Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
701/22.2PAALM.L1-5
Relator: SANDRA FERREIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO AMPLA DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ESPECIFICAÇÕES ARTIGO 412.º
N.ºS 3 E 4
DO CPP
CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
COMPENSAÇÃO À VÍTIMA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:  (da responsabilidade da relatora)
I – Na impugnação ampla da matéria de facto terá o recorrente que cumprir o ónus de impugnação especificada, em obediência ao disposto nos n.ºs 3 e 4 do citado artigo 412.º do Código de Processo Penal.
II – Se o recorrente não faz nem nas conclusões, nem no texto da motivação, as especificações ordenadas pelos números 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, nos seus precisos termos, não há lugar ao convite à correção das conclusões, uma vez que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do referido convite
III – Em face de um crime de violência doméstica em que o agente apresenta défice da capacidade de autocontrole, do sentido de autoanálise e autocrítica e na interiorização do desvalor da sua conduta, a fixação de um período de suspensão de 5 anos de suspensão em face de uma pena concreta de 3 anos e 6 meses de prisão mostra-se necessária para assegurar as exigências de ressocialização do arguido/recorrente.
IV – A compensação a atribuir à vitima nos termos do disposto no art. 82º A do Código de Processo Penal e 21º da Lei 112/2009 de 06.09 deve ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
I.1 No âmbito do processo comum coletivo n.º 701/22.2PAALMque corre termos pelo Juízo Central Criminal de Almada - Juiz 5, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em 13 de outubro de 2023, foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo [transcrição]:
“IV-DISPOSITIVO:
Pelo exposto, delibera o tribunal coletivo declarar parcialmente procedente a acusação deduzida pelo Ministério Público, e:
1. Absolver o arguido AA de dois crimes de violação previstos no artigo 164º, nº1, a) do Código Penal.
2. Condenar AA, pela prática de um crime de violência doméstica agravado, previsto no artigo 152.º nº1 alínea b) e nº 2, a) do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.
3. Determinar a suspensão da execução da pena pelo período de 5 anos.
4. Determinar que seja a suspensão da execução da pena acompanhada de regime de prova para cumprimento de plano individual de reinserção direcionado à avaliação dos fatores de risco de repetição das condutas, abordagem da motivação do comportamento, desenvolvimento de competências de pessoais e sociais potenciadoras da capacidade de autocontrolo, autoanálise e autocrítica e a interiorização do desvalor da sua conduta por forma a promover a estratégias de mudança comportamental que determinem vivência socialmente responsável, inserção laboral estável e manutenção de modo de vida normativo.
5. Condenar o arguido na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida BB (artigo 152º, nº 4 e 5 do Código Penal), por qualquer forma, direta ou indireta, pelo período de 3 anos e 6 meses, sendo com fiscalização através de meios técnicos de controlo à distância (se a ofendida consentir).
6. Condenar o arguido na sanção acessória de obrigação de frequentar programa específico de prevenção da violência doméstica, sob a orientação e em termos a definir pela DGRSP.
7. Não condenar o arguido no pagamento das custas do processo, por beneficiar da concessão de apoio judiciário.
8. Condenar o arguido no pagamento a BB da quantia de 4 500 a título de compensação de danos não patrimoniais.
9. Declarar perdida em favor do Estado a arma de alarme apreendida e determinar o encaminhamento da mesma para os serviços competentes da Polícia de Segurança Pública.
10. Determinar a recolha de amostras de ADN do arguido (artigo 8º, nº1 e 2 da Lei 5/2008, de 05 de fevereiro) obrigatoriamente precedida do cumprimento, por escrito, do direito de informação previsto nos artigos 9º e 17º, nº 3, alínea b), da referida Lei.
11. Determinar a substituição da medida de coação de prisão preventiva pela proibição de contactos com a ofendida, por qualquer meio, e proibição de aproximação da mesma e da sua residência a distância inferior a 300 metros, mantendo-se as obrigações decorrentes da prestação de termo de identidade e residência (artigos 193º, 196º, 200º, nº1, d), 204º, nº1, c) e 212º, nº3 do Código de Processo Penal).
12. Determino a restituição do arguido à liberdade, se não interessar a sua prisão à ordem de outro processo.
*
I.1 - Recurso da decisão
Inconformado com tal decisão dela interpôs recurso para este Tribunal da Relação, o arguido AA, com os fundamentos expressos nas motivações do qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:
“VI- Conclusões:
a- Veio o arguido, interpor o presente recurso, apenas quanto à condenação pela prática de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo art. 152º n.º 1 al. b) e d) e n.º 2 do Código Penal.
b- O arguido não concorda, a decisão tomada pelo Douto Tribunal a quo, considerando que os factos dados como provados, para além de não corresponderem à verdade, não foram corretamente apreciados e valorados.
c- Ambas as partes aceitam que tiveram um relacionamento amoroso e que o mesmo se encontrou delimitado no tempo, entre abril/maio de 2020 e abril de 2022 (praticamente no período de duração da pandemia covid-19), tendo parte deste ... ... período temporal, o casal residido na ... casa da mãe do arguido.
d- Assim, sendo, os factos dados como provados nos autos, decorreram quando as partes não viviam juntas, não tinham uma relação de namoro, apenas se encontravam e nesta medida os factos não sucederam (conforme foi dado como provado) no interior da residência comum.
e- Dos factos dados como provados e tido por assentes para a presente decisão, foi tido que o arguido “numa ocasião o arguido terá roçado uma lamina para cortar um colar da ofendida”, ora sem que exista nos autos a descrição detalhada, da data, do momento, do lugar, onde supostamente foi praticado o acto ilícito, não existindo qualquer prova do mesmo, nunca se poderá tal acto, ter-se como praticado e consequentemente provado, obrigando a uma decisão judicial a favor do réu.
f- O arguido conforme confessou, após terminarem o relacionamento, chegou a pedir à ofendida para retomarem a relação, contudo, nunca o mesmo, agarrou a ofendida por um braço ou mesmo perseguiu a mesma. Não existindo uma vez mais, qualquer prova sobre estes factos que são imputados ao arguido e que nunca foram provados. Sendo apenas uma versão da ofendida que não é corroborada nem por testemunhas, nem qualquer prova documental.
g- O arguido vem condenado por ter simulado murros ao ventre da arguida “dizendo o que aí tens é meu”, nesta matéria dada como provada, deve ser valorado que o arguido apenas teve conhecimento da gravidez, no mês de setembro de 2021, sublinhe-se que as partes não namoravam desde junho 2021 e não viviam juntos. Pelo que foi a ofendida, que ligou ao arguido, tendo dito “tenho uma coisa para te contar mas só te conto se vieres ter comigo cá a casa”. (declarações da ofendida) Ora daqui decorre de forma direta que a ofendida não tinha qualquer receio do arguido.
h- Foi quase de seguida, que a ofendida abortou, sendo que foi a mesma que ligou ao arguido para ir com esta ao hospital, porque a mesma estava a ter um aborto espontâneo. Sublinhe-se que contrariamente ao oferecido pela ofendida a mesma nunca ficou hospitalizada.
i- Pelo que é totalmente inverosímil, não se encontrando de forma alguma provado o que é oferecido pela ofendida e negado pelo arguido, que alguma vez este apontou os punhos á barriga da ofendida dizendo “o que tens ai é meu”, pelo que esteve mal este Douto Tribunal ao dar como provado este facto que nunca existiu e nunca foi provado, muito pelo contrário, o arguido não queria ser pai, mas este acto é totalmente contrario a qualquer experiência de vida, sublinhando-se que o arguido quando teve conhecimento da gravidez logo de seguida a mesma abortou, sendo que a gravidez nunca foi viável, conforme informação médica à ofendida.
j- Do incidente descrito nos autos como tendo decorrido no dia 1 de maio, as partes concordam quando ao modo em que passaram todo o dia, até confirmando que ao jantar o arguido, pediu á ofendida para retirar a mala de cima da mesa, contudo o arguido nega, qualquer discussão e agressão.
k- Dos factos relatados pela ofendida e dados como provados pelo douto Tribunal a quo, resulta como pouco verdadeiro, que a ofendida, quando fez a queixa no dia 9 de maio, não tenha relatado este episódio alegadamente sucedido no dia 1 de maio (apenas oito dias antes). Pelo que na dúvida, em qual das versões é verdadeira, não existindo qualquer outra prova, pese embora a relatada pela ofendida seja muito confusa, pouco clara, nada credível, a decisão a tomar terá sempre que beneficiar o arguido.
l- Sobre os factos decorridos no dia 9 de maio, o arguido, prestou declarações e explicou que neste dia, à tarde, a sua mãe lhe ligou a dizer que alguém tinha estado lá em casa, uma vez que estava o cão muito alterado muito nervoso e na bancada da cozinha se encontrava uma luva descartável e um recipiente para aquecer leite. O arguido primeiro tentou falar com a ofendida sem sucesso. Tendo-se deslocado a casa da mesma. Tocou à campainha da porta de casa e, á entrada de casa da ofendida, instou a mesma a entregar-lhe as chaves da sua casa, um creme B-Pantene Plus e €15,00 e ainda os seus óculos, casaco e camisolas que a ofendida tinha em sua posse e eram bens do mesmo. A ofendida desatou a discutir aos gritos e, como o arguido não gosta desses comportamentos, de forma a obrigar a ofendida a devolver-lhe os seus bens, retirou-lhe do pescoço as suas chaves que estavam num porta-chaves fita ao pescoço e, disse-lhe “se queres as tuas chaves, vem a minha casa entregar-me as minhas”. Ou seja, a única coisa que forçou a ofendida a devolver as chaves ao arguido foi o facto de este lhe ter tirado as dela.
m- Sobre estes factos, temos o depoimento directo da Testemunha, CC, que aos autos, disse que neste dia “abriu a porta e, que estava a ofendida muito feliz e bem disposta, e num saquinho transparente devolveu as chaves da sua casa, o creme e €15,00”.
n- Ora, existe prova directa, que contrariamente ao oferecido pela ofendida e dado como provado pelo Tribunal a quo, apresenta que a ofendida naquele dia tinha as chaves do arguido, tendo devolvido as mesmas num saco de plástico em conjunto com um creme e €15,00. Pelo que não se compreende e nesta medida não se aceita a decisão nesta matéria do douto Tribunal.
o- Mais, nesse dia, o arguido tendo confessado que se deslocou a casa da ofendida, mas não o fez com o objectivo de reatar a relação (como foi dado como provado), conforme o mesmo apresentou nas suas declarações, o mesmo apenas se deslocou a casa da ofendida para reaver os seus bens.
p- Tendo as suas declarações na integra sido corroboradas pela Testemunha, CC, o arguido apenas se deslocou á casa da ofendida para que esta devolvesse as suas chaves. Sendo que como a mesma não o quis fazer a única forma que arranjou, bem ou mal, foi tirar-lhe as dela para a forçar a fazer uma troca.
q- Da demais matéria, as partes apesar de não namorarem continuavam a estar juntas e a encontrarem-se, sendo que era a ofendida que ligava ao arguido para este ir ter com ela. Tanto assim foi, que no dia 22 se cruzaram com a Testemunha Dra. DD no restaurante “...”, bem dispostos e de mãos dadas.
r- Nunca o arguido enviou uma sms à ofendida para a ameaçar com uma arma, tanto que inexiste prova nos autos.
s- Pelo que a existir alguma dúvida por parte deste douto Tribunal, na apreciação dos factos e consequente valoração da prova, a mesma teria sempre de ser decidida a favor do arguido – in dubio pro reo.
t- A postura, assumida, pela ofendida, desde logo vem demonstrar que não existe a prática deste ilícito. Encontrando-se provado e confessado pela própria assistente que a mesma não tinha medo do arguido, de forma tácita, demonstrando-se assim que inexiste qualquer ascendente do arguido sobre a ofendida, até pelo contrário.
Dos factos dados como provados, as partes não residiam juntas, sequer ocorreram na casa do arguido, onde as partes viveram juntas durante o relacionamento, pelo que jamais o ilícito se poderia ter como agravado.
u- In casu, os factos que se têm por assentes (o ligar diversas vezes e o ir a casa da ofendida – pese embora o arguido lá tenha ido por ter sido convidado) não são suficientes para integrar o referido ilícito de violência doméstica.
v- Sendo este um crime punido mais gravemente que os ilícitos de ofensa à integridade física, injurias, ameaças, coação, sequestro, difamação, coação etc., pelo que para determinar a tipicidade deste crime, não pode ser qualquer ofensa, conforme Acórdão da Relação de Lisboa de 15-01-2013, Proc. n.º 1354/10.6TDLSB.L1, para avaliar se uma conduta é subsumível ao tipo de violência doméstica é atentar no seu caracter violento ou na sua configuração global de desrespeito pela dignidade da pessoa da vitima, ou de desejo de prevalência, dominação e controlo sobre a mesma.
w- O que aqui de forma objectiva, podemos verificar inexistir. Não existe por parte do arguido sobre a ofendida, prevalência, subjugação, nem dominação nem controlo, muito pelo contrário.
x- Assim, considerando a prova produzida, o concreto circunstancialismo, não existe por parte do arguido qualquer controlo, existe um desentendimento no dia 1 de maio, no dia 9 de maio é o arguido que para voltar a conseguir as suas chaves fica com as da ofendida para poder exigir a troca, nos demais dias descritos, o arguido vai a casa da ofendida, porque continuam a falar e porque quer que ela volte, mas é a ofendida que o convida. Liga-lhe por diversas vezes, porque entende que a relação ainda subsiste, que são amigos, pese embora desde abril estejam a viver cada um em sua casa.
y- Assim, face aos factos descritos, ao circunstancialismo, nunca o bem jurídico tutelado norma do art. 152º do Código Penal, pode ter-se como afectada, não se podendo traduzir essas acções e tratamentos enquanto desumanos e degradantes. Neste sentido, Ac. TRP de 09.05.2018, não podendo o arguido aceitar tal condenação.
z- O arguido vem condenado numa pena 3 anos e seis meses de prisão, ficando a mesma suspensa na sua execução em cinco anos atenta a anterior condenação (ilícito de diferente natureza pelo que desde já não se percebe o raciocínio deste Tribunal) e o grau de exigências de prevenção especial (art. 50º n.º 5 do Código Penal), ficando a suspensão da execução da pena acompanhada de regime de prova, condenando ainda o Tribunal a quo o arguido, na sanção acessória de proibição de contactos com a ofendida por qualquer forma, directa ou indirecta, pelo período de três anos e seis meses, fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância. E ainda na sanção acessória de obrigação de frequentar programa específico de prevenção de violência doméstica, fixando ainda uma compensação pelos danos não patrimoniais sofridos por BB em €4.500,00.
aa- Verifica-se que a pena aplicada, em concreto ao arguido, face aos factos aqui explanados, a prova produzida, realidade de vida do arguido, a sua precária situação económica, é em si muito excessiva, sendo a mesma totalmente desproporcional e nesta medida ilegal.
bb- O arguido desde 2020 que vive numa situação precária, não tem casa, não tem dinheiro. Desde 12 de julho de 2022 que não trabalha, não tendo por ora qualquer perspectiva laboral.
cc- O mesmo, reside com a sua mãe, não só porque a mesma necessita de apoio diário (ficou verdadeiramente debilitada no último ano), mas também porque o mesmo, não tem casa, nem trabalho nem qualquer dinheiro para suportar o pagamento de uma renda.
dd- Se fizermos uma comparação com a pena a que o arguido foi sujeito, facilmente se verifica que a mesma é desproporcional e injusta face aos factos praticados e existentes e a todos os outros processos de violência doméstica, pelo que se comprova que a pena e compensação exigidas ao arguido e nas quais o mesmo veio condenado são exageradas, desproporcionais e desadequadas.
Nestes Termos deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido sendo o arguido absolvido, na eventualidade de assim não se considerar, e considerem que existe a prática do ilícito de violência doméstica, deve a pena ser substancialmente reduzida bem como a compensação alvitrada pelo douto Tribunal a quo.
Fazendo-se assim a Boa e Costumada Justiça!”
*
O recurso foi admitido nos termos do despacho proferido a 20.11.2023.
*
I.2 - Resposta ao recurso:
Efetuada a legal notificação:
- O Ministério Público respondeu ao recurso interposto apresentando as seguintes conclusões [transcrição]:
“III. CONCLUSÕES
A) Verifica-se no recurso interposto um incumprimento manifesto dos requisitos previstos no artigo 412.º, n.º 3, al. b), e n.º 4, do CPP, que, na esteira da jurisprudência citada, impõe a rejeição liminar do recurso, o que se requer ao abrigo do disposto no artigo 414.º, n.º 2, do CPP.
Caso assim não se entenda,
B) Não se afigura que assista qualquer razão ao recorrente quanto a qualquer dos pontos de facto impugnados, já que, em nosso entender, o acórdão recorrido efectuou uma correcta apreciação da prova constante dos autos e daquela produzida em audiência, e uma rigorosa subsunção da factualidade provada ao Direito aplicável.
C) Da leitura atenta da fundamentação do acórdão recorrido (em especial da parte acabada de citar), não se suscitam quaisquer dúvidas quanto ao raciocínio lógico-indutivo percorrido pelo Mm.º Tribunal a quo, raciocínio esse que cumpriu integralmente o disposto nos artigos 127.º e 374.º, n.º 2, do CPP.
D) O Mm.º Tribunal a quo analisou crítica e devidamente todos os elementos de prova relevantes, designadamente as declarações do arguido e o depoimento da vítima – explanando a sua convicção quanto à credibilidade de cada uma das versões em cada ponto de facto em discussão, com apelo a regras da experiência comum e segundo critérios objectivos e atendíveis.
E) Mais confrontou tais versões, por vezes consonantes, por vezes contraditórias, com os demais elementos probatórios, a saber, as restantes testemunhas, os elementos clínicos e os variados documentos juntos aos autos, de forma a alicerçar tal convicção, pelo que não nos merece qualquer censura o acórdão recorrido, quanto a toda a fundamentação e decisão sobre a matéria de facto.
F) Tal verifica-se, em nosso entender, quanto a cada um dos pontos de facto impugnados, conforme melhor concretizado supra.
G) Resulta da leitura dos pontos da matéria de facto dada como provada que, pelo menos os pontos 3., 4. e 8. da matéria de facto ocorreram no interior da residência comum. De resto e ainda que assim não fosse, a qualificação do tipo de crime na forma agravada sempre resultaria da circunstância de os factos n. º 5, 14, 15 a 17, 19 a 21 e 24 a 27 terem ocorrido na residência da vítima, pelo que sempre improcederia o peticionado quanto à requalificação jurídica.
H) Em conformidade, perante o acervo factual dado como provado, também se nos afigura que deverá ser mantida a qualificação jurídica, porquanto os factos efectivamente demonstram um ascendente do arguido sobre a vítima, encontrando-se pois, salvo melhor entendimento, preenchidos todos os pressupostos objectivos e subjectivos do tipo de crime previsto no artigo 152.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, al. a), do Código Penal.
I) Ao contrário do que sustenta o recorrente, em sede de fundamentação quanto à determinação da medida concreta da pena, o Mm.º Tribunal a quo considerou a boa inserção social e familiar, e bem assim a mobilidade laboral do arguido.
J) Acontece que tais circunstâncias, embora tenham contribuído para a suspensão da execução da pena de prisão, não abalam aquelas que abonam contra o arguido, em especial a intensidade acima da média da ilicitude, as exigências de prevenção especial acima da média, os antecedentes criminais e a ausência de arrependimento – circunstâncias essas que o recorrente não contesta no recurso interposto.
K) Acompanhamos e fazemos nossas as considerações acima citadas do Mm.º Tribunal a quo e, sopesando as circunstâncias agravantes acabadas de indicar com a integração social e familiar do arguido, na esteira dos critérios fixados nos normativos legais também citados, entendemos que a pena concretamente aplicada de 3 anos e 6 meses de prisão é justa e adequada.
L) Pelo exposto, no entender do Ministério Público, a ponderação e decisão sobre a pena concreta aplicada ao arguido não merece qualquer censura, devendo por isso improceder, também nesta parte, as alegações de recurso.
M) Não nos merece, assim, o douto acórdão recorrido, qualquer censura ou reparo.
N) Por tudo o acima exposto, não deve ser dado provimento ao recurso, devendo pois ser mantida, na íntegra, a decisão sub judice.
Assim se fazendo a acostumada Justiça”.
*
I.3 - Parecer do Ministério Público
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Procuradora-Geral Adjunto emitiu parecer, nos seguintes termos [transcrição]:
“Vem o presente recurso interposto pelo arguido AA, do Acórdão proferido no dia 13/10/2023, pelo qual foi condenado, pela prática de um crime de violência doméstica agravado, previsto no artigo 152.º n.º 1 alínea b) e nº 2, alínea a), do Código Penal:
- na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, acompanhada de regime de prova;
- na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida BB (artigo 152º, nº 4 e 5 do Código Penal), por qualquer forma, direta ou indireta, pelo período de 3 anos e 6 meses, sendo com fiscalização através de meios técnicos de controlo à distância;
- na sanção acessória de obrigação de frequentar programa específico de prevenção da violência doméstica, sob a orientação e em termos a definir pela DGRSP
Sustenta, em suma, o arguido:
- que o tribunal incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, designadamente quanto aos pontos 3, 5, 6, 8, 11, 12, 14, 15, 17, 18, 19, 22, 23 e 29 que não deviam ter sido dados como provados nos termos em que o foram;
- que os factos que deviam ter sido dados como provados, não são suficientes para integrar o tipo de crime de violência doméstica;
- que a medida da pena concretamente fixada é excessiva e desproporcional.
Acompanhamos a douta e fundamentada Resposta às alegações de recurso, apresentada pelo Magistrado do MºPº, que identificou com precisão o objeto do recurso, e que, pela sua correção jurídica e clareza, merece a nossa inteira adesão:
- demonstrando que o douto acórdão recorrido mostra-se bem fundamentado, de forma lógica e conforme às regras da experiência comum, sendo fruto de uma adequada apreciação da prova;
- demonstrando que, ao impugnar a matéria de facto, o arguido não observou as regras processuais previstas no nº 3 do artº 412 do CPP, não tendo especificado as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, pelo que tal impugnação se mostra irrelevante;
- demonstrando que, face á matéria de facto apurada, o tribunal fez uma correta qualificação jurídica da mesma ao considerar que os factos integram o crime de violência doméstica pelo qual o arguido foi condenado;
- sustentando que, face ao crime pelo qual o arguido foi condenado e aos demais elementos apurados, a medida da pena aplicada se mostra adequada e proporcional às exigências preventivas e sancionatórias, que os factos praticados reclamam.
Assim, somos de parecer que o presente recurso deve ser julgado improcedente.
*
I.4 - Resposta
Foi notificado o referido parecer tendo o arguido manifestado a sua discordância com o mesmo mantendo na íntegra todo o já oferecido em sede de recurso.
***
Prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir:
***
II - Fundamentação
Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ1], são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal2.
Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do respetivo recurso interposto nestes autos, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
- Impugnação da matéria de facto provada – art. 412º, nº 3 do Código de Processo Penal - Erro de julgamento, quanto aos factos dados como provados nos pontos 3, 5, 8, 11, 12, 15, 17, 18, 19, 22, 23 e 29 da factualidade provada.
- Subsunção jurídica dos factos ao crime de violência doméstica, previsto e punível pelo art. 152º, nº1 al. b) e nº 2 al. a) do CP.
- Excesso e desproporcionalidade da pena aplicada e da compensação arbitrada à vítima.
*
II.1 Com relevo para a resolução das questões objeto do recurso importa recordar a fundamentação de facto da decisão recorrida [transcrição dos segmentos relevantes para apreciar as questões objeto de recurso]:
“II- FACTOS:
A) PROVADOS (com relevo para a decisão):
1. AA e BB, mantiveram durante dois anos uma relação amorosa, que terminou em maio de 2022.
2. No decurso desse relacionamento, viveram juntos como marido e mulher, por alguns meses, na habitação do arguido, sita na ... º, em ..., onde também residia a mãe daquele.
3. Numa ocasião, o arguido encostou uma faca ao pescoço de BB, roçou a lâmina em redor do pescoço desta e quando levou a faca à parte de trás do pescoço o arguido cortou o colar que a ofendida usava.
4. BB, por várias vezes, terminou o relacionamento com EE, regressando à sua residência ou à da sua filha.
5. Sempre que a ofendida terminava o relacionamento, EE ligava insistentemente para o seu telemóvel, também quando ela se encontrava em casa de sua filha.
6. Nessas ocasiões, quando BB ia à rua, o arguido agarrava-lhe um braço, insistindo que regressasse para a sua residência, implorando-lhe para que não o deixasse.
7. Em consequência das relações sexuais mantidas com o arguido, BB engravidou e, em outubro de 2021 sofreu um aborto espontâneo.
8. Numa ocasião, no período de tempo em que a ofendida esteve grávida, o arguido apontou os punhos ao ventre daquela, simulando murros e disse “O que tu tens aí é meu”.
9. Várias vezes, no decurso da relação, na sua residência, o arguido manteve relações sexuais com a ofendida, estando ela debruçada sobre um lavatório, introduzindo o arguido o seu pénis na vagina daquela, fazendo movimentos de vai e vem, sendo que durante esta prática fazia com que esta exercesse grande pressão/força sobre a superfície do lavatório, causando-lhe dor.
10. No dia 01 de maio de 2022, EE e BB passaram o dia em ... e foram jantar a um restaurante na ... e aí a ofendida colocou a sua mala em cima da mesa, o que desagradou ao arguido, que a repreendeu.
11. Após, já no interior do veículo automóvel do arguido, a ofendida perguntou-lhe onde iam e ele respondeu: onde mereces.
12. E, já em andamento, o arguido conduzia a grande velocidade e puxou os cabelos da ofendida que, com medo, abriu a porta do veículo gritando por socorro.
13. No dia 09 de maio de 2022, BB terminou o relacionamento com EE e abandonou a residência deste.
14. No mesmo dia, cerca das 22h00, o arguido deslocou-se à residência da ofendida, sita na ..., a fim de a convencer a regressar.
15. Nessa ocasião, a ofendida devolveu a EE as chaves da casa deste e disse-lhe que não iria regressar e, então, o arguido agarrou e puxou uns óculos que ela tinha colocados na cabeça e partiu-os.
16. E, usando força, puxou as chaves de casa da ofendida, que esta trazia num fio pendurado ao pescoço e abandonou o local, dizendo: se quiseres as tuas chaves tens de vir buscá-las a minha casa.
17. BB e dois amigos, FF, namorado da filha e GG, deslocaram-se casa de EE, que no momento não estava presente, tendo chegado pouco depois, recusando-se entregar as chaves à ofendida.
18. No dia 17 de maio de 2022, EE deu entrada nos serviços de urgência do ..., e na tentativa de mostrar a BB que se estava a reabilitar e a modificar a sua conduta enviou–lhe uma mensagem escrita referindo um atendimento por ....
19. No dia 15 de junho de 2022, pelas 20h, EE deslocou-se à residência da ofendida, bateu à porta com as mãos e com os pés e disse: “Eu sei que estás aí dentro há alguns dias, pois eu vi a persiana aberta. Se não retirares a queixa eu vou matar a tua filha e os teus amigos”.
20. BB abriu a porta e, nas escadas que dão acesso ao andar onde reside, ela despiu-se, o arguido desferiu-lhe palmadas nas nádegas, vagina e nas pernas, baixou os seus boxers e introduziu o seu pénis na vagina daquela, fazendo movimento de vai e vem, e ejaculou, tendo lambido o sangue menstrual da ofendida.
21. No dia 16 de junho de 2022, EE deslocou-se de novo à residência de BB tocou várias vezes à campainha e quando esta abriu a porta disse-lhe “então o que decidiste?”, “Vais retirar a queixa?”, “eu não estou a brincar “, “Não me subestimes”.
22. Nessa data, BB e EE foram jantar ao restaurante “...” e aí o arguido disse à ofendida que era uma pessoa muito protegida, que conhecia toda a gente pois o seu pai tivera um cargo importante na marinha, e exibiu-lhe fotografias que tinha no seu telemóvel, nomeadamente uma foto tirada no bairro da ..., afirmando que é o bairro mais perigoso da região de Lisboa e que tinha lá amigos que poderiam matar a ofendida e a sua filha.
23. E mostrou ainda uma fotografia de uma arma de fogo, dizendo: “eu vou matar-te a ti, à tua filha, aos amigos dela, ao namorado da tua filha, e à família do namorado da tua filha. Primeiro meto a pistola na vossa boca para vos partir os dentes e depois disparo”.
24. Quando regressaram à residência da ofendida, no interior do prédio, nas escadas de acesso ao andar onde aquela reside, BB despiu-se, EE desferiu-lhe palmadas nas nádegas, vagina e nas pernas, baixou os seus boxers, introduziu o seu pénis na vagina daquela e fazendo movimento de vai e vem, ejaculou.
25. BB sofreu equimoses na coxa esquerda, lesões que lhe determinaram seis dias de doença.
26. No dia 18 de junho de 2022, pelas 22h20m, EE deslocou-se à residência da ofendida, batendo na porta, tentando entrar.
27. No dia 21 de junho de 2022, pelas 6h00, EE deslocou-se ao interior do prédio onde reside a ofendida, tocou inúmeras vezes à campainha, e uma vez que esta não abriu a porta, gritou “sabes o que faz a tua filha? sabes onde ela está?... Agora está loira, com tranças como os pretos.”, após o que abandonou o local.
28. O arguido agiu sempre com o propósito conseguido de perseguir, controlar, amedrontar e agredir física e psicologicamente a ofendida, atemorizá-la, ofender a sua honra e consideração, o que conseguiu, bem sabendo que com o seu comportamento lhe causava medo e inquietação, fazendo-a recear que ele pudesse atentar contra a sua vida ou integridade física.
29. O arguido não se coibiu de assim agir na residência em que ambos habitavam.
30. Agiu sempre livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei.
31. Do certificado de registo criminal do arguido consta condenação, no processo 1492/18.7PULSB, por sentença de 28/04/2022, transitada em julgado em 30/05/2022, por um crime de violação de domicílio e um crime de dano, praticados em 20/09/2018, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €.
(Do relatório social):
32. O processo de desenvolvimento de EE decorreu no seio de um agregado familiar composto pelos progenitores e dois descendentes, com uma condição socioeconómica equilibrada, em que o pai era capitão-de-mar-e-guerra e a mãe bancária.
33. A dinâmica familiar foi normativa e estruturada, com estabelecimento de vinculação afetiva, onde sobressaía uma maior proximidade com a mãe do que com o pai, que se mantinha mais afastado e menos interventivo no processo educativo dos descendentes.
34. O casal veio a separar-se quando o arguido contava 7 anos de idade, ficando os filhos a cargo da progenitora, que, com o apoio dos seus pais, manteve um estilo educativo assente na transmissão de valores e normas socialmente ajustados.
35. EE entrou no Sistema de Ensino em idade regular, tendo concluído o 12º. ano de escolaridade com cerca de 20 anos.
36. Com 22 anos fez um curso de treinador de ténis, promovido pela ...; em 1997 e 2018 fez dois cursos de formação na área da engenharia; em 2019 fez um outro curso na área da saúde, com especialização em geriatria.
37. Começou a trabalhar, em períodos de férias e fins-de-semana, com 17/18 anos como beach marshall em campeonatos de surf e como empregado de loja.
38. Posteriormente trabalhou durante cerca de três anos na empresa ..., na área de informática e gestão de equipamentos.
39. Mais tarde trabalhou durante dez anos numa empresa de arquitetura e design, na área da gestão de clientes e fornecedores.
40. Trabalhou no ..., onde deu aulas de ténis durante 3 anos na ....
41. Trabalhou na área de recursos humanos na empresa de publicidade ... durante três anos.
42. Posteriormente trabalhou na área da mediação imobiliária, ao serviço de várias empresas do ramo, até emigrar para ..., onde trabalhou na área da geriatria.
43. Na época de pandemia, regressou a ..., passando a trabalhar no departamento de geriatria na ....
44. Entre setembro de 2020 e o final de março de 2022 trabalhou na área de apoio domiciliário ao serviço de uma IPSS.
45. Em abril de 2022 voltou a trabalhar para a Era Imobiliária, empresa onde trabalhava à data da prisão.
46. A nível da saúde, o arguido teve experiências pontuais, no seio do grupo de pares, com haxixe, com cerca de 17 anos e com heroína e cocaína aos 24/25 anos, bem como consumos de álcool em contexto social.
47. O arguido submeteu-se a dois internamentos para desabituação de consumos de cocaína e heroína, em duas comunidades terapêuticas em ... e na ....
48. Não faz acompanhamento psicológico nos Serviços Clínicos do Estabelecimento Prisional.
49. Em termos afetivos o arguido tem duas filhas, de 21 e 23 anos, de dois relacionamentos com coabitação de curta duração, sendo que só teve conhecimento da existência da mais velha quando a mesma tinha já 3 anos de idade, não sendo por isso sido registada com o nome do pai biológico, mas sim com o do companheiro que a mãe tinha na época.
50. Não mantém relacionamento com as descendentes por entender que estas tomaram o partido das mães.
51. Contraiu matrimónio por duas vezes, sendo que do primeiro casamento nasceu um filho, que conta atualmente 15 anos de idade, relação que terminou ao fim de sete anos.
52. O arguido mantém relacionamento com o filho menor, que o visitou uma vez no Estabelecimento Prisional.
53. O segundo casamento iniciou-se em 2011, tendo perdurado cerca de sete anos.
54. Em 2020 o arguido iniciou relacionamento com BB, ofendida no atual processo, coabitando, durante o tempo que manteve relação, em casa da mãe do arguido.
55. À data dos factos que deram origem ao presente processo, EE residia junto do agregado familiar de origem, de que faz parte a progenitora, num apartamento arrendado, situada em Almada.
56. Em termos de enquadramento sociofamiliar, o arguido beneficia de suporte por parte da mãe, que apresenta uma atitude de censura face a crimes de violência contra mulheres, não revendo o arguido na prática dos crimes pelos quais vem indiciado.
57. A nível das características socio-emocionais, EE apresenta uma atitude sociável e boa capacidade no estabelecimento de relacionamentos interpessoais, mostrando-se revoltado com a sua situação jurídico-penal.
58. Em termos de perspetivas futuras, o arguido pretende reintegrar o agregado familiar da progenitora.
59. No plano profissional, perspetiva vir a desempenhar funções com consultor imobiliário, para a ..., onde trabalhou anteriormente.
60. EE encontra-se em prisão preventiva desde 12 de julho de 2022, estando desde 02 de janeiro de 2023 no Estabelecimento Prisional da Carregueira.
61. O arguido não reconhece os crimes pelos quais vem indiciado, adotando uma atitude de negação dos comportamentos descritos na acusação, dando conta que esta se deve a uma retaliação por parte da ex-companheira por se sentir despeitada por ter sido posta fora de casa.
62. EE protagoniza um discurso de censura face a crimes de violência sexual e violência doméstica, alegando inocência.
63. Em ambiente prisional, o arguido apresenta um comportamento conforme às normas institucionais.
64. Encontra-se laboralmente inativo.
65. O distanciamento na relação com o pai parece ter produzido um impacto negativo na sua vida.
66. Regista-se alguma mobilidade laboral e dificuldades no estabelecimento de relações de intimidade estruturadas e afetivamente competentes, situações que parecem ter vindo contribuir para a intensificação da sua instabilidade emocional e insatisfação pessoal.
67. Apresenta défice da capacidade de autocontrolo, do sentido de autoanálise e autocrítica e na interiorização do desvalor da sua conduta
(Mais se provou):
68. O arguido é tido como honesto e trabalhador por aqueles que o conhecem.
69. O arguido tinha na sua residência uma arma de alarme ou starter, em liga metálica de cor preta, de marca Gonher, fabricada em Espanha, com a inscrição CW Castalla, 44 Fabrique en Espagne no lado direito da carcaça, sobre o guarda-mato do gatilho, com duas platinas em plástico castanho no punho, com capacidade para oito fulminantes, em condições de deflagrar cargas fulminantes com efeito sonoro semelhante ao disparo de uma arma de fogo, em bom estado de conservação e funcionamento mecânico, não suscetível de ser transformada em arma de fogo.
B) NÃO PROVADOS:
1. No decurso da relação EE criticava o vestuário e os adornos que BB usava.
2. Noutras vezes, agarrava-a pelo vestuário, junto ao pescoço, impedindo-a de respirar, ao mesmo tempo que gritava.
3. Durante o relacionamento, EE revelava atitudes de posse relativamente a BB e controlava os seus movimentos (conclusivo).
4. Assim, EE entendia que deviam ficar em casa sem qualquer contacto com o exterior, impedindo BB de sair e de contactar amigos e familiares, proibindo-a, inclusive, de contactar a sua filha.
5. Em data não apurada, no inicio da relação, depois de ter sido obrigada a passar todo o dia fechada na residência de EE, sem luz e com as persianas fechadas, BB pediu para sair de casa e o arguido prendeu-a com um colar/coleira que lhe colocou ao pescoço.
6. Quando o arguido cortou o colar que a ofendida usava, esta gritou, pelo que ele permitiu que ela abandonasse a residência.
7. Na ausência do arguido, a mãe deste controlava BB.
8. A ofendida estava a ser constantemente controlada e observada.
9. O arguido chegou a ligar 70, 80 ou centenas de vezes para o telemóvel da ofendida.
10. Durante o relacionamento BB, foi várias vezes constrangida a manter relações sexuais contra a sua vontade.
11. Porque EE queria que BB engravidasse, esta tinha que estar disponível para ter relações sexuais, três vezes por dia, e não se podia negar.
12. BB engravidou no mês de setembro de 2021.
13. Quando estava grávida, porque se sentia mais frágil e cansada, BB pediu a EE para regressar a casa deste.
14. Também no decurso da gravidez, EE, constrangia BB a manter relações sexuais contra a vontade.
15. No decurso a gravidez, o arguido desferiu socos na barriga da ofendida.
16. Sempre que mantinham relações sexuais, EE causava dor e sofrimento à ofendida.
17. Assim, EE obrigava BB a manter relações sexuais, na casa de banho da sua residência, sobre a superfície partida/lascada do lavatório.
18. Várias vezes, EE obrigava a BB a debruçar-se sobre o lavatório e introduziu o seu pénis no ânus daquela.
19. Os factos descritos em 10, 11 e 12 dos factos provados ocorreram na sequência do almoço em ....
20. E nessa ocasião a ofendida abriu a porta do carro mais do que uma vez.
21. A frase referida em 16 dos factos provados foi proferida pelo arguido através de contacto telefónico.
22. A factualidade descrita em 17 dos factos provados ocorreu no dia posterior aos factos constantes de 14, 15 e 16.
23. No dia 17 de maio de 2022, EE deu entrada no ....
24. Na situação ocorrida em 16 de junho de 2022, o arguido ordenou a BB que saísse de casa para o acompanhar ao restaurante “...”.
25. Numa das fotos exibidas pelo arguido, aparecia o próprio, no bairro “...”.
26. O arguido e a ofendida regressaram do restaurante às 02h30.
27. Nas situações descritas em 20 e 24 dos factos provados, o arguido obrigou a ofendida a despir-se e atuou contra a vontade dela.
28. As lesões referidas em 25 dos factos provados são resultado da ação voluntária do arguido.
29. Quis o arguido manter relações sexuais com a ofendida, constrangendo-a, contra a vontade desta, fazendo uso da força e intimidando-a para assim concretizar o ser propósito.
30. Ao agir de forma descrita nos artigos, o arguido agiu com o intuito de satisfazer os seus instintos sexuais, bem sabendo que coartava, desse modo, a possibilidade de a ofendida se autodeterminar livremente nesse campo da sua vida e sendo certo ainda que, atuando com aquele propósito, o arguido usou violência física contra a mesma, por modo a obstar que aquela resistisse aos seus intentos, o que logrou conseguir.
C) FUNDAMENTAÇÃO DA CONVICÇÃO DO TRIBUNAL:
O tribunal apreciou o conjunto da prova produzida, nos termos do disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal que, ressalvados os casos de prova vinculada, confere ao julgador poderes de livre apreciação, o que quer dizer que esta é avaliada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção de quem decide.
O artigo 374º do Código de Processo Penal estabelece os requisitos da sentença/acórdão, entre os quais a fundamentação que, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, consiste na exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Este exame crítico «consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção (…). O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte» (Acórdão do STJ de 25-01-2006 (processo n.º 05P3460), disponível em http://www.dgsi.pt.).
Justifica-se um breve enquadramento dos princípios que regem a prova e sua apreciação em processo penal.
O artigo 127º do Código Processo Penal estabelece, relativamente à valoração da prova, três tipos de critérios: uma avaliação da prova inteiramente objetiva quando a lei assim o determinar; outra também objetiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjetiva, que resulte da livre convicção do julgador.
A convicção resultante da livre convicção do julgador pode ser motivada e fundamentada, mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjetivos, embora explicitados para serem objeto de compreensão” (Ac STJ de 18/1/2001, proc nº 3105/00-5ª, SASTJ, nº 47,88).
Tal como diz o Prof Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal, Vol II, pág. 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objetiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objetiva”.
Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objetivos.
Sobre a livre convicção refere o Professor Cavaleiro de Ferreira que esta «é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade» -Cfr. "Curso de Processo Penal", Vol. II, pág.30. Por outras palavras, diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é "... uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros. (…) uma tal convicção existirá quando e só quando … o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável" (in Direito Processual Penal, 1º Vol., Coimbra Editora, Reimpressão, 1984, páginas 203 a 205).
O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no artigo 355º do Código de Processo Penal. É aí que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na receção direta de prova.
Nas palavras do Prof. Germano Marques da Silva "... a oralidade permite que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material através de um sistema de prova objetiva, atípica, e de valoração pela intima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens". -Cfr. "Do Processo Penal Preliminar", Lisboa, 1990, pág. 68”.
Ainda relativamente ao conceito de livre apreciação da prova, ensinou o Professor Figueiredo Dias: “Uma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável e, portanto, arbitrária – da prova produzida. (...)
(...) a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” – de tal sorte que a apreciação há de ser, em concreto, reconduzível a critérios objetivos e, portanto, em geral suscetível de motivação e ao controlo efetivos.
(...) Do mesmo modo, a “livre” ou “íntima” convicção do juiz, de que se fala a este propósito, não poderá ser uma convicção puramente subjetiva, emocional e, portanto, imotivável.
Uma tal convicção existirá quando e só quando – parece-nos adequado este um critério prático, de se tem servido com êxito a jurisprudência anglo-americana – o tribunal tiver logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.”.
No mesmo sentido de pronunciou o Tribunal Constitucional (Ac. TC 1166/96 de 19-11-1996, in D.R., II, 06-02-97, debruçando-se sobre o artigo 127º do Código de Processo Penal, concluiu que "a regra da livre apreciação de prova em processo penal não se confunde com apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável. O julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância às regras da experiência comum utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e controle".
Por último, importa referir o princípio constitucionalmente garantido do in dúbio pro reo, nos termos do qual, na decisão de factos incertos, a dúvida deve ser resolvida em benefício do arguido.
***
A factualidade assente resulta essencialmente da valoração/apreciação conjugada do depoimento da ofendida BB e das declarações do arguido, que até são coincidentes em alguns pontos, nomeadamente no que respeita à cronologia dos factos ocorridos em 01 de maio de 2022, referindo ambos que o desentendimento ocorreu durante o jantar e na localidade da ..., divergindo quanto à dinâmica subsequente, referindo o arguido que apenas pediu à ofendida que colocasse a mala sobre uma cadeira e descrevendo ela factos coincidentes com os descritos na acusação, de forma coerente e sem incongruências, densificando-os mesmo, referido que o arguido por vezes largava o volante, mantendo a condução apenas com os pedais, o que lhe terá permitido puxar os cabelos da ofendida e fechar a porta do veículo quando ela a abriu em andamento, porém, já não se mostra conforme às regras de experiência comum a repetição dessa ação, atento o risco que acarretava de desencadear um acidente estradal, justificando-se assim o facto não provado correspondente.
A versão da ofendida mostra-se, no mais, credível, além do mais, à luz das regras de experiência comum, por se tratar de um episódio, pela sua natureza, difícil de inventar e de
certo modo compatível com a personalidade do arguido, evidenciada em sede de audiência, concretamente alguma rigidez de pensamento e de expressão das convicções próprias, além da instabilidade emocional que o relatório social junto a folhas 801 refere.
*
Demonstrando rigor e isenção, a ofendida BB não confirmou que o arguido lhe tivesse colocado uma coleira para a manter confinada, explicando que se tratava de um colar e que o arguido roçou ligeiramente uma faca em redor do seu pescoço e, na zona da nuca, cortou efetivamente esse colar, mostrando-se, nesta parte, o seu depoimento assertivo e consistente.
*
Coincidem também as versões de ambos na parte respeitante ao atendimento do arguido nos serviços de urgência do ..., por apresentar um quadro sintomático associado à Covid 19, não no serviço de psiquiatria, confirmando o arguido que efetivamente telefonou à ofendida e concordou em marcar uma consulta de psiquiatria.
Dos documentos clínicos de folhas 489 a 491 resulta que o arguido recorreu à urgência do ...no dia 28 de junho de 2022, no dia posterior ao atendimento no Santa Maria, onde nem esperou o resultado do exame de despiste da Covid 19, abandonando o hospital e, no ... procedeu de forma idêntica, apesar de advertido das consequências, deslocando-se ao ..., onde foi concluído, com o resultado de positivo, o teste Covid 19, regressando depois ao Garcia de Orta, vindo novamente a abandonar o hospital contra o parecer médico. Este comportamento espelha, uma vez mais, a instabilidade e impaciência do arguido.
*
Divergem as versões do arguido e da ofendida no que respeita à limitação, por aquele, da liberdade de movimentos desta, prendendo-a em casa, sendo que, nesta parte, perde credibilidade da versão de BB, uma vez que esta tinha efetivamente uma chave da casa do arguido, e este trabalhava durante o dia, o que confirmou a sua mãe, CC, pelo que a ofendida podia certamente sair, sendo que a mãe do arguido, de 74 anos de idade, não conseguiria impedi-la. Aliás, a própria ofendida confirmou que abandonou a casa do arguido várias vezes, pondo termo à relação e nem sempre permaneceu nessa casa no decurso da relação, pelo que se impõe concluir que tinha liberdade para o fazer.
*
Confirmou o arguido, em conformidade com o depoimento da ofendida, que nessas ocasiões, procurava-a e telefonava-lhe várias vezes, o que também referiu a testemunha HH, filha daquela, com conhecimento direto, pois muitos desses telefonemas, em grande número e insistentes, ocorreram quando a mãe estava consigo, na sua casa, ao ponto de não conseguirem concentrar-se num filme que estavam a ver, chegando o arguido a bloquear a campainha com um papel para a mesma tocar ininterruptamente, ficando assim demonstrada a ação de perseguição imputada ao arguido.
Quanto ao número de contactos ou tentativas de contacto referido na acusação, 70, 80 e centenas, o mesmo não ficou demonstrado, uma vez que não se mostra junto aos autos qualquer registo da operadora de telecomunicações ou um mero print dos registos do telemóvel da ofendida, de fácil obtenção.
*
Relativamente aos factos respeitantes à sexualidade, divergem uma vez mais as versões do arguido e da ofendida e, mais uma vez, perde credibilidade esta última. Com efeito, nesta parte, o depoimento de BB é algo impreciso, vago em alguns pontos, não logrando esclarecer dúvidas pertinentes suscitadas pelo tribunal quando instada a fazê-lo e não se mostra isento de contradições e incongruências.
Assim, nega o arguido ter mantido alguma vez cópula anal com a ofendida, concretamente no episódio respeitante ao lavatório da casa de banho, e esta, num primeiro momento do seu depoimento, afirma-o e, mais tarde, retrata-se, dizendo que se tratou de cópula vaginal, embora o arguido a penetrasse por trás, encontrando-se ela com o ventre encostado ao mencionado lavatório, o que lhe causou dor, o que nesta parte se aceita como razoável, tendo em conta as características do mesmo, visíveis na fotografia de folhas 259, apresentado os cantos partidos e, dadas as reduzidas dimensões da casa de banho, pelo menos parte do corpo teria que tocar essas arestas partidas.
Porém, não resultou provado que alguma vez, na residência do arguido, este usasse de violência ou por qualquer outra forma obrigasse a ofendida a manter relações sexuais contra a sua vontade. A própria ofendida mostra-se pouco assertiva nessa afirmação, dizendo que o arguido queria ter sexo com ela a toda a hora e em qualquer lugar, porém, não afirmando com a certeza exigível que não consentia esses atos, independentemente de sentir dor quando mantinham relações sexuais no lavatório da casa de banho.
*
Também não está demonstrado que o arguido pretendesse a todo o custo engravidar a ofendida. O arguido negou de forma fundamentada essa intenção, explicando que já tinha os filhos que quisera ter e, considerando as regras de experiência comum, ponderando a idade de ambos e a instabilidade da relação, perde credibilidade a versão da ofendida.
Porém, é certo que BB efetivamente engravidou, em data que não se apurou e abortou, tratando-se de uma gravidez anembrionária, como resulta do teor dos relatórios de urgência hospitalar de folhas 479 e 480, de 25 de outubro de 2021.
Não se demonstrou, perdendo também nesta parte credibilidade as declarações da ofendida, que, no decurso da gravidez, o arguido lhe tenha desferido socos na barriga e a tenha obrigado a manter relações sexuais contra a sua vontade, até porque, nessa fase, BB não estava a viver em casa do arguido, não se provando, assim, o facto correspondente, descrito na acusação.
Diversamente, o tribunal considerou provada a factualidade descrita em 8 dos factos provados, confirmada de forma coerente pela ofendida, sendo, à luz das regras de experiência comum, uma atitude típica do perfil de personalidade do arguido, a que já se aludiu.
*
Relativamente à factualidade descrita em 14 a 17 dos factos provados, divergem as declarações do arguido e o depoimento de BB, mostrando-se a versão do arguido confusa, afirmando que se deslocou a casa desta para ir buscar as suas coisas, concretamente as chaves de casa, que ela não entregou e que lhe disse então: tens os óculos na cabeça, tocando neles apenas, após o que a ofendida começou a gritar e a dirigir-se para dentro de casa, pelo que efetivamente puxou as chaves que ela tinha no fio ao pescoço e foi embora porque ela continuava a gritar e disse-lhe depois que se ela quisesse as chaves dela, tinha que lhe entregar as chaves dele.
Ora, se o arguido arrancou, usando violência, as chaves de BB, penduradas num fio que ela usava ao pescoço, mais facilmente teria exigido e conseguido que a ofendida lhe entregasse as suas próprias chaves, se ela se recusasse a fazê-lo, o que não sucedeu, pois ela efetivamente entregou-lhas, porque até deixou claro que não voltaria a casa do arguido, o que este confirmou, dizendo que tal declaração o deixou estupefacto.
Mais, na situação de conflito criada, não se aceita, à luz das regras de experiência comum, que o arguido tenha feito um comentário tão banal, fazendo notar à ofendida que ela tinha os óculos na cabeça, tocando-lhes apenas, o que não se conjuga com a dinâmica da ação, sendo razoável concluir, que efetivamente o arguido puxou e quebrou os óculos, assim como puxou o fio que a ofendida tinha ao pescoço e levou as chaves da casa dela. E essa ação explica-se facilmente, também à luz das regras de experiência comum, pretendendo o arguido, claramente, obrigá-la a ir a sua casa.
Se a ofendida tivesse as chaves do arguido na sua posse, quando se dirigiu a casa deste, acompanhada pelo namorado da filha e por um amigo, porque tinha medo da reação do arguido, teria usado as chaves dele, o que não fez.
*
Relativamente aos factos de junho de 2022, ocorridos nas escadas do interior do prédio onde residia BB, resultou assente que efetivamente esta e o arguido mantiveram relações sexuais, sendo que, na primeira vez, ela estava menstruada, o que resulta do teor do relatório de urgência junto a folhas 233 e do relatório de clinica forense de folhas 170, e o arguido lambeu o sangue menstrual, contrariamente ao que afirmou o arguido, mostrando-se, nesta parte, a narrativa da ofendida clara e coerente, contextualizando devidamente esse ato na dinâmica da ação; e que, na segunda vez, na sequência da relação sexual, a arguida apresentava equimoses na coxa esquerda, o que resulta do teor do relatório pericial médico-legal sexual de folhas 625.
Porém, perde credibilidade a versão da ofendida quando afirma que o arguido usou de violência para a obrigar, nessas duas ocasiões, a praticar atos de natureza sexual contra a sua vontade, sendo que do relatório pericial forense de natureza sexual de folhas 196-198 resulta que a ofendida não apresentava lesões traumáticas na região genital ou anal.
Com efeito, desde logo, nas duas ocasiões, BB abriu a porta da sua casa ao arguido, o que, desde logo, se estranha, à luz das regras de experiência comum, pois o mais razoável seria manter-se em casa, com a porta fechada, mostrando-se incongruente e contraditória a explicação apresentada, de que abriu a porta porque tinha medo, pois o arguido estava a ameaçá-la, a si e à sua filha. Ora, isso seria mais uma razão lógica para não abrir a porta e chamar imediatamente a polícia.
Por outro lado, se o arguido pretendesse obrigar BB a manter relações sexuais contra a vontade desta, considerando as regras de experiência comum, facilmente teria forçado a sua entrada em casa dela, uma vez que nenhum deles admitiu que tivesse algum tipo de fetiche ou gosto especial por práticas sexuais em locais onde podiam facilmente ser vistos por terceiros, não tendo também a ofendida, de alguma forma, tentado chamar a atenção dos vizinhos.
E a força destes argumentos redobra na segunda vez, quando os factos se repetiram, tendo antes a ofendida acompanhado o arguido a um restaurante, afirmando mais uma vez que o fez por medo, porque ele afirmou que tinha provas de que lhe podia fazer mal, bem como à sua filha, mas que só lhas mostraria pessoalmente.
E efetivamente mostrou-lhe fotos suscetíveis de lhe causar receio e inquietação, até a foto de uma arma, que seria certamente a que foi apreendida na sua residência, examinada nos autos (auto de exame direto de folhas 522), descrita no facto provado 69, de aspeto em tudo idêntico a uma arma de fogo real (auto de apreensão de folhas 247 e fotografia de folhas 249).
Não se aceita, à luz das regras de experiência comum que, uma vez mais, tendo sido violada anteriormente, a ofendida abra novamente a porta ao arguido, sendo que até admitiu que ele tivesse a intenção de manter novamente com ela relações sexuais, e muito menos que o acompanhasse a um restaurante para jantar.
Afigura-se-nos, ponderando as regras de experiência comum, que o arguido e a ofendida tinham uma relação tóxica, doentia, de amor-ódio, dependência emocional/sexual, mal resolvida e essencialmente instável.
Assim, nesta parte, suscita-se ao tribunal dúvida, que o conjunto da prova não logrou esclarecer, sendo que as equimoses que a ofendida apresentava são inteiramente compatíveis com a prática de relações sexuais consentidas nas escadas interiores de um prédio que deve ser, em obediência ao princípio in dubio pro reo, resolvida a favor do arguido.
*
Relativamente aos demais factos não provados, as testemunhas inquiridas não os confirmaram com a certeza e a segurança exigíveis e não se produziu outra prova sobre os mesmos.
Os meios de prova que não foram especificados nesta motivação, não assumiram, em nosso entender, relevância para a descoberta da verdade, nomeadamente a prova pericial consubstanciada no relatório de exame de demonstração gráfica de identificação datiloscópica do laboratório de polícia científica da polícia judiciária, junto a folhas 510 e seguintes, de que resulta que o vestígio digital recolhido em 20 de junho de 2022 no vidro do portão de entrada do prédio onde reside a ofendida corresponde ao dedo polegar da mão esquerda do arguido, sendo que este não negou a sua presença nesse local e a entrada no prédio.
*
Releva o certificado de registo criminal do arguido junto a folhas 838, relativamente à anterior condenação.
*
A factualidade assente relativamente às condições pessoais resulta do teor do relatório social junto a folhas 801 e seguintes, que a restante prova não infirmou, conjugado com os depoimentos das testemunhas II, filho, DD, que foi advogada do arguido e mantém contacto com ele desde há dezasseis anos, JJ, amigo há trinta anos, e CC, mãe, por isso todos com conhecimento de aspetos da sua personalidade e modo de vida, sendo que não contribuíram, relativamente ao conhecimento dos factos, de forma relevante, para a descoberta da verdade
*
O tribunal não atendeu ao teor da acusação nos segmentos não relevantes para a decisão, nos segmentos redundantes e nos que consubstanciam conclusões fáticas e de direito e alterou a redação/sistematização da factualidade descrita, no exercício da liberdade do relator. (…)
*
III - Apreciação do recurso
Considerações gerais:
Como vem sendo unanimemente defendido na jurisprudência a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: através do âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal ou mediante a impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do referido diploma legal.
Na situação presente não foram invocados nem se vislumbra a existência de qualquer um dos vícios previstos no art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal.
III.1 - Do invocado erro de julgamento
Defende o recorrente que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, relativamente aos factos dados como provados vertidos em 3, 5, 8, 11, 12, 15, 17, 18, 19, 22, 23 e 29.
A impugnação da decisão da matéria de facto, pela via mais ampla prevista no artigo 412º, do Código de Processo Penal, tendo havido documentação da prova produzida em audiência, com a respetiva gravação, impõe ao recorrente o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos dos seus nºs 3, 4 e 6.
Exige-se ao recorrente a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, o que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que considera indevidamente julgado [cfr. Ac. TRL de 21.05.2015, proc. 3793/09.6TDLSB.L1.9 disponível in www.dgsi.pt.].
A especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, obriga à indicação do conteúdo específico do meio de prova que acarreta decisão diversa da recorrida, a que acresce a necessidade de explicitação da razão pela qual essa prova implica essa diferente decisão, devendo, por isso, reportar o conteúdo específico do meio de prova por si invocado ao facto individualizado que considere mal julgado.
O recorrente terá, pois, de indicar os elementos de prova que não foram tomados em conta pelo tribunal quando o deveriam ter sido ou que foram considerados quando não o podiam ser, nomeadamente por haver alguma proibição a esse respeito, ou então, de pôr em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência (atenta, sobretudo, a respetiva qualidade) dos elementos probatórios em que se estribaram tais conclusões. Deve, pois, referir o que é que nos meios de prova por si especificados não sustenta o facto dado por provado ou não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe a alteração da decisão, com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado.
Na verdade, a remissão para os suportes técnicos não é a simples remissão para a totalidade das declarações prestadas, mas para os concretos e precisos locais da gravação/transcrição, que suportam a tese do recorrente, só assim se dando cumprimento à especificação das “concretas provas” que é dizer do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida. Assim, quando se trate de depoimentos testemunhais, de declarações dos arguidos, assistentes, partes civis e outros, o recorrente tem, pois, de individualizar, no conjunto das declarações prestadas, quais as particulares passagens gravadas, que se referem ao facto impugnado.
Na ausência de consignação na ata do início e termo das declarações, bastará “a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente”, de acordo com o acórdão do STJ de fixação de jurisprudência de 8/3/2012 [AUJ nº3/2012), publicado no DR - I - Série, nº77, 18/4/2012]. Assim, quanto ao cumprimento do ónus de indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida (al. b) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal), com o AUJ (STJ) nº 3/2012, foi fixada a seguinte jurisprudência: - Se a ata contiver a referência ao início e termo das declarações, basta a indicação das passagens em que se funda a impugnação por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364 (nº 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal); – Ou, alternativamente, se a ata não contiver essa referência, a identificação e transcrição nas motivações de recurso das ditas “passagens” dos meios de prova oral (declarações, depoimentos e esclarecimentos gravados).
Em suma, para dar cumprimento às exigências legais da impugnação ampla tem o recorrente de especificar, nas conclusões, quais os pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados, quais as provas [específicas] que impõem decisão diversa da recorrida, demonstrando-o, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as [se na acta da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados] ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos [quando na ata da audiência de julgamento se faz essa referência - o que não obsta a que, também nesta eventualidade, o recorrente, querendo, proceda à transcrição dessas passagens].
Como se escreve no Acórdão do TRL, de 16.11.2021, Processo n.º 1229/17.8PAALM.L1-5 [disponível in www.dgsi.pt]: “Importa, portanto, não só proceder à individualização das passagens que alicerçam a impugnação, mas também relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova suscetível de impor essa decisão diversa com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado, o que se mostra essencial, pois, julgando o tribunal de acordo com as regras da experiência e a livre convicção e só sendo admissível a alteração da matéria de facto quando as provas especificadas conduzam necessariamente a decisão diversa da recorrida – face à exigência da alínea b), do n.º 3, do artigo 412.º, do C.P.P., a saber: indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida -, a demonstração desta imposição compete também ao recorrente [sublinhado nosso].
No caso vertente, o recorrente indica os concretos factos que considera incorretamente julgados.
No que respeita à especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, o arguido indicou as declarações do arguido, as declarações da ofendida e o depoimento da testemunha CC, mencionando ainda o depoimento da testemunha DD.
No caso vertente, indicando os concretos factos que considera incorretamente julgados e o sentido em que devia ter sido produzida a decisão, não indica, designadamente por referência às gravações constantes dos autos, as concretas passagens que impõem decisão diversa, limitando-se a invocar as declarações do arguido, da ofendida e das referidas testemunhas sem qualquer concretização por relação às respetivas gravações e excertos em concreto, antes tendo feito um resumo daquilo que entende resultar das referidas declarações e depoimentos.
Na verdade analisadas as conclusões do recurso facilmente se constata que o recorrente não cumpriu o ónus de impugnação especificada, em obediência ao disposto nos n.ºs 3 e 4 do citado artigo 412.º do Código de Processo Penal, não satisfazendo as conclusões apresentadas a exigência da tríplice especificação legalmente imposta, nos casos de impugnação ampla.
E, por outro lado, uma leitura atenta da motivação, torna evidente que também esta não consente tal especificação.
Reitera-se que o recorrente apenas indicou os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, e, embora indicando as provas que impõem decisão diversa da recorrida – as declarações do arguido , as declarações da ofendida e da referida testemunha CC e da testemunha DD não indicou as passagens em que fundamenta a sua impugnação, sendo, aliás, de realçar, que relativamente às declarações do arguido, da ofendida o recorrente se limitou a fazer uma súmula das mesmas e não invocou os concretos segmentos das declarações que, na sua ótica, impõem decisão diversa da recorrida.
Tal circunstancialismo inviabiliza a reapreciação da matéria de facto pela via da impugnação ampla, com a amplitude sustentada pelo recorrente.
E não cumpria convidar o recorrente a aperfeiçoar as conclusões do recurso, pois dizendo-se que as conclusões resumem as razões do pedido, nada pode ser resumido que não se contenha no arrazoado da motivação, de que as conclusões constituem uma síntese essencial [neste sentido os Acórdãos do STJ, de 04-10-2006, Processo n.º 812/06-3.ª; de 08-03-2006, Processo n.º 185/06-3.ª; 04-01-2007, Processo n.º 4093-3.ª e de 10-01-2007, Processo n.º 3518/06-3.ª]
Na verdade, não podemos deixar de recordar que o texto da motivação do recurso – reservado aos respetivos fundamentos – é imodificável e, como tal, insuscetível de ser aperfeiçoado, o que bem se compreende, pois, o contrário, equivaleria, no fundo, à concessão de um novo prazo para recorrer, pelo que não cabia a este Tribunal fazer qualquer convite ao aperfeiçoamento, pois estamos perante uma deficiência da estrutura da própria motivação, equivalente a uma falta de motivação na plenitude dos seus fundamentos, que coloca até em crise a delimitação do âmbito do recurso e esse procedimento equivaleria, na verdade, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso [Neste sentido, entre outros, veja-se o Acórdão do STJ, de 07-10-2004, Proc. nº 3286/04, 5ª Secção; o Acórdão deste TRL, datado de 05-04-2019, Processo n.º 349/17.3JDLSB.L1-9, ambos in www.dgsi.pt e os Acórdãos do Tribunal Constitucional, nºs 259/2002, de 18-06-2002 e 140/2004, de 10-03-2004, ambos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos].
Em suma, o artigo 417.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, impõe o dever de convite ao aperfeiçoamento tão só quando “a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º”. Se o recorrente não faz, como no presente caso, nem nas conclusões, nem no texto da motivação, as especificações ordenadas pelos números 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, nos seus precisos termos, não há lugar ao convite à correção das conclusões, uma vez que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do referido convite.
Importa voltar a realçar que a alteração da matéria de facto não decorre, por via do recurso, da mera possibilidade de a prova produzida permitir uma decisão de sentido distinto da tomada pelo julgador; exigindo-se antes, que essa decisão diversa se imponha por ser evidente ou flagrante o erro do tribunal a quo, em função das provas produzidas, no julgamento da matéria de facto.
No caso foi efetuado um exame crítico e consistente das provas produzidas, tendo o Tribunal a quo formado a sua livre convicção quanto à autoria e circunstâncias como os factos ocorreram, sendo que a decisão recorrida só seria de alterar se se revelasse evidente que as provas não conduziriam àquela decisão, o que no caso não sucedeu, sendo irrelevante se a interpretação que o recorrente faz dessa prova é diferente da do julgador.
O que o recorrente faz é convocar o tribunal de recurso para um novo julgamento com apreciação da quase totalidade da prova produzida em 1ª instância, expondo a sua visão da prova e dos factos em substituição da convicção alcançada pelo tribunal a quo.
Cumpre apenas referir relativamente ao ponto nº 3 dos factos provados, que não estando definido um concreto dia, este mostra-se balizado no período temporal e geográfico referido nos pontos 1 e 2 - no período em que viveram juntos como marido e mulher na residência sita na ..., onde vivia também a mãe do arguido, o que ocorreu durante alguns meses de uma relação que durou dois anos e que terminou em maio de 2022 - o que constitui delimitação suficiente para garantir o adequado exercício da defesa, como, aliás, o arguido não deixou de fazer, inclusivamente no presente recurso.
Invocou ainda o arguido para impugnação dos pontos 11 e 12 dos factos provados, as declarações da ofendida constantes do auto de denúncia e eventuais divergências com o declarado em Julgamento.
Porém, analisadas as atas de audiência de julgamento relativas às sessões em que aquela foi ouvida (sessão de 01.06.2023 - refª citius 426345888 e sessão de 12.06.2023 (refª citius 426579642) verificamos que não foi requerida a leitura de tais declarações nos termos do disposto no art. 356º, nº 2 e 5 do Código de Processo Penal, pelo que as mesmas não podem ser valoradas, como o não foram, pelo Tribunal a quo, e assim, não se impõe também por esta via qualquer alteração à matéria de facto.
Em suma, não padecendo a decisão recorrida de qualquer vício previsto no art.410º, nº2 do Código de Processo Penal, mostra-se também, pela via mais ampla do art. 412º, n.º 3, do mesmo diploma legal, inviável a modificabilidade da decisão proferida sobre a decisão da matéria de facto, o que implica que a mesma se tenha por definitivamente consolidada.
De resto, o tribunal a quo não expressou qualquer dúvida razoável e fundada sobre a matéria de facto provada, nem da sua fundamentação emerge que a devesse ter, ao abrigo do princípio constitucional do in dubio pro reo [conclusão s)].
Visto o texto da motivação constata-se que aqueles factos foram dados como provados a partir da prova por declarações, documental e testemunhal produzida.
O caminho trilhado pelo tribunal a quo apresenta-se lógico e inteligível e de acordo com os critérios legais de admissibilidade e de apreciação da prova. Como resulta da motivação da matéria de facto supratranscrita, o tribunal a quo deu como provados os factos, explicando, de forma lógica, racional e plausível, porque assim o fez, designadamente, de que forma valorou a prova, não se descortinando a existência de qualquer interpretação ilegal - explicitando o tribunal a quo as razões pelas quais afastou, nalguns aspetos, a versão do arguido e pelas quais esta não lhe mereceu esta credibilidade; o mesmo ocorrendo quanto às declarações da ofendida nos aspetos em que tal também aconteceu.
Essa convicção alicerçou-se fundamentalmente na prova direta declarativa da vítima cuja credibilidade foi aferida a partir da sua análise critica, combinada com os restantes meios de prova indicados na sentença, tudo permitindo, num percurso lógico e objetivo e suportado pelas regras da experiência, concluir pela racionalidade da imputação feita ao recorrente.
Na verdade, não se verificam quaisquer razões objetivas que justifiquem a modificação da matéria de facto provada (impugnada) e determinem o afastamento do raciocínio lógico desenvolvido pelo tribunal a quo, mas antes se confirmam os fundamentos em que se alicerçou a convicção do tribunal sobre a matéria provada. Assim sendo, conclui-se que inexiste qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova ou do princípio in dubio pro reo, ou da presunção de inocência prevista no art.32º da C.R.P..
Em suma, as interpretações e argumentos probatórios aduzidos pelo recorrente, não invalidam a apreciação racional, objetiva e motivada feita pelo tribunal a quo, com respeito pelas regras da experiência comum, não competindo a este tribunal ad quem censurar a decisão recorrida com base na convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida, sob pena de se postergar o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do CPP.
Posto isto, não se verificam motivos objetivos que justifiquem a modificação da matéria de facto provada (impugnada) e determinem o afastamento do raciocínio lógico desenvolvido pelo tribunal a quo, mas antes se confirmam os fundamentos em que se alicerçou a convicção do tribunal sobre a matéria provada.
Nessa decorrência, repete-se, o legislador teve o cuidado de enunciar que as provas a atender pelo Tribunal ad quem são aquelas que “impõem” e não as que “permitiriam” decisão diversa - cfr. art. 412º, nº 3, al. b) do CPP.
A negação e/ou diferente interpretação dos factos por parte do arguido, por si só, não impõe a alteração factual pretendida, mostrando-se plenamente justificada em face da prova produzida e examinada em julgamento, em conjugação com as regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, pelo que a decisão da matéria de facto se deverá manter inalterada.
III.2 – Da integração dos factos apurados no crime de Violência doméstica, previsto e punível pelo art. 152º, nº 1 al. b) e nº 2 al. a) do Código Penal.
Defende o arguido (conclusões t a y) que a factualidade provada não permite a conclusão pelo preenchimento do tipo de crime agravado pelo qual foi condenado.
Acompanhando a progressiva consciencialização ético-social da gravidade individual e social dos comportamentos violentos perpetrados no seio da família ou dos relacionamentos próximos o legislador assumiu o propósito de prevenir e reprimir as mais relevantes formas da chamada violência doméstica através da especial tutela que o direito penal tem por função dispensar.
Aliás, este bem jurídico assim tutelado encontra referência expressa na ordem constitucional dos direitos e deveres fundamentais.
Com efeito, no art. 26º da Constituição da República Portuguesa a todos os cidadãos é reconhecido o direito à respetiva integridade pessoal, tanto num plano físico como numa dimensão moral. Trata-se da tutela constitucional de um direito ligado a defesa da pessoa individualmente considerada, cuja proclamação faz resultar para cada um a legítima expectativa de, ao conformar-se e dispor de si mesmo nas múltiplas formas de interação social, não vir a ser agredido ou ofendido, no corpo ou no espírito, por meios físicos ou morais [Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP anotada, pag.177].
E, assim, serão consideradas as condutas que sirvam para infligir sofrimentos físicos, sexuais ou mentais, direta ou indiretamente, por meio de enganos, ameaças, coação ou qualquer outro meio, a qualquer uma das pessoas que se incluam ou nas als. a) a d) do nº 1 do identificadas nas alíneas do nº 1 do art. 152º do Código Penal.
O crime de violência doméstica é, desde logo, um crime específico, no sentido em que só pode ser levado a cabo por pessoa que se encontre ou tenha encontrado numa determinada relação para com o sujeito passivo: no caso, uma relação à qual, apesar de teoricamente igualitária, não parece ser estranha uma efetiva subordinação existencial.
Por último, segundo a ratio da autonomização do tipo, supõe-se uma certa reiteração de condutas ofensivas ou uma ação uma ação isolada do agente que integre pela sua gravidade o conceito de maus tratos, ali exemplificados como castigos corporais, privações de liberdade e ofensas sexuais, sendo de considerar também as demais formas acima mencionadas (coação, ameaça, injúria etc.).
No que toca ao elemento subjetivo do tipo legal de crime, importa salientar que se trata de um crime doloso, uma vez que se exige que o agente tenha atuado com dolo, em qualquer das suas formas (direto, necessário ou eventual), em conformidade com o disposto no art. 14º do Código Penal.
Tal como se refere no Acórdão do TRP de 26.05.2010, Processo nº 179/08.3GDSTS.P1 [disponível in www.dgsi.pt]: “ (…) No crime de violência doméstica tutela-se a dignidade humana dos sujeitos passivos aí referenciados, mormente na vertente da sua saúde, seja a nível físico ou psíquico, ou na vertente da sua privacidade, seja de liberdade pessoal ou de autodeterminação sexual, sendo nesse sentido que já então se exprimia a nossa jurisprudência [v. g. Acs. R. P. de 1999/Nov. /03, R. C. de 2005/Jul. /06, respetivamente na CJ V/223, IV/41].
Esta é uma das facetas da dignidade humana, a qual tem consagração constitucional [art. 1.º, 24.º, n.º 1, 25.º, da C. Rep.] e corresponde a um dos direitos fundamentais veiculados em tratados e convenções internacionais [5.º da DUDH; 3.º, n.º 1 da CEDH; 7.º, n.º 1, 10.º, n.º 1 do PIDCP; 1.º, 3.º, n.º 1, 4.º da CDFUE].
Tudo isto resultante de uma nova consciência da gravidade que tais comportamentos violentos, muitos deles ocorridos “intramuros”, têm na rutura do relacionamento em sociedade, mormente quando as mulheres são as suas vítimas, seguindo-se, ao nível de política criminal, os mais recentes tratados, conferências e recomendações internacionais, com destaque a nível europeu para as Diretrizes da UE relativas à violência contra as mulheres e à luta contra todas as formas de discriminação de que são alvo.”
Analisando os factos provados concluímos que a descrição factual é suficientemente precisa para se concluir pela gravidade dos factos praticados tendo em conta o que estes acarretam em termos de violação da dignidade humana.
De facto, todos os episódios ali descritos foram praticados, de forma dolosa, quer durante o período em que havia coabitação (vivendo o arguido e a vítima como marido e mulher) quer após a separação, e consubstanciaram-se em maus tratos físicos mas, sobretudo, em maus tratos psíquicos exercidos - como se refere na decisão recorrida- com “agressão, perseguição, ameaça, intimidação”.
Mais se encontra assente que o arguido sempre agiu com o propósito conseguido de perseguir, controlar, amedrontar e agredir física e psicologicamente a ofendida, atemorizá-la, ofender a sua honra e consideração, o que conseguiu, bem sabendo que com o seu comportamento lhe causava medo e inquietação, fazendo-a recear que ele pudesse atentar contra a sua vida ou integridade física.
O arguido não se coibiu de assim agir na residência em que ambos habitavam (como decorre do ponto 3 e 29 dos factos provados e na residência da vítima como decorre entre outros dos pontos 14 a 17, 19, 26 e 27 da matéria de facto provada).
Os comportamentos que resultam dos factos provados são humilhantes e representam um desrespeito pela pessoa com quem manteve uma relação análoga à dos cônjuges e foram idóneos a afetar o seu bem-estar físico e psicológico.
Concluímos, assim, que (tal como decidido pelo Tribunal a quo) com o comportamento descrito nos factos provados preencheu o arguido os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime de violência doméstica, na medida em que estes pela sua própria natureza, enquadram os elementos especializadores acima referidos e atingem um patamar de gravidade e intensidade que não permitem outra conclusão senão a da violação da dignidade da pessoa da vítima BB e, consequentemente, pelo preenchimento deste crime de violência doméstica.
E como parte deste factos foram praticados na que então era a residência comum cai a sua conduta na agravação prevista na al. a) do nº 2 do art. 152º do Código Penal.
Assim, nenhuma censura merece a decisão recorrida, na subsunção jurídica efetuada.
*
III.3 Quanto à medida concreta da pena e ao período fixado para suspensão da execução da pena.
Argumenta o recorrente que a pena aplicada foi excessiva e desproporcional face aos factos provados, a realidade vivida pelo arguido e a sua precária situação económica, que concretiza nas conclusões bb) e cc); mais alegando que esta pena e o período de suspensão fixados se mostram injustos e desproporcionais em face dos factos praticados e quando em comparação com outras penas aplicadas em processos de violência doméstica.
Pugna o recorrente pela aplicação da “pena mínima e suspensa na sua execução sem qualquer compensação”.
Como se salienta no Acórdão do TRL de 17.093.2019 (processo nº 5979/18.3SNT.L1.5 - relator Jorge Gonçalves) “As circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
– A actividade judicial de determinação da pena apresenta-se como uma actividade juridicamente vinculada, mas não é uma ciência exacta, pelo que, a nosso ver, o tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta apenas quando se justifique uma alteração minimamente significativa, isto é, quando se evidencie que foi aplicada, sem fundamento, com desvios aos citérios legalmente apontados”.
Deste modo, o Tribunal de recurso deverá intervir modificando a pena concreta quanto ocorrer desproporcionalidade na sua fixação ou os critérios de determinação da pena concreta imponham a sua correção, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
Na análise desta matéria, importa, pois, ter em conta o disposto no artigo 40.º, nº 1 do Código Penal do qual decorre que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, decorrendo, por sua vez, do seu n.º 2 que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Decorre já do artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal que a determinação da pena concreta, dentro da moldura penal cominada nos respetivos preceitos legais, far-se-á “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” geral e especial, determinando o n.º2 do mesmo preceito legal que, para o efeito, se atenda a todas as circunstâncias que deponham contra ou a favor do agente, desde que não façam parte do tipo legal de crime (para que não se viole o princípio “ne bis in idem”, uma vez que tais circunstâncias já foram tomadas em consideração pela própria lei para a determinação da moldura penal abstrata), “considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”.
Decorre, por fim, do n.º3 do citado preceito legal, que “na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”.
Como refere Anabela Miranda Rodrigues [A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade”, Coimbra Editora, pág. 570 e 571]: “Entendida a prevenção geral com o sentido que lhe vimos dando – isto é, a protecção de bens jurídicos alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídicva violada, postula ela, já o dissemos, a proporcionalidade entre a medida ada pena e a gravidade do facto praticado.” Acrescentando “É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica” .
Adindo relativamente à prevenção especial que “o desvalor do facto é agora valorado à luz das necessidades individuais e concretas de socialização” [ob cit., pag. 574 e 575].
E prosseguindo refere “resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas...”
Assim sendo, atribui-se à culpa a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração positiva das normas e valores) a função de fornecer uma moldura de prevenção cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos - dentro do que é considerado pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente. [Cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime” pág. 227 e ss.].
Conclui-se, portanto, que estaremos perante uma pena justa e proporcional quando esta satisfizer as exigências de prevenção geral e especial que o caso concreto impõe e não exceder a medida da culpa do agente.
Aqui chegados:
Analisando o caso concreto à luz dos considerandos acabados de expor, constata-se que o arguido foi condenado numa pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática, de um crime de violência doméstica previsto e punível pelo art. 152º, nº 1 al. b) e nº 2 al. a) do Código Penal, cuja moldura penal abstrata se situa entre 2 (dois) anos e 5 (cinco) anos de prisão..
No acórdão sob recurso escreveu-se “É, pois, ilícita a ação do arguido, pois violou disposições legais e ofendeu os interesses penalmente protegidos da integridade física, liberdade pessoal, honra e consideração e dignidade humana.
Agiu o arguido com dolo direto, uma vez que representou a ilicitude das suas condutas e, não obstante, quis empreendê-las (artigo 14º, nº1 do Código Penal).
Atenta a reflexão necessária ao empreendimento da ação, a intensidade do dolo é muito elevada.
O ilícito assume intensidade ligeiramente acima da mediania, atento o modo de execução, a gravidade da efetiva agressão física, e o grau da perseguição posterior ao termo da relação, sem perder de vista a crescente expressão deste ilícito, que consubstancia violação de direitos fundamentais da pessoa humana, pondo em causa valores em que assenta a vida em sociedade, mormente a igualdade entre homem e mulher, constitucionalmente assegurada, acentuando-se as exigências de prevenção geral.
Não resulta da factualidade assente qualquer fundamento atendível de atenuação da culpa, não podendo como tal ser entendida a raiva decorrente do ciúme e do sentimento de posse relativamente à ofendida, atenta a elevada censurabilidade ético-jurídica da conduta.
A confissão parcial do arguido, em parte relevante para a descoberta da verdade deve ser atendida; porém não reveste relevo atenuativo significativo por não ter sido acompanhada de arrependimento, sendo que aquele assume de forma persistente atitude de vitimização, postura autocentrada e manifesta total ausência de autocensura, de sentido crítico e de empatia para com a ofendida.
Sofreu o arguido uma condenação anterior, em pena de multa, por crimes de violação de domicílio e dano, tendo sido absolvido de um crime de violência doméstica, pelo que, tendo em conta que o arguido praticou alguns dos factos objeto dos presentes autos logo após o trânsito em julgado da aludida condenação, importa considerar exigências de prevenção especial de intensidade média, considerando a proximidade de vivências, em área geográfica próxima.
Beneficia o arguido, aparentemente, de boa inserção social e familiar, sendo instável a nível laboral. Efetivamente, como resulta do relatório social, no seu percurso de vida regista-se alguma mobilidade laboral.
Apresenta igualmente dificuldades no estabelecimento de relações de intimidade estruturadas e afetivamente sólidas, de que terá resultado instabilidade emocional e insatisfação pessoal.
Releva no plano atenuativo o bom comportamento no estabelecimento prisional.
De harmonia com o plasmado no artigo 40º do Código Penal, a aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos, entendida como tutela da crença e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal e a reintegração social do agente, não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa, sendo certo que não se trata de medida exacta, situando-se a pena concreta entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), intervindo os outros fins das penas prevenção geral e especial dentro daqueles limites (cf. Claus Roxin, in Culpabilidad Y Prevencion en Derecho Penal, pags. 4 a 113).
A determinação da medida concreta da pena será, pois, efectuada segundo os critérios estatuídos no artigo 71º do Código Penal, onde se explicita que a medida da pena se determina em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, no caso concreto, a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente e contra ele.
Considerando os elementos de ilicitude e culpabilidade, o restante circunstancialismo apurado e o disposto nos citados artigos 40º, 41º, nº1, e 71º do Código Penal, julga-se adequado cominar ao arguido, por um crime de violência doméstica agravado (artigo 152º, nº1, b) e 2, a) do Código Penal), a pena de 3 anos e 6 meses de prisão.”
Na situação em apreço trata-se de um tipo de crime que impõe fortes necessidades de prevenção geral, seja na sua vertente positiva seja negativa, tendo o Tribunal realçado a necessidade de repor a confiança dos cidadãos na norma jurídica violada, como, aliás, o considerou o tribunal a quo quando mencionou “(…)sem perder de vista a crescente expressão deste ilícito, que consubstancia violação de direitos fundamentais da pessoa humana, pondo em causa valores em que assenta a vida em sociedade, mormente a igualdade entre homem e mulher, constitucionalmente assegurada, acentuando-se as exigências de prevenção geral.
Concluiu o Tribunal a quo serem de intensidade média as exigências de prevenção especial e, de facto, o antecedente criminal do arguido leva à assertividade dessa conclusão, mesmo tratando-se de crime de diferente natureza, não deixou de consubstanciar uma condenação que não surtiu o efeito desejado, isto é , lograr afastar o arguido da prática de novos factos de natureza criminal.
Como se salienta no acórdão recorrido “sofreu o arguido uma condenação anterior, em pena de multa, por crimes de violação de domicílio e dano (…) pelo que, tendo em conta que o arguido praticou alguns dos factos objeto dos presentes autos logo após o trânsito em julgado da aludida condenação, importa considerar exigências de prevenção especial de intensidade média, considerando a proximidade de vivências, em área geográfica próxima”.
Acresce que, o Tribunal a quo, ponderou o grau de ilicitude dos factos considerando que o “ilícito assume intensidade ligeiramente acima da mediania, atento o modo de execução, a gravidade da efetiva agressão física, e o grau da perseguição posterior ao termo da relação.
Foi ainda considerada a intensidade do dolo, e as suas condições de vida e, ponderando-se a sua colaboração na descoberta da verdade material e designadamente a sua confissão parcial, mas sem deixar de ressaltar “A confissão parcial do arguido, em parte relevante para a descoberta da verdade deve ser atendida; porém não reveste relevo atenuativo significativo por não ter sido acompanhada de arrependimento, sendo que aquele assume de forma persistente atitude de vitimização, postura autocentrada e manifesta total ausência de autocensura, de sentido crítico e de empatia para com a ofendida”.
E como resulta do acórdão sob recurso não deixou o tribunal a quo de considerar os aspetos conhecidos da situação familiar, pessoal e profissional do arguido quando referiu: “Beneficia o arguido, aparentemente, de boa inserção social e familiar, sendo instável a nível laboral. Efetivamente, como resulta do relatório social, no seu percurso de vida regista-se alguma mobilidade laboral.
Apresenta igualmente dificuldades no estabelecimento de relações de intimidade estruturadas e afetivamente sólidas, de que terá resultado instabilidade emocional e insatisfação pessoal.
Releva no plano atenuativo o bom comportamento no estabelecimento prisional”.
Em suma o Tribunal a quo ponderou os fatores atendíveis, e fê-lo de forma séria e fundamentada.
Deste modo,
atentando nas circunstâncias supra enunciadas, na moldura penal abstrata prevista para o tipo de crime em apreço e os referidos critérios de determinação da pena concreta, entendemos ajustada e proporcional à culpa do recorrente e às necessidades de prevenção geral e especial, a pena principal concretamente fixada de 3 (três) anos e 6 (seis meses) de prisão, que se mantém.
Tal pena foi suspensa na sua execução, nos termos do disposto no art. 50º e 53º do Código Penal, pelo período de 5 (cinco) anos, com regime de prova.
Esta possibilidade de suspensão por um período máximo de 5 anos independentemente da pena concreta aplicada foi (re)introduzida pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, que conferiu ao n.º 5 do artigo 50.º do Código Penal, a sua redação atual.
Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 587/2019, processo 23/2019 [www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos] “A Lei n.º 94/2017 teve na sua origem na Proposta de Lei n.º 90/XIII.
De acordo com a Exposição de Motivos que acompanhou tal Proposta, a revisão empreendida visou, no «caso da fixação do período de suspensão da execução da pena de prisão», regressar «à solução que vigorou até à revisão de 2007 do Código Penal, de modo a dissociar o tempo da pena de suspensão do tempo da pena de prisão e a reafirmar o princípio de que este deve ser determinado em função da culpa e das finalidades consignadas às penas» (sublinhado nosso).
Como nota Maria João Antunes, na sequência da revisão operada pela Lei n.º 94/2017, «[f]oi reintroduzida a regra de que a medida concreta da suspensão da execução da pena de prisão é determinada de forma autónoma, segundo os critérios do artigo 71.º, n.º 1, do CP […]. A determinação autónoma da medida concreta da suspensão da execução da pena de prisão é, de resto, mais consentânea com a sua natureza de pena de substituição em sentido próprio (cf. Ac. do STJ n.º 13/2016)» (Penas e Medidas de Segurança, Coimbra, Almedina, 2017, p. 81).
11. O argumento que explica que a fixação do quantum do período de suspensão não dependa da medida concreta da pena de prisão é, por maioria de razão, aquele que permite compreender a inexistência de qualquer vinculação ao limite máximo da pena abstratamente cabida ao tipo legal de crime — solução que, ao contrário da primeira, nunca foi, de resto, acolhida pelo legislador penal.
É que, enquanto o limite máximo da moldura penal traduz a necessidade de atender, de entre todas as possíveis formas de realização típica, às de maior gravidade conjeturável, de modo a assegurar que, também nestes casos, a medida concreta da pena a aplicar possa vir a corresponder ao limite da culpa e às exigências de prevenção, já a duração do período de suspensão exprime a exigência de que a ameaça de privação da liberdade se mantenha durante o período de tempo necessário a poder constituir para o condenado um eficaz contraestimulo à reiteração do comportamento delituoso, ao mesmo tempo que assegura à pena não detentiva as propriedades necessárias para acautelar o risco de a ausência de privação de liberdade vir a ser entendida como uma injustificada indulgência na prevenção e reação contra o crime.
Na ausência de qualquer subordinação à medida, abstrata e concreta, da pena principal, caberá, pois, ao Tribunal verificar, através da ponderação as circunstâncias do ilícito-típico e da personalidade do agente nele documentada, qual a duração do período de suspensão necessária a, por um lado, eliminar, tanto quanto é possível fazê-lo, o risco de reincidência e, por outro, manter a confiança da comunidade na validade e vigência da norma penal”.
No que concerne à fixação do prazo de suspensão pelo período de 5 anos fundamentou o Tribunal a quo na existência de um antecedente criminal e nas exigências de prevenção especial em presença.
Nos autos apurou-se efetivamente a existência de um antecedente criminal pela prática de crime de natureza diversa, mas que, ainda assim, faz com que as necessidades de prevenção especial não sejam despiciendas, mas antes sejam, como referido, medianas.
Por outra via, os factos transmitem-nos a já suprarreferida gravidade, mas também que o arguido/recorrente apresenta défice da capacidade de autocontrole, do sentido de autoanálise e autocrítica e na interiorização do desvalor da sua conduta o que faz levar a considerar que o incremento do período da suspensão da execução da pena de prisão, em relação à pena concretamente encontrada se mostra essencial para a as exigências de ressocialização do arguido/recorrente.
E este período mais longo de suspensão permitirá também – considerando o concreto tipo de crime em causa – “assegurar a tutela retrospetiva do bem jurídico violado através da prática do ilícito-típico, dirigindo simultaneamente ao condenado um apelo suficientemente persuasivo no sentido da sua reconciliação com o dever-ser jurídico-penal” [Cf. o supracitado Acórdão do Tribunal constitucional nº 587/2019.].
Ora, tendo em conta os critérios subjacentes à fixação do período da suspensão cremos que os 5 anos fixados pelo Tribunal a quo não se afiguram excessivos ou desproporcionais, em face das exigências de prevenção geral e especial em apreço e não se mostra igualmente excessivo em face da culpa do arguido.
Aliás, este período mais longo permitirá atribuir melhor eficácia ao regime de prova determinado (que no caso decorre do deposto no art. 34º B da Lei 112/2009 de 16.09) e assim contribuir para uma efetiva e verdadeira ressocialização do ora recorrente.
Uma última palavra para referir que na medida concreta da pena, a decisão sobre a suspensão da execução da pena e o respetivo período, estão naturalmente ligadas aos concretos factos apurados e aos critérios já acima definidos ( arts. 40º e 71º do Código Penal) e, portanto, importarão uma análise casuística e intimamente ligadas aos sujeitos processuais e suas concretas características e aos concretos factos que constituem o objeto do processo, não sendo possível fazer, para efeitos de ponderação de eventual excesso, por comparação com outros processos em que tenha ocorrido condenação por igual crime.
Improcede, pois, igualmente neste segmento o recurso interposto.
No que concerne às penas acessórias aplicadas de proibição de contactos com a ofendida BB (artigo 152º, nº 4 e 5 do Código Penal), por qualquer forma, direta ou indireta, pelo período de 3 anos e 6 meses, sendo com fiscalização através de meios técnicos de controlo à distância (se a ofendida consentir) e na de frequentar programa específico de prevenção da violência doméstica, sob a orientação e em termos a definir pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, mostram-se estas igualmente consagradas no nº 4 e 5 do citado art. 152º do Código Penal e se mostram, tendo em conta os parâmetros e critérios do art. 71º já acima mencionadas mostram-se igualmente adequadas e proporcionais, sendo que o arguido, concretamente relativamente a estas penas, nenhum argumento em concreto invocou no recurso apresentado a não ser a inserção familiar e social, que foi pelo Tribunal a quo tida em conta.
*
III.4 - Da compensação fixada a favor da vítima
Defende o arguido/recorrente que a compensação arbitrada se mostra excessiva, desadequada e desproporcionada.
Atento o disposto 67ºA, nº1, al. b) e nº3; 1º, al. f) e 82º A, todos do Código de Processo Penal, em conjugação com o art. 21º da Lei 112/2009 de 06.09 na redação da Lei 129/2015 de 03.09 e art. 16º da lei nº 130/2015 de 04.09, impunha-se fixar uma quantia a título de reparação a favor da vítima BB.
O artigo 82° A do Código de Processo Penal prevê a possibilidade de, em caso de condenação e quando não haja pedido de indemnização civil formulado, se poder fixar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos, quando particulares exigências de proteção da vítima o justifiquem.
Porém, tratando-se de uma situação de violência doméstica a lei impõe o arbitramento de indemnização à vítima, presumindo a existência de particulares exigências da sua proteção [Cfr. os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.10.2013 e de 28.05.2014, ambos disponíveis in ww.dgsi.pt.].
Esta compensação é alicerçada em critérios de equidade e deve ser fixada considerando, designadamente, a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, as especiais circunstâncias do caso e a gravidade do dano.
Como ensina o Prof. Antunes Varela, “o montante da reparação deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” [Das Obrigações em Geral, Almedina, 9ª edição, 1º volume, páginas 627 e 628.].
Na fixação do quantitativo pecuniário devem considerar-se, entre outros fatores, o grau de culpabilidade do responsável, a sua situação económica e a do lesado e as flutuações do valor da moeda, devendo o montante ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta os valores normalmente encontrados para situações similares e a justa medida das coisas.
No que concerne às decisões jurisprudenciais cremos que tem havido uma tendência para considerar valores compensatórios mais elevados, o que não deixa de ser justificado, se tivermos em conta, além do mais, quer a evolução em matéria de salário mínimo nacional atualmente fixado em 820,00€ quer do aumento do custo de vida).
Assim, realçamos apenas a título de exemplo o Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 06.12.2017 - proc. 378/15.1PEVFX.L1-3 - relatado por Maria Margarida Almeida [disponível in www.dgsi.pt] onde foi fixada uma compensação e 3.000€ em face de uma pancada na face com um objeto não de características não apuradas, que provocou no ofendido, traumatismo da face, que lhe demandou 4 dias para a cura com 2 dias de afetação da capacidade de trabalho geral e sem afetação da capacidade de trabalho profissional e em que se provou que este sentiu dores angústia e ansiedade.
Ou ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27.09.2023 (proc. 18/23.5GCGRD.C1), relatado por Fátima Sanches, [disponível em www.dgsi.pt], onde apesar de se tratar de um episódio único de violência física e psíquica, sendo que as lesões demandaram 6 dias para cura sem afetação da capacidade de trabalho e foi proferida uma expressão ameaçadora, foi fixada uma indemnização de 3.000,00€.
Por outro lado, a compensação por danos não patrimoniais, quando está em causa a dignidade humana e os sentimentos de medo, inquietação e receio pela vida, tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la, segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, não se compadecendo com a atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios. Neste conspecto salientar ainda o Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 30.04.2020 (proc. Nº 1076/14.9PBCSC.L1-9) onde se escreve: “Embora os tribunais de recurso possam alterar o valor do dano fixado com recurso a critérios de equidade, só o devem fazer quando o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida” e no mesmo sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.12.2011 - Proc. nº 461/06.4GBVLG.P1.S1 [ambos disponíveis in www.dgsi.pt].
A vítima, como resulta da matéria de facto provada, sofreu danos não patrimoniais, que se traduziram na ofensa da sua integridade física, mas também da sua saúde psíquica. Tendo resultado assente que o arguido logrou agredir fisicamente e psicologicamente a ofendida atemorizá-la, ofender a sua honra e consideração e causar-lhe medo e inquietação, fazendo-a recear quer pudesse atentar contra a sua vida ou integridade física.
Ora, estes são danos que devem ser ressarcidos (ao contrário do que refere o recorrente) e permitem juntamente com o grau de culpa do agente - que foi elevado, pois que este agiu com dolo direto -, balizar a tarefa da quantificação com recurso à equidade do montante a atribuir.
O arguido tem uma situação económica modesta, mas perspetiva vir a desempenhar funções como consultor imobiliário, para a “Era Alfragide”, onde trabalhou anteriormente, o que lhe fará granjear, seguramente, uma melhor situação financeira.
Salientando ainda como o fez o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01.02.2012 [ processo nº 6/06.6PTLRA.C1, relatado por Maria Pilar Oliveira, disponível in www.dgsi.pt] “…como o dano não patrimonial consiste num prejuízo que atinge bens imateriais, insusceptível de avaliação pecuniária, é irreparável mas susceptível de ser compensado por um equivalente monetário, residindo a dificuldade em encontrá-lo, por apelo, sempre imperfeito, ao que o dinheiro pode propiciar e que constitua um lenitivo no sentido de encontrar um equilíbrio entre a dor psicológica e física e o que o dinheiro em substituição pode propiciar. No encontro desse ponto de equilíbrio reside o exercício da equidade, critério para que a lei aponta.
E nesta matéria, ao invés de buscar exemplos que possam servir de comparação, entende-se mais significativo salientar que o Supremo Tribunal de Justiça vem acentuando que estando em causa critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida (cfr. entre outros o Acórdão de 7.12.2011 proferido no processo 461/06.4GBVLG.P1.S1 publicado em www.dgsi.pt), como igualmente acentua que o valor indemnizatório deve ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica (…)”.
Assim, tudo ponderado e muito concretamente a culpabilidade do agente, a situação económica deste e da lesada, na medida do conhecido, as especiais circunstâncias do caso e a gravidade do dano, entendemos não ser de proceder a qualquer alteração ao montante fixado a título de compensação, mantendo, também, neste segmento a decisão recorrida.
***
III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os Juízes da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, mantem-se o acórdão recorrido nos seus precisos termos.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC [artigos 513º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III].
Notifique.

Lisboa, 19 de março de 2024
Os Juízes Desembargadores
Sandra Ferreira
João Ferreira
Ester Pacheco dos Santos