Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2679/22.3T8SXL.L1-2
Relator: INÊS MOURA
Descritores: DIVÓRCIO
TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
ATRIBUIÇÃO DA CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
UTILIZAÇÃO DA CASA DE MORADA DE FAMÍLIA APÓS DIVÓRCIO
CONTRAPARTIDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (art.º 663.º n.º 7 do CPC)
Tendo sido acordado pelas partes, na tentativa de conciliação que teve lugar no âmbito de processo de divórcio, que a utilização da casa de morada de família bem comum dos cônjuges, é atribuída à Requerida até à venda ou partilha, como da ata consta, sem que tenha sido acordado o pagamento de uma compensação pela Requerida, num contexto em que as partes estão a dividir o pagamento do empréstimo bancário contraído para a sua aquisição, carece de fundamento o incidente suscitado pelo Requerente ainda na pendência do processo para que seja fixada uma contrapartida por tal utilização, pondo em causa aquele acordo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
Vem “AA” instaurar a presente ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra “BB”, com fundamento na situação de separação de facto do casal há mais de um ano.
Foi realizada a 02.02.2023 a tentativa de conciliação a que se refere o artigo 931.º n.º 1 do CPC, constando da ata da diligência, designadamente e com referência à matéria relevante para efeitos do presente recurso, o seguinte:
“De seguida, pela Mm. ª Juíza foi tentada a reconciliação entre as partes, a qual não se mostrou possível, uma vez que ambas pretendem divorciar-se.
***
Pelas partes foi ainda dito que estão de acordo quanto às seguintes questões:
1. A utilização da casa de morada de família, sita na Rua dos (…), Charneca da Caparica, bem comum dos conjugues, é atribuída à Ré, até a venda ou partilha.
2. Não existem outros bens comuns, para além da casa de morada de família.
3. Não existem animais de companhia comuns.
4. Prescindem reciprocamente de alimentos.
*
Tentada a obtenção de uma solução consensual quanto ao regime de exercício das responsabilidades parentais relativamente à filha comum, menor de idade, a mesma se mostrou possível, uma vez que o Autor pretende que seja fixado a residência alternada, por períodos de uma semana, com o que a Ré não concorda, porquanto pretende ficar também com a filha nos dias em que o pai, por motivos profissionais, não possa ficar com ela.”
Foi suspensa a diligência e designado o dia 23.02.2023 para a sua continuação com vista à audição da filha menor do casal, nela não tendo sido possível que os progenitores chegassem a um acordo quanto às responsabilidades parentais, prosseguindo os autos.
Por requerimento de 17.04.2023 veio o A. pedir que fosse fixada uma compensação pela atribuição da casa de morada de família à R. nos termos dos art.º 1406.º n.º 1 e 1793.º do C.Civil e art.º 931.º e 990.º do CPC, alegando o seguinte:
“1. Só no passado dia 06 de Abril de 2023, teve o A. acesso aos autos através da plataforma CITIUS, porquanto, até então, por imposição legal, estavam os mesmos inacessíveis através da referida plataforma.
2. Por consulta dos autos no dia 06 de Abril de 2023, teve o A. conhecimento, pela primeira vez, do teor da Acta lavrada da Tentativa de Conciliação realizada no dia 02 de Fevereiro de 2023.
3. Ficou a constar da sobredita Acta que as partes chegaram a acordo, entre outros aspectos, quanto à utilização da casa de morada de família, que seria «atribuída à Ré, até à venda ou partilha».
4. Como referiu o A. nessa diligência, este efectivamente não se opõe a que a R. utilize esse imóvel exclusivamente para sua habitação e da filha comum de ambos, “CC”.
5. Todavia, e como também salientou na sobredita diligência, por estar a ser privado de utilizar esse imóvel, e consequentemente obrigado a arrendar um outro imóvel para viver, entende o A. como justo e razoável que a R. o compense dessa privação até à partilha, compensação pecuniária que, face à ausência de acordo por parte da R., aqui peticiona por via do presente requerimento. Com efeito,
6. Tem entendido a nossa Jurisprudência que, sendo atribuído o direito à utilização exclusiva da casa de morada de família a um dos cônjuges até à partilha, deverá esse cônjuge, em contrapartida, compensar pecuniariamente o outro cônjuge, que fica privado desse bem que até à partilha também é dele.
7. Como bem refere a Veneranda Relação de Évora, «apesar de terem cessado, em consequência do divórcio, as relações patrimoniais entre os cônjuges, até à partilha mantém-se a chamada comunhão de mão comum ou propriedade colectiva (contitularidade de direitos reais) à qual se aplicam as regras da compropriedade», pelo que «sendo qualitativamente iguais os direitos dos “consortes” e sendo certo que o uso da “coisa comum” por um dos “comproprietários” não constitui, em princípio, posse exclusiva ou posse superior à dele, aquele que da sua “quota-parte” não usufrui, deve também ter direito a um gozo indirecto, que consistirá em perceber, tal como se locação houvesse, compensação pelo valor do uso de tal “quota-parte”» (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12-06-2019, processo n.º 1603/18.2T8PTG.E1, acessível em www.dgsi.pt) (negrito nosso).
8. Portanto, «É legalmente admissível a fixação de uma compensação patrimonial do cônjuge privado do uso daquela que foi a casa de morada de família por força da sua atribuição ao outro cônjuge até à partilha do bem. Tal compensação deve ter lugar por razões de justiça e equidade, designadamente porque o cônjuge privado do uso desse bem pode estar sujeito, e, por isso, não pode deixar de ter em conta as circunstâncias concretas da vida dos cônjuges» (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-04-2017, processo n.º 3175/16.3T8VIS.C1, acessível em www.dgsi.pt) (negrito nosso).
9. Realmente, «Tal compensação não poderá deixar de ser determinada pelo juiz como consequência da decisão provisória de atribuição do uso da casa de morada de família ou estipulada pelo acordo das partes quando, ao porem termo ao processo de divórcio convertendo-o em divórcio por mútuo consentimento, acordam, acordo sujeito a homologação judicial, na atribuição da casa de morada de família a um dos cônjuges até à partilha desse bem» (Cfr. cit. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-04-2017).
10. Em suma, «Dissolvido o casamento, por divórcio e até conclusão da partilha, mantendo-se um dos elementos do casal a habitar a casa de morada de família adquirida na pendência do casamento, assiste ao outro o direito a reclamar uma compensação, se provar que foi desrespeitado o acordo firmado entre ambos quanto à utilização do imóvel, se for impedido pelo outro de usar e fruir o imóvel, ou, se antes tivesse reclamado esse direito em processo e procedimento próprio (art.º 1406º/1 CC, Art.º 931º, 990º CPC, Art.º 1793º CC)» (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-01-2022, processo n.º 164/20.7T8AND.P1, acessível em www.dgsi.pt) (negrito nosso).
11. Direito que aqui se reclama.
(…)
Conclui: Deverá ser fixada uma compensação pecuniária mensal ao A. pela atribuição da utilização exclusiva da casa de morada família à R. até à partilha, mediante a liquidação integral pela R. dos encargos do imóvel, aqui se incluindo o empréstimo da CGD, comissão de manutenção de conta, seguros e demais despesas associadas, Condomínio e IMI, sendo a compensação ora peticionada devida desde a data da notificação da R. do presente Requerimento até à partilha do imóvel, com as demais consequências legais.”
Determinada a notificação da R. para se pronunciar a mesma nada veio dizer.
No âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais em apenso, foi fixado um regime provisório de exercício das responsabilidades parentais por despacho de 01.06.2023.
A 27.06.2023 foi proferido o seguinte despacho:
“O Autor “AA” requereu a fixação de uma compensação, a pagar pela Ré “BB”, pela utilização da casa de morada de família, com fundamento legal no previsto nos artigos 1406º, nº 1 e 1793º do CC e 931º e 990º do CPC.
Notificada a Ré para se pronunciar quanto a este pedido, a mesma nada disse.
Cumpre, pois, decidir se tal pedido deve ser atendido nesta sede.
Assim, compulsados os autos, verifica-se que, na tentativa de conciliação a que se refere o artigo 931º, nº 1 do CPC, as partes chegaram a acordo quanto à convolação da ação de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges em divórcio por mútuo consentimento e, quanto ao destino da casa de morada de família, acordaram na atribuição da sua utilização à Ré, até à venda ou partilha.
Ainda quanto a esta questão e ouvida a gravação de tal diligência, de modo a relembrar o que ali foi dito, verifica-se que, efetivamente, o Autor (que se encontrava devidamente representado por Sra. Advogada) pediu que fosse fixada “alguma contrapartida” pela utilização da casa pela Ré, a qual corresponderia ao pagamento de metade da prestação bancária relativa ao crédito contraído para a sua aquisição, o que foi aceite pela mesma. Aliás, ambas as partes confirmaram que, nessa altura, tal despesa já era assegurada por ambas, em termos igualitários.
Por outro lado, de acordo com o previsto no nº 4 do artigo 990º do CPC (dispositivo legal que o Autor invoca para sustentar o seu pedido), se estiver pendente ou tiver corrido ação de divórcio ou separação, o pedido de atribuição (definitivo) da casa de morada de família deve ser deduzido por apenso.
Face, pois, ao exposto, entendo que o pedido do Autor, para que seja fixada uma compensação pecuniária pela utilização da casa de morada de família, não tem cabimento na presente ação de divórcio, pelo que o indefiro.”
De seguida foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: “Face ao exposto e ao abrigo do disposto no artigo 931º, nº 3 e 4 do CPC, homologo os acordos alcançados pelas partes em sede de tentativa de conciliação e decreto o divórcio entre “AA” e “BB”, dissolvendo-se, em consequência, o vínculo conjugal que os unia.
É com esta decisão que o A. não se conforma e dela vem interpor recurso pedindo a sua revogação e substituição por Acórdão que convole o requerimento indeferido em requerimento inicial do incidente a que se refere o n.º 4 do artigo 990.º do CPC ou que ordene o Tribunal a quo a proferir despacho de aperfeiçoamento. apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1. A douta Sentença sob censura homologou os acordos alcançados pelas partes em sede de Tentativa de Conciliação, entre os quais um suposto acordo sobre o destino da casa de morada de família, tendo, no entender do Tribunal a quo, ficado acordado que a utilização da casa de morada de família seria atribuída à Apelada, até à venda ou partilha da mesma.
2. Porém, da mencionada diligência não resultou qualquer acordo nesse sentido, tanto que o aqui Apelante viria a pôr em crise o conteúdo daquele suposto acordo antes da sua homologação, através do mencionado Requerimento de dia 17 de abril de 2023 (Ref.ª CITIUS: (…)), reiterando o que por si foi dito na mencionada audiência.
3. Através do mencionado Requerimento, o Apelante reiterou que, apesar de não se opor a que a Apelada utilize a antiga casa de morada de família para sua habitação e para habitação da filha de ambos, entende que deveria o Tribunal a quo, face à ausência de acordo por parte da R., fixar um valor justo e razoável para compensar a privação do uso do imóvel, o qual também é da sua propriedade.
4. Quer das declarações do Apelante e da sua mandatária na Tentativa de Conciliação, quer do Requerimento apresentado por este no dia 17 de Abril de 2023, deve-se extrair, no mínimo, que não houve qualquer acordo sobre a utilização da casa de morada de família, ao contrário do vertido na Acta de dia 02 de Fevereiro de 2023 e supostamente homologado na Sentença objecto do presente recurso.
5. Ora, não tendo havido acordo sobre o destino da casa de morada de família, não podia o Tribunal a quo se pronunciar sobre a mesma, homologando um acordo inexistente.
6. Por conseguinte, salvo melhor e douta opinião, não podia o Tribunal a quo ter apreciado oficiosamente da questão da atribuição da casa de morada de família, padecendo, por isso, a Sentença Homologatória do suposto acordo de vício de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C..
7. Termos em que deverá a douta Sentença sob censura ser julgada nula, por
excesso de pronúncia, na parte que homologa o acordo sobre o destino da casa de morada de família, que não foi atingido nos autos.
8. Mas mesmo que assim não se entenda, a douta Sentença sob censura sempre padecerá de erro de julgamento, na medida em que considerou existir um acordo que nunca foi atingido, como supra demonstrado, termos em que deverá, por isso, ser revogada na parte em que homologa o suposto acordo. Sem prescindir,
9. O douto Despacho sob censura indeferiu o requerimento apresentado pelo aqui Apelante, com o fundamento que o mesmo não tem cabimento na presente acção de divórcio.
10. Com efeito, apesar de existir alguma divergência, é jurisprudência assente que a compensação pela utilização exclusiva da casa de morada de família ou terá de ser arbitrada pelo juiz na fixação da utilização da casa de morada de família, ou terá de ser acordada pelas partes.
11. Ao contrário do afirmado pelo Tribunal a quo na Tentativa de Conciliação, o momento da atribuição da casa de morada de família é não só o momento processualmente adequado para peticionar aquela compensação, como é, salvo melhor opinião, o único momento disponível para o efeito.
12. Pelo que, em face à intervenção do Apelante e da sua mandatária supra transcrita na Tentativa de Conciliação de dia 02 de Fevereiro de 2023, bem como ao requerimento por si apresentado, cabia ao Tribunal a quo concluir pela inexistência de um verdadeiro acordo sobre a utilização da casa de morada de família.
13. Antes, perante tal requerimento, competia ao Tribunal, não indeferir liminarmente o mesmo, mas antes convolá-lo em requerimento inicial do incidente a que se refere o n.º 4 do artigo 990.º do C.P.C. ou, no mínimo, convidar o Apelante a aperfeiçoar o mesmo.
14. Termos em que deverá o douto Despacho sob censura ser revogado e substituído por douto Acórdão que convole o requerimento indeferido em requerimento inicial do incidente a que se refere o n.º 4 do artigo 990.º do C.P.C. ou que ordene o Tribunal a quo a proferir despacho de aperfeiçoamento.
As decisões sob censura violaram, entre outros, os seguintes preceitos legais:
-  Artigos 1793.º do Código Civil;
-  Artigos 6.º, 7.º, 193.º, n.º 3 e 990.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
A R. não veio responder ao recurso.
II. Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC;
- do erro de julgamento do tribunal na afirmação da existência de um acordo quanto à utilização da casa de morada de família;
- do indevido indeferimento do requerimento com vista à fixação de uma contrapartida pela utilização da casa de morada de família à R.
III. Nulidade da sentença
- da nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC
Vem a Recorrente invocar a nulidade da sentença por excesso de pronúncia nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC referindo que não tendo existido acordo sobre o destino da casa de morada de família, não podia o tribunal a quo pronunciar-se sobre o mesmo, homologando um acordo inexistente.
A sentença sob recurso homologou os acordos alcançados pelas partes em sede de tentativa de conciliação, decretando o divórcio entre elas.
O art.º 615.º n.º 1 do CPC estabelece que a sentença é nula quando:
“a) não contenha a assinatura do juiz;
b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
A alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC invocada pela Recorrente, comina com a nulidade a decisão em que se verifica a omissão ou excesso de pronúncia por parte do juiz.
Relaciona-se esta norma com o princípio expresso no art.º 608.º n.º 2 do CPC segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se também de questões que não sejam suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso.
O regime das nulidades da sentença previsto no art.º 615.º do CPC dirige-se apenas aos vícios que inquinam formalmente a sentença, não devendo confundir-se com o erro da decisão, seja de facto, seja de direito, estes sim suscetíveis de afetar a decisão na sua substância.
Para o decretamento do divórcio entre as partes, pedido que o A. veio submeter ao tribunal através do presente processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, a tramitação processual prevê a realização de uma tentativa de conciliação, conforme estabelece o art.º 931.º do CPC na qual o juiz, não sendo possível a conciliação das partes deve tentar obter o seu acordo para um divórcio por mútuo consentimento, bem como para um acordo quanto a alimentos, regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos e utilização da casa de morada de família durante o período de pendência do processo, se for caso disso, como nos diz o n.º 2 deste artigo.
Para que o tribunal possa decidir sobre o divórcio, tem de tomar posição sobre todas questões que lhe são subjacentes, sendo que para a convolação do divórcio sem consentimento do outro cônjuge em divórcio por mútuo consentimento a lei faz depender o mesmo do seu acordo ou da regulação prévia dos alimentos entre cônjuges, utilização da casa de morada de família e responsabilidades parentais dos filhos, nos termos previstos no art.º 931.º n.º 4 e 994.º do CPC, devendo os acordos das partes ser homologados pelo tribunal.
A situação que o Recorrente vem configurar no seu recurso, na afirmação de que a sentença homologou um acordo das partes quando à utilização da casa de morada de família que o mesmo alega não ter existido, a verificar-se, pode integrar um erro de julgamento, situação que o Recorrente também não deixa de configurar no seu recurso, mas não um qualquer excesso de pronuncia do tribunal, uma vez que está em causa uma questão sobre a qual o tribunal tem efetivamente de pronunciar-se.
Não ocorre por isso qualquer nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos termos previstos no art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC.
IV. Fundamentos de Facto
O Recorrente vem impugnar a sentença proferida que homologou os acordos das partes e decretou o divórcio, referindo que não existiu acordo entre elas quanto à utilização da casa de morada de família, contrariamente ao que consta da ata da tentativa de conciliação, sendo esta a matéria que cumpre aqui apreciar.
Invoca a gravação da diligência no excerto que indica e transcreve.
Previamente importa salientar que o acordo quanto à utilização a casa de morada de família consta da ata da tentativa de conciliação realizada, que foi assinada pelo juiz, o que, nos termos do disposto no art.º 153.º n.º 3 do CPC, garante a fiabilidade da reprodução.
Tendo sido gravada a diligência, nos termos previstos no art.º 155.º do CPC, a desconformidade constatada pelas partes relativamente ao que é ditado para a ata pelo juiz, deve ser logo por elas suscitada na própria diligência.
De todo o modo, à falsidade de ato judicial, prevista no art.º 451.º do CPC e por remissão do n.º 3 deste artigo, aplica-se o estabelecido no art.º 446.º a 450.º do CPC.
Ainda que não tenha vindo a ser qualificado dessa forma, nem pelo Requerente, nem pelo tribunal, o que se verifica é que o Requerente no seu requerimento de 17.04.2023 vem suscitar a falsidade da ata quando refere “que da mencionada diligência não resultou qualquer acordo nesse sentido”, tendo o tribunal a quo apreciado a questão no despacho agora impugnado, onde refere que ouviu a gravação da diligência, concluindo que na tentativa de conciliação a que se refere o art.º 931.º n.º 1 do CPC as partes chegaram a acordo  quanto ao destino da casa de morara de família.
É por isso este facto controvertido que importa apurar em primeiro lugar: se no âmbito da tentativa de conciliação realizada as partes chegaram a acordo quanto ao destino da casa de morada de família.
Para o efeito o elemento de prova que se apresenta como relevante para este efeito é a gravação da diligência realizada, a cuja audição se procedeu na íntegra.
Relativamente ao divórcio, ambas as partes manifestaram ter a vontade de se divorciar, evidenciando-se a sua divergência quanto à regulação das responsabilidades parentais da filha, questão que a Exm.ª Juiz remeteu para o final da diligência.
De seguida questionou as partes sobre se existia casa de morada de família e se é bem comum, ao que ambas as partes responderam afirmativamente, e sobre quem a estava a habitar, tendo sido referido que era a Requerida.
Nesta sequência foi expressamente perguntado pela Exm.ª Juiz: “os senhores estão de acordo que a senhora continue a habitar a casa de morada de família?” Ambos disseram que sim (min. 4.30 da gravação), tendo de seguida sido ditado para a ata o que dela consta quanto ao acordo relativo à utilização da casa de morada de família, registando-se que nenhuma das partes veio pôr em causa a fiabilidade da reprodução de tal acordo nos termos ditados para ata e que dela constam, conforme podiam ter feito, atento o disposto no art.º 155.º do CPC.
Constata-se que se seguida, foi questionado pelo tribunal se havia outros bens comuns e por elas foi respondido que só o passivo da casa.
A Ilustre Mandatária do Requerente questionou “se faz sentido ou não” a repartição da responsabilidade destes encargos, referindo que até setembro foi o A. que os custeou na íntegra e desde aí têm sido ambos a assumir a prestação do Banco.
O Requerente intervindo pessoalmente refere que se a Requerida está a habitar a casa, como contrapartida devia custear a prestação toda, adiantado a sua Ilustre Mandatária que fazia sentido haver essa contrapartida porque o Requerente está a arrendar uma casa – estas intervenções correspondem à transcrição da gravação da diligência a que o Recorrente procede nas suas alegações de recurso e que é apenas de um momento da diligência e não reveladora de tudo o que se passou, quer antes, quer depois.
Por seu turno, o Ilustre Mandatário da Requerida diz que é prematura essa questão, podendo avançar-se para partilha logo após o divórcio. A Requerida adianta que havia outros bens que foram vendidos e que há questões a tratar na partilha, créditos seus pela venda de outros bens, referindo que fez uma proposta para comprar a parte do Requerente na casa e houve uma contraproposta mais elevada, não tendo chegado a acordo.
A Exm.ª Juiz referiu que para poderem avançar com a partilha têm de estar divorciados e o acerto de contas e créditos entre as partes é na partilha que têm de ser vistos, ou em inventário se não chegarem a acordo, adiantado que eventualmente na partilha podem ter em conta os valores que o Requerente possa ter pago do crédito bancário enquanto não esteve a habitar a casa comum.
A Ilustre Mandatária do Requerente refere “se pelo menos houvesse compromisso escrito da R. assumir a metade do empréstimo” adiantando porém que isso já decorre do contrato, tendo o Ilustre Mandatário da Requerida dito que nada tem a opor, que não há problema, que isso decorre do empréstimo e que é manter o que já está a acontecer.
 Daqui decorre, tal como entendeu a Exm.ª Juiz a quo, que as partes acordaram na atribuição da utilização da casa de morada de família à Requerida, mantendo a situação que vigorava de continuarem ambos a suportar as despesas do empréstimo bancário relativo ao imóvel comum.
Foi ditado para a ata o acordo das partes quanto à utilização da casa de morada de família, sem que as mesmas na altura o tenham questionado, sendo que foi na abordagem das questões relativas aos bens comuns e à partilha que o Requerente refere “fazer sentido a atribuição de uma compensação”, sendo que na sequência da conversa relativa a esta questão os Ilustres Mandatários das partes aceitaram que a situação se mantivesse no sentido do pagamento em conjunto do empréstimo bancário como já vinha ocorrendo, o que manifestamente decorre da intervenção final da Ilustre Mandatária do Requerente a respeito desta questão.
O que parece ter acontecido, em face do Requerimento que veio a ser apresentado a 17.04.2023 é que o Requerente veio arrepender-se ou mudar de ideias, no sentido de não aceitar que a Requerida ficasse a viver na casa de morada de família sem outro encargo que não a assunção da sua parte no contrato de empréstimo – contrariamente ao que a sua Ilustre Mandatária manifestou aceitar, na sua presença, na diligência realizada.
Em face do exposto, não tem razão o Recorrente quando vem dizer que não houve acordo quanto à utilização da casa de morada de família pela Requerida, improcedendo a impugnação apresentada a esta matéria.
V. Razões de Direito
- do indevido indeferimento do requerimento com vista à fixação de uma contrapartida para a atribuição da casa de morada de família à R.
Esta questão colocada pelo Recorrente estava dependente da procedência da questão anteriormente por ele suscitada, no sentido de que não existiu acordo das partes quanto à utilização da casa de morada de família, o que, como se viu não corresponde à realidade.
O que se constata no caso, é que houve um acordo das partes em atribuir a utilização da casa de morada de família à Requerida até à venda ou à partilha, sem que as mesmas tenham acordado em fixar uma compensação a prestar pela Requerida até lá, estando apenas subjacente a tal acordo o que já vigorava entre elas no sentido de que os encargos com o empréstimo bancário contraído continuassem a ser repartidos entre ambos, resultando do contrato de mútuo a responsabilidade de ambos pelo seu cumprimento.
O facto de tal acordo não ter ainda sido homologado pelo tribunal à data em que o Requerente veio suscitar o incidente a requerer que lhe fosse atribuída uma compensação pela utilização da casa de morada de família, não constitui qualquer obstáculo à sua validade – no sentido de que a transação das partes vale “quo tale” mesmo antes da sua homologação pelo juiz, vd. a título de exemplo o Acórdão do STJ de 29-04-2007 no Proc. 08A1097 ou Acórdão do TRL de 12-12-2013 no Proc. 6898/11.0TBCSC.L1.1 ambos in www.dgsi.pt .
Não merece por isso censura a decisão do tribunal que indeferiu o pedido formulado pelo Requerente, ainda na pendência do processo de divórcio, para que fosse fixada uma contrapartida pela utilização da casa de morada de família pela Requerida, atento o acordo por elas anteriormente manifestado que não a contemplou, pedido que parece surgir na sequência de um “arrependimento” do Requerente quanto ao anteriormente acordado, já que nem sequer é invocada qualquer alteração das circunstâncias.
Em conclusão, carece de fundamento o incidente suscitado com vista à definição de tal questão, tal como entendeu a decisão recorrida, que não merece também censura ao ter homologado os acordos a que as partes chegaram, decretando o divórcio entre elas.
VI. Decisão:
Em face do exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pelo Requerente, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Notifique.
*
Lisboa, 22 de fevereiro de 2024
Inês Moura
Rute Sobral
Orlando Nascimento