Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
33943/06.8YYLSB-L.L1-6
Relator: NUNO LOPES RIBEIRO
Descritores: RECLAMAÇÃO DA NOTA DISCRIMINATIVA DE CUSTAS DE PARTE
FUNDAMENTO NA INTEMPESIVIDADE
OBRIGAÇÃO DE DEPOSITAR O VALOR DA NOTA
MOMENTO DO TRÂNSITO EM JULGADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. Tendo a reclamante invocado apenas a intempestividade da apresentação da nota discriminativa de custas de parte, não está obrigada a depositar o valor total dessa nota.
II. O prazo máximo de condescendência para a prática de acto processual com o pagamento de multa apenas conta para efeitos de determinação do trânsito em julgado da decisão se o direito de praticar o acto dentro desse prazo for efectivamente exercido.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:  Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I. O relatório
Veio a executada A., por apenso à acção executiva, para pagamento de quantia certa, deduzir oposição à execução contra o exequente B.
Por sentença proferida em 14/3/2022, decidiu-se:
Pelo exposto, em conformidade com as citadas disposições legais, decide o Tribunal julgar improcedente, por não provada, a oposição à execução deduzida por A contra B, devendo os autos da acção executiva prosseguirem os ulteriores termos.
A executada recorreu de apelação, sendo que, por decisão do Exmo. Relator, de 9/9/2022 (mantida por Acórdão da conferência de 3/11/2022) rejeitou-se a admissibilidade do recurso.
Interposta revista, em 20/6/2023 foi proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, com o seguinte dispositivo:
Julgar improcedente a revista e confirmar o acórdão recorrido.
O referido Acórdão foi notificado aos Ilustres Mandatários, por acto electrónico certificado pelo sistema com data de 21/6/2023, não tendo sido objecto de qualquer reclamação.
*
Em 5/9/2023, o exequente juntou aos autos cópia da comunicação escrita e da nota discriminativa e justificativa de custas de parte remetidas, na mesma data, à Ilustre Mandatária da executada.
*
Em 18/9/2023, apresentou a executada o seguinte requerimento:
A notificada da junção por B, por nota de notificação de 5/9/2023, para pagamento de custas de parte, vem arguir nulidades do pedido, nos seguintes termos,
1. Por força da notificação de 5/9/2023, via citius, veio o B apresentar nota discriminativa e justificativa de custas de parte e invocar que, na mesma data, enviou, por e-mail, à mandatária da contraparte, cópia da referida nota.
2. Alega o B, que a nota justificativa se reporta ao trânsito em julgado do Acórdão notificado em 21.6.2023, na oposição, no apenso A (doc.1), referindo-se ao Ac. do STJ, de 20.6.2023 (Revista 33943/06.8YYLSB-A.L1.S1).
3. O trânsito em julgado do Ac. do STJ, de 20.6.2023 ocorreu em 6.7.2023, data após a qual não era possível, o recurso ordinário, nem a reclamação (conjugação dos art.ºs 629.º e 149º, do CPC).
4. Com efeito, notificado o Acórdão, às partes, por nota de 21.6.2023, presume-se recebida em 24.6.2023, terminando o prazo de possível reclamação, em 6.7.2023.
5. Iniciando-se o prazo para reclamar as custas de parte em 7.7.2023, nos termos dos art.ºs, 25º, 1, do RCP e 30º, 1, da Portaria n.º 419- A/2009, fácil é concluir que os 10 dias aí previstos já se tinham esgotado em 5.9.2023.
6. Resulta, assim, que em 5/9/2023, havia terminado o prazo fixado no art.º 25º, 1, do RCP, e no art.º 31º, 1, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17/04, quer para notificar a parte, quer para reclamar em juízo o pagamento das custas de parte.
7. É, pois, um acto nulo, a apresentação, em juízo, da nota discriminativa e justificativa, extemporaneamente, decorrido o prazo dos 10 dias após o trânsito em julgado da decisão, como ocorre no presente caso (art.º 25º, 1, do Reg. Custas Processuais).
8. É também nulo o envio em 5.9.2023, da notificação à mandatária da contraparte por e-mail, após o término do prazo, por violação do art.º 25º, 1, do RCP e do art.º 31º, 1, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17/04.
9. Assim, no caso presente, ocorrem nulidades pela não verificação de duas condições à apresentação judicial da nota discriminativa e justificativa,
a) o não envio prévio, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado, da nota discriminativa à contraparte;
b) a não apresentação, em juízo, da nota discriminativa e justificativa no prazo de 10 dias a partir do trânsito em julgado.
10. Tais nulidades têm repercursão na apreciação da causa (art.º 195º,1, do CPC).
11. O direito (disponível), da parte vencedora, a custas de parte é um direito disponível e a obrigação de pagamento de custas uma relação jurídica inter partes, alheia ao tribunal/Estado, que apenas se constitui por interpelação à contraparte no prazo fixado legalmente. (art.ºs 25º, 1, do RCP1).
12. O não exercício do direito dentro do prazo, quer de interpelação, quer de apresentação em juízo, faz precludir o direito por caducidade, pois conforme art.º 298º, 2, do CC, se um direito deveria ser exercido dentro de certo prazo legal e não o foi, são aplicáveis as regras de caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.
13. Nesse sentido, consultar por exemplo, Ac. da Relação do Porto, de 1902-2014, Proc.269/10.2TAMTS-B.P1, Relator Borges Martins e a posição do Conselheiro Salvador da Costa, em anotação ao RCP.
Nestes termos, por terem sido efectuados, em 5.9.2023,
a) o envio da nota de custas de parte à mandatária da contaparte, por e-mail e, ainda,
b) a apresentação, em tribunal, da reclamação de custas de parte,
ambos os actos praticados após o 10.º dia, sobre o trânsito em julgado, em violação dos art.ºs, 25º, 1, do RCP e 30º, 1, da Portaria n.º 419-A/2009, devem os actos ser considerados inexistentes e nulos, por falta de condição de procedibilidade, por preclusão do exercício do direito e correspondente caducidade.
*
Em 2/10/2023, apresentou a exequente o seguinte requerimento:
1.º
Vem a executada opoente A., reagir à nota discriminativa de custas de parte, apresentando um requerimento a “arguir a nulidade do pedido”, fundamentando para tanto que “(…) em 5/9/2023, havia terminado o prazo fixado no art.º 25º, 1, do RCP, e no art.º 31º, 1, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17/04, quer para notificar a parte, quer para reclamar em juízo o pagamento das custas de parte.”
2.º
E concluindo que “É, pois, um acto nulo, a apresentação, em juízo, da nota discriminativa e justificativa, extemporaneamente, decorrido o prazo dos 10 dias após o trânsito em julgado da decisão, como ocorre no presente caso (art.º 25º, 1, do Reg. Custas Processuais).”
3.º
Sem razão e sem observar o meio processual próprio.
4.º
Ora, ao abrigo do disposto no n.º 1 artigo 26.º A do Regulamento das Custas Processuais, em caso de discordância com a nota discriminativa de custas parte, dispõe a parte do prazo de 10 dias para apresentar a respectiva reclamação.
5.º
O que a executada não fez, certamente, para, de forma ardilosa, reagir à nota de custas de parte e evitar proceder ao depósito do valor da totalidade da nota, a que bem sabe estar obrigada, ao abrigo do n.º 2 do artigo 26.º - A do mesmo diploma legal.
6.º
Pelo que, em face da violação do previsto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 26.º A do Regulamento das Custas Processuais, deve o peticionado pela oponente ser liminarmente rejeitado.
7.º
Caso assim não se entenda, o que por mera cautela e dever de patrocínio se assume, o exequente apresentou a nota discriminativa de custas de parte, na sequência da prolação o douto Acórdão notificado aos 21.06.2023, que considerou a revista improcedente e confirmou a decisão recorrida.
7.º
O que fez, tempestivamente aos 05.09.2023.
8.º
Com efeito, o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça foi notificado às partes mediante notificação electrónica datada de 21.06.2023, pelo que, sendo o dia 24.06.2023 um dia não útil, considera-se a notificação efectuada no dia 26.06.2023.
9.º
Contado o prazo de 10 (dez) dias para efeitos de reclamação ou recurso, acrescido dos 3 (três) dias de multa (cfr. artigo 139.º n.º 5 do CPC), considera-se que o trânsito em julgado da decisão ocorreu aos 12.07.2023.
10.º
Pelo que, em face do período de férias judiciais que decorreu entre 16.07.2023 e 31.08.2023, o prazo de 10 dias - após o trânsito em julgado da decisão - para apresentar a respectiva nota discriminativa de custas de parte terminou apenas no dia 07.09.2023.
11.º
Donde, é tempestiva a nota discriminativa de custas de parte apresentada pelo exequente aos 05.09.2023.
12.º
Improcedendo o requerido pela oponente A
Termos em que deve o requerimento apresentada pela Oponente A. ser liminarmente rejeitado, por omissão do cumprimento do previsto no disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 26º A do RCP.
Assim não se entendendo, o que apenas por cautela e dever de patrocínio se admite, deve ser o mesmo julgado improcedente, porque infundado, condenando-se nos termos constantes da apresentada nota discriminativa de custas de parte pelo exequente.
*
Com data de 15/11/2023, foi proferido despacho, com o seguinte teor:
Improcede claramente a oposição da executada, uma vez que a nota de custas de parte, apresentada em 5/9/2023, é tempestiva.
Na verdade, o acórdão que negou a revista considera-se notificado às partes no dia 26/06/2023.
Assim, o prazo de 10 (dez) dias para suscitar qualquer reclamação, acrescido dos três dias úteis a que alude o art.º 139º do CPC, completou-se no dia 11/07/2023, pelo que o acórdão acima citado transitou em julgado no dia 12/07/2023.
Quer isto dizer que o prazo para apresentar a nota de custas de parte se completava no dia 7/9/2023. Tendo a nota de custas de parte sido apresentada no dia 5/9/2023, tem de ser considerada tempestiva.
*
Inconformada, a executada interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
a. B apresentou, em juízo, notificação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte em 5/9/2023, invocando que o fazia nos 10 dias seguintes ao trânsito em julgado do Ac. do STJ de 20.6.2023 (Revista 33943/06.8YYLSB-A.L1.S1).
b. Na mesma data de 5/9/2023, enviou, por e-mail, à mandatária da contraparte, cópia da referida nota.
c. A Recorrente execepcionou que a nota era extemporânea e que tinha caducado o referido direito de apresentar a nota nos autos.
d. O trânsito em julgado do Ac. do STJ, de 20.6.2023 ocorreu em 6.7.2023, data após a qual não era possível, o recurso ordinário, nem a reclamação (conjugação dos art.ºs 629.º e 149º, do CPC).
e. Denote-se que no despacho recorrido erroneamente considera que o trânsito em julgado do Ac. do STJ ocorreu em 12.07.2023, considerando e a Secretaria do STJ, concorda com a Recorrente e fixa a data do trânsito em julgado em 06-07-2023 (ver doc. 1).
f. Resulta dos autos que o Ac. do STJ de 20.6.2023, foi notificado às partes por nota de notificação com a data de certificação de 21.6.2023, presumindo-se
g. 4. Com efeito, notificado o Acórdão, às partes, por nota de 21.6.2023, presume-se recebida em 26.6.2023, terminando o prazo de possível reclamação, em 6.7.2023.
h. Defendem, tanto o Tribunal a quo como o B que o início do prazo de envio à parte e apresentação em tribunal da nota discriminativa de custas de parte, apenas começa quando decorreu o prazo peremptório de reclamação (10 dias), mais três dias úteis, nos termos do art.º 139º, 5, do CPC.
i. Consideramos existir erro de interpretação do art.º 628º do CPC, uma vez que o art.º 139º, 5, do CPC só revela se for exercido o direito conferido por essa norma.
Requer-se, assim, a prolacção de decisão que substitua o despacho recorrido, decretando que os actos praticados pelo Recorrido em 5.9.2023, a saber,
a) envio da nota de custas de parte à mandatária da contaparte, por e-mail e, ainda,
b) a apresentação, em tribunal, da nota discriminativa de custas de parte,
devem ser considerados inexistentes e nulos, por falta de condição de procedibilidade - preclusão do exercício do direito e correspondente caducidade, uma vez que foram praticados após o 10.º dia do trânsito em julgado, em violação dos art.ºs, 25º, 1, do RCP e 30º, 1, da Portaria n.º 419-A/2009,
*
O exequente contra-alegou, rematando com as seguintes conclusões:
I- Vem a Recorrente recorrer do douto despacho de 15/11/2023 que julgou improcedente a sua oposição e considerou a nota de custas de parte tempestiva.
II- A título prévio, deve o recurso interposto pela Recorrente ser liminarmente rejeitado, por a Recorrente ter, em momento antecedente, violado as estatuições dos nos n.ºs 1 e2 do artigo 26. ºA do Regulamento das Custas Processuais.
III- Com efeito, em caso de discordância com a nota discriminativa de custas parte, dispõe a parte do prazo de 10 dias para apresentar a respectiva reclamação: cfr. o n.º 1 do referido artº.
IV- O que a ora Recorrente não fez, certamente, para, de forma ardilosa, reagir à nota de custas de parte e evitar proceder ao depósito do valor da totalidade da nota, a que bem sabe estar obrigada, ao abrigo do n. º 2 do artigo 26. º -A do mesmo diploma legal.
V- Ora, havendo reclamação das custas de parte desencadeia-se um incidente que se inicia com a apresentação da nota discriminativa.
VI- Determinando expressamente onº2do citado artigo 26.º-A que esta reclamação está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota, a jurisprudência maioritária tem entendido que este depósito é uma condição de apreciação que obsta ao conhecimento da reclamação.
VII- Defende-se que o fim desta norma é o de fazer depender a admissibilidadeda reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte do depósito prévio do montante nela lixado.
VIII- E o epílogo desta intelecção é o de que não depositando a reclamante o valor referido neste artigo 26. º-A, não tem o tribunal de convidar a reclamante a efectuar esse pagamento, nem tem de apreciar oficiosamente a nota discriminativa e justificativa de custas de parte.
IX- Em reforço desta posição diz-se que a remissão, constante deste artigo 26-A, no seu n º3, para o regime previsto no artigo 31º do mesmo diploma tem de ser entendido como ressalvando as devidas adaptações. Ou seja, só se com a reclamação for depositado o valor da totalidade da nota, é que na sua apreciação, o julgador atenderá ao disposto no artigo 31º.
X- A reclamação não pode ser analisada, por falta de cumprimento de uma condição, e os valores que foram indicados pela parte mantêm-se assim numa esfera extrajudicial, visando um pagamento extra-processo, não competindo ao tribunal substituir-se à parte nesse tipo de acto.
XI- Pelo exposto, em face da violação do previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais, deve o recurso interposto pela Recorrente ser liminarmente rejeitado.
XII- Ainda a titulo prévio, com as suas alegações de recurso, a Recorrente junta certidão de trânsito em julgado do acórdão proferido os autos de Revista n. º33943/06.8YYLSB-A.L1.S1.
XIII- Contudo, sequer requer a junção.
XIV- Sendo que, as situações em que se mostra possível a junção de documentos com as alegações são excepcionais; cfr. art.º 651. º do CPC - o que se afigura inaplicável in casu, desde logo porque, insista-se, a junção sequer foi requerida.
XV- De todo o modo, tal documento (emanado de uma secretaria judicial) está em contradição com o despacho sob análise (emanado de um juiz), não tendo, portanto, a virtualidade de o alterar tout court.
XVI- E o mesmo já se encontrava, inclusivamente, junto aos autos, desde 13/07/2023
XVII- Cautelarmente, entrando no âmago do recurso, o exequente apresentou a nota discriminativa de custas de parte, na sequência da prolação o douto Acórdão notificado aos 21/06/2023, que considerou a revista improcedente e confirmou a decisão recorrida.
XVIII- O que fez, tempestivamente aos 05/09/2023.
XIX- Com efeito, o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça foi notificado às partes mediante notificação electrónica datada de 21/06/2023, pelo que, sendo o dia 24/06/2023 um dia não útil, considera-se a notificação efectuada no dia 26/06/2023.
XX- Contado o prazo de 10 (dez) dias para efeitos de reclamação ou recurso, acrescido dos 3 (três) dias de multa (cfr. artigo 139.º n.º 5do CPC), considera-se que o trânsito em julgado da decisão ocorreu aos 12/07/2023.
XXI- Pelo que, em face do período de férias judiciais que decorreu entre 16/07/2023 e 31/08/2023, o prazo de 10 dias - após o trânsito em julgado da decisão - para apresentar a respectiva nota discriminativa de custas de parte terminou apenas no dia 07/09/2023.
XXII- Donde, é tempestiva a nota discriminativa de custas de parte apresentada pelo exequente aos 05/09/2023.
XXIII- Logo, improcede a alegação da Recorrente.
*
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida de imediato, em separado e efeito meramente devolutivo.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. O objecto e a delimitação do recurso
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
Da necessidade prévia do depósito da totalidade do valor da nota.
Da tempestividade da apresentação da nota.
*
III. Os factos
Encontra-se provada a factualidade supra exposta.
*
IV. O Direito
Da necessidade prévia do depósito da totalidade do valor da nota.
Estipula o art.º 26º -A, nº 2, do Regulamento das Custas Processuais (na redação conferida pela Lei n.º 27/2019, de 28.03): A reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota.
O fim da norma em causa, é o de fazer depender a admissibilidade da reclamação [da nota discriminativa e justificativa das custas de parte] do depósito prévio do montante nela fixado, o que se explica “pela necessidade, especialmente refletida pelo legislador ordinário, não só de garantir o pagamento das custas, mas ainda de moderar e razoabilizar, quanto a elas, o regime processual de reclamações e recursos, de forma a evitar o seu uso dilatório”, como se refere nos Acórdãos da Relação de Évora de 8/10/2015 (Conceição Ferreira) e do Porto, de 26/1/2016 (Rui Moreira), ambos disponíveis em www.dgsi.pt..
Não se desconhece jurisprudência restritiva desta obrigação de depósito, com vista a harmonizá-la com o normativo constitucional constante do art.º 20º da Constituição da República, sintetizada no Acórdão da Relação de Guimarães, de 27/4/2023 (Antero Veiga), disponível em www.dgsi.pt:
O depósito só poderá ser dispensado se em face das concretas circunstâncias – como o valor em causa, o tratar-se de valor manipulado com vista a impor custos indevidos, ou resultante de lapso grosseiro, a situação económica do reclamante, e outras relevantes -, resultar que a interpretação da norma referida, no sentido de ser aplicável a tal situação, viola o comando do artigo 20º da CRP, por constituir uma restrição desproporcional do direito.
Ora, no caso, a recorrente limitou-se a invocar a intempestividade da apresentação da nota em questão.
Assim sendo, entendemos estar face a uma das situações em que não será exigível o referido depósito, enquanto condição de apreciação da reclamação.
Como se referiu no Acórdão da Relação de Guimarães, de 9/2/2017 (Maria Cristina Cerdeira), disponível na referida base de dados:
III) - O depósito da totalidade da nota discriminativa e justificativa de custas de parte apenas se impõe quando, cumulativamente, tal nota é tempestiva e a contraparte apresenta reclamação que versa concretamente sobre os valores peticionados, nos termos do art.º 33º, nº. 2 da Portaria nº. 419-A/2009 de 17/4, na redacção introduzida pela Portaria nº. 82/2012 de 29/03.
IV) - Tendo a Autora, na sua reclamação, invocado apenas a intempestividade da apresentação da nota discriminativa de custas de parte, não estava obrigada a depositar o valor total da nota, sob pena de tal conduzir a soluções manifestamente iníquas, desde logo por se impor um ónus demasiado severo para se invocar a excepção peremptória.
Assim, no seguimento deste entendimento, podemos concluir que a apresentação da reclamação pela executada, invocando apenas a intempestividade da apresentação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, não está sujeita ao depósito a que alude o art.º 26-A nº 2 do Regulamento das Custas Processuais.
*
Da tempestividade da apresentação da nota.
Quanto à contagem do prazo para apresentação da nota e da consequente intempestividade daquela efectivamente apresentada, cumpre reproduzir as conclusões da apelante, que merecem a nossa concordância:
f. Resulta dos autos que o Ac. do STJ de 20.6.2023, foi notificado às partes por nota de notificação com a data de certificação de 21.6.2023 (…)
g. Com efeito, notificado o Acórdão, às partes, por nota de 21.6.2023, presume-se recebida em 26.6.2023, terminando o prazo de possível reclamação, em 6.7.2023.
Para definição da data do trânsito em julgado do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 20/6/2023 e notificado às partes por acto electrónico certificado em 21/6/2023, cumpre recordar que não houve qualquer reclamação, nos três primeiros dias úteis após o prazo de reclamação, que viesse destruir o efeito do caso julgado já produzido no termo dos dez dias.
Efectivamente, o prazo do trânsito em julgado não pode ser computado com a soma do prazo de complacência de três dias úteis, pois este período de tempo só tem eficácia jurídica se efectivamente se produzir o acto e se pagar a multa.
Nesse sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/2/2004 (Silva Salazar), disponível na referida base de dados:
"VI - O prazo suplementar de três dias a que se refere o art.º 145, n.º 5, do CPC, não se soma ao prazo de interposição de recurso ou de reclamação para efeito de determinação da data do trânsito em julgado da decisão judicial, apenas destruindo os efeitos do caso julgado já produzido se no decurso desses três dias for praticado algum acto processual nos termos referidos em tal dispositivo."
No mesmo sentido e desse Alto Tribunal, também o Acórdão de 15/11/2016 (Pinto Hespanhol):
“1. O prazo máximo de condescendência para a prática de acto processual com o pagamento de multa, fixado no n.º 5 do artigo 145.º do Código de Processo Civil, não constitui um alargamento do prazo peremptório de que a parte legalmente dispõe para a prática do acto, antes configura um prazo suplementar, o aditamento de um novo prazo dentro do qual as partes têm ainda o direito de praticar o acto.
2. Nesta conformidade, aquele prazo suplementar só poderá contar para efeitos de determinação do trânsito em julgado da decisão se o direito de praticar o acto dentro desse prazo for efectivamente exercido ou, dito de outra forma, só o exercício do direito de praticar o acto dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo peremptório obsta à ocorrência do trânsito em julgado da decisão após o termo deste prazo.”
Bem como o Acórdão de 23/6/2022 (António Gama):
“O prazo de três dias úteis previsto no artigo 139.0/5º, CPC, apenas releva para o efeito de determinação do trânsito em julgado, se for exercido o direito conferido por tal norma.”
Todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Pelo que o trânsito em julgado do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça ocorreu em 6/7/2023.
E o prazo subsequente de dez dias, previsto no art.º 25º, nº1 do Regulamento das Custas Processuais, para apresentação ao tribunal e à parte vencida da nota discriminativa e justificativa, terminou no dia 1/9/2023.
Sendo que a recorrida apenas apresentou a nota no dia 5/9/2023, ou seja, no 2º dia útil subsequente.
Ficando, pois, a validade do acto dependente do pagamento da multa e penalização de 25% do seu valor, previstas no art.º 139º, nºs 5, b) e 6 do Código de Processo Civil.
Daí a procedência da apelação, devendo o despacho recorrido ser substituído por outro, que determine a notificação da recorrida para, querendo, proceder ao depósito das referidas multa e penalização, enquanto condição de validade do acto de apresentação da nota em questão.
*
V. A decisão                                                       
Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em, na procedência da apelação, revogar a decisão recorrida e determinar a notificação do exequente para, querendo, proceder ao depósito da multa e penalização previstas no art.º 139º, nºs 5, b) e 6 do Código de Processo Civil, enquanto condição de validade do acto de apresentação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte.
Custas pelo recorrido.
*
Lisboa, 7 de Março de 2024
Nuno Lopes Ribeiro
Octávia Viegas
Jorge Almeida Esteves