Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5335/21.6T8FNC.L1-2
Relator: PAULO FERNANDES DA SILVA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
OBRA
EMPREITADA
DEFEITO DA OBRA
ELIMINAÇÃO DE DEFEITOS DA OBRA
TERCEIRO
PREÇO
DEDUÇÃO DE CUSTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil):
I. Sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna.
II. Considerando o disposto nos artigos 1221.º e 1222.º do CCivil, caso se prove que a obra foi executada com defeitos, mas não se prove que o dono da obra recusou eliminar tais defeitos ou ocorreu interpelação admonitória do empreiteiro ou este abandonou a obra ou a situação reveste urgência, não pode o dono da obra sem mais encarregar terceiro da eliminação de tais defeitos e fazer repercutir o custo da reparação no preço da empreitada, deduzindo neste tal custo e, assim, desonerar-se do pagamento integral do preço da empreitada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I.
RELATÓRIO.
A A., MASSA INSOLVENTE DA “SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES PRIMOS, SA., intentou a presente ação declarativa comum contra a R., ATLANTIALECRIM, LDA., pedindo a condenação desta no «pagamento/devolução à A. da quantia de €18.791,43, acrescida de juros de mora já vencidos no montante de €1.971,30 e ainda de juros vincendos até efetivo e integral pagamento».
Como fundamento do seu pedido a A. alegou, em síntese, que a Sociedade de Construções Primos, S.A., dedicava-se ao ramo da construção civil e em 02.02.2013, no exercício daquela atividade, celebrou com a R. um contrato de empreitada para a construção do “Posto de Abastecimento de Santo António”, no Funchal, obra essa que foi entregue e recebida pela R. em fins de janeiro de 2014.  
Referiu também as partes acordaram que ao valor de cada fatura seriam deduzidos cinco por cento, como caução da garantia da boa execução obra, valor que seria entregue à R. findo o prazo de cinco anos de garantia, sendo que, entretanto, decorreu tal prazo sem que a R. tenha reclamado da obra, motivo pelo qual em 20.05.2020 a A. interpelou a R. para pagar o valor correspondente àquela caução, totalizando a quantia de €18.791,43, objetivo que não logrou alcançar, alegando a R., infundadamente, defeitos na obra após insistência da A. no pagamento da caução.  
A R. apresentou contestação.
Alegou, em suma, que a obra ficou com defeitos, nomeadamente no pavimento, cuja reparação a R. reclamou da Construções Primos, os quais esta recusou reparar, motivo pelo qual a R. teve por sua conta que reparar tais defeitos, no que despendeu a quantia de €22.000,00, termos em que invocou a exceção de não cumprimento e concluiu pela improcedência da ação e absolvição da R. do pedido.
Entretanto, o Tribunal dispensou a audiência prévia, proferiu saneador, identificou o objeto do litígio, enunciou os temas da prova e procedeu a julgamento.
Em 21.09.2023 o Juízo Local Cível do Funchal proferiu sentença cujo dispositivo, no que aqui releva, tem o seguinte teor:
«Condeno a Ré “Atlantialecrim, Lda.” no pagamento à Autora “Massa Insolvente da “Sociedade de Construções Primos, S.A.”, da quantia de 18.791,43€ (dezoito mil, setecentos e noventa e um euros e quarenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 7%, desde a data da interpelação para pagamento (20[1] de Maio de 2020) até efetivo e integral pagamento».
Notificada daquela sentença, a R. dela interpôs recurso, apresentando as seguintes conclusões:
«Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou a presente ação procedente por provada e, consequentemente, condenou a Ré Atlantialecrim, Lda. no pedido formulado pela A.
Ora, no entender da Recorrente, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, uma vez que:
a) o Tribunal a quo errou no seu julgamento ao dar como não provado o facto A) da matéria de facto dada como não provada;
b) ficou provado que os defeitos foram efetivamente denunciados e reclamados pela R. à A. e que a mesma recusou-se a eliminá-los;
c) ficou demonstrado que a A. nunca procedeu à reparação dos defeitos reclamados mesmos após as constantes insistências da Ré, ao ponto de, a partir de determinado momento, o representante legal da A. ter deixado de estar contactável;
d) as meras promessas sem qualquer consequência prática, conjugadas com as dificuldades que a A. atravessava à data dos factos e que viriam a culminar com a sua insolvência, justificam a recusa e atitude da A. em nunca ter procedido à reparação dos defeitos reclamados pela R.;
e) o Tribunal a quo, recorrendo às regras da racionalidade humana, da experiência comum e da lógica, do senso comum, da prudência e da normal previsibilidade, deveria ter concluído que a atitude e circunstâncias por que passava a A., à data dos factos, conduziam à conclusão de que esta não iria efetivamente proceder à reparação dos defeitos reclamados;
f) a R. não podia ficar eternamente à espera que a A. procedesse à reparação dos defeitos reclamados, uma vez que tinha compromissos importantes a cumprir nomeadamente junto da BP, o que levou a R. a contratar a sociedade “Certiveloz Unipessoal, Lda.”, para reparar os ditos defeitos;
g) da prova produzida resultou que os defeitos foram reclamados e comunicados diretamente ao Administrador da Primos, o Sr. “BB”, quer pessoalmente, dado que o mesmo se deslocava à obra diariamente, pelo menos duas vezes por dia, quer por telefone, procedimento que era comum na empresa;
h) ficou comprovado que as reclamações foram feitas diretamente ao Administrador da Primos, pelos meios de comunicação habituais entre as partes, o contacto pessoal e por telefone;
i) face à prova produzida, o facto 10 da matéria dada como assente deveria ser alterado no sentido de confirmar que os defeitos foram comunicados pela R. à A. quer por telefone quer pessoalmente na obra: Facto 10 - “O legal representante da Ré comunicou os defeitos, por telefone e pessoalmente em obra, ao legal representante da sociedade Primos, S. A.”;
j) ficou demonstrado que, apesar das insistências da Ré e a recusa da A. ou sucessivas desculpas para não proceder à reparação dos defeitos, a Ré não teve outra alternativa senão a de contratar a Certiveloz Unipessoal Lda. para proceder às reparações necessárias e colocar o posto de abastecimento em total funcionamento;
k) se provou que era do conhecimento generalizado as dificuldades financeiras da Primos, à data dos factos, que, inclusivamente, não pagava aos subempreiteiros da obra em questão nos autos, como ficou evidenciado pelo depoimento das testemunhas “DD”, representante legal da Certiveloz, que inicialmente prestou serviços à própria Primos nesta obra, “EE”, subempreiteiro que executou a escavação daquela obra, e “FF”, representante da Ré na obra;
l) se demonstrou que a incapacidade da A. para pagar os subempreiteiros e as suas manifestas dificuldades económicas, que viriam a culminar na sua insolvência, constituem motivos mais do que suficientes para um “bonus pater familias” concluir que a A. jamais iria proceder à reparação dos defeitos reclamados;
m) ficou comprovado que a R. agiu legitimamente ao ter contratado outra empresa para a reparação dos defeitos reclamados sob pena de ficar eternamente à espera que a A. procedesse à sua reparação, com todos os prejuízos que isso poderia causar à sua atividade;
n) a R. respeitou o regime previsto nos arts. 1221.º e 1222.º do CC, após a recusa por parte da A.;
o) ficou provado que a resposta da A. foi sempre de indisponibilidade para proceder à reparação dos defeitos;
p) ficou demonstrado que o Sr. “BB” (legal representante da Autora), a determinada altura, passou a ignorar e a não atender as chamadas e insistências do representante legal da R., após os defeitos terem sido reclamados pessoalmente em obra e por telefone;
q) ficou comprovado que, à data dos factos, a A. já atravessava grandes dificuldades económicas (refletidas, por ex. na necessidade da Atlantialecrim, Lda. pagar diretamente aos subempreiteiros e trabalhadores da Primos), que viriam a provocar a sua insolvência;
r) se provou a incapacidade da Primos para reparar os defeitos da obra e pagar os subempreiteiros para procederem a essa reparação;
s) não era intenção do legislador vincular ad eternum o dono de obra e obrigá-lo a aguardar até que o empreiteiro decida reparar os defeitos de obra;
t) se demonstrou que estamos perante um caso em que os defeitos tornaram a obra inadequada para o fim a que se destinava, sendo que, o prejuízo económico que o dono de obra teria de acarretar com a indefinição eterna desta situação era incomportável, dado que a BP poderia promover de imediato a resolução do contrato existente com aquele posto de abastecimento por não cumprir com os requisitos mínimos de funcionamento;
u) o Tribunal a quo errou no seu julgamento, mediante uma apreciação e valoração inapropriada e incorreta dos factos e do direito aqui aplicáveis, valoração essa que deveria ter conduzido a uma decisão diversa da encontrada, designadamente, à absolvição da Ré do pedido.
Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso e com o douto suprimento de V. Exas., deve a sentença ora recorrida ser revogada, com todas as consequências legais, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!»
A A. respondeu ao recurso, sustentando a manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir.
II.
OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pela Autora/Recorrente e não havendo questões de conhecimento oficioso a dilucidar, no presente recurso está em causa apreciar e decidir:
. Da impugnação da matéria de facto;
. Do direito ao pagamento da quantia reclamado pela A.
Assim.
III.
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
1. Segundo o disposto no artigo 640.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPCivil,
«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».

Ou seja, sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna.
Como refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, edição de 2018, páginas 163 e 169, o legislador optou «por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente», sendo que as exigências decorrentes do apontado regime legal «devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor.  Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)».
2. Na situação vertente.
A Recorrente cumpriu os indicados ónus de impugnação da decisão de facto, impugnando o facto provado n.º 10 e o não provado A).
Vejamos.
2.1. Quanto ao facto não provado A). 
O Tribunal recorrido deu aí como não provado que
«A) A sociedade Primos S.A. recusou-se a reparar os defeitos no pavimento».
Fundamentou tal nos seguintes termos:
«A Ré alegou em sede de contestação que “perante a recusa” da sociedade “Primos S.A.” em reparar os defeitos do pavimento teve necessidade de contratar a sociedade “Certiveloz” para reparar esses defeitos, de modo a poder entregar o posto de estabelecimento para exploração; porém, resultou totalmente claro da audiência de discussão e julgamento que a sociedade “Primos S.A.” não se recusou a reparar o pavimento, tendo o legal representante da Ré e a testemunha “FF” (trabalhador da Atlantialecrim) afirmado, de modo claro, que a sociedade “Primos S.A.” nunca se recusou a realizar as reparações, alegando sempre que ia proceder à reparação, embora nunca tivessem existido avanços nesse sentido».
A Recorrente pretende que tal facto seja dado como provado, alicerçando-se, em suma, nas declarações de parte do legal representante da R. e no depoimento das testemunhas “GG” e “HH”, cujos excertos transcreve, integrados por regras da lógica e da experiência comum.
Ora, daqueles excertos não decorre o indicado pela Recorrente.
Das declarações de parte da R. transcritas não decorre que o legal representante da A., Senhor “BB”, tenha recusado a reparação de defeitos da obra: pelo contrário, nas palavras do legal representante da R., ele «dizia “sim, sim, sim, vamos resolver”»      
Por sua vez, os excertos transcritos dos depoimentos das testemunhas “FF” e “HH” nada referem em concreto quanto à recusa por parte da A. da reparação dos apontados defeitos.
Alude-se aí tão-só à comunicação de defeitos à A., sem a respetiva contextualização no tempo, termos em que não pode daí sequer presumir-se a recusa em causa, mesmo implicitamente, como parece pretender a Recorrente, com recurso às regras da lógica e da experiência comum.
Na matéria, não se olvide que a obra foi entregue e «recebida pela Ré no primeiro semestre de 2014, conforme facto provado 8, e que a A. foi «declarada insolvente» em «23 de dezembro de 2015», conforme facto provado 18, ou seja, pelo menos quase um ano e meio depois da receção da obra, pelo que configura-se infundado assentar a recusa de reparação dos defeitos de dificuldades de económicas da A., deduzindo-se aquela recusa a partir destas dificuldades, até porque ficou por demonstrar que tal reparação dependia exclusivamente do recurso a terceiros por parte da A., sendo que os enxertos transcritos das testemunhas “DD”, “EE” e “FF” revelam-se deveras vagos, nomeadamente no tempo histórico e contexto apurados.
Por outro lado, importa não desconsiderar que em causa estava um contrato de empreitada celebrado por escrito, com vinte e sete cláusulas e anexos, outorgado entre duas sociedades comerciais, quanto a valor considerável, €345.147,66 mais IVA, reportado a fevereiro de 2013, com uma cláusula de 5% de caução de garantia pela boa execução da obra, por cinco anos, pelo que as regras da experiência comum e da lógica justificariam que em situações como a presente o dono da obra, a R., reclamasse os defeitos junto do empreiteiro, a A., dando-lhe um prazo para o mesmo reparar tais defeitos, com efeitos admonitórios, o que de todo em todo não se apurou no caso, sendo que a eventual urgência da situação nem sequer foi alegada, apurando-se tão-só que «a Ré estava a ser pressionada pela exploradora “BP para corrigir os defeitos existentes no pavimento», conforme facto provado 14, o que é inócuo ao caso.
Pelo contrário, mais de cinco anos depois da receção provisória da obra, foi a A. que exigiu da R. o pagamento da quantia garantida e só após duas insistências daquela a R. invocou «inúmeros defeitos» na obra, conforme factos provados 20, 21, 22 e 23, tudo a revelar falta de consistência da alegação da R. em matéria de recusa de reparação de defeitos por parte da A., à luz das regras da experiência comum e da lógica. 
Em suma, importa manter como não provado o indicado como tal em A) na decisão recorrida, pelo que improcede nesta sede o recurso.
2.2. No que respeita ao facto provado 10. 
O Tribunal recorrido deu aí como provado que
«10 - O legal representante da Ré comunicou os defeitos, por telemóvel, ao legal representante da sociedade “Primos S.A.».
Fundamentou tal facto nos seguintes termos:
«Quanto aos factos 9 a 14, os mesmos resultaram provados das declarações de parte do legal representante da Ré, dos depoimentos das testemunhas “FF”, “DD”, “II”, “JJ” e “KK”, do documento 2 junto com a contestação e das regras da lógica e da experiência comum.
O legal representante da Ré, Sr. JA referiu que, após a entrega da obra, verificaram-se diversos defeitos no pavimento do posto de abastecimento e que os mesmos foram comunicados por telemóvel ao Sr. “BB”, legal representante da sociedade “Primos S.A.”, com quem tinha uma boa relação, não tendo apresentado qualquer reclamação ou comunicação escrita relativamente a esses defeitos.
Acrescentou que apesar de a sociedade “Primos S.A.” ter referido que ia resolver a situação, tal nunca aconteceu, tendo a Ré contratado a empresa “Certiveloz Unipessoal Lda.” para orçamentar e executar os trabalhos de reparação do pavimento, uma vez que estava a ser pressionado pela “BP” para terminar as reparações.
Acrescentou, ainda, que pagou o valor de 22.000€ por esses trabalhos de reparação.
Diretamente questionado, o legal representante da Ré referiu que a sociedade “Primos S.A.” não foi informada de que a Ré iria proceder à reparação do pavimento por intermédio de outra empresa e que nunca informou a Autora do valor que havia pago.
No mesmo sentido, a testemunha “FF” informou que se verificou um problema no pavimento do posto de combustível, que consiste num problema relativo à base de tal pavimento, que acabou por ceder.
Esclareceu que os defeitos foram comunicados por telemóvel/telefone ao Sr. “BB”, legal representante da sociedade “Primos S.A.”, que ia à obra todos os dias e acompanhava a mesma.
Acrescentou que, por diversas vezes, o Sr. “BB” referiu que ia resolver a situação, nunca tendo existido recusa na reparação por parte da sociedade “Primos S.A.”, mas que o tempo foi passando sem que a situação se resolvesse, motivo pelo qual contrataram a sociedade “Certiveloz” para reparar o pavimento, tendo pago o valor de 22.000 € por tal reparação.
Explicou, ainda, que não comunicou à sociedade “Primos S.A.” que iria proceder às reparações através da “Certiveloz”, nem informou do valor que havia sido pago, e que existia urgência na reparação e abertura do posto, uma vez que a exploradora (“BP”) estava a pressionar a Ré para entregar o posto de abastecimento devidamente reparado.
A testemunha confirmou, por fim, que as reclamações/comunicações nunca foram feitas por escrito e que tudo era tratado por telemóvel.
Por seu turno, a testemunha “DD” (legal representante da sociedade “Certiveloz”) confirmou que foi contratado pela Ré para realizar os trabalhos necessários à reparação do pavimento, explicando que se verificava um problema na base do pavimento, que era necessário reparar.
Todos esses depoimentos são compatíveis com o documento 2, junto com a contestação, que corresponde à fatura paga à sociedade “Certiveloz” pela Ré, relativa aos trabalhos de reparação, que data de Outubro de 2014 (data posterior à da entrega da obra).
Assim, essa versão dos factos demonstra-se coerente e de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, inexistindo justificação lógica para a realização e pagamento desses trabalhos se não se tivessem verificado defeitos, pese embora as testemunhas “II”, “JJ” (ex funcionário da Autora) e “KK” (filho do antigo legal representante da sociedade “Primos S.A.”) tenham prestado depoimento no sentido de desconhecerem a existência de defeitos no pavimento.
No mais, essa versão não é incompatível com os depoimentos das testemunhas “II”, “JJ” e “HH”, uma vez que se afigura perfeitamente lógico que os mesmos não tivessem conhecimento dos defeitos do pavimento, atendendo a que tais defeitos eram comunicados por telefone ao Sr. “BB” (legal representante, à data, da “Primos S.A.”), inexistindo qualquer suporte escrito ou documental dessas reclamações.
Acresce que as testemunha “II”, “JJ” e “HH” confirmaram que não foi efetuada qualquer reclamação escrita relativa a defeitos no pavimento da obra, inexistindo qualquer registo documental sobre essas reclamações.
Essas testemunhas acrescentaram que desconheciam por completo que a Ré havia procedido à reparação do pavimento por intermédio da empresa “Certiveloz” e que só tiveram conhecimento da fatura no valor de 22.000€ no âmbito da presente ação (algo que vai de acordo à versão dos factos das restantes testemunhas e do legal representante da Ré)».
Nesta sede a Recorrente pretende que se adite ao facto provado 10 que os defeitos foram comunicados também «pessoalmente», passando, pois, a ter a seguinte redação:
«10 - O legal representante da Ré comunicou os defeitos, por telemóvel e pessoalmente, ao legal representante da sociedade Primos S.A.».
Para tal socorre-se nas declarações de parte do legal representante da R. e no depoimento das testemunhas “GG” e “HH” que transcreve.
Apreciemos.
Em causa está um preciosismo cuja relevância factual não se vislumbra.
Pertinente é a comunicação de defeitos à A., não o modo que tal comunicação concretamente assumiu, sendo que já resulta da matéria de facto provada que a comunicação dos defeitos foi efetuada «por telemóvel».
De todo o modo, dos excertos transcritos pela Recorrente resulta que a comunicação foi feita através de telefone, não por contacto pessoal.
Com efeito, conforme decorre daqueles excertos:
- O legal representante da R., (…) referiu que os contactos eram feitos «por telefone, via telefone», «ligou ao Sr. “BB”», «quem me atendia era o Sr. “BB”», tendo-lhe feito «chamadas»;
- A testemunha “FF” disse que os defeitos foram comunicados «por telefone ao Sr. “BB”, que era a pessoa responsável pela empresa e era a pessoa que ia lá todos os dias», «mais do que uma vez», não podendo daí deduzir-se que os defeitos foram também comunicados pessoalmente, inferindo-se antes que aquele que comunicava os defeitos à A. não estava na obra quando aí se deslocava o «Sr. “BB”» e, por isso, abordava este «por telemóvel»;
- A testemunha “HH” nada referiu quanto à concreta reclamação em causa, referindo tão-só que em geral «todas as reclamações, fossem feitas por telefone ou pessoalmente em obra, eram sempre registadas».      
Improcede, pois, também aqui a pretendida alteração da matéria de facto.
*
* *
Em função do exposto, este Tribunal da Relação de Lisboa tem, pois, como provada a seguinte factualidade:
1. A Sociedade de Construções Primos S.A., cuja massa insolvente é agora Autora na presente ação, era uma empresa que se dedicava ao ramo da construção civil;
2. A Ré é uma sociedade que tem por objeto social: "estação de serviço, fornecimento de combustíveis, óleos, reparação, lubrificação, lavagem e venda de acessórios de automóveis, venda de gás e todo o tipo de energias, incluindo renováveis, equipamentos de produção e seus acessórios, minimercado, exploração de restaurantes, snack bares, bares e estabelecimentos de bebidas e similares de hotelaria, estudos e projetos de arquitetura e engenharia, comércio de veículos automóveis e motociclos, peças e acessórios para os mesmos, atividades de arrendamento e exploração de bens imobiliários e de terrenos (exceto as SGII’s), atividade de mediação e promoção imobiliária, compra e venda de imóveis, construção civil, produção de gelo, planificação e pastelaria, aluguer de veículos automóveis ligeiros de passageiros e mistos com lotação de nove lugares sem condutor e motociclos”;
3. No âmbito da sua atividade, a “Primos S.A.” celebrou em 02 de fevereiro de 2013 com a sociedade Ré, um contrato de empreitada para a construção do “Posto de Abastecimento de Santo António”, no Funchal;
4. No referido contrato a sociedade “Primos S.A.” comprometeu-se a executar os trabalhos de construção do Posto de Abastecimento de Santo António, tendo ficado a cargo da Sociedade “Primos S.A.” o fornecimento e instalação de todo o equipamento e materiais necessários à execução da obra, cujo processo de arquitetura e execução da obra constitui o processo de licenciamento a que constitui o alvará de licença de construção n.º 15/2013, emitido pela Câmara Municipal do Funchal em 01 de fevereiro de 2013;
5. Ficou acordado pelas partes que a empreitada teria início em 28 de janeiro de 2013 e que os trabalhos seriam concluídos no prazo máximo de 135 dias a contar dessa data;
6. Foi igualmente acordado que ao valor de cada fatura seria deduzido o valor de cinco por cento, como caução da garantia da obra, valor que seria entregue à “Sociedade de Construções Primos S.A” no fim do prazo de garantia acordado;
7. O prazo de garantia acordado foi de cinco anos;
8. A obra foi entregue pela sociedade “Primos S.A.” e recebida pela Ré no primeiro semestre de 2014;
9. Após a entrega da obra, a Ré verificou defeitos no pavimento colocado no referido Posto de Abastecimento que registava abatimentos;
10. O legal representante da Ré comunicou os defeitos, por telemóvel, ao legal representante da sociedade “Primos S.A.”;
11. Nunca foi efetuada nem registada qualquer reclamação/comunicação escrita relativamente a esses defeitos;
12. Após a entrega da obra a Ré contratou a empresa “Certiveloz Unipessoal Lda.” para orçamentar e executar os trabalhos de reparação do pavimento;
13. A Ré não informou a sociedade “Primos S.A.” que iria proceder à reparação do pavimento por intermédio de outra empresa;
14. A Ré estava a ser pressionada pela exploradora “BP” para corrigir os defeitos existentes no pavimento;
15. A reparação do pavimento implicou a realização dos seguintes trabalhos:
- Montagem, exploração e desmontagem de estaleiro,
- Levantamento de grelhas e enrelvamento em betão pré-fabricado,
- Saneamento da base e sub-base de agregado britado,
- Saneamento, regularização e compactação do fundo de caixa, incluindo rega, compactação mecânica e todos os trabalhos necessários,
- Execução de base e sub-base de agregado britado, incluindo colocação, espalhamento, rega, compactação mecânica e todos os trabalhos e equipamentos necessários,
- Fornecimento e aplicação de grelhas de enrelvamento em betão pré-fabricado,
- Retificação das cotas de coroamento das caixas de pavimento, incluindo levantamento, reposição e todos os trabalhos necessários;
16. A Ré pagou à empresa “Certiveloz, Unipessoal Lda.”, por esses trabalhos, a quantia de 22.000€;
17. Até à presente ação, a Ré nunca informou a sociedade “Primos S.A.” que havia pago esse valor;
18. Por sentença proferida em 23 de dezembro de 2015, no processo n.º 6255/15.9T8FNC do juízo de comércio do Funchal (J1), foi a sociedade “Primos S.A.” declarada insolvente;
19. A Ré não reclamou créditos no processo de insolvência;
20. O administrador de insolvência, o Dr. “LL”, interpelou a Ré através de carta registada datada de 20 de maio de 2020 por forma a que aquela procedesse ao pagamento/transferência dos valores retidos a título de garantia no montante global de €18.791,43;
21. Dada a ausência de qualquer resposta por parte da Ré, procedeu-se ao envio de uma nova carta a insistir, a qual voltou a não obter da Ré qualquer resposta;
22. Através de carta registada com aviso de receção, datada de 19 de abril de 2021, a massa insolvente viria a insistir na devolução/pagamento da quantia em causa;
23- A Ré respondeu, por carta data de 29 de abril de 2021, alegando que nada devia à Sociedade “Primos S.A.”, por terem sido verificados inúmeros defeitos e que reparou a suas custas os defeitos, tendo despendido um valor superior ao que havia sido retido a título de garantia;
24- O valor retido pela Ré, a título da garantia acordada, ao longo do contrato ascende a €18.791,43.
*
Este Tribunal da Relação de Lisboa considera que não ficou provado que:
A) A sociedade Primos S.A. recusou-se a reparar os defeitos do pavimento.
IV.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A Recorrente pretende a sua absolvição do pedido.
Fundamentou a sua pretensão basicamente na alteração da matéria de facto dada como provada, entendendo apurado que a A. recusou reparar defeitos da obra e invocando o disposto nos artigos 1221.º e 1222.º do CCivil.
Vejamos.
Atento o disposto no artigo 1207.º do CCivil, é manifesto que A. e R. encontram-se reciprocamente vinculadas por um contrato de empreitada: a A. obrigou-se a realizar uma certa obra, a construção do Posto de Abastecimento de Santo António, mediante um determinado preço, a pagar pela R. à A.
Relativamente ao preço acordado, encontra-se ainda por liquidar a quantia de €18.791,43, conforme factos provados 6 e 24.
Como causa de inexigibilidade daquela quantia, a R. alegou que a obra tinha defeitos e que a A. recusou-se a eliminá-los, tendo a R., por isso, contratado terceiro, no que despendeu a quantia de €22.000,00,
Ora, se é certo que se apurou a existência de defeitos na obra, não se apurou, contudo, que a A. tenha recusado eliminar tais defeitos, conforme facto dado como não provado A), o qual incumbia à R. demonstrar, conforme artigo 342.º, n.º 2, do CCivil.
Nestes termos, considerando o disposto nos artigos 1221.º e 1222.º do CCivil, não tendo a A. recusado a eliminação dos defeitos, nem tendo havido interpelação admonitória por parte da R., com fixação de um prazo razoável para a eliminação de defeitos, na falta de outros factos apurados, carece de fundamento a pretendida desoneração da R. no pagamento integral do preço da empreitada.
Como refere Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume III, edição de 2018, páginas 539 e 540, «[o] primeiro direito do dono da obra, em caso de incumprimento defeituoso por parte do empreiteiro, é o da eliminação dos defeitos, através da qual se pretende a colocação da obra em conformidade com o respectivo contrato, através da reparação dos vícios nela detectados».
«A reparação deve ser solicitada pelo dono da obra ao empreiteiro, que está obrigado a realizá-la, a menos que o defeito se encontre [entre] aqueles pelos quais não responde (art.º 1218º, nºs 1 e 2). No caso de o empreiteiro se recusar a reparar o defeito, deve o dono da obra obter a condenação dele nessa prestação, podendo na execução requerer que a reparação seja efetuada por outrem à custa do empreiteiro (art.º 828º). (…) Dado que a reparação dos defeitos pelo empreiteiro constitui a solução legal estabelecida para os defeitos da obra, não poderá o dono da obra proceder previamente à eliminação do defeito por iniciativa própria ou com recurso a terceiros, a qual, se for realizada, implica a perda do direito ao ressarcimento das despesas com a eliminação do defeito (…). Parece, no entanto, de admitir com base no art.º 336.º, quando a urgência não consinta qualquer dilação e o empreiteiro não dê mostras de ir proceder à reparação dos defeitos, que o dono da obra proceda ele mesmo a essa reparação, com direito de reembolso sobre o empreiteiro (…). Da mesma forma, a recusa de eliminação dos defeitos ou o abandono da obra por parte do empreiteiro permite ao dono da obra desencadear a reparação dos defeitos com recurso a terceiro, com possibilidade de exigir o competente reembolso ao empreiteiro (…).
A propósito referem Pedro de Albuquerque e Miguel Assis Raimundo, Direito das Obrigações, Contratos em especial, volume II, Contrato de Empreitada, edição de 2019, páginas 424 e 425, «[n]ão são estabelecidos prazos para a eliminação dos defeitos ou a realização de obra nova (…)».
«No entanto, tem-se entendido poder o dono da obra fixar um prazo razoável para o desempenho dessas obrigações pelo empreiteiro».
«A ultrapassagem desse prazo determinará então a simples mora, se o prazo não tiver natureza admonitória, ou incumprimento definitivo, se o dono da obra expressamente referiu implicar o seu desrespeito o impedimento futuro de cumprir o dever de eliminação dos defeitos ou realização de obra nova (…)».
Também na matéria, no mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.11.2023, processo n.º 10835/19.5T8LRS.L1.S1, refere que «(…) [a]penas no caso de manifesta urgência, a fim de evitar um dano maior, pode o dono de obra agir por si ou através de terceiro com vista à eliminação dos defeitos, exigindo subsequentemente ao empreiteiro/vendedor o reembolso das despesas em que incorreu. O mesmo sucede na hipótese de incumprimento definitivo do dever de reparação por parte do devedor – i.e., do empreiteiro/vendedor».
«(…) [T]endo o direito à eliminação ou reparação dos defeitos sido estabelecido no interesse de ambas as partes, o dono da obra não pode impedir o cumprimento da correspondente obrigação do empreiteiro, efetuando-a ele próprio ou contratando terceiro para o fazer, sem antes dar àquele essa oportunidade. Naturalmente que o mesmo não acontece na hipótese de incumprimento definitivo dessa obrigação, imputável ao empreiteiro, nomeadamente quando este se recusa perentoriamente a cumprir, ou quando não observa o prazo admonitório, nos termos do art.º 808.º, n.º 1 do CC, ou quanto ocorre uma tentativa frustrada de reparação. Nestas hipóteses, já não se revela necessário o recurso à via judicial para o dono da obra poder efetuar as obras de reparação, sem que perca o direito de reclamar do empreiteiro o pagamento do respetivo custo».
Ora, in casu, nem se apurou uma situação de urgência que justificasse a realização de obras para eliminação de defeitos por parte da R, nem a ocorrência de recusa de eliminação de defeitos ou de abandono da obra por parte da A., nem uma interpelação admonitória da parte da R., termos em que esta não está desobrigada a pagar a totalidade do preço acordado para a empreitada, apesar dos defeitos ocorridos.
Em suma, o contrato de empreitada em causa tem-se por válido e eficaz, pelo que a R. está obrigada a pagar à A. a indicada quantia de €18.791,43 relativo à caução da garantia de boa execução da obra, decorridos que se mostram mais de cinco anos da execução desta.     
Improcede, pois, recurso, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
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Quanto a custas:
Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, o recurso é considerado um «processo autónomo» para efeito de custas processuais, sendo que a decisão que julgue o recurso «condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».
Ora, in casu improcede a pretensão da Recorrente.
Na relação jurídico-processual recursiva a Recorrente configura-se como parte vencida, pois a improcedência do recurso é-lhe desfavorável.
Nestes termos, as custas do recurso devem ser suportadas pela Recorrente
V. DECISÃO  
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso, mantendo-se, pois, a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 22 de fevereiro de 2024
Paulo Fernandes da Silva
Arlindo Crua
Laurinda Gemas
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[1] Na sentença recorrida refere-se «05 de Maio de 2020». Trata-se, contudo, de um manifesto lapso de escrita, pois quer do facto provado 20, quer do documento n.º 3, considerado na motivação da decisão de facto quanto àquele facto, quer, ainda da decisão de direito, último parágrafo, decorre que data da interpelação em causa ocorreu em 20 de maio de 2020.