob a epigrafe “contratos”, na redacção introduzida pela Lei n.º 15/2016, de 17-06 (diploma que, entretanto, foi revogado), que:
1 - Sem prejuízo da legislação aplicável à defesa do consumidor, a oferta de redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público é objecto de contrato, do qual devem obrigatoriamente constar, de forma clara, exaustiva e facilmente acessível, os seguintes elementos:
a) A identidade e o endereço do fornecedor;
b) Os serviços fornecidos, os respetivos níveis de qualidade mínima, designadamente o tempo necessário para a ligação inicial, bem como os níveis para os demais parâmetros de qualidade de serviço que sejam fixados nos termos do art.º 40.º;
c) Restrições impostas à utilização de equipamentos terminais fornecidos, eventuais limitações no acesso e à utilização de serviços, bem como medidas implementadas para condicionar o tráfego de modo a evitar esgotar ou ultrapassar a capacidade contratada, indicando, neste caso, o modo como esses procedimentos se poderão repercutir na qualidade do serviço;
d) Informação sobre a disponibilização, ou falta de disponibilização, do acesso aos serviços de emergência e à informação de localização da pessoa que efetua a chamada, bem como sobre a existência de quaisquer limitações à oferta dos serviços de emergência, nos termos do art.º 51.º;
e) Os tipos de serviços de apoio e manutenção oferecidos, bem como as formas de os contactar;
f) Os detalhes dos preços e os meios de obtenção de informações actualizadas sobre todos os preços e encargos de manutenção aplicáveis, bem como as formas de pagamento e eventuais encargos ou penalizações inerentes a cada uma delas;
g) A duração do contrato, as condições de renovação, de suspensão e de cessação dos serviços e do contrato;
h) Os sistemas de indemnização ou de reembolso dos assinantes, aplicáveis em caso de incumprimento dos níveis de qualidade de serviço previstos no contrato;
i) Quando seja o caso, a existência do direito de livre resolução do contrato, o respetivo prazo e o procedimento para o exercício do direito, nos termos do Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro; (…)
2 - A informação relativa à duração dos contratos, incluindo as condições da sua renovação e cessação, deve ser clara, perceptível, disponibilizada em suporte duradouro e incluir as seguintes indicações:
a) Eventual período de fidelização, cuja existência depende da atribuição de qualquer vantagem ao consumidor, identificada e quantificada, associada à subsidiação de equipamentos terminais, à instalação e activação do serviço ou a outras condições promocionais;
b) Eventuais encargos decorrentes da portabilidade dos números e outros identificadores;
c) Eventuais encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato durante o período de fidelização, por iniciativa do assinante, nomeadamente em consequência da recuperação de custos associados à subsidiação de equipamentos terminais, à instalação e ativação do serviço ou a outras condições promocionais.
3 - Quando o contrato a que se refere o n.º 1 for celebrado por telefone ou através de outro meio de comunicação à distância, o prestador do serviço, ou seu representante, deve facultar ao consumidor, antes da celebração do contrato, sob pena de nulidade deste, todas as informações referidas nos nºs 1 e 2, ficando o consumidor vinculado apenas depois de assinar proposta contratual ou enviar o seu consentimento escrito ao fornecedor de bens ou prestador de serviços, exceto nos casos em que o primeiro contacto telefónico seja efetuado pelo próprio consumidor”.
Por seu turno, estabelecia o art.º 113.º, n.º 2, al. x), da mencionada Lei n.º 5/2004, de 10-02, sob a epígrafe “contra-ordenações e coimas”, que “(…) constituem contra-ordenações graves (…)  a violação de qualquer das obrigações e requisitos previstos nos n.ºs 1 a 8, 10 a 16, 18 e 19 do artigo 48.º (…)”.
Da análise destes dispositivos resulta que o legislador teve em mente a defesa do consumidor ao estabelecer obrigações para as empresas que oferecem redes ou que prestam serviços de comunicações electrónicas, ao mesmo tempo em que tipificou as contra-ordenações resultantes da sua violação.  
É notória a preocupação com a defesa do consumidor quando se enumeravam os diversos elementos que deviam constar, de modo obrigatório, dos contratos de prestação de serviços de comunicações, segundo o texto da lei, sublinhe-se, de “forma clara, exaustiva e facilmente acessível”.
Os elementos obrigatórios que deviam fazer parte integrante desses contratos, incluindo os relativos às condições de duração, de renovação e de cessação do contrato (vide al. g) do n.º 1 do art.º 48.º), denotam a preocupação do legislador com a defesa do consumidor, que podia surgir desprotegido perante as empresas que desenvolviam a título comercial este ramo de actividade.
Para além disso, o mencionado art.º 48.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2004, revelando o interesse ou a finalidade subjacente a estes dispositivos, acrescenta ainda que este regime jurídico não prejudica a legislação aplicável à defesa do consumidor.
Porventura, para além da tutela dos direitos do consumidor, poder-se-ia aventar a protecção do mercado concorrencial, ao permitir-se a rescisão dos contratos sem encargos para os consumidores confrontados com alterações unilaterais das condições contratuais, o que possibilitaria a escolha de outros fornecedores e, deste modo, o pleno funcionamento do mercado concorrencial.
Essa preocupação com a defesa do consumidor abrangia tanto o momento inicial da celebração do contrato, como momentos posteriores em que esteja em causa a renovação, a suspensão ou a cessação desse contrato.
No caso vertente, conforme decorre da alínea d) dos factos provados, a atribuição do voucher de €120 ao cliente (…) constituiu, entre outras, uma vantagem promocional decorrente dele ter aceite celebrar um contrato de prestação de serviços de comunicações electrónicas (“pacote M4”), que tinha um período de fidelização de 24 meses.
Afigura-se incontornável que o voucher constituiu um incentivo, atribuído pela empresa (em conjunto com outros, por exemplo, relacionados com descontos nos tarifários), com o intuito de levar o cliente a reconhecer as vantagens decorrentes da celebração desse contrato, nos termos que estavam a ser propostos, incluindo a sujeição a um período de fidelização de 24 meses.    
Conforme resulta da matéria de facto considerada como provada, o voucher foi atribuído, indiscutivelmente, como contrapartida ou como vantagem promocional, no contexto das negociações havidas, entre a empresa e o cliente, tendentes à celebração do negócio jurídico em causa, do qual também fazia parte integrante a cláusula referente ao período de fidelização.
Deste modo, discorda-se, em absoluto, da recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” quando sustenta que a atribuição do voucher no valor de €120 constituía uma mera oferta comercial totalmente autónoma perante o aludido contrato e que não constituía uma contrapartida pela vinculação do cliente a um período de fidelização de 24 meses.
Apenas seria uma oferta comercial, como alega, caso a sua atribuição não estivesse dependente da aceitação pelo cliente do negócio jurídico em causa. Todavia, resultou provado que a proposta contratual apresentada pela empresa, que implicava um período de fidelização de 24 meses, apresentava como vantagens, entre outras, a oferta do referido voucher no valor de €120.
De igual modo, também não corresponde à realidade que as condições de utilização do voucher tenham sido devidamente explicadas ao cliente (…), na medida em que não lhe foi transmitido ou comunicado que o seu montante não podia ser cumulado com outras campanhas promocionais que a empresa também tivesse em vigor.
 É o que decorre da alínea f) dos factos provados, que apresenta a seguinte redacção: “(…) A colaboradora da Arguida não informou o assinante de quaisquer incompatibilidades ou limitações na utilização do mencionado voucher com outras campanhas efetuadas pela Arguida (…)”.
O art.º 48.º, n.ºs 1, al. g) e 2, al. a), da Lei n.º 5/2004, exigia que dos contratos de prestação de serviços de comunicações electrónicas constassem, entre outros elementos, a sua duração, o que incluia o período de fidelização, cuja existência estava dependente da atribuição de vantagens ao cliente.
O n.º 1 deste dispositivo impunha que todos esses elementos constassem, obrigatoriamente, do contrato de “forma clara, exaustiva e facilmente acessível”.
O voucher, atribuído pela “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” ao seu cliente (…), constituiu uma vantagem decorrente da celebração do contrato de prestação de serviços de comunicações electrónicas pelo período de fidelização de 24 meses.
As condições relativas à duração do contrato, incluindo o período de fidelização e as vantagens associadas à sua existência, deviam ser comunicadas ao cliente, de forma clara e exaustiva, mesmo que o contrato fosse celebrado por telefone ou por outro meio de comunicação à distância.
Como o cliente em causa não foi informado que o montante titulado pelo voucher não podia ser cumulado com outras campanhas promocionais que estivessem em vigor, a empresa não prestou informação completa sobre as condições promocionais associadas ao período de 24 meses de fidelização.
Deste modo, subscreve-se a decisão recorrida quando se afirma “(…) o voucher, juntamente com as outras vantagens, foi uma das condições que levou (…) a aceitar o contrato com um período de fidelização de 24 meses, pois este período fazia parte dos termos do contrato. Por conseguinte, é inegável que estava associado ao período de fidelização, pelo que a informação relativa às condições de utilização do voucher integrava o elenco de informações que a Arguida estava obrigada a prestar por força dos normativos indicados.”.
Por consequência, considera-se que a recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” incorreu na prática da contra-ordenação em causa, por a sua conduta consubstanciar uma violação da obrigação de informação constante do art.º 48.º, n.ºs 1, al. g) e 2, al. a), da Lei n.º 5/2004.
Por último, perante a matéria de facto considerada como provada pelo tribunal a quo (vide máxime alínea jjj) dos factos provados) e que não pode ser sindicada por este tribunal de recurso, resta acrescentar que falece a alegação apresentada pela recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” no sentido de que não houve falta de cuidado da sua parte na informação que foi prestada ao cliente (…).
Em face do exposto, confirma-se a decisão recorrida na parte em que condenou a empresa recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” pela prática de uma contra-ordenação, a título de negligência, p. e p. pelos arts. 48.º, n.ºs 1, al. g), 2, al. a) e 3, e 113.º, n.º 2, al. x), ambos da Lei n.º 5/2004, de 10-02, na redação vigente à data dos factos (por não prestação de informação completa ao consumidor (…) sobre todas as condições de utilização de um voucher).

Prosseguindo:
A “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” insurge-se também por ter sido condenada pela prática da contra-ordenação p. e. p. pelos arts. 48.º, n.ºs 1 e 3, e 113.º, n.º 2, al. x), da Lei n.º 5/2004, na redação vigente à data dos factos, por falta de prestação de informação ao cliente (…) sobre a existência do direito de livre resolução do contrato.
De uma forma mais detalhada, entende que o cliente foi informado da existência do direito de resolução, do respectivo prazo e das condições do exercício deste direito em momento anterior à aceitação do contrato, pelo que não pode ser condenada pela prática deste ilícito de mera ordenação social.
 A “Autoridade Nacional de Comunicações” veio responder ao recurso da “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA”, afirmando que a inclusão das informações sobre o direito de livre resolução, do seu prazo e procedimento, nas condições gerais do contrato, que foram enviadas ao cliente, após a celebração do contrato, não afasta a verificação do ilícito.
Neste particular, o tribunal a quo considerou provado que, durante a chamada telefónica, realizada no dia 30-11-2020, por iniciativa do cliente (…), a colaboradora da empresa de comunicações transmitiu-lhe a seguinte informação: “assiste-lhe o direito de resolução nos termos da condição 18 das condições gerais do serviço”.
Muito embora não se possa afirmar que tenha havido uma absoluta preterição da obrigação em causa, afigura-se inequívoco que a empresa não deu cumprimento ao disposto no art.º 48.º, n.º 1, al. i), da Lei n.º 5/2004, de 10-02, na parte em que exigia que do contrato deviam constar de “forma clara, exaustiva e facilmente acessível”, entre outros, os elementos sobre a “existência do direito de livre resolução do contrato, o respetivo prazo e o procedimento para o exercício do direito, nos termos do Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro”.
 Ao remeter, durante a realização de uma chamada telefónica, para o “direito de resolução nos termos da condição 18 das condições gerais do serviço”, a “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” não comunicou ao seu cliente (…), de uma forma clara e facilmente acessível, como se impunha, o direito de livre resolução do contrato, sobretudo no que diz respeito ao prazo e ao procedimento para o exercício deste direito. 
Dito por outras palavras: a empresa não esclareceu o cliente, de forma clara e facilmente perceptível, sobre o prazo e sobre o procedimento para o exercício do direito da livre resolução, na medida em que tinha de proceder à leitura das condições gerais do contrato para apreender o seu direito.
Acresce que se subscreve o que se deixou assinalado na decisão recorrida: “(…) a informação sobre o direito de resolução, incluindo o prazo e o procedimento, tinha de ser transmitida no decurso da chamada telefónica, antes do assinante aceitar a proposta contratual. O que não sucedeu, pois, a informação foi insuficiente. A inclusão desta informação nas condições gerais do contrato, que foram transmitidas ao cliente antes da sua aceitação por escrito, não supre esta omissão, pois foram posteriores à perfectibilização do contrato, que, por força da lei ocorreu, conforme já explicitado, no momento em que o assinante as aceitou no decurso da chamada telefónica (…)”
Por último, importa referir que, ao contrário do que se encontra alegado, esta contra-ordenação deve ser imputada a título de dolo à recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA”, atendendo à matéria de facto que o tribunal de primeira instância considerou provada e que não pode ser sindicada neste recurso – vide alíneas ppp) e qqq).
Em face do exposto, confirma-se a decisão recorrida na parte em que condenou a empresa recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” pela prática de uma contra-ordenação dolosa p. e p. pelos arts. 48.º, n.ºs 1 e 3, e 113.º, n.º 2, al. x), ambos da Lei n.º 5/2004, de 10-02, na redação vigente à data dos factos (por falta de informação ao consumidor (…) sobre a existência do direito de livre resolução do contrato, do seu prazo e do seu procedimento).

As contra-ordenações do art.º 21.º do DL n.º 57/2008, de 26-03:
A “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” veio também alegar que existia viabilidade do serviço de fibra óptica na zona de residência do cliente (…), mas que não foi possível activar esse serviço, por ser necessária a construção de um novo troço de rede, desde o local onde se encontrava instalada até à residência do cliente, o que pressuponha a realização de um procedimento demasiado moroso.
Assim, considera que não prestou informação falsa ao referido cliente, que a viabilidade concreta de ligação à fibra tem sempre de ser aferida no local no momento da instalação e que não se verifica a ilicitude dos comportamentos que são imputados à empresa, muito menos a título doloso, pelo que deve vir a ser absolvida da prática deste ilícito contra-ordenacional.
De igual modo, a recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” veio sustentar que os factos respeitantes ao cliente (…) não se subsumem ao tipo contra-ordenacional que lhe é imputado, uma vez que não assumiu qualquer prática comercial desleal na instalação, na activação ou na cobrança nos serviços de comunicações.
De uma forma mais detalhada, veio acrescentar, a este respeito, que nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada, caso se verifique (o que, em concreto, desconhece) que o mencionado cliente (…) subscreveu um contrato distinto daquele que veio a ser activado.
Acrescentou ainda que o comercial que celebrou esses contratos actuou com o desconhecimento e contra as instruções da própria empresa.  
A “Autoridade Nacional de Comunicações” veio responder ao recurso interposto, afirmando, com particular destaque a este respeito, que a “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” não se conforma por ter ficado provado que a empresa informou o cliente (…) de que na sua residência era possível a prestação serviços de comunicações através de fibra óptica e que essa informação falsa levou o consumidor a celebrar um contrato que, de outro modo, não teria celebrado.
De seguida, sustenta que não assiste razão à recorrente quando defende que não há qualquer comportamento delituoso da sua parte, no que respeita ao cliente (…), na medida em que, mesmo que o agente porta-a-porta tivesse actuado contra ordens e contra instruções da empresa, a sua responsabilidade contra-ordenacional nunca ficaria excluída, em virtude de ter activado um pacote de serviços sem que o contrato estivesse assinado, formalidade que se impunha no presente caso concreto.
Por seu turno, o Ministério Público, junto do Juízo de Concorrência, Regulação e Supervisão, veio responder ao recurso, afirmando, em síntese, neste particular, que a empresa recorrente pretende contrariar os factos provados na sentença e que a impugnação de matéria de facto mostra-se proibida, nos termos do disposto no art.º 75.º, n.º 1, DL n.º 433/82, de 27-10.           
Vejamos, então, se merece procedência o recurso interposto:
A recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” foi condenada pelo tribunal de primeira instância pela prática de  2 (duas) contra-ordenações  p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do DL n.º 57/2008, de 26-03: uma com referência ao disposto no n.º 1 do art.º 7.º (prestação de informação falsa ao consumidor (…), que determinou a celebração um contrato que, de outro modo, nunca teria sido celebrado); a outra contra-ordenação com referência ao disposto no n.º 1 do art.º 5.º deste diploma legal (activação ao cliente (…) de um pacote de serviços diferente do que tinha sido contratado e cobrança de uma mensalidade superior ao acordado).
O DL n.º 57/2008, de 26-03, consagra o regime jurídico aplicável às práticas desleais das empresas para com os consumidores de bens ou de serviços.
Da análise deste regime jurídico ressalta que o legislador teve em mente a defesa do consumidor ao prever a proibição de prática comerciais desleais, no âmbito de transacções comerciais de bens ou de serviços, ao mesmo tempo em que tipificou as contra-ordenações resultantes dessas violações.  
Todavia, para além da tutela dos direitos do consumidor, este diploma legal, ainda que reflexamente, protege o regular funcionamento do mercado, na medida em que, ao sancionar as práticas comerciais consideradas desleais, permite que as empresas possam concorrer no mercado, de modo leal, umas com as outras.
No preâmbulo do DL n.º 57/2008, de 26-03, deixou-se escrito a respeito dos interesses jurídicos subjacentes que este diploma “(…) estabelece uma proibição geral única das práticas comerciais desleais que distorcem o comportamento económico dos consumidores e aplica-se às práticas comerciais desleais, incluindo a publicidade desleal, que prejudicam directamente os interesses económicos dos consumidores e indirectamente os interesses económicos de concorrentes legítimos”.
Por isso, este diploma acolhe respaldo no art.º 60.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que, sob a epígrafe “direitos dos consumidores”, estabelece que “(…) os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à protecção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos (…)”.
Após proibir, no art.º 4.º do DL n.º 57/2008, de 26-03, “as práticas comerciais desleais”, o legislador ocupa-se, de seguida, com a delimitação deste conceito indeterminado, quer em termos gerais (art.º 5.º), quer em termos especiais (máxime arts. 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 11.º e 12.º deste diploma legal).
O art.º 5.º, n.º 1, do DL n.º 57/2008, dispõe que é desleal, em termos gerais, “qualquer prática comercial desconforme à diligência profissional, que distorça ou seja susceptível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico do consumidor seu destinatário ou que afecte este relativamente a certo bem ou serviço”.
Este dispositivo deve ser conjugado com as definições constantes do art.º 3.º, muito em particular com as alíneas d), e) e h), que esclarecem o que se deve entender por “prática comercial da empresa”, por “distorcer substancialmente o comportamento económico dos consumidores” e ainda por “diligência profissional”.
De seguida, o legislador indica diversas “práticas comerciais desleais”.
Este diploma legal, logo no art.º 6.º prevê que “(…) são desleais em especial (…) as práticas comerciais susceptíveis de distorcer substancialmente o comportamento económico de um único grupo, claramente identificável, de consumidores particularmente vulneráveis, em razão da sua doença mental ou física, idade ou credulidade (…) “, mas também as “práticas comerciais enganosas e agressivas”.
As acções enganosas (arts. 7.º e 8.º), as omissões enganosas (art.º 9.º) e os comportamentos comerciais agressivos (arts. 11.º e 12.º deste diploma) constituem casos exemplificativos de práticas desleais que são proibidas pelo legislador.
O art.º 7.º, n.º 1, do DL n.º 57/2008, sob a epígrafe “acções enganosas”, dispõe que “(…) é enganosa a prática comercial que contenha informações falsas ou que, mesmo sendo factualmente correctas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor em relação a um ou mais dos elementos a seguir enumerados e que, em ambos os casos, conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que este não teria tomado de outro modo (…)”.
Nas diversas alíneas deste dispositivo são enumerados os elementos contratuais determinantes para a ocorrência de uma prática comercial enganosa, tais como aqueles que dizem respeito à natureza do bem ou do serviço, às suas características (incluindo a disponibilidade, a composição, os riscos que apresenta, os acessórios, a assistência pós-venda ou o modo de fabrico,), o preço ou a forma de cálculo do preço ou à necessidade de reparação do bem.
Deste modo, é considerada “prática comercial enganosa” e, por isso, proibida por lei, o oferecimento de informações falsas ou mesmo a prestação de informações verdadeiras por parte da empresa, desde que induzam ou que sejam susceptíveis de induzir o consumidor em erro, relativamente aos elementos contratuais previstos nas diversas alíneas do art.º 7.º, n.º 1, do DL n.º 57/2008 (v.g. natureza ou características do bem ou do serviço prestado, preço ou forma de cálculo do preço, necessidade da substituição ou de reparação do bem).
No que diz respeito à contra-ordenação p. e p. pelos arts. 7.º, n.º 1 e 21.º, n.º 1, ambos do DL n.º 57/2008, de 26-03, referente ao cliente (…), o tribunal a quo considerou provada a seguinte matéria de facto, a que importa atender para a avaliação do presente caso concreto: 
No dia 30-11-2020, (…) contactou telefonicamente a empresa, com vista a apurar se prestava serviços de comunicações eletrónicas através de fibra óptica na sua residência, a colaboradora da recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA”, que actuou em seu nome e em sua representação, informou-o de que era possível prestar os serviços na sua residência através da tecnologia pretendida (fibra óptica), mas os serviços contratados nunca chegaram a ser instalados, por inviabilidade técnica, por ser necessária a instalação de 6 postes e 500 m de cabo de fibra ótica, o que acarretava um elevado custo.
Perante este enquadramento factual, não subsistem quaisquer dúvidas que a “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” incorreu numa “prática comercial enganosa”, ao transmitir uma informação falsa ao cliente (…), dando-lhe conta, no dia 30-11-2020, que se mostrava possível a prestação de serviços de comunicações electrónicas na sua residência, através de fibra óptica, o que nunca se concretizou.
Essa informação deve ser considerada falsa, na medida em que, ao contrário do que foi transmitido telefonicamente, não existia a possibilidade de prestação deste serviço na residência do cliente (…), sem que se procedesse à prévia instalação de 6 postes e de 500 metros de fibra óptica, o que comportava um elevado custo para a recorrente.
Como resulta da alínea r) dos factos provados, a colaboradora da empresa comunicou ao cliente (…), de modo desfasado com a realidade, que “(…) era possível prestar os serviços através da tecnologia pretendida (…)”, quando, de facto, era necessária a realização de trabalhos, que nunca se concretizaram, por implicarem elevados custos para a recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA”.
Deste modo, não se subscreve a afirmação “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” no sentido que “existia cobertura de rede no local”, quando, como se viu, a prestação desses serviços, através de fibra óptica, na residência do cliente (…), implicava, repete-se, a prévia instalação de 6 postes e de 500 m de fibra óptica.
Aliás, mesmo admitindo que fosse verdadeira ou estivesse correcta a informação prestada (designadamente, como alega a empresa “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA”, por a instalação do serviço, através de fibra óptica, estar sempre dependente da validação técnica de todas as infraestruturas que servem a zona e da verificação in loco dessa viabilidade), o cliente (…) não deixou de ser induzido em erro sobre um elemento determinante para a celebração do negócio jurídico, que se prendia com as características do serviço contratado, muito em particular com a disponibilidade para aceder ao serviço de comunicações electrónicas, através de fibra óptica, no interior da sua residência.
Conforme acima já se deixou expresso, as características do serviço contratado, incluindo a disponibilidade para o cliente da empresa, constitui um dos elementos contratuais relevantes para que, que acordo com o disposto no art.º 7.º, n.º 1, do DL n.º 57/2008, de 26-03, a prática comercial empreendida pela empresa possa vir a ser considerada enganosa para o consumidor.
Deste modo, mostrando-se preenchidos todos os requisitos previstos pelo art.º 7.º, n.º 1, do DL n.º 57/2008, para que se possa considerar enganosa a prática comercial da empresa, concorda-se com a decisão recorrida quando afirma que a recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” “(…) preencheu todos os elementos objetivos da contraordenação imputada pois uma colaboradora sua, em seu nome e representação, transmitiu ao assinante (...) uma informação falsa sobre a disponibilidade dos serviços em sua casa que o levou a tomar uma decisão de transação que de outro modo não teria tomado (…)”.
O mesmo se diga sobre o elemento subjectivo da contra-ordenação.
De acordo com o disposto no art.º 75.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27-10, este tribunal de recurso apenas conhece matéria de direito, sem prejuízo dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do CPP, por ter os poderes de um tribunal de revista nestes processos de contra-ordenação.
Da matéria de facto - máxime, das alíneas kkk), lll) e mmm) dos factos provados - resultou apurado que os colaboradores da recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA”, actuando em seu nome, em seu interesse e em sua representação, admitiram como possível e conformaram-se com a possibilidade de ser falsa a informação prestada sobre a disponibilidade do serviço contratado na residência do cliente (…) bem como representaram como possível que este foi levado a aceitar um negócio jurídico que, de outra forma, nunca celebraria.
Perante o quadro factual considerado como provado pelo tribunal de primeira instância (que, como se viu, este tribunal de recurso não pode sindicar), não subsistem quaisquer dúvidas que o recurso apresentado pela empresa recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” não deve merecer procedência, nem tão-pouco existem fundamentos para lhe imputar, a título de negligência (em vez de dolo, conforme foi condenada pelo tribunal de primeira instância), a contra-ordenação em referência.
Em face do exposto, confirma-se a decisão recorrida na parte em que condenou a empresa recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” pela prática de uma contra-ordenação dolosa p. e p. pelos arts. 7.º, n.º 1 e 21.º, n.º 1, do DL n.º 57/2008, de 26-03 (prestação de informação falsa ao consumidor (…), que o levou a celebrar um contrato que, de outro modo, não teria celebrado).

Prosseguindo:
Maiores dúvidas se levam a respeito de saber se os factos apurados integram a prática de uma contra-ordenação negligente p. e p. pelos arts. 5.º, n.º 1 e 21.º, n.º 1, do DL n.º 57/2008, em virtude de a recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” ter accionado um pacote de serviços diferente do contratado pelo cliente (…) e por lhe ter sido cobrada uma mensalidade superior à que estava prevista no contrato.
Para a apreciação desta questão, o tribunal a quo considerou provado, grosso modo, que, no dia 07-11-2018, ficou registada no sistema informático da recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” a prestação de serviços de televisão, internet fixa e telefone, a favor de  (…), mediante o pagamento da mensalidade de €33,99 e com um período de fidelização de 24 meses, que esse contrato não estava assinado e que não correspondia àquilo que o cliente pretendida e que, no dia 28-11-2018, a empresa activou esses os serviços - vide alíneas oo), pp) e qq) dos factos considerados provados. 
O tribunal a quo também deu como provado que, no dia 06-11-2018, um indivíduo apresentou a (…) a proposta para a celebração de um contrato de prestação de serviços de internet móvel, mediante o pagamento da mensalidade de €22,99, com um período de fidelização de 24 meses, ao mesmo tempo em que entendeu não ter ficado demonstrado que esse contrato tenha sido celebrado com a “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” ou que o mencionado indivíduo tenha actuado em nome e em representação desta empresa – vide máxime alíneas g) e h) dos “factos não provados”.
Na sentença recorrida deixou-se escrito, a este propósito, que “(…) em relação à celebração do primeiro contrato com (…) em 06.11.2018 por um indivíduo que se apresentou como (…) (…) a MEO não tem responsabilidade, porque não se provou que este indivíduo tivesse poderes, em virtude das suas funções ou de um contrato de prestação de serviços celebrado com a Arguida, para atuar em seu nome ou a representar (…)” e que   “Arguida também não é responsável pela introdução do segundo contrato, datado de 07.11.2018, no seu sistema informático, pois desconhece-se igualmente quem o fez e se essa pessoa tinha poderes, em virtude das suas funções ou de um contrato de prestação de serviços celebrado com a Arguida, para atuar em seu nome ou a representar (…)”.
O art.º 5.º, n.º 1, DL n.º 57/2008, em conjugação com as definições constantes do art.º 3.º deste diploma, proíbe a prática comercial pela empresa fornecedora de bens ou de serviços que distorça ou que seja susceptível de distorcer, de maneira substancial, o comportamento económico do consumidor, levando-o a tomar uma decisão contratual que não se mostre esclarecida, relacionada, por exemplo, com a celebração do próprio contrato ou com as cláusulas do negócio jurídico celebrado.
No caso vertente, não se encontra demonstrado que a “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA”, através de um seu funcionário, agente ou representante, tenha distorcido a vontade de (…), levando-o a celebrar um negócio jurídico que nunca teria celebrado, caso a empresa tivesse actuado com lealdade e não viciasse a vontade do consumidor.
Note-se que o tribunal a quo considerou não ter ficado demonstrado que o indivíduo, que se apresentou como (…) perante (…), tenha actuado em nome e em representação da “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” e, por consequência, que esse negócio jurídico tenha sido celebrado com esta empresa no dia 06-11-2018. 
Acresce que não se consegue alcançar o que terá levado a que, no dia 07-11-2018, a recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” tenha registado no seu sistema informático a prestação de serviços de televisão, internet fixa e telefone, a favor de (…), mediante o pagamento da mensalidade de €33,99 e com um período de fidelização de 24 meses.
Perante o quadro factual traçado pelo tribunal de primeira instância (repete-se que não pode ser sindicado por este tribunal de recurso) permanece a dúvida quanto a saber se o consumidor (…) contactou unicamente com o mencionado indivíduo (…) ou, se porventura, estabeleceu negociações com outra qualquer pessoa (v.g. com o agente porta-a-porta (…)) com vista à celebração do contrato.
Desta forma, este tribunal de recurso não consegue retirar uma conclusão segura sobre se foi celebrado um único contrato (o que envolveu (…), que, como se viu, não está demonstrado que tenha actuado em nome e em representação da recorrente) ou se, para além desse, houve (ou não) um novo acordo de vontades relativo a prestação de serviços de comunicações, e, em caso afirmativo, quem se apresentou a representar a “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA”.
A matéria de facto provada é muito pouco esclarecedora a este respeito.
Aliás, decisão recorrida não indica a pessoa singular que, supostamente, actuou em nome e em representação da “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA”, apenas se sabendo, de modo pouco esclarecedor para as circunstâncias do caso, que a empresa registou no seu sistema informático e que, passados uns dias, accionou a prestação de serviços de televisão, internet fixa e telefone, para a residência de (…), reconhecendo, deste modo, que tinha sido celebrado um negócio jurídico com este consumidor.
Perante a carência da matéria de facto considerada como provada pelo tribunal de primeira instância não se mostra possível imputar à empresa em causa um comportamento que tenha distorcido a vontade negocial de (…), levando-o a aceitar um negócio jurídico, relativo à prestação de serviços de comunicações, em prejuízo dos seus interesses como consumidor e que nunca teria sido aceite caso a empresa tivesse actuado com lealdade contratual.
A falta de assinatura ou a desconformidade entre os serviços prestados e os que eram pretendidos pelo consumidor não implica que a “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” tenha actuado de modo desleal, ou seja, que tenha enganado ou que tenha assumido um comportamento susceptível de induzir o consumidor em erro relativamente à celebração do negócio jurídico.
A assinatura diz respeito ao formalismo a que deve obedecer ou, até mesmo, à própria existência do negócio jurídico em causa, o que não se confunde com a implementação pela empresa de “práticas comerciais desleais”. O contrato pode estar formalmente assinado pelo consumidor, que, não obstante, foi enganado pela empresa fornecedora dos bens ou serviços. Ao invés, o contrato pode não ter sido assinado, mas empresa ter cumprido as exigências de lealdade para com o cliente.
A decisão da autoridade administrativa parte do pressuposto que a empresa activou ao consumidor (…) um pacote de serviços diferente do contratado e que cobrou uma mensalidade superior à negociada.
Isto significa que a acusação assenta em matéria de facto que o tribunal a quo considerou não estar demonstrada, muito em particular que Bruno Gomes actuou em nome e em representação da “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” e que, nessa qualidade, celebrou com (…) um negócio jurídico relativo à prestação de serviços de internet móvel, mediante o pagamento de €22,99 mensais, com um período de fidelização de 24 meses.
Todavia, como o tribunal a quo entendeu não ter ficado provado que esse contrato tenha sido celebrado com a “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA”, não se consegue afirmar que a empresa tenha assumido uma “prática comercial desleal”, por ter prestado serviços diferentes e por ter cobrado uma mensalidade superior à que estava negociada pelas partes.
A alegada diferença dos serviços prestados e da mensalidade cobrada pressupõe que a empresa tivesse celebrado um contrato com o cliente, o que não se encontra provado, para o fornecimento de internet móvel mediante o pagamento da contrapartida mensal de €22,99, vindo, não obstante, a fornecer  serviços de televisão, internet e telefone, mediante o pagamento da quantia mensal de € 33,99.
Em face do exposto, como os factos apurados não traduzem uma violação do art.º 5.º, n.º 1, do DL n.º 57/2008, a “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” deve vir a ser absolvida da prática da contra-ordenação que lhe era imputada, referente ao cliente (…), por falta de preenchimento dos elementos constitutivos desta infracção.

Da violação dos princípios da legalidade e da tipicidade:
Estabelece o art.º 29.º, n.º 1, da Constituição, sob a epigrafe “aplicação da lei criminal”, que “(…)  Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior (…)”.
Como primeira nota, importa referir que o princípio da legalidade encontra-se consagrado no mencionado dispositivo a respeito do direito criminal, muito embora seja de admitir a sua aplicação às contra-ordenacões, atendendo a que estes ilícitos também possuem natureza sancionatória.      
O Tribunal Constitucional, muito embora admita a sua aplicação aos ilícitos de mera ordenação social, tem vindo a afirmar, de forma repetida, que o princípio da legalidade (nullum crime sine lege) não se apresenta, nesses casos, com o mesmo rigor do que no direito criminal (vide, neste sentido, entre outros, os acórdãos n.ºs 78/2013, 466/2012, 397/2012 e 41/2004).
Conforme se deixou consignado no acórdão n.º 78/2013 do Tribunal Constitucional, proferido no dia 31-01-2013, a respeito do mencionado princípio da legalidade: “(…) Não se pode afirmar que as exigências deste princípio valham no direito de mera ordenação social com o mesmo rigor que no direito criminal. Aliás, nem sequer existe no art.º 29.º da Constituição, que se refere às garantias substantivas do direito criminal, um preceito semelhante àquele que existe no art.º 32.º, a respeito das garantias processuais, alargando-as, com as necessárias adaptações, a todos os outros processos sancionatórios (art.º 32.º, n.º 10). Contudo, sendo o ilícito de mera ordenação social sancionado com uma coima, a qual tem repercussões ablativas no património do infrator, também aqui se devem respeitar os princípios necessariamente vigentes num Estado de direito democrático (art.º 2.º da Constituição), como os da segurança jurídica, da proteção da confiança e da separação de poderes (…)”.
Por outro lado, resulta do citado art.º 29.º, n.º 1, da Constituição, que deve ser, única e exclusivamente, a “lei” (ou um decreto-lei sob autorização legislativa - vide art.º 165.º, n.º 1, als. c) e d), da Constituição, onde se enumeram as matérias que integram a reserva relativa da Assembleia da República) a tipificar as condutas que constituem um ilícito criminal (ou um ilícito de mera ordenação social), com exclusão de outras fontes de direito.
Também como forma de garantia perante actos arbitrários, o art.º 29.º, n.º 1, da Constituição, só admite a condenação de um cidadão pela prática de um ilícito criminal desde que exista uma lei prévia a tipificar esse comportamento (nullum crime sine lege praevia), ou seja, exige-se uma lei vigente à data dos factos que são susceptíveis de integrar a prática do crime.
Considera-se que, num Estado de Direito, o cidadão deve estar inteirado dos comportamentos que configuram matéria criminal (ou contra-ordenacional), por forma a que consiga pautar a sua conduta e para que não venha a ser surpreendido, de forma arbitrária, por normas incriminadoras que não estavam em vigor no momento da prática dos factos.     
O fundamento ético da punição por parte do Estado depende do prévio anúncio aos cidadãos dos comportamentos que devem ser sancionados.
“(…) A ninguém pode ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança, se o facto tiver sido praticado antes da entrada em vigor da lei que veio qualificar tal facto como crime. Isto vale, tanto para a hipótese em que o facto em causa nem sequer era considerado ilícito (seja civil, disciplinar ou contra-ordenacional) como para a hipótese em que o facto praticado era considerado ilícito (p. ex., contra-ordenacional), no momento em que foi praticado, mas não ilícito criminal (…)” – vide “Constituição Portuguesa Anotada”, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Tomo I, 2.ª Edição, pág. 670.
No caso vertente, considera-se que os princípios da legalidade e da tipicidade não foram postos em causa pela decisão recorrida e que a condenação da “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” assentou em lei prévia que foi integrada pelos factos que lhe foram imputados.
De igual modo, entende-se que as interpretações normativas realizadas pelo tribunal a quo respeitam e não extravasam os dispositivos tipificadores das contra-ordenações imputadas à recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA”, neles encontrando pleno enquadramento.
Deste modo, improcede, nesta parte, o recurso interposto.

Da atenuação especial das coimas aplicadas:
Estabelece o art.º 32.º do DL n.º 433/82, de 27-10 (Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas), sob a epígrafe “do direito subsidiário”, que “(…) em tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contra-ordenações, as normas do Código Penal (…)”. 
Admite-se, por princípio, que as contra-ordenações fiquem submetidas ao regime substantivo previsto para os ilícitos criminais no CP, a não ser que exista um regime próprio ou específico que contrarie a sua aplicação. 
O legislador aceita que os ilícitos de mera-ordenação social sejam regulados pelas normas substantivas previstas para os ilícitos criminais, para as quais remete a título subsidiário, por ambos serem representativos do direito sancionatório do Estado, ainda que sejam diferentes as consequências jurídicas decorrentes da prática de um e de outro destes ilícitos.
Por contraposição com o crime, em que, grosso modo, devem ser aplicadas ao agente penas (multa ou prisão) ou medidas de segurança, nos termos do disposto nos arts. 40.º e ss. do CP, as contra-ordenações consubstanciam, de acordo com a definição contida no art.º 1.º do DL n.º 433/82, um “facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima (…)”, ou seja, uma sanção de natureza exclusivamente patrimonial. 
Nenhum dos dispositivos que integram o DL n.º 433/82 proíbe a atenuação especial da coima a aplicar como decorrência da prática de uma contra-ordenação, nem tão-pouco qualquer um dos preceitos desse diploma prevê um regime jurídico distinto daquele que se mostra previsto no CP.
Acresce que, do texto do art.º 18.º, n.º 3, do DL n.º 433/82 (no qual se estabelece que “quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade“), não ressalta que somente possa haver lugar à atenuação especial da punição nos casos expressamente previstos neste diploma legal, ou seja, nos casos reconhecidos pelos arts. 9.º, n.º 2, 13.º, n.º 2, e 16.º, n.º 3, do DL n.º 433/82.
De modo nenhum ressalta do n.º 3 deste dispositivo que só haja lugar à atenuação especial nos casos expressamente previstos pelo DL n.º 433/82.
Nos termos do disposto no art.º 9.º, n.ºs 2 e 3, do CC, “não pode (…) ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal” e que “(…) o intérprete presumirá que o legislador (…) soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (…)”.
No art.º 18.º, n.º 3, do DL n.º 433/82, de 27-10, o legislador limita-se a afirmar que os limites (mínimo e máximo) da coima são reduzidos a metade, quando houver lugar à atenuação especial da punição, decorrente da prática de uma contra-ordenação, mas sem que indique ou que detalhe o caso ou os casos em que se justifica que a pretensão punitiva do Estado venha a ser mitigada, devido à ocorrência de circunstâncias excepcionais, relacionados com uma ilicitude ou com uma culpa diminuídas ou com fracas exigências de prevenção (geral ou especial). 
Dito por outras palavras: a circunstância da atenuação especial estar única e expressamente prevista no regime geral das contra-ordenações para os casos de erro sobre a ilicitude, de tentativa e de cumplicidade, não excluiu que possa, eventualmente, ser de aplicar a outras situações de facto, muito em particular nos termos do disposto no art.º 72.º do CP, ex vi art.º 32.º do DL n.º 433/82.
Reafirma-se que as contra-ordenações se encontram sujeitas ao regime substantivo previsto para os ilícitos criminais, pelo que, quando existe uma lacuna no regime geral previsto pelo DL n.º 433/82, o que se afigura suceder com a atenuação especial, o julgador deverá lançar mão dos pertinentes normativos que se mostram plasmados no CP para os ilícitos criminais.
Aliás, seria destituído de sentido, de acordo com a coerência que deve nortear o ordenamento jurídico, que o legislador permitisse a atenuação especial da pena ao agente que incorreu na prática de uma infracção criminal, mas que a mitigação da pretensão punitiva do Estado não fosse legalmente admissível ou possível nos casos de ilícitos de mera ordenação social, que, como se sabe, são punidos por iniciativa de uma autoridade administrativa, unicamente com uma sanção de natureza patrimonial (coima). 
Por igualdade ou até, mesmo, por maioria de razão, a figura da atenuação especial não pode ser excluída do regime substantivo de punição das contra-ordenações, pelo que, na falta de norma própria no regime geral previsto pelo DL n.º 433/82, o intérprete dever-se-á socorrer da cláusula geral que está consagrada no art.º 72.º do CP, aplicável por força do mencionado art.º 32.º.
Em termos gerais, nada obsta a que a atenuação especial de pena prevista pelo art.º 72.º, n.ºs 1 e 2, do CP possa ser aplicada aos ilícitos de mera ordenação social, ex vi art.º 32.º do DL n.º 433/82, de 27-10.
Estabelece o art.º 72.º do CP, sob a epígrafe “atenuação especial da pena”:
“1 - O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
2 - Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta (…)”.
O legislador admite a redução dos limites (mínimo e máximo) da pena a aplicar ao infractor quando ocorram circunstâncias particulares que levem a conclui que a aplicação das molduras penais se revelam desadequadas no caso concreto, tendo em consideração uma ilicitude, uma culpa ou exigências de prevenção (geral ou especial) acentuadamente diminuídas.   
Enquanto no n.º 1 do art.º 72.º do CP se estabelece uma cláusula geral respeitante à atenuação especial da pena, no n.º 2 desse dispositivo, o legislador elenca um conjunto de circunstâncias (anteriores, contemporâneas ou mesmo posteriores ao ilícito cometido), a título meramente exemplificativo, que são representativas de ilicitude, de culpa ou de necessidades punitivas do agente acentuadamente diminuídas. 
Conforme resulta, de modo expresso, do texto legal, a atenuação especial somente pode ter lugar, com a redução dos limites (mínimo e máximo) da pena a aplicar ao agente, nos casos em que se verifique uma “acentuada” diminuição da ilicitude, da culpa ou das exigências preventivas.
Conforme deixou escrito o Conselheiro Pires da Graça no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-09-2014, proferido no Proc. n.º 595/12.6TASLV (in www.dgsi.pt): “ (…) o art.º 72.º do CP, ao prever a atenuação especial da pena, criou uma válvula de segurança para situações particulares em que se verificam circunstâncias que diminuem por forma acentuada as exigências de punição do facto, por traduzirem uma imagem global especialmente atenuada, que conduz à substituição da moldura penal prevista pelo legislador para o facto por outra menos severa. Não estão verificados os pressupostos previstos no art.º 72.º do CP se a gravidade dos factos é de tal forma elevada, que intensifica a ilicitude, a culpa do arguido e a necessidade de pena”.
No caso vertente, a recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” pretende que as coimas parcelares em que foi sancionada pelo tribunal a quo venham a ser especialmente atenuadas, sem que, todavia, apresente fundamentos, muito menos sólidos, para essa pretensão.
Não obstante a posição assumida pela recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA”, considera-se que a matéria de facto provada se mostra insuficiente (ou, até mesmo, irrelevante), para que este tribunal de recurso possa concluir que, in casu, a ilicitude, a culpa ou as exigências preventivas se revelam diminuídas, muito menos acentuadamente esbatidas.
Dito por outras palavras: a matéria de facto considerada como provada pelo tribunal de primeira instância revela a prática das contra-ordenações acima mencionadas, sem que se evidencie uma imagem global especialmente atenuada, que justifique a redução dos limites (mínimo e máximo) das coimas que foram impostas à “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA”.
Em face do exposto, sem necessidade de quaisquer outras considerações, improcede, nesta parte, o recurso interposto pela empresa recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA”.

Da coima única:
Por último, a recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” veio considerar que a coima única de €68.000, aplicada pelo tribunal a quo, deverá ser substancialmente reduzida, na medida em que se mostra desproporcionada face à gravidade dos factos apurados.
Conforme resulta do que acima se deixou exposto, este tribunal entende que a “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” deverá ser absolvida da prática da contra-ordenação prevista pelos arts. 5.º, n.º 1 e 21.º, n.º 1, do DL n.º 57/2008 (cliente (…)).  
Deste modo, para efeitos de determinação da medida da coima única, este tribunal de recurso levará em consideração as coimas parcelares aplicadas pela prática de cada uma das 4 (quatro) contra-ordenações cometidas pela “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA”, nos montantes de €10.000, de €16.000, de €20.000 e de €15.000.
De acordo com o disposto no art.º 19.º, n.ºs 1 a 3, do DL n.º 433/82, de 27-10, em caso de concurso de contra-ordenações, o limite máximo da coima (única) corresponderá ao somatório das coimas (parcelas) aplicadas, enquanto que o limite mínimo não poderá ser inferior à mais elevada das coimas impostas.
Deste modo, in casu, este tribunal é confortado com uma moldura abstracta de €20.000 (limite mínimo) a €61.000 (limite máximo).
Assim, ponderando a imagem global dos factos em referência, o grau de culpa e de ilicitude deles resultantes, as necessidades de prevenção geral e especial (a recorrente não revelou sentido crítico e apresenta antecedentes contra-ordenacionais, conforme ficou provado na decisão recorrida), afigura-se adequado e proporcional aos factos, condenar a recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” na coima única de €45.000 (quarenta e cinco mil euros), uma vez realizado o cúmulo jurídico das coimas impostas pela prática das contra-ordenações acima mencionadas.

III – DECISÃO:
Em face do exposto, acordam os juízes que integram a secção da propriedade intelectual, concorrência, regulação e supervisão deste Tribunal da Relação de Lisboa, em:
--julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, absolver a recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” da prática da contra-ordenação prevista pelos arts. 5.º, n.º 1 e 21.º, n.º 1, do DL n.º 57/2008, de 26-03 (cliente (…)).
--julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, consequência, condenar a recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA”, na coima única de €45.000 (quarenta e cinco mil euros), uma vez realizado o cúmulo jurídico das coimas parcelares aplicadas pela prática das demais contra-ordenações em que foi condenada;
--julgar improcedente quanto ao demais o recurso interposto pela recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA”;
Sem custas.
           
Lisboa, 19 de Março de 2024
Paulo Registo
Armando Cordeiro
Alexandre Au-Yong Oliveira