Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10764/19.2T8LSB.L1-8
Relator: MARIA DO CÉU SILVA
Descritores: ARRENDAMENTO
VENDA DO LOCADO
DIREITO DE PREFERÊNCIA
COMUNICAÇÃO DO PROJECTO DE VENDA
NÃO USO DO LOCADO
ABUSO DO DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1 - À decisão sobre a matéria de facto não é aplicável o regime das nulidades da sentença previsto no artigo 615º nº 1 do C.P.C., mas sim o disposto no art.º 662º nº 2 als. c) e d) do C.P.C.
2 - Se, depois do despacho de enunciação dos temas da prova, a 1ª instância verifica que factos articulados pelas partes com interesse para a decisão da causa não integram os temas da prova enunciados, deve proceder à ampliação dos temas da prova, possibilitando às partes a produção de prova quanto a esses factos.
3 - Devem ser eliminados da decisão sobre a matéria de facto os factos que não integram os temas da prova.
4 - O não uso do locado, ainda que conjugado com o não pagamento das rendas, porque não expressa a perda definitiva de interesse no locado, não legitima a convicção ou a expetativa de que o direito de preferência não seria exercido.
5 - Quer a A. estivesse a exercer atividade comercial no locado quer não, o exercício do direito de preferência permite-lhe o acesso a instalações próprias, pondo fim à sua situação menos estável de arrendatária, pelo que não se pode considerar que esse exercício excede manifestamente os limites impostos pelo fim social e económico do direito.
6 - É aos RR. que cabe alegar e provar o cumprimento do dever de comunicação do projeto de venda.
7 - O “preço devido” referido no art.º 1410º do C.C. é a contraprestação que deve ser paga ao vendedor, não abrangendo IMT e despesas de escritura.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

Na presente ação declarativa que A, S.A.  move contra massa insolvente de B, S.A., Unipersonal, e C, a A. interpôs recurso da sentença pela qual a ação foi julgada improcedente e as RR. foram absolvidas dos pedidos.
Na alegação de recurso, a recorrente pediu que seja declarada a nulidade da sentença recorrida, por consubstanciar uma decisão surpresa; caso assim não se entenda, seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que substitua a R. C pela A. como adquirente da fração autónoma na escritura pública de compra e venda celebrada no dia 5 de junho de 2018, no cartório notarial de Saragoça, pelo preço de €75.000,00, e, consequentemente, transmita a propriedade para a A., ordenando o cancelamento do registo de aquisição a favor da R. C, bem como de qualquer outro registo efetuado com base na referida aquisição.
A recorrente formulou as seguintes conclusões:
«a) A Autora, ora Recorrente intentou contra as Rés, ora Recorridas, ação declarativa comum, na qual peticionou o seguinte: (i) a condenação das Rés a reconhecerem o direito de preferência da Autora na aquisição da fração autónoma designada pela letra B do prédio urbano sito nos n.ºs … e … (Loja 1) da Rua ….  n.ºs … e …. da Rua …, com entrada pelo número … da Rua … e a loja sita no n.º … (Loja 2), do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º …, da freguesia de São Nicolau, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da freguesia de Santa Maria Maior, e em consequência; (ii) a substituição da 2.ª Ré pela Autora como adquirente da mesma fração autónoma na escritura pública de compra e venda celebrada no dia 5 de junho de 2018 no cartório notarial de Saragoça, pelo preço de €75.000,00 e, em consequência, transmitir-se a propriedade sobre o mesmo para a Autora, declarando-se ser esta a sua proprietária; (iii) determinar o cancelamento do registo de aquisição a favor da 2.ª Ré, concretizado pela Ap. 3001 de 2018/07/25, bem como de qualquer outro registo efetuado com base na referida aquisição a favor da 2.ª Ré.
b) Na data em a 1.ª Ré vendeu à 2.ª Ré da fração em causa, estavam em vigor os contratos de arrendamento nas quais a Autora é arrendatária, pelo que a mesma era titular do direito de preferência na aquisição da fração, nos termos do artigo 1091.º, n.º 1, alínea c), do C.C.
c) Neste sentido, a 1.ª Ré, antes de proceder à venda da fração, deveria ter comunicado à Autora, por ser titular do direito de preferência na venda da mesma fração, a intenção de venda, assim como as condições essenciais do negócio, para que a Autora, querendo, exercesse o direito de preferência de que era titular. O que não aconteceu!
d) Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo julgou a ação improcedente e consequentemente absolveu as Rés dos pedidos formulados, tendo entendido que a Autora abandonou o locado, não exercendo o direito que lhe assistia de gozar e fruir do espaço, como também não procedia ao pagamento da contrapartida a essa fruição e gozo e essa situação verificava-se desde janeiro de 2013 até ao início do processo de venda da fração.
e) Nestes termos, inconformada com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, a Recorrente vem, invocar a nulidade da sentença por constituir uma decisão surpresa, impugnar a decisão proferida quanto à matéria de facto e quanto à matéria de direito porquanto não existe qualquer dúvida de que foi produzida nos autos prova no sentido de contrariar o entendimento preconizado na douta Sentença, designadamente, através dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Autora, assim como, pelas declarações de parte da representante legal desta.
f) Mais entende a Recorrente, sem perder de vista que ao Tribunal cabe a livre apreciação da prova, que em face da matéria de facto que se encontra provada nos autos, também a respetiva interpretação e aplicação do Direito imporia decisão diversa.
g) Antes de mais, sempre se diga que a sentença enferma de nulidade por constituir uma decisão surpresa, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
h) Ora, por despacho datado de 16.03.2021, com a referência n.º 403505398, o Tribunal a quo entendeu suspender a presente instância, nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do CPC, por pendência de causa prejudicial, ou seja, a ação de despejo na qual a Ré já havia invocado a não utilização do imóvel e a falta de pagamento das rendas, tendo essa ação sido julgada improcedente, o que levou ao prosseguimento dos presentes autos.
i) Na sequência da cessação da suspensão da instância, o Tribunal a quo proferiu o respetivo despacho saneador e identificação do objeto do litígio e temas de prova, não tendo sido objeto de reclamação pelas partes.
j) A verdade é que relativamente ao abuso de direito invocado pela 2.ª Ré, em sede de contestação, o Tribunal a quo não conheceu do mesmo no despacho saneador, não relegou o respetivo conhecimento para final e nem sequer o incluiu nos temas da prova, como fez com as restantes exceções invocadas pela Ré na contestação.
k) Apesar de os temas da prova não serem a anterior base instrutória, não são nem podem ser letra morta no processo, eles devem ter em conta a causa de pedir e as exceções, servindo de guião para as partes e o tribunal no que respeita à matéria sobre a qual deverá incidir a produção de prova e neste sentido, os temas da prova identificados pelo Tribunal devem orientar as partes na produção de prova de forma que estas consigam compreender as questões que o tribunal entende deverem ser sujeitas à produção de prova. Foi neste âmbito, e de acordo com os temas de prova identificados pelo Tribunal a quo, que a Autora fez a condução instrutória do processo, designadamente em sede de audiência de julgamento, e nenhum tema da prova se referia à questão do abuso de direito por falta de pagamento das rendas ou por não utilização do locado.
l) De facto, considerando que a 2.ª Ré alegou a existência de abuso de direito ligando--o à qualidade de arrendatária da Autora, que a ação de despejo foi julgada improcedente e que no despacho saneador o Tribunal a quo nem conheceu, nem relegou para final o conhecimento da exceção, como fez com a exceção de ilegitimidade e de caducidade e também não colocou a questão nos temas da prova, a Autora ficou legitimamente convicta de que a questão do abuso de direito teria ficado resolvida por via da improcedência da ação de despejo e, como tal, não seria sujeita à produção de prova.
m) A Autora foi a primeira a produzir a sua prova em sede de audiência de julgamento e, considerando o contexto acima descrito, acabou por não produzir prova sobre a questão da razão para a falta de pagamento das rendas e sobre o uso ou não uso do locado.
n) Importa também ter em conta que nunca qualquer uma das Rés instauraram contra a Autora qualquer ação de despejo com fundamento na falta de uso do locado, a única ação instaurada foi a ação de despejo com fundamento na falta de pagamento das rendas, a qual foi julgada improcedente.
o) No entanto, o Tribunal a quo fundamenta a sua decisão e o alegado abuso de direito da Autora exatamente no alegado não uso do locado e na falta de pagamento das rendas.
p) Assim, a decisão de julgar a presente ação improcedente teve apenas como fundamento a exceção de abuso de abuso de direito, com a qual a Autora não podia legitimamente contar pelos motivos já acima explicados.
q) Neste âmbito, entendemos que o Tribunal a quo proferiu uma decisão-surpresa, sendo, por isso, nula a sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais.
r) Relativamente à alteração da matéria de facto considerada como provada, desde logo se referida que, no artigo 24.º da petição inicial, a Recorrente alega que a 1.ª Ré não notificou a Autora para exercer o direito de preferência de que era titular na aquisição da fração em causa, tendo-a vendido à 2.ª Ré sem que o tenha feito.
s) No julgamento da matéria de facto deveria o Tribunal a quo ter tomado em consideração toda a matéria de facto alegada pelas partes nos respetivos articulados. Até porque no despacho saneador foi enunciado o seguinte tema da prova: “3. Factos referentes ao não recebimento, pela Autora, da comunicação que lhe foi dirigida para exercer a preferência”.
t) Ora, no artigo 24.º da petição inicial, a Recorrente alegou que a 1.ª Ré não notificou a Autora para exercer o direito de preferência de que era titular na aquisição da fração em causa, tendo-a vendido à 2.ª Ré sem que o tenha feito, não tendo tal facto sido considerado pelo Tribunal a quo na análise e fundamentação da matéria de facto.
u) Tal facto, considerando a prova produzida, deveria ter sido julgado pelo Tribunal a quo.
v) Desde logo, sempre se diga que, em nenhum momento do processo, a 1.ª ou as 2.ª Rés juntaram aos autos qualquer comunicação que tenha sido feita à Autora para esta exercer a preferência. O próprio Tribunal a quo faz essa menção ao referir que “essa referida carta (do direito de preferência) não consta dos autos”. Essa prova cabia às Rés que não lograram fazer.
w) Por outro lado, as testemunhas confirmaram que essa comunicação não foi feita: GN (depoimento da testemunha na audiência de julgamento de 18 de maio de 2023, com uma duração de 00 horas, 55 minutos e 00 segundos, de 09:57 a 10:52): apenas referiu que enviou a carta sem comprovar nem mostrar o respetivo conteúdo 00:11:58 a 00:14:46; 00:44:49 a 00:44:50; 00:44:50 a 00:47:18.
x) A própria representante legal da Autora, SF (depoimento da legal representante na audiência de julgamento de 30 de janeiro de 2023, com a duração de 00 horas, 44 minutos e 34 segundos, de 10:03 a 10:38, mais concretamente aos minutos 00:01:15 a 00:09:19; 00:09:19 a 00:13:46; 00:13.52 a 00:15:06; 00:15:06 a 00:15:43; 00:17:20 a 00:18:40), bem como a testemunha JP (depoimento na audiência de julgamento de 30 de janeiro de 2023, com uma duração de 00 horas 12 minutos e 9 segundos, de 10:49 a 11:01, mais concretamente aos minutos 00:03:24-00:04:47; 00:04:47-00:05:47) referiram que não receberam qualquer comunicação para exercer a preferência da loja e que apenas tomaram conhecimento dos novos proprietários do estabelecimento comercial com a notificação judicial avulsa recebida a 10 de janeiro de 2019.
y) Tendo em consideração que a Autora era arrendatária da fração dos autos onde se encontram instaladas as suas lojas, há mais de três anos, quando a mesma foi adquirida pela 2.ª Ré, teria a Autora o direito de exercer a preferência na sua aquisição, ao abrigo do artigo 1091.º, n.º 1, alínea a), do C.C.
z) Da prova produzida no âmbito dos presentes autos, ficou demonstrado que a 1.ª Ré não enviou qualquer comunicação à Autora para esta se, quisesse, exercer o direito de preferência. Tendo esta tomado conhecimento da aquisição apenas em janeiro de 2019, com a receção da notificação judicial avulsa enviada pela 2.ª Ré.
aa) Até então, a Autora não tinha conhecimento que as lojas tinham sido adquiridas pela 2.ª Ré a 5 de junho de 2018.
bb) Devem, assim, ser aditados à matéria de facto provada os factos constantes do artigo 24.º da petição inicial, ou seja, que a 1.ª Ré não notificou a Autora para exercer o direito de preferência de que era titular na aquisição da fração em causa, tendo-a vendido à 2.ª Ré sem que o tenha feito.
cc) Entende ainda a Recorrente que deverá ser aditado aos factos considerados provados a não receção da carta de 05.05.2017 enviada pela 1.ª Ré à Autora visto que o Tribunal a quo considerou como provado que a 1.ª Ré teria enviado à Autora a carta a comunicar a resolução do contrato de arrendamento, conforme pontos 19 e 20 dos factos provados da sentença recorrida, mas nada refere relativamente à receção.
dd) O ónus da prova do envio, mas também da receção da carta caberia às ora Rés e na inexistência de tal prova deveria o Tribunal a quo ter considerado como provado que a Autora não recebeu a referida comunicação.
ee) Assim sendo, no julgamento da matéria de facto deveria o Tribunal a quo ter tomado em consideração toda a matéria de facto alegada pelas partes nos respetivos articulados.
ff) A simples junção aos autos da carta em causa e a alegação de que foi enviada à Autora, não constitui, por si só, prova da receção da mesma, conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26.05.2022, processo n.º 2342/18.0T8ENT-A.E1.
gg) Tal facto, considerando a inexistência de prova produzida, e visto que esse ónus cabia às Rés, deveria ter sido julgado pelo Tribunal a quo de que a Autora não recebeu a referida carta.
hh) Devem, assim, ser aditados à matéria de facto provada que a Autora não recebeu a carta enviada pela 1.ª Ré de 05.05.2017.
ii) Quanto ao ponto 15 dos factos provados da sentença recorrida, entende a Recorrente que não foi corretamente valorada a prova produzida nos presentes autos, tendo sido produzida prova suficiente para se concluir que as lojas não se encontraram encerradas e sem qualquer movimento de 2012 até 2018.
jj) De facto, nenhuma das testemunhas afirmou que as lojas estiveram encerradas de 2012 até 2018 conforme o Tribunal a quo considerou como provado. Em nenhum momento as testemunhas conseguiram concretizar o tempo em que as lojas estiveram encerradas. Estas limitaram-se a afirmar que estavam abandonadas sem, contudo, concretizar o hiato temporal em que tal ocorreu.
kk) A testemunha GN (depoimento da testemunha na audiência de julgamento de 18 de maio de 2023, com uma duração de 00 horas, 55 minutos e 00 segundos, de 09:57 a 10:52, mais concretamente aos minutos 00:16:46 a 00:18:34) referiu, sem concretizar datas que teriam ido à loja umas 4 ou 5 vezes.
ll) Por sua vez, a testemunha BM (depoimento da testemunha na audiência de julgamento 30 de janeiro de 2023, com uma duração de 00 horas, 16 minutos e 22 segundos, de 11:19 a 11:36, mais concretamente aos minutos 00:05:06 a 00:07:50; 00:12:45 a 00:13:15) afirmou que a loja esteve encerrada, sem contudo, concretizar o tempo em que as mesmas estiveram encerradas.
mm) A testemunha MC  (depoimento da testemunha na audiência de julgamento 18 de maio de 2023, com uma duração de 00 horas, 20 minutos e 37 segundos, de 10:53 a 11:14, mais concretamente aos minutos 00:05:10 a 00:10:27; 00:10:28 a 00:13:51) referiu que se deslocou às lojas em março de 2017 e talvez em novembro desse mesmo ano, mais uma vez sem concretizar as datas que o Tribunal a quo considerou como provadas.
nn) Por fim, o depoimento da testemunha MN (depoimento da testemunha na audiência de julgamento 18 de maio de 2023, com uma duração de 00 horas, 12 minutos e 33 segundos, de 11:14 a 11:27, mais concretamente aos minutos 00:04:23 a 00:08:34) confirmou que efetivamente foi a Lisboa, visitar as lojas mas que as mesmas se encontravam encerradas, sem contudo, referir a data em que fez essas visitas.
oo) Perante a prova produzida a verdade é que foi referido que as lojas estiveram encerradas sem terem especificado durante quanto tempo; ou que apenas esteve encerrada desde o verão de 2016 até 2018, data em que voltou novamente a abrir, não tendo mais encerrado; ou que as lojas estariam encerradas em 2017.
pp) Deste modo, quanto muito o Tribunal a quo só poderia ter dado como provado que as lojas estiveram encerradas desde janeiro de 2016 a 2018, mas nunca desde 2012, pelo que, salvo o devido respeito, a Recorrente não compreende como é que o Tribunal a quo conclui dessa forma.
qq) No entanto, o Tribunal a quo decidiu desconsiderar por completo as declarações de parte da legal representante da Autora, SF, (declarações de parte na audiência de julgamento 30 de janeiro de 2023, com a duração de 00 horas, 44 minutos e 34 segundos, de 10:03 a 10:38, mais concretamente aos minutos 00:36:27 a 00:37:42; 00:42:16 a 00:43:56) que quando questionada sobre o alegado encerramento do estabelecimento, a mesma afirmou que a loja esteve encerrada por alguns meses em 2013 devido a uma remodelação que tiveram de fazer, conforme orçamento de remodelação do locado junto como documento 2 junto com requerimento da Autora de 07.12.2020, com a referência 37393444, afirmando que durante os outros anos a loja esteve sempre aberta.
rr) Perante o exposto, dúvidas não existem que não foi feita prova de que os estabelecimentos estiveram encerrados de 2012 até 2018 conforme o Tribunal a quo considerou como provado, tendo este Tribunal feito uma errada valoração da prova produzida.
ss) Nestes termos, deve ser alterada a resposta dada ao ponto 15 dos factos provados passando o mesmo a ser considerado como não provado.
tt) No que concerne à alteração da resposta dada à alínea d) dos factos não provados da sentença recorrida, entende a Recorrente que não foi corretamente valorada a prova produzida nos presentes autos, tendo sido produzida prova suficiente para concluir que a Autora apenas liquidou as rendas até dezembro de 2012 porque a partir desse momento não conseguiu apurar quem era o proprietário e a quem deveria pagar as rendas.
uu) A representante legal da Autora, SF (depoimento da legal representante na audiência de julgamento de 30 de janeiro de 2023, com a duração de 00 horas, 44 minutos e 34 segundos, de 10:03 a 10:38, mais concretamente aos minutos 00:01:15 a 00:09:19; 00:09:19 a 00:13:46; 00:18:40 a 00:19:53; 00:22.08 a 00:23:28) referiu que só tomou conhecimento da atual proprietária através da notificação judicial avulsa recebida a 10.01.2019 e que relativamente aos anteriores senhorios o contacto nunca foi fácil.
vv) Tendo o mesmo sido confirmado pela Testemunha JP (depoimento na audiência de julgamento de 30 de janeiro de 2023, com uma duração de 00 horas 12 minutos e 9 segundos, de 10:49 a 11:01, mais concretamente aos minutos 00:05:47-00:06:56; 00:09:09-00:10:12).
ww) Ora, perante a prova que foi produzida, designadamente, das declarações de parte da representante legal da Autora e das declarações proferidas pela testemunha JP, ficou demonstrado que a Autora não pagou rendas desde janeiro de 2013 por desconhecer quem era o proprietário.
xx) Assim, entendemos que o Tribunal a quo fez uma errada valoração da prova que foi produzida e, nestes termos, deve ser alterada a resposta dada à alínea d) dos factos não provados passando o mesmo a ser considerado como provado.
yy) No que concerne à impugnação da matéria de Direito, não obstante o Tribunal a quo não ter dúvidas que a Autora, na qualidade de arrendatária, tem direito de preferência e, nesse sentido, “impunha-se à 1.ª Ré (que poderia ser a 2.ª Ré) comunicar à Autora o seu direito de exercer a preferência na venda da fração de que é arrendatária, o que a 2.ª Ré não logrou fazer prova.” (cfr. sentença recorrida), entendeu que a Autora exerceu o seu direito de forma abusiva, o que não podemos concordar, tendo o Tribunal a quo feito uma errada apreciação do direito, tendo a decisão recorrida violado o previsto no artigo 334.º e 1410.º, do C.C.
zz) Em primeiro lugar, sempre se diga que, a Autora, sempre agiu de boa-fé durante a vigência do contrato de arrendamento: deixou de pagar as rendas por causa que não lhe era imputável; nunca esteve incontactável; teve a loja em funcionamento à exceção do ano de 2013 em que a mesma sofreu obras; não recebeu qualquer comunicação por parte da 2.ª Ré.
aaa) Mais se diga que, não existiu por parte da Autora qualquer reação relativamente à carta de maio de 2017, pelo facto de a mesma não ter sido recebida pela Autora. Pelo que, não poderia reagir ao que não recebeu.
bbb) Por outro lado, não se verificam no caso dos autos os pressupostos dos efeitos jurídicos de “venire contra factum proprium”, dado que a Recorrente não teve qualquer comportamento que autorizasse o entendimento de que renunciava a exercer o seu direito de preferência.
ccc) Quando a 2.ª Ré adquire o imóvel, esta toma conhecimento que a fração se encontrava arrendada e nunca se dignou a entrar em contacto com a arrendatária, ora Autora. A verdade é que a 2.ª Ré adquire a fração a 5 de junho de 2018 e apenas a 10 de janeiro de 2019, através de uma notificação judicial avulsa, é que contacta a Autora.
ddd) A 2.ª Ré não investiu na loja; não visitou a loja no momento da sua aquisição; não se dignou a responder à Autora quando esta lhe solicitou o IBAN nem quando esta lhe comunica a existência de inundações. A 2.ª Ré não agiu com as precauções necessárias quando fez a compra de se assegurar de que a Autora fosse notificada dos elementos essenciais da venda, mostrando antes total desinteresse, não obstante saber da existência dos contratos de arrendamento cuja menção expressa constava na escritura pública.
eee) De facto, a Autora avançou com ação de preferência mal tomou conhecimento de que a loja tinha sido adquirida por outra pessoa. Não se vê na atuação da Autora a criação de uma situação de que não iria exercer o direito de preferência: o facto de não pagar as rendas desde janeiro de 2013 não é facto de que revele para tomar posição de que não queria exercer direito de preferência. Aliás, a Autora só tomou conhecimento dos elementos do negócio através da notificação judicial avulsa.
fff) A conduta anterior da Autora não criou, nem podia criar, a confiança dos Réus de que a Autora jamais exerceria o seu direito de preferência: “nada foi alegado e provado no sentido de que os Réus criaram, tomaram disposições ou organizaram planos de vida de que lhe surgirão danos se frustrada a confiança criada com a conduta da Autora”. (cfr. Ac. Supremo tribunal de Justiça, de 04.04.2022, processo 02B677) e nem poderia fazer uma vez que a Autora nunca tomou conhecimento da venda e dos respetivos termos até janeiro de 2019.
ggg) A Autora nunca teve oportunidade de exercer direito de preferência. Aliás, apenas no início de 2019 é que teve conhecimento efetivo dos elementos essenciais do contrato de compra e venda: a Autora tem conhecimento do objeto do negócio, da identidade do comprador, do preço e das condições de pagamento, desde o dia 10 de janeiro de 2019 – data de receção da notificação judicial avulsa. E, portanto, só a partir daí poderia exercer o seu direito de preferência.
hhh) Também não se sabe – porque tal não foi alegado – se o exercício do direito de preferência da Autora mediante a presente ação acarretou para as Rés uma desvantagem maior do que se aquela tivesse tido a oportunidade de exercer a preferência se a 1.ª Ré tivesse enviado a comunicação a que estaria obrigada nos termos do artigo 1410.º, do C.C.
iii) Além de que, não nos podemos olvidar que o recurso ao artigo 1410.º, do C.C. pressupõe que estejamos face a uma situação de incumprimento de dar preferência e o Tribunal a quo nem sequer releva que o 1.ª Ré não cumpriu com os seus deveres de proprietário de enviar a comunicação à Autora para esta, se quisesse, exercer a preferência.
jjj) Neste sentido, entende a Recorrente que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação do direito, tendo a decisão recorrida violado o previsto nos artigos 334.º e 1410.º, do C.C. pelo que deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a presente ação procedente e em consequência, substitua a 2.ª Ré pela Autora como adquirente da mesma fração autónoma na escritura pública de compra e venda celebrada no dia 5 de junho de 2018 no cartório notarial de Saragoça, pelo preço de €75.000,00 e, em consequência, transmitir-se a propriedade sobre o mesmo para a Autora, declarando-se ser esta a sua proprietária e a determinar o cancelamento do registo de aquisição a favor da 2.ª Ré, concretizado pela Ap. 3001 de 2018/07/25, bem como de qualquer outro registo efetuado com base na referida aquisição a favor da 2.ª Ré.
kkk) Caso o Tribunal ad quem considere procedente as alegações de recurso da ora Recorrente, tendo em consideração que face ao decidido pela sentença recorrida, ficaram prejudicadas a questão da caducidade do direito de ação da Autora e do não depósito do preço, tempestivamente pela Autora, vem, a Recorrente, nos termos do artigo 665.º, n.º 2, do CPC, requerer a apreciação das mesmas.
lll) A 2.ª Ré, em sede de contestação, alega que o direito de ação da Autora teria, há muito, caducado, por entender que, não corresponde à verdade que a Autora apenas tenha tomado conhecimento da venda da fração no dia 10 de janeiro de 2019.
mmm) Reitera-se que a Autora apenas tomou conhecimento da compra e venda realizada a favor da 2.ª Ré, no dia 10.01.2019, data em que recebe uma notificação judicial avulsa, através da qual lhe era comunicada a resolução do arrendamento. Foi nesse mesmo, que a Autora tomou conhecimento da nova proprietária e pelos documentos ora juntos, dos elementos essenciais do negócio.
nnn) Pouco mais de 4 meses após ter tomado conhecimento da venda, a Autora intenta a presente ação, mais concretamente, a 23.05.2019. Nos termos do artigo 1410.º, do C.C., a Autora teria o prazo de 6 meses, após o conhecimento dos termos da venda de mover ação de preferência e de depositar o preço no prazo de 15 dias. O que o fez!
ooo) A Autora, tendo tomado conhecimento da venda realizada a 28.10.2018 apresentou, no prazo legalmente previsto, a ação de preferência, no sentido de tutelar o direito legal de preferência de que é titular.
ppp) Nestes termos, não tem qualquer cabimento o alegado pela 2.ª Ré, devendo o mesmo improceder por falta de fundamento legal.
qqq) Em sede de contestação, vem, ainda, a 2.ª Ré alegar que a Autora não procedeu ao depósito do preço a que alude o artigo 1410.º, n.º 1, do C.C. O que não corresponde à verdade, pois a Autora remeteu aos autos o comprovativo do depósito autónomo no valor de €75.000,00 por si realizado, relativo ao valor pago pela 2.ª Ré pelo imóvel cuja preferência se discute nos presentes autos, no prazo de 15 dias.
rrr) De acordo com a interpretação da 2.ª Ré, o conceito “preço” referido no artigo 1410.º, n.º 1, do Código Civil abrange não só o preço enquanto contrapartida paga pelo comprador quando celebra um contrato de compra e venda, mas também as demais despesas tidas com a aquisição do bem.
sss) Todavia, salvo o devido respeito, de forma unânime, a recente jurisprudência dos tribunais portugueses refuta o entendimento indicado pela 2.ª Ré, defendendo que, nas ações de preferência, o titular do direito à preferência apenas tem de pagar o preço, em sentido técnico jurídico, e não quaisquer outras quantias ou valores. Neste sentido veja-se, entre tantos outros que se poderiam citar, veja-se, a título meramente exemplificativo: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.01.2008, relativo ao processo: 07B3588; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.03.2012, relativo ao processo: 311/1999.L1.S1; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.02.2014, relativo ao processo: 316/11.0TBVZL.C1; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20.01.2015, relativo ao processo: 360/12.0TBCNF.C1.
ttt) Face ao exposto, dúvidas não temos que a Autora depositou o valor do preço no prazo legalmente previsto, devendo, uma vez mais, improceder o alegado pela 2.ª Ré por falta de fundamento legal.»
A R. C respondeu à alegação da recorrente, tendo requerido a ampliação do âmbito do recurso e formulado as seguintes conclusões:
«A. A Decisão Recorrida que julgou improcedente a presente ação, por concluir que existe manifesto abuso do direito por parte da Autora, e, por força do disposto no artigo 334.º do Código Civil, considerou extinto o direito de preferência que a Autora pretendia fazer valor não padece de qualquer, nulidade ou erro, quer de apreciação de facto, quer de direito, e, como tal, deverá a mesma ser confirmada e mantida nos seus exatos termos.
B. O Tribunal a quo conheceu e decidiu o abuso de direito (o qual é de conhecimento oficioso) na decisão final, como não poderia deixar de o fazer porquanto a excepção de abuso de direito foi alegada pela Segunda Ré em sede de contestação, tendo a Autora exercido o respetivo contraditório aos factos alegados em sede de contestação, bem como discutido e contraditado os mesmos em sede de audiência de discussão e julgamento, pelo que resulta claro que a decisão proferida sobre e com base na exceção do abuso de direito não se subsume a uma decisão surpresa.
C. Contrariamente ao que alega a Recorrente, o Tribunal a quo informou as partes que iria conhecer de todas as exceções invocadas pela Segunda Ré. Conforme despacho datado de 16.03.2021, com a referência n.º 403505398, o Tribunal a quo informou as partes que: “Existe assim uma relação de prejudicialidade entre a presente ação e a ação n.º 1111/19.4YLPRT, de tal sorte que, improcedendo a oposição oferecida na ação n.º 1111/19.4YLPRT, falecem os argumentos expendidos pela aqui autora para exercer o seu direito de preferência na aquisição da fração autónoma designada pela letra “B”. Procedendo essa oposição, importará nos presentes autos aferir se, não obstante a qualidade de arrendatária da autora, falecem os pressupostos do exercício do seu direito pelas razões invocadas na contestação da ré C.” (…).
D. O abuso do direito foi levado aos temas da prova: o despacho saneador para além de referir que: “Inexistem quaisquer outras questões prévias, excepções ou nulidades que haja de decidir neste momento. (e não que não há mais exceções a decidir), e ter consignado como Objecto do litígio: O direito da Autora à compra da fracção autónoma identificada nos autos, então propriedade da massa insolvente da 1ª Ré, pelo valor de €75.000,00, fixou como 2.º tema da prova os: Factos relativos ao exercício do direito de preferência titulado pela Autora, arrendatária do imóvel, incluindo a data em que esta tomou conhecimento da venda. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, o abuso de direito – questão de direito – foi levado e consta dos temas da prova, como 2.º tema, sendo certo que, de igual forma, consta abrangido pelo objeto do litígio.
E. Porquanto o abuso de direito está integrado na defesa da Segunda Ré, a Autora exerceu o respetivo contraditório e o mesmo foi levado aos temas da prova integrado (como não poderia deixar de ser) nos Factos relativos ao exercício do direito de preferência titulado pela Autora a Decisão Recorrida não se subsume a uma decisão surpresa e/ ou da mesma resultou qualquer preterição do princípio do contraditório.
F. Cabe às partes organizar e fazer a respetiva prova, em função do ónus da prova sobre os factos alegados e não ao Tribunal.
G. O cumprimento do princípio do contraditório não se reporta, pelo menos essencial ou determinantemente, às normas que o juiz entende aplicar, nem à interpretação que delas venha a fazer, mas antes aos factos invocados e às posições assumidas pelas partes.
H. A decisão-surpresa a que se reporta o artigo 3º, nº 3 do CPC não se confunde com a suposição que as partes possam ter feito nem com a expectativa que elas possam ter acalentado quanto à decisão quer de facto quer de direito.
I. Em face do exposto, deverá a arguida nulidade da Decisão Recorrida por constituir uma decisão surpresa ser julgada improcedente, por não provada e falta de fundamento, mantendo-se a Decisão Recorrida no que respeita ao abuso do direito nos seus exactos termos.
J. A Recorrente vem impugnar a decisão sobre a matéria de facto, quanto aos factos provados, defendendo que deverão ser aditados, como provados, os seguintes factos: (i) “A 1.ª Ré não notificou a Autora para exercer o direito de preferência de que era titular na aquisição da fração em causa, tendo-a vendido à 2.ª Ré sem que o tenha feito”, (ii) A não receção da carta de 05.05.2017 enviada pela 1.ª Ré à Autora e alterado o ponto 15 de facto provado para não provado.
K. Para sustentar o aditamento do facto “A 1.ª Ré não notificou a Autora para exercer o direito de preferência de que era titular na aquisição da fração em causa, tendo-a vendido à 2.ª Ré sem que o tenha feito”, a Recorrente vem invocar que a carta mencionada pela testemunha GN, administrador da insolvência da 1.ª Ré, não consta dos autos (e não só o comprovativo de envio).
L. Sucede que, se dúvidas houvesse quanto à existência e comunicação da referida carta, as mesmas são dissipadas pela transcrição que consta das alegações da Recorrente do depoimento de SP (depoimento da legal representante na audiência de julgamento de 30 de janeiro de 2023, com duração de 00 horas, 44 minutos e 34 segundos, de 10:03 a 10:38) no qual entre o minuto 00:15:06 a 00:15:43 é referida a referida carta, bem como o conteúdo da mesma.
M. Porquanto a legal representante da Autora, SP, foi ouvida na sessão de julgamento realizada a 30 de janeiro de 2023, ou seja, antes de a testemunha GN que só foi ouvido no dia 18 de maio de 2023, resulta provado que a referida carta existe, foi enviada e era conhecida da Autora. Facto, também, confirmado pela testemunha GN no depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento de 18 de maio de 2023, com uma duração de 00 horas e 55 minutos, com início às 9:57 e fim às 10:52, no qual entre o minuto 45:55 e o minuto 47:58 o mesmo refere que a carta de abril de 2017 - foi por si redigida e enviada à Autora, bem como que as testemunhas MN e a testemunha MC se deslocaram posteriormente ao envio da referida às lojas para falar com a Autora, mas sem sucesso porque as lojas estavam sempre fechadas.
N. No caso sub judice o não recebimento da comunicação para exercer a preferência na compra e venda dos autos só não foi recebida por culpa da Autora.
O. De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 224.º do CC, as declarações negociais têm-se por eficazes quando as mesmas “(…) só por culpa do destinatário não (foram) por ele oportunamente recebida(s)”.
P. Em conformidade, a impugnação e pretensão deduzidas pela Recorrente deverá ser julgada improcedente, por não provada e, consequentemente, o facto constante no artigo 24.º da petição inicial: “A 1.ª Ré não notificou a Autora para exercer o direito de preferência de que era titular na aquisição da fração em causa, tendo-a vendido à 2.ª sem que o tenha feito” não deverá ser aditado aos factos provados.
Q. Para sustentar o aditamento do facto: “Da não receção da carta de 05.05.2017 enviada pela 1.ª Ré à Autora”, a Recorrente vem invocar que não recebeu a carta datada de 05.05.2017.
R. Porquanto foram juntas duas cartas e não uma carta datada de 05.05.2017 a alegação e pretensão da Recorrente mostra-se deficitária, na medida em que a mesma não esclarece a que carta se refere, se à carta enviada para a Autora e/ ou se à carta enviada para a Administradora Única da Autora e como tal, atento o princípio do dispositivo, a referida pretensão não deverá ser atendida e, consequentemente, ser indeferida.
S. Sem conceder, o pretendido pela Recorrente não poderá proceder, porquanto incumbia à Autora, na qualidade de declaratária destinatária a contraprova da falta de concretização da expedição (isto é, a recepção) no destino ou do conhecimento efectivo ou ainda a impossibilidade de conhecimento nos termos do art.º 224º, n.º 3 do Código Civil, o que a Recorrente não logrou provar.
T. Contrariamente ao alegado pela Recorrente o ónus da prova da receção da carta não estava a cargo das Rés. A cargo das Rés apenas estava o ónus de provar a expedição (ou “notificação”) da declaração e de a expedição ser feita para o destino a que corresponde a esfera de acção e recepção do destinatário declaratário (antecipadamente conhecido e/ ou acordado), o que foi feito, conforme resulta dos recibos de registo junto com as referidas cartas.
U. A Autora não alegou e, consequentemente, não provou qualquer facto a corroborar o alegado não recebimento da referida carta. A Autora não pôs em causa as moradas para as quais as cartas foram enviadas ou qualquer facto que impossibilitasse o seu conhecimento. Assim, não tendo a Autora feito a contraprova que lhe competia, e sendo certo que com a carta foi junta o comprovativo de envio emitido pelos correios espanhóis, o facto “a não receção da carta de 05.05.2017 enviada pela 1.ª Ré à Autora” não resulta provado e, como tal, não deverá ser levado à decisão de facto, como facto provado.
V. Em face do exposto, resulta que o Tribunal a quo tomou em consideração toda a matéria de facto alegada e provada pelas partes no que respeita ao referido ponto, devendo a sua impugnação e pretensão deduzida pela Recorrente, ser julgada improcedente, por não provada.
W. Quanto ao ponto 15 dos factos provados da Decisão Recorrida a Recorrente alega que não foi corretamente valorada a prova produzida porquanto “nenhuma das testemunhas afirmou que as lojas estiveram encerradas de 2012 até 2018” e, como tal, o referido facto não poderia ter sido dado como provado pelo Tribunal a quo.
X. A afirmação de que as lojas estiveram encerradas de 2012 até 2018, implicaria que as testemunhas tivessem visitado as lojas todos os dias, meses e anos compreendidos entre os anos de 2012 a 2018, o que, de acordo com a experiência comum não é viável ou poderá ser atendido como razoável, dos depoimentos prestados, no seu conjunto, pelas testemunhas BM, GN, MC, MN, ML, FN e SG, bem como da prova documental junta aos autos – faturas de eletricidade e de água juntas pela Autora - resulta provado o referido facto.
Y. As referidas testemunhas e depoimentos prestados foram valorados pelo tribunal como objetivos, isentos e claros, e, desta forma, foram considerados e valorados na convicção formada pelo Tribunal a quo.
Z. A Recorrente refere nas suas alegações que “não compreendemos como é que o tribunal conclui dessa forma, tendo em considerou que, conforme vimos, nenhuma das testemunhas indicadas soube concretizar os anos em que as mesmas estiveram encerradas (...) e decidiu desconsiderar por completo as declarações de parte da legal representante da Autora”.
AA. Da decisão recorrida resulta de forma clara a explicação para a referida conclusão e convicção formada. Conforme resulta da Decisão Recorrida o Tribunal a quo referiu que “não teve em consideração as declarações Representante da Autora SF, porquanto a mesma teve um depoimento subjectivo, altivo que até faz referência que essa acção é “sua” porque já venceu as outras duas acções (consignação em depósito e acção de despejo) e que sempre actuou como proprietária e que assim tem de continuar a ser (...)” “o Tribunal desconsiderou as declarações de parte da Legal Representante da Autora pelos motivos já referidos, pelo que não teve em conta a sua afirmação quanto à loja ter estado sempre aberta”.
BB. No nosso ordenamento jurídico, não há regras de valoração probatória que vinculem o julgador, pelo que, por regra, qualquer meio de prova deve ser analisado e valorado de acordo com o princípio da livre convicção do julgador. Por isso que o juiz é livre de relevar, ou não, elementos de prova que sejam submetidos à sua apreciação e valoração.
CC. A livre apreciação de prova encontra-se fixada no n.º 5 do artigo 607º do CPC, determinando que o juiz aprecia livremente as provas de acordo com a sua prudente convicção.
DD. Tendo o Tribunal a quo na motivação da matéria de facto elencado as razões da sua convicção, especificando os fundamentos que formaram a sua convicção e analisado a prova de uma forma crítica, a decisão proferida sobre o ponto 15 da matéria de facto não padece de qualquer erro na valoração da prova produzida.
EE. Assim, deverá a impugnação deduzida pela Recorrente sobre o ponto 15 da matéria de facto ser julgada improcedente, por não provada e, consequentemente manter-se o ponto 15 como facto provado.
FF. Resulta ainda do presente recurso que “entende a Recorrente que não foi corretamente valorada a prova produzida nos presentes autos, tendo sido produzida prova suficiente para concluir que a Autora apenas liquidou as rendas até Dezembro de 2012 porque a partir desse momento não conseguiu apurar quem era o proprietário e a quem deveria pagar”.
GG. A Autora não logrou fazer prova do referido facto, como o mesmo é, desde logo, contraditado na própria petição inicial nos artigos 10.º e 11.º, nos quais a Autora refere que trocou correspondência com a 1.ª Ré, no dia 14 de agosto de 2013 e 16 de setembro de 2013.
HH. Do depoimento transcrito nas alegações referente às declarações de parte prestadas pela legal representante da Autora (SP (depoimento da legal representante na audiência de julgamento de 30 de janeiro de 2023, com a duração de 00 horas, 44 minutos e 34 segundos, de 10:03 a 10:38) resulta que a Autora sabia quem era a senhoria das lojas no período compreendido entre 2013 a 2019: “Para nós, a B continuava a ser nossa senhoria, a proprietária do imóvel.” (00:13.52 a 00:15:06).
II. De igual modo, do registo predial (de fls- 22 vs. 23) resulta claro que não houve sucessivas aquisições no imóvel, tendo a testemunha GN confirmado que a conta usada pela Recorrente pagar as rendas dos anos anteriores – 2010, 2011 e 2011, não foi alterada e esteve sempre aberta (conforme Decisão Recorrida), pelo que deverá a impugnação deduzida pela Recorrente sobre a alteração da resposta dada à alínea d) dos factos não provados da Decisão Recorrida, ser julgada improcedente, por não provada e, consequentemente manter-se a referida alínea como facto não provado.
JJ. O Tribunal a quo decidiu (e bem) que o exercício da preferência, na compra e venda das lojas, exercido pela Recorrente, na qualidade de arrendatária, é abusivo.
KK. Conforme resulta da prova produzida, a Recorrente sempre soube que a B era a sua senhoria, bem como que a conta bancária usada para pagamento das rendas e usada pela Recorrente para pagar as rendas anteriores a 2013 (anos de 2010, 2011 e 2012) permaneceu a mesma e estava aberta, bem como que entre 2013 e 2019 não houve outra transmissão das lojas, a não ser a que se discute nos autos.
LL. Contrariamente ao que alega a Recorrente, verificam e encontram-se preenchidos os pressupostos da exceção de abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, oportunamente invocados pela Segunda Ré em sede de contestação (malgrado o abuso de direito ser de conhecimento oficioso) e provados em sede de julgamento.
MM. Os factos dados como provados e que o Tribunal a quo considerou para fundamentar o abuso do direito verificam-se e são suficientes para julgar procedente a referida exceção.
NN. O que já não acontece com a argumentação apresentada em sede de alegações pela Recorrente, a análise feita pela Recorrente quanto à verificação dos pressupostos do abuso do direito encontra-se subvertida, pois o que está em causa é a sua conduta durante os anos de 2013 a 2019 e não a ausência de investimentos/ obras feitas pela 1.ª Ré e/ ou da 2.ª nas lojas.
OO. Porquanto a Autora desde Janeiro de 2013 não procedia ao pagamento das rendas, situação que se manteve até Janeiro de 2019; desde 2012 até 2018, as lojas encontraram-se encerradas e sem qualquer movimento; a Autora procedeu ao registo da alteração da sua sede em .. de Junho de 20.. para a Rua ..., n.º …, no Lumiar, voltando a proceder à alteração da sede para a morada do locado em .. de Agosto de 20..; a 1.ª Ré enviou uma carta para a sede da Autora, em Maio de 2017, a comunicar a resolução do contrato (apesar de essa carta não ter o efeito de resolver o contrato, a mesma tem a sua pertinência quanto à questão do abuso de direito) entendeu o Tribunal a quo “a conduta da Autora demonstra um total desinteresse pelo locado e pela manutenção do contrato de arrendamento, que objectivamente desperta na 1.ª Ré que não seria sua intenção preferir na compra do imóvel, nem sequer manter a sua actividade comercial no locado, não sendo exigível à 1.ª Ré (após mais de 3 anos sem pagamento de qualquer renda e com o espaço abandonado) aguardar pelo reaparecimento (por pagamento das rendas ou voltando a laborar no locado) da Autora, quando a mesma está num processo de insolvência e a proceder à sua liquidação”.
PP. “as circunstâncias são de tal ordem que, objectivamente, um sujeito normal acreditaria no não exercício superveniente do direito, porquanto ao abandonar o locado desde 2012, ao não pagar rendas durante um longo período de tempo (desde 2013), não havendo qualquer reacção da Autora à carta de resolução (Maio de 2017), não seria expectável às Rés que a Autora exerceria o direito de preferência”.
QQ. O Tribunal a quo fundamentou ainda a sua decisão com base na finalidade que está subjacente à atribuição do direito de preferência ao arrendatário de um arrendamento para fins não comerciais: “Modernamente, a atribuição ao arrendatário do direito de preferência justifica-se pelo interesse social das actividades prosseguidas no local arrendado, as quais implicam estabilidade e continuidade da exploração comercial ou industrial ou da profissão liberal no prédio arrendado, tutelando, além do interesse económico do arrendatário, outros interesses, como a preservação de postos de trabalho, dos clientes ou utentes dos estabelecimentos e das actividades instaladas no local arrendado”, concluindo que a mesma não se verifica no caso concreto
RR. Ao concluir que a Autora atua em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, o Tribunal a quo fez uma correta aplicação do artigo 334.º e artigo 1410.º, ambos do Código Civil.
SS. Nestes termos e nos melhores de direito, deverá a impugnação deduzida pela Recorrente sobre a errada apreciação do direito, ser julgada improcedente, pelo que deverá a Decisão Recorrida ser mantida quanto a este ponto nos seus exactos termos.
TT. Para o caso de V. Exas. Exmos. Juízes Desembargadores julgarem procedente as alegações de recurso da Recorrente, o que não se admite, mas apenas aventa por dever de patrocínio, por forma a se conhecer das restantes excepções não conhecidas pelo Tribunal a quo, porque prejudicadas, será necessário ampliar o objeto da reapreciação à matéria de facto, aditando-se à decisão da matéria de facto provado os seguintes factos: (i) É falso que a massa insolvente da Primeira Ré não tenha enviado à Autora qualquer comunicação para o exercício do direito de preferência, tendo procedido à venda do imóvel à 2.ª Ré sem o conhecimento da Autora e (ii) “o Administrador de Insolvência da massa falida da Primeira Ré, solicitou a representantes, que se deslocaram à loja para comunicar à Autora que ia vender o Imóvel locado e confirmar se a mesma tinha interesse em exercer a preferência, todavia sem sucesso porque as lojas estavam sempre fechadas e com sinais de abandono”, bem como reapreciar a alínea c) da Matéria de Facto Não Provada: “Para além da quantia de €75.000,00, a 2.ª Ré procedeu ao pagamento da quantia de €7.500,00 à 1.ª Ré, para atender aos honorários notariais e outros gastos derivados da escritura”, o que, se requer, a título subsidiário, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 636.º, n.º 2 do CPC.
UU. Não existe previsão legal no sentido de que a prova da declaração do titular da preferência ao obrigado à preferência, em conformidade com o disposto no artigo 416.º, n.º 2, do CC, deva ter lugar apenas – e taxativamente - mediante prova documental” (cfr., v.g., o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-05-2004, Processo 316/04, rel. Tomás Barateiro, admitindo que a manifestação da renúncia ao direito de preferência é válida independentemente de qualquer forma especial, podendo, inclusive ter forma não escrita),
VV. “A comunicação para a preferência pode ser feita extrajudicialmente e o art.416º do C.Civ. não estatui qualquer forma especial, podendo sê-lo por qualquer meio”, cfr. O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-12-1993, Processo 0077422, rel. Ribeiro de Almeida).
WW. À data em que a compra e venda foi efetuada vigorava a versão do artigo 1091.º na versão anterior à Lei n.º 64/2018, de 29 de setembro, que no n.º 5 referia apenas que “É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410, sem prejuízo das especificidades, em caso de arrendamento para fins habitacionais, previstas nos números seguintes”.
XX. Conforme resulta do depoimento prestado pela testemunha GN na sessão de julgamento de 18 de maio de 2023, com uma duração de 00 horas e 55 minutos, com início às 9:57 e fim às 10:52, o mesmo refere que a carta de abril de 2017 a dar preferência à Autora na compra e venda das lojas foi redigida e enviada àquela, bem como que as testemunhas MN e a testemunha MC se deslocaram posteriormente ao envio da referida às lojas para saber se a Autora tinha interesse em comprar, mas sem sucesso porque as lojas estavam sempre fechadas. (45:55 ao minuto 47:58).
YY. Da transcrição do depoimento de SF (depoimento da legal representante na audiência de julgamento de 30 de janeiro de 2023, com duração de 00 horas, 44 minutos e 34 segundos, de 10:03 a 10:38) entre o minuto 00:15:06 a 00:15:43 é referida a referida carta, bem como o conteúdo da mesma.
ZZ. Com efeito, porquanto a legal representante foi ouvida na sessão de julgamento realizada a 30 de janeiro de 2023, ou seja, antes de a testemunha GN que só foi ouvido no dia 18 de maio de 2023, resulta provado que a referida carta existe, foi enviada e era conhecida da Autora.
AAA. Em conformidade, deverá seja dado como provado e aditado ao elenco dos factos dados como provados que “É falso que a massa insolvente da Primeira Ré não tenha enviado à Autora qualquer comunicação para o exercício do direito de preferência, tendo procedido à venda do imóvel à 2.ª Ré sem o conhecimento da Autora” e, consequentemente, julgada procedente a exceção de caducidade do direito de ação na medida em que a Autora teve conhecimento de que a loja dos autos iria ser vendida em abril de 2017.
BBB. Sem conceder, e porquanto a testemunha GN no depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento de 18 de maio de 2023, com uma duração de 00 horas e 55 minutos, de com início às 9:57 e fim às 10:52, no qual entre o minuto 45:55 e o minuto 47:58 o mesmo refere que a carta de abril de 2017 - foi por si redigida e enviada à Autora, bem como que as testemunhas MN e a testemunha MC se deslocaram posteriormente ao envio da referida às lojas para falar com a Autora, mas sem sucesso porque as lojas estavam sempre fechadas, nos termos já transcritos.
CCC. Bem como pela testemunha MN, no depoimento prestado no dia 18 de maio de 2023, com início às 11:14 e fim às 11:27, com duração de 00:12:33 minutos foi confirmado que se deslocou à loja para comunicar â Autora que a loja iria ser vendida e com vista a assegurar o direito de preferência 7:50 e 8:40 confirmou, deverá ser aditado à Decisão sobre a matéria de facto, como facto provado que: “o Administrador de Insolvência da massa falida da Primeira Ré, por intermédio de representantes, deslocaram à loja para comunicar à Autora ia vender o Imóvel locado e confirmar se a mesma tinha interesse em exercer a preferência, todavia sem sucesso porque as lojas estavam sempre fechadas e com sinais de abandono”.
DDD. De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 224.º do CC, as declarações negociais têm-se por eficazes quando as mesmas “(…) só por culpa do destinatário não (foram) por ele oportunamente recebida(s)”.
EEE. O não recebimento da comunicação para exercer a preferência na compra e venda dos autos só não foi recebida por culpa da Autora.
FFF. Porquanto o administrador de insolvência enviou à Autora em abril de 2017, a dar-lhe uma semana para exercer a preferência, bem como foram efetuadas várias visitas à loja realizadas também no ano de 2017, antes da escritura de compra e venda dos autos para saber do interesse da Autora em preferir, porquanto os presentes autos sido apresentados no ano de 2019, resulta que há muito que o direito de ação caducou.
GGG. A invocada caducidade subsume-se a uma exceção perentória impeditiva, nos termos do disposto no número 1 e número 3, do artigo 576.º do Código do Processo Civil, e importa, em consequência, a absolvição das Rés do pedido, com as devidas consequências legais, o que, requer, a título subsidiário, para o caso de o presente recurso ser julgado procedente, o que não se admite, mas apenas aventa por dever de cautela e patrocínio.
HHH. Sem conceder do supra exposto, mas por dever de cautela e a título subsidiário, a presente ação terá ainda de improceder porquanto a Autora não procedeu ao depósito do preço a que alude o artigo 1410.º, n.º 1 do Código Civil no prazo de 15 dias a contar da instauração da presente ação.
III. Conforme consta da Decisão Recorrida, o Tribunal a quo decidiu levar à matéria de facto não provada o seguinte facto: Para além da quantia de €75.000,00, a 2.ª Ré procedeu ao pagamento da quantia de €7.500,00 à 1.ª Ré, para atender aos honorários notariais e outros gastos derivados da escritura.
JJJ. Quanto ao facto não provado em c), o Tribunal a quo motivou a sua decisão no facto no contrato promessa de compra e venda (a fls. 267 a 271 vs.) que refere expressamente que o valor pago de €7.500,00 foi pago a título de sinal, sendo que a 2.ª Ré não logrou fazer prova que tenha havido outro pagamento desse montante a outro título (relacionada com a realização da compra e venda) que não fosse a título de sinal. Nesse ponto, a testemunha GN, administrador da insolvência da 1.ª Ré, teve um depoimento relevante referindo que a 2.ª Ré pagou 10% antecipadamente em 26 de Maio de 2017 (antes da venda), cerca de €7.500,00, que era uma condição para se realizar a venda. Confirma que a 2.ª Ré pagou duas vezes €7.500,00 e por isso foi devolvida. Refere ainda que não sabe se a 2.ª Ré pagou os impostos em Portugal, mas que não era uma condição da compra e que no momento da escritura ninguém sabia se existiam despesas com as finanças. A testemunha ML apenas confirmou que a filha pagou tudo, não concretizando os valores e a que título esses valores foram pagos.
KKK. Com base na prova referida na motivação que refere precisamente que pela 2.ª Ré foi pago duas vezes €7.500,00 e ao facto de na escritura de compra e venda, constar na cláusula segunda:
“Segunda: Preço – O preço desta venda é de Setenta e Cinco Mil Euros (€75.000) que a vendedora declara e reconhece ter recebido mediante a transferência efetuada no dia 28 de maio de 2018, manifestando as partes que os valores das contas de débito e crédito são os que figuram nos comprovativos de ordem e recepção de transferência, dos quais faço cópia que incorporo nesta matriz juntamente com os comprovativos de pagamento da operação,
A parte vendedora outorga e dá plena quitação a favor da compradora,
A Compradora entregou a quantia de sete mil e quinhentos euros (€7.500) para atender aos honorários notariais e outros gastos derivados da escritura (apostilha, tradução, conforme o caso, etc). A entrega efetuou-se mediante transferência realizada a favor da Vendedora, no dia 26 de maio de 2017, manifestando as partes que os valores das contas de débito e crédito são os que constam nos comprovativos de ordem e recepção de transferência dos quais faço cópia, que incorporo a esta matriz. Se os montantes destes gastos vierem a ser diferente da quantia retida, far-se-á a liquidação definitiva no sentido que corresponda, com a maior brevidade possível.”
LLL. E que à escritura se encontram anexados: o comprovativo da transferência de €7.500, bem como os comprovativos do pagamento do IMT, no valor de €7.2661,17 e Imposto de Selo €893,68, bem como cópia da decisão proferida pelo Tribunal do Comércio de Saragoça a autorizar a venda, “(...) a favor de C, pelo valor 75.000€ que assumirá todos os gastos com a transmissão, nos termos e condições estipuladas no pedido de transmissão apresentado pelo administrador de insolvência, que, em nenhum caso, pode alterar as disposições legais (...) que o bem se vende livre de ónus ou encargos (...) andou mal o Tribunal a quo ao decidir dar como não provado que “Para além da quantia de €75.000,00, a 2.ª Ré procedeu ao pagamento da quantia de €7.500,00 à 1.ª Ré, para atender aos honorários notariais e outros gastos derivados da escritura”.
MMM. Pois, em face da prova testemunhal considerada na motivação, bem como da escritura junta aos autos resulta provado que “Para além da quantia de €75.000,00, a 2.ª Ré procedeu ao pagamento da quantia de €7.500,00 à 1.ª Ré, para atender aos honorários notariais e outros gastos derivados da escritura”.
NNN. Assim, deverá a decisão quanto à matéria de facto, ser alterada, passando o referido facto a integrar a factualidade dada como provada, o que se requer. Facto relevante para a apreciação da caducidade do direito de ação.
OOO. Com efeito, o depósito do preço devido em conformidade com o artigo 1410.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável por remissão do artigo 1091.º, n.º 4 do mesmo diploma legal, é um elemento constitutivo do direito de preferência.
PPP. O prazo referente à falta de depósito do preço a que alude o artigo 1410.º, n.º 1 do Código Civil é um prazo de caducidade, como têm entendido a doutrina e a jurisprudência, de forma pacífica.
QQQ. E a falta ou a extemporaneidade do depósito tem como consequência inevitável e necessária a caducidade do direito da Autora. Estamos perante um prazo perentório, pelo que o seu não exercício dentro do prazo legalmente previsto tem como consequência a extinção do direito.
RRR. O prazo para depósito do preço a que alude o artigo 1410.º, n.º 1 do Código Civil é um prazo de caducidade, de natureza substantiva, ao qual não acrescem quaisquer prazos ou dilações, desde logo, relacionados com impedimentos, não lhe sendo aplicável sequer as regras referentes aos impedimentos processuais previstos na lei processual civil.
SSS. Quanto à interpretação do conceito de “preço devido” leiam-se os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela, nos termos dos quais “a palavra preço não foi utilizada, no artigo 1410.º, no seu sentido rigoroso ou técnico: o legislador, ao falar em preço, quer referir-se “a todas as despesas feitas pelo adquirente para adquirir a coisa: contraprestação paga ao alienante, sisa, despesas de escritura, de registo (quando obrigatório), etc.” (in Código Civil Anotado, vol. III, 1972, pág. 337). (…).
TTT. No mesmo sentido o Prof. Galvão Teles, em parecer publicado na Colectânea de Jurisprudência, 1984, 1.º, 5.º e ss, sustenta que o preço, para efeitos do artigo 1410.º do Código Civil é “todo o sacrifício patrimonial que o adquirente suportou como consequência necessária da aquisição feita e que aproveita ao preferente: o preço em sentido técnico e restrito, no caso de compra e venda; o valor do crédito extinto, no caso de dação em pagamento; e ainda numa hipótese e outra, a sisa paga, as despesas da escritura e as do registo, quando obrigatório” (citado por Abílio Neto, in Código Civil Anotado, p. 1191).
UUU. Ainda no mesmo sentido Baptista Lopes in Compra e Venda, p. 367, citado por Helder Martins Leitão, in Da Ação De Preferência, 9.ª edição “O vocábulo preço é equivalente a custo, abrangendo não apenas o preço propriamente dito, mas também o respectivo ónus tributário e as despesas da escritura.”
VVV. No mesmo sentido de que o depósito deve abranger não só o preço devido, mas também as despesas dos impostos, da escritura, do registo e outras contrapartidas, veja-se a seguinte jurisprudência: Ac. Do TRC de 30.10.1984, CJ, 1984, 4.º, 63, o Ac. Do TRC de 17.11.1987 CJ 1987, 5.º, p.34 e BMJ 371.º, 550, o AC. Do TRC, 31.11.1989, BMJ, 390.º, 456 e o Ac. Do TRC 25.10.1994, BMJ, 440.º, 552.º (todos citados por Abílio Neto, in Código Civil Anotado, 14.ª edição, em anotação ao artigo 1410.º do Código Civil, págs. 1336, 1339, 1341, 1346).
WWW. Tendo a Autora procedido ao depósito da quantia singela de €75.000,00 e não também das restantes quantias pagas e incorporadas na escritura que instruiu a petição inicial – resulta que a Autora não procedeu ao depósito a que alude o artigo 1410.º, n.º 1 do Código Civil e, como tal, uma vez decorrido o prazo para o fazer, tem-se por verificada a caducidade do direito de preferência da Autora, por falta de pagamento do preço devido para os devidos efeitos.
XXX. A invocada caducidade subsume-se a uma exceção perentória impeditiva, nos termos do disposto no número 1 e número 3, do artigo 576.º do Código do Processo Civil, a qual, desde já, se invoca, e que importa, em consequência, a absolvição das Rés do pedido, com as devidas consequências legais, o que, se requer.»
São as seguintes as questões a decidir:
- da nulidade da sentença;
- da impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- do abuso do direito;
- da caducidade do direito de ação; e
- da falta do depósito do preço. 
*
Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:
«1. No dia .. de Setembro de 19.. foi celebrado um contrato de arrendamento referente à loja sita nos números … e … (Loja 1) da Rua … a números …. e … da Rua …, com entrada pelo número .. da Rua …, do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de São Nicolau sob o artigo ….
2. No dia .. de Novembro de 19.. foi celebrado um contrato de arrendamento referente à loja sita no número 119 (Loja 2), do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de São Nicolau sob o artigo 46.
3. No dia .. de Julho de 19.. foi celebrado entre a Autora, na qualidade de cessionária, e MR e mulher, MC, na qualidade de cedentes, um contrato de trespasse, que teve por objecto os estabelecimentos comerciais denominados “Farmácia …” e “Perfumaria …”, que exerciam a sua actividade, respectivamente, nas Lojas 1 e 2 do imóvel identificado em 1.
4. Na data em que foi celebrada a escritura pública de trespasse acima identificada e como dela resulta estavam em vigor para cada uma das lojas onde exerciam a sua actividade os estabelecimentos comerciais denominados “Farmácia …” e “Perfumaria …” os contratos de arrendamento identificados em 1. e 2., respectivamente.
5. Em consequência, em virtude do referido trespasse foi transmitida a posição contratual nos dois contratos de arrendamento para a Autora, pelo que esta passou a ser a arrendatária das mencionadas Lojas 1 e 2.
6. O prédio em causa foi constituído em propriedade horizontal em 7 de Abril de 2008.
7. Em consequência desta constituição de propriedade horizontal as lojas 1 e 2, objecto dos contratos de arrendamento, passaram a constituir a fracção autónoma designada pela letra B, correspondente a duas lojas com rés-do-chão e cave.
8. O referido prédio urbano tem, actualmente, a seguinte descrição: prédio urbano sito na Rua …, n.ºs … e Rua …, n.ºs ………, freguesia de São Nicolau, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …, da freguesia de São Nicolau, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da freguesia de Santa Maria Maior.
9. No dia 3 de Setembro de 2010 a 1.ª Ré adquiriu a referida fracção autónoma.
10. A Autora deixou de pagar as rendas devidas por conta dos contratos de arrendamento referente às Lojas 1 e 2, desde Janeiro de 2013 até Janeiro de 2019.
11. O valor mensal das rendas devidas por conta dos referidos contratos de arrendamento ascendia a €75,00.
12. A 8 de Maio de 2013, a 1.ª Ré foi declarada insolvente pelo Tribunal de Comércio número Dois de Saragoça, no âmbito do processo número 182/2013-F.
13. Na sequência da declarada insolvência, foi nomeado para administrador de insolvência da Massa Falida a sociedade Asesorá Ruiseñores, S.L.
14. A 1.ª Ré enviou à Autora carta, datada de 14 de Agosto de 2013, na qual pretende proceder ao aumento da renda, bem como à transição do mesmo contrato para o regime jurídico do NRAU.
15. Desde 2012 até 2018, as lojas encontraram-se encerradas e sem qualquer movimento.
16. A Autora procedeu ao registo da alteração da sua sede em .. de Junho de 20.. para a Rua …, n.º …, no Lumiar.
17. A Autora procedeu ao registo da alteração da sua sede em .. de Agosto de 20.. para a Rua …, n.º …-….
18. As lojas foram colocadas à venda através do “Concurso Voluntario n.º 182/2013” que correu termos no Tribunal de Espanha.
19. No dia 5 de Maio de 2017, o administrador de insolvência da Massa Insolvente da sociedade B, S.A., enviou à Autora para a Rua … a carta registada com o seguinte teor:
“(…)
Na qualidade de Administrador de Insolvência da Massa Insolvente da Sociedade B, S.A.”, proprietária da fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente às lojas no r/c com os n.º … a …, com morada na Rua …, Lisboa, do prédio urbano sito na freguesia de Santa Maria maior, concelho de Lisboa, de que V. Exa. é arrendatária, vimos pela presente comunicar a resolução dos contratos de arrendamento titulados pelas escrituras de … de setembro de 19.., lavrada a folhas … verso do livro … do, então, terceiro cartório notarial de Lisboa e de ... de Novembro de 19.., lavrada a folhas .. do livro … do, então, nono cartório notarial de Lisboa, assumidos por V. Exa. em virtude da escritura de trespasse de .. de julho de 19.. lavrada no, então, décimo segundo cartório notarial de Lisboa.
Tal resolução tem como fundamento o não uso do locado por mais de um ano, ao abrigo do art.º 1083.º, n.º 2, al. D) do Código Civil, porquanto se constata que o locado apresenta visíveis sinais de abandono desde, pelo menos, o ano de 2014, bem como os estabelecimentos comerciais que aí operavam se encontram há muito encerrados e sem qualquer funcionamento.
Por outro lado, assume como igual fundamento de resolução a falta de pagamento tempestivo das rendas desde janeiro de 2013, estando, neste momento, um valor de capital em mora que ascende a €3.698,08 (três mil seiscentos e noventa e oito euros e oito cêntimos), nos termos do art.º 1083.º, n.º 3 do Código Civil.
Desta forma, solicita-se ao abrigo do art.º 1081.º 1, n.º 1 do Código Civil, a desocupação do local e a sua entrega livre de pessoas e bens no prazo de 15 (quinze) dias a contar da presente.
(…).”
20. Na mesma data, o administrador de insolvência da Massa Insolvente da sociedade B, S.A. enviou ainda à administradora única da Autora, carta registada com aviso de recepção, com o seguinte teor:
(…)
Exma. Senhora,
Na qualidade de Administrador da Massa Insolvente da Sociedade B, S.A., proprietária e senhoria da fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente às lojas no r/c dos n.º … a …, da Rua … do prédio urbano sito na freguesia de Santa Maria Maior, concelho de Lisboa, de que V. Exa. é arrendatária, venho pela presente dar-lhe conhecimento da comunicação que seguiu hoje para o locado a comunicar a resolução dos contratos de arrendamento.
É-lhe dado conhecimento da referida missiva na qualidade de administradora única da sociedade A, S.A., uma vez que se constata que o locado (onde se encontra sediada a sociedade que V. Exa. Administra) apresenta sinais visíveis de abandono há vários anos.
(…).
21. No dia 24 de Maio de 2017, a 1.ª Ré e a 2.ª Ré celebraram o contrato promessa de compra e venda, no qual consta no Considerando F que “Por missiva datada de 5 de maio de 2017, a Primeira Contraente procedeu à resolução dos contratos de arrendamento”.
22. Nos termos da Cláusula oitava do referido contrato promessa foi ainda estipulado pelas partes que:
(i) “A Segunda Contraente pagará atempadamente todos os impostos, taxas ou contribuições devidas no que se refere ao imóvel objecto deste contrato, comprometendo-se a que, à data da celebração da escritura ora prometida, não exista qualquer contingência ou responsabilidade de natureza fiscal pendente ou contingente, pelas quais o imóvel possa vir a servir de garantia;
(ii) Na data da outorga da escritura ora prometida o imóvel estará totalmente desocupado de pessoas e bens e liberto de quaisquer encargos e que tal desocupação e desoneração terá sido efetuada em termos que não justifiquem qualquer reclamação por parte de terceiros, ficando a Primeira Contraente responsável por tais reclamações;
(iii) A documentação relativa ao imóvel, em particular no que se refere à matriz predial e à descrição predial, está conforme com a realidade, não existindo qualquer outra descrição predial ou matricial que se sobreponha àquelas;”
23. No dia 5 de Junho de 2018 foi celebrada escritura pública de compra e venda da fracção autónoma designada pela letra B, nos termos da qual esta foi vendida pela 1.ª Ré à 2.ª Ré, pelo preço de €75.000,00.
24. Dessa escritura pública, consta “Arrendamento - Informa a Vendedora de que existem inquilinos a residir no imóvel, os quais não conseguiram localizar e, portanto, notificar desta transmissão, o que é do conhecimento e aceitação da Compradora.”.
25. Esta venda teve lugar na sequência do processo de insolvência da 1.ª Ré, que correu termos no Tribunal de Comércio número 2 de Saragoça, sob o n.º de processo 182/2013-F.
26. A aquisição da fracção pela 2.ª Ré foi devidamente registada pela Ap. … de 20../07/25.
27. No 10 de Janeiro de 2019 a Autora recebeu a notificação judicial avulsa que lhe foi dirigida pela 2.ª Ré, segundo a qual esta comunica a resolução dos contratos de arrendamentos referentes às lojas e para que, consequentemente seja entregue o locado, livre e devoluto de pessoas e bens e que a dívida resultante da falta de pagamento das rendas vencidas, acrescidas de juros de mora perfazem o montante global de €6.638,58.
28. Na sequência da recepção da notificação judicial avulsa, a Autora, através dos seus mandatários, enviou uma missiva a informar que pretendia fazer cessar a mora mediante o pagamento das rendas vencidas acrescido de indemnização igual a 50% da quantia devida, tendo sido solicitado à 2.º Ré a indicação do IBAN para o qual deveria ser transferida a quantia de €6.975,00.
29. A Autora instaurou a competente acção especial de consignação em depósito, a qual correu termos sob o n.º de processo 2981/19.1T8LSB, Juiz 6, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de Lisboa.
30. Consequentemente, a Autora procedeu ao depósito junto da Caixa Geral de Depósitos do valor de €8.325,00, referente às rendas de Janeiro de 2013 a Fevereiro de 2019 acrescido de 50% de indemnização da quantia devida.
31. Foi proferida, no dia 14 de Fevereiro de 2020, no âmbito do processo n.º 2981/19.1T8LSB, sentença transitada em julgado na qual foi julgada totalmente procedente a acção especial de consignação em depósito e foram julgadas validamente depositadas as rendas e indemnização devidas.
32. No dia 24 de Junho de 2019 a 2.ª Ré recorreu ao procedimento especial de despejo, ao qual foi atribuído o n.º 1111/19.4YLPRT.
33. A Autora deduziu oposição ao procedimento especial de despejo, opondo-se à entrega do locado com fundamento de ter intentado uma acção especial de consignação em depósito através da qual terá procedido ao pagamento das rendas devidas, acrescida da penalização.
34. O procedimento especial de despejo foi julgado improcedente por sentença transitada em julgado.
35. A Autora remeteu aos autos o comprovativo de depósito autónomo da quantia de €75.000,00 no dia 4 de Junho de 2019.»
*
Na sentença recorrida, foram dados como não provados os seguintes factos:
«a) A Autora respondeu pela carta que enviou à 1.ª Ré em 16 de Setembro de 2013, assumindo-se como arrendatária da fracção dos autos, mas negando a pretensão da 1.ª Ré, pelos motivos que dela constam.
b) Quer a insolvência da 1.ª Ré, quer o Concurso Voluntário n.º 182/2013 F e as condições da venda das lojas foram publicitadas.
c) Para além da quantia de €75.000,00, a 2.ª Ré procedeu ao pagamento da quantia de €7.500,00 à 1.ª Ré, para atender aos honorários notariais e outros gastos derivados da escritura.
d) A Autora liquidou as rendas até Dezembro de 2012, e apenas até aí porque nunca conseguiu apurar quem era o proprietário e a quem deveria pagar as rendas, em virtude de sucessivas aquisições do imóvel.»
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Nas conclusões recursivas, pode ler-se: “entendemos que o Tribunal a quo proferiu uma decisão-surpresa, sendo, por isso, nula a sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.”
Nos termos da norma invocada, “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar--se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
A causa de nulidade da sentença prevista na alínea d) do nº 1 do art.º 615º do C.P.C. está diretamente relacionada com o art.º 608º nº 2 do C.P.C., segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
A decisão surpresa é uma decisão nula por excesso de pronúncia por conhecer de questão que não podia conhecer antes de ouvir as partes.
Nos termos do art.º 3º nº 3 do C.P.C., “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”
“O respeito pelo princípio do contraditório é postulado pelo direito a um processo equitativo, previsto no nº 4 do artigo 20º da CRP. Este princípio é hoje entendido como a garantia dada à parte, de participação efetiva na evolução da instância, tendo a possibilidade de influenciar todas as decisões e desenvolvimentos processuais com repercussões sobre o objeto da causa” (Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Os Artigos da Reforma, Volume I, anotação ao art.º 3º).
“… a regra do contraditório deixa de estar exclusivamente associada ao direito de defesa, no sentido negativo de oposição à actuação processual da contraparte, para passar a significar um direito de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de influírem em todos os elementos que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão” (Acórdão do Tribunal Constitucional 19/2010).
“A audição excepcional e complementar das partes, fora dos momentos processuais normalmente idóneos para produzir alegações de direito, só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões jurídicas susceptíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não for exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ela” (Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. 1, 2ª edição, pág. 33).
Nas conclusões recursivas, pode ler-se: “considerando que a 2.ª Ré alegou a existência de abuso de direito ligando-o à qualidade de arrendatária da Autora, que a ação de despejo foi julgada improcedente e que no despacho saneador o Tribunal a quo nem conheceu, nem relegou para final o conhecimento da exceção, como fez com a exceção de ilegitimidade e de caducidade e também não colocou a questão nos temas da prova, a Autora ficou legitimamente convicta de que a questão do abuso de direito teria ficado resolvida por via da improcedência da ação de despejo e, como tal, não seria sujeita à produção de prova”.
A exceção do abuso do direito foi invocada pela R. C na contestação e a A. respondeu a tal exceção.
A alegada violação do princípio do contraditório não está em ter o tribunal recorrido conhecido da exceção do abuso do direito, mas em ter dado como provado ou não provado factos que não integram os temas da prova enunciados.
À decisão sobre a matéria de facto não é aplicável o regime das nulidades da sentença previsto no artigo 615º nº 1 do C.P.C., mas sim o disposto no art.º 662º nº 2 als. c) e d) do C.P.C. (no mesmo sentido, www.dgsi.pt Acórdão do STJ de 23 de março de 2017, processo 7095/10.7TBMTS.P1.S1).
Improcede, pois, a arguição de nulidade.
 *
Nos termos do art.º 662º nº 2 al. c) do C.P.C., “a Relação deve…, mesmo oficiosamente: anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
Os factos vertidos no ponto 15 da matéria de facto provada e na alínea d) da matéria de facto não provada são os factos especificados pela recorrente como factos controvertidos que não integram os temas da prova enunciados.
O ponto 15 da matéria de facto provada é do seguinte teor:
“Desde 2012 até 2018, as lojas encontraram-se encerradas e sem qualquer movimento.”
Da alínea d) da matéria de facto não provada consta o seguinte:
“A Autora liquidou as rendas até Dezembro de 2012, e apenas até aí porque nunca conseguiu apurar quem era o proprietário e a quem deveria pagar as rendas, em virtude de sucessivas aquisições do imóvel.”
Por despacho proferido a 10 de maio de 2022, o tribunal recorrido enunciou os temas da prova nos seguintes termos:
“1. Factos relativos à colocação à venda do imóvel pela administração da massa insolvente da 1ª Ré;
2. Factos relativos ao exercício do direito de preferência titulado pela Autora, arrendatária do imóvel, incluindo a data em que esta tomou conhecimento da venda;
3. Factos referentes ao não recebimento, pela Autora, da comunicação que lhe foi dirigida para exercer a preferência;
4. Do não depósito do preço, tempestivamente, pela Autora;
5. Do pagamento, pela 2ª Ré, do valor de €7.500,00, em acréscimo ao valor do negócio, para honorários notariais e outros gastos relacionados com a escritura pública de compra e venda do imóvel;
6. Litigância de má-fé da 2ª Ré.”
Os factos vertidos no ponto 15 da matéria de facto provada e na alínea d) da matéria de facto não provada não integram qualquer destes temas da prova, sendo de salientar que, ao contrário do defendido pela recorrida C, o não uso do locado e o não pagamento das rendas não podem ser considerados “factos relativos ao exercício do direito de preferência”, ainda que se discuta nesta ação se o exercício do direito é ou não abusivo.
É certo que o despacho da enunciação dos temas da prova não forma caso julgado formal (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 14 de dezembro de 2021, no processo 2952/15.7T8FNC.L2.S1), mas certo é também que, conforme resulta do art.º 410º do C.P.C, “a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados”.
“…, o que está em causa, seja com a enunciação dos temas da prova, seja com os seus antecessores – o questionário e a base instrutória – é a elaboração de uma peça instrumental e preparatória das fases processuais que se seguem, a produção de prova e o julgamento da matéria de facto. Na verdade, mais do que natural, a interligação é inevitável, uma vez que a prova incide sobre factos (cfr. artigo 341.º do Código Civil) e se destina a demonstrá-los: a previsão legal da elaboração de um questionário, de uma base instrutória ou de temas da prova assenta na ideia de que, antes da fase da prova, é vantajosa a identificação da matéria de facto controvertida.
É certo que as partes sabem o que uma e outra alegaram e o que lhes interessa provar para obterem ganho de causa, até porque a repartição do ónus da prova está pré-definida na lei.
É, todavia, igualmente certo que lhes confere segurança saberem antes da audiência final o que o tribunal considera carecido de prova” (Maria dos Prazeres Beleza, A elaboração dos temas da prova no actual Código de Processo Civil, https://recil.ensinolusofona.pt/bitstream/10437/14016/1/A%20elabora%C3%A7%C3%A3o%20dos%20temas%20da%20prova%20no%20actual%20C%C3%B3digo%20de%20Processo%20Civil.pdf).
A enunciação dos temas da prova permite às partes saber quais os factos que importa apurar e orientar em conformidade a respetiva intervenção na fase de produção de prova.
Se, depois do despacho de enunciação dos temas da prova, a 1ª instância verifica que factos articulados pelas partes com interesse para a decisão da causa não integram os temas da prova enunciados, deve proceder à ampliação dos temas da prova, possibilitando às partes a produção de prova quanto a esses factos.
No que toca ao ponto 15 da matéria de facto provada e à alínea d) da matéria de facto não provada, o tribunal recorrido fez a análise crítica de várias provas, o que significa que, apesar de a instrução ter por objeto os temas da prova enunciados, houve prova a recair sobre factos que não integram os temas da prova enunciados.
Contudo, não se pode considerar que, quanto aos factos vertidos no ponto 15 da matéria de facto provada e na alínea d) da matéria de facto não provada, foram produzidas todas as provas que seriam produzidas se as partes soubessem que o tribunal considerava que tais factos tinham interesse para a decisão da causa (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido a 17 de dezembro de 2014, no processo 2777/12.1TBBRG.G1, acessível em www.dgsi.pt).
Devem, pois, ser eliminados da decisão sobre a matéria de facto os factos que não integram os temas da prova (no sentido da eliminação, mas com fundamentação diferente, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido a 16 de novembro de 2023, no processo 1358/20.9T8VRL.G1, acessível em www.dgsi.pt).
Nas conclusões recursivas, a recorrente especificou o artigo 24º da petição inicial como contendo factos a aditar à matéria de facto dada como provada pela 1ª instância.
O artigo 24º da petição inicial é do seguinte teor:
“… a 1.ª Ré não notificou a Autora para exercer o direito de preferência de que era titular na aquisição da fração em causa, tendo-a vendido à 2.ª Ré sem que o tenha feito”.
Será a A. que tem de provar que não lhe foi comunicado o projeto de venda ou serão as RR. que têm de provar que foi feita tal comunicação?
A recorrida C requereu que fosse aditado à matéria de facto provada que “é falso que a massa insolvente da Primeira Ré não tenha enviado à Autora qualquer comunicação para o exercício do direito de preferência, tendo procedido à venda do imóvel à 2.ª Ré sem o conhecimento da Autora”.
No entanto, a recorrida C requereu ainda que fosse aditado à matéria de facto provada que “o Administrador de Insolvência da massa falida da Primeira Ré, solicitou a representantes, que se deslocaram à loja para comunicar à Autora que ia vender o Imóvel locado e confirmar se a mesma tinha interesse em exercer a preferência, todavia sem sucesso porque as lojas estavam sempre fechadas e com sinais de abandono”.
Estas duas pretensões da recorrida C parecem contraditórias. A R. massa insolvente comunicou o projeto de venda ou tentou comunicar sem sucesso?
Resulta do ponto 24 da matéria de facto provada que da escritura pública de compra e venda «consta “Arrendamento - Informa a Vendedora de que existem inquilinos a residir no imóvel, os quais não conseguiram localizar e, portanto, notificar desta transmissão, o que é do conhecimento e aceitação da Compradora.”
Este facto não foi especificado por qualquer das partes como incorretamente julgado, pelo que, quanto à comunicação à A. do projeto de venda, nada há a acrescentar à matéria de facto provada.
Nas conclusões recursivas, pode ler-se:
“Entende ainda a Recorrente que deverá ser aditado aos factos considerados provados a não receção da carta de 05.05.2017 enviada pela 1.ª Ré à Autora visto que o Tribunal a quo considerou como provado que a 1.ª Ré teria enviado à Autora a carta a comunicar a resolução do contrato de arrendamento, conforme pontos 19 e 20 dos factos provados da sentença recorrida, mas nada refere relativamente à receção”.
A não receção da carta enviada a comunicar a resolução é facto que não integra os temas da prova enunciados.
Nas conclusões recursivas, a recorrida C especificou a alínea c) da matéria de facto não provada como incorretamente julgado.
A referida alínea é do seguinte teor:
“Para além da quantia de €75.000,00, a 2.ª Ré procedeu ao pagamento da quantia de €7.500,00 à 1.ª Ré, para atender aos honorários notariais e outros gastos derivados da escritura.”
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto provada constante da sentença recorrida, pode ler-se:
«Quanto ao facto não provado em c), no contrato promessa de compra e venda (a fls. 267 a 271 vs.) que refere expressamente que o valor pago de €7.500,00 foi pago a título de sinal, sendo que a 2.ª Ré não logrou fazer prova que tenha havido outro pagamento desse montante a outro título (relacionada com a realização da compra e venda) que não fosse a título de sinal.
Nesse ponto, a testemunha GN, administrador da insolvência da 1.ª Ré, teve um depoimento relevante referindo que a 2.ª Ré pagou 10% antecipadamente em 26 de Maio de 2017 (antes da venda), cerca de €7.500,00, que era uma condição para se realizar a venda. Confirma que a 2.ª Ré pagou duas vezes €7.500,00 e por isso foi devolvida. Refere ainda que não sabe se a 2.ª Ré pagou os impostos em Portugal, mas que não era uma condição da compra e que no momento da escritura ninguém sabia se existiam despesas com as finanças. A testemunha ML apenas confirmou que a filha pagou tudo, não concretizando os valores e a que título esses valores foram pagos.»
Da escritura de compra e venda consta, na cláusula segunda, que a vendedora declarou ter recebido o preço no valor de €75.000,00, mediante transferência efetuada a 28 de maio de 2018; e que a compradora entregou a quantia de €7.500,00 “para atender aos honorários notariais, e outros gastos derivados da escritura (apostilha, tradução, conforme o caso, etc)”, mediante transferência realizada a favor da vendedora a 26 de maio de 2017.
Os documentos comprovativos dessas transferências estão juntos aos autos.
Atenta a data da realização da transferência da quantia de €7.500,00, o raciocínio do tribunal recorrido é correto. Houve um único pagamento da quantia de €7.500,00, que, no contrato promessa, foi referido tratar-se de sinal e, na escritura de compra e venda, foi referido ser “para atender aos honorários notariais, e outros gastos derivados da escritura”. Tendo havido devolução da quantia de €7.500,00, o pagamento feito pela R. C à R. massa insolvente ficou reduzido a €75.000,00, correspondente ao preço de venda.  
Assim, procede parcialmente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pela recorrente e improcede a impugnação deduzida pela recorrida C, passando a matéria de facto provada a ter a seguinte redação:

15. (eliminado)

A matéria de facto não provada passa a ter a seguinte redação:

d) (eliminado)
*
Nos termos do art.º 1091º nº 1 al. a) do C.C., na redação dada pela L 6/2006, de 27 de fevereiro, “o arrendatário tem direito de preferência: na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de três anos”, sendo, por força do nº 4 do citado artigo, “aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 416º a 418º e 1410º”.
A vigência dos contratos de arrendamento e a qualidade de arrendatária da A. não estão em discussão neste recurso.
O art.º 334º do C.C., sob a epígrafe “abuso do direito”, dispõe o seguinte:
“É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
“Rege para as situações concretas em que é clamorosa, sensível e evidente a divergência entre o resultado da aplicação do direito subjectivo e alguns dos valores impostos pela ordem jurídica para a generalidade dos direitos ou dos direitos de certo tipo” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ de 3 de fevereiro de 2005, processo 04B4671).
“O primeiro e, porventura, mais impressivo tipo de actos abusivos organiza-se em torno da locução venire contra factum proprium ou, mais simplesmente, venire. De origem canónica e com raízes controversas, o venire ficou a dever boa parte da sua carreira à musicalidade da sua fórmula latina.
Estruturalmente, o venire postula duas condutas da mesma pessoa, lícitas em si, mas diferidas no tempo. Só que a primeira - o factum proprium - é contraditada pela segunda - o venire” (António Menezes Cordeiro, Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 2005).
“… o indivíduo é livre de mudar de opinião e de conduta fora dos casos em que assumiu compromissos negociais. Daí que, em princípio, o mecanismo disponibilizado pela ordem jurídica para possibilitar a formação da confiança na palavra dada e, consequentemente, na conduta futura dos contraentes seja só o negócio jurídico. Sabido, porém, que uma das funções essenciais do direito é a tutela das expectativas das pessoas, facilmente se intui que por si só o negócio jurídico, sob pena de cometimento de flagrantes injustiças em muitas situações concretas, não pode constituir o único modo de protecção das expectativas dos sujeitos na não contradição da conduta da contraparte; casos há em que, ainda antes do limiar da vinculação contratual, o agente deve ser obrigado a honrar as expectativas que criou, podendo exigir-se-lhe, então, que actue de forma correspondente à confiança que despertou; casos, isto é, em que não pode venire contra factum proprium. A delimitação de tais casos obrigou a doutrina e a jurisprudência a terem que precisar com o máximo de rigor possível os pressupostos da proibição desta modalidade do abuso, desde logo por se ter a noção de que este instituto, construído, todo ele, a partir da cláusula geral da boa fé, apenas deve funcionar em situações limite, como verdadeira válvula de segurança e de escape do sistema, e não como uma tal ou qual panaceia de que se lança mão sempre que a aplicação das regras de direito estrito pareça ser insuficiente para assegurar a solução justa do caso” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 12 de novembro de 2013, no processo 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1).
“O comportamento contraditório fundamento do abuso de direito, na modalidade - venire contra factum proprium - tem como pressupostos:
- A existência dum comportamento anterior do agente suscetível de basear uma situação objetiva de confiança;
- A imputabilidade das duas condutas (anterior e atual) ao agente;
- A boa fé do lesado (confiante);
- A existência de relação de confiança, resultante duma atividade com base no factum proprium;
- Que da contradição resulte dano para o confiante” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 21 de junho de 2022, no processo 3762/18.5T8AVR.P1.S1).
Na fundamentação da sentença recorrida, pode ler-se:
«as circunstâncias são de tal ordem que, objectivamente, um sujeito normal acreditaria no não exercício superveniente do direito, porquanto ao abandonar o locado desde 2012, ao não pagar rendas durante um longo período de tempo (desde 2013), não havendo qualquer reacção da Autora à carta de resolução (Maio de 2017), não seria expectável às Rés que a Autora exerceria o direito de preferência.
Haverá, deste modo, que concluir que existe manifesto abuso do direito por parte da Autora, pelo que, por força do disposto no artigo 334.º do Código Civil, se deve considerar extinto o direito que pretendia fazer valer.»
O facto relativo ao não uso do locado foi eliminado da matéria de facto provada por não integrar qualquer dos temas da prova enunciados.
O facto alegado pela A. para justificar o não pagamento das rendas foi eliminado da matéria de facto não provada por não integrar qualquer dos temas da prova enunciados.
Se é certo que da matéria de facto provada consta que, a 5 de maio de 2017, o administrador de insolvência da R. massa insolvente enviou à A., para a R…, nº …, Lisboa, carta registada pela qual comunicava a resolução dos contratos de arrendamento e enviou à administradora da A. carta registada com aviso de receção pela qual dava “conhecimento da comunicação que seguiu hoje para o locado a comunicar a resolução dos contratos de arrendamento”, certo é também que não consta da matéria de facto provada que as cartas foram recebidas ou que foram devolvidas.
Será indispensável a ampliação dos temas da prova, com repetição do julgamento, para decidir a questão do abuso do direito?
Se o envio das cartas a 5 de maio de 2017 operou ou não a resolução dos contratos de arrendamento e se o uso da faculdade de pôr fim à mora mediante o pagamento das rendas em atraso e da indemnização pode ou não ser considerado abusivo são questões ultrapassadas, sendo certo que resulta da matéria de facto provada que, “foi proferida, no dia 14 de Fevereiro de 2020, no âmbito do processo n.º 2981/19.1T8LSB, sentença transitada em julgado na qual foi julgada totalmente procedente a acção especial de consignação em depósito e foram julgadas validamente depositadas as rendas e indemnização devidas”; e que “o procedimento especial de despejo foi julgado improcedente por sentença transitada em julgado”.
Resta saber se o não uso do locado alegado pela R. C, que, por opção desta, não foi invocado como fundamento da resolução dos contratos de arrendamento em ação de despejo, é matéria com interesse para a decisão da presente ação de preferência.
O não uso do locado, ainda que conjugado com o não pagamento das rendas, porque não expressa a perda definitiva de interesse no locado, não legitima a convicção ou a expetativa de que o direito de preferência não seria exercido.
Será que o exercício do direito de preferência por arrendatário que não está a usar o locado frustra o fim social e económico desse direito?
«No âmbito do arrendamento de prédios urbanos, o direito de preferência surge enquadrado num conjunto de medidas restritivas da liberdade contratual destinadas a proteger os arrendatários dos efeitos negativos do carácter temporário da locação. A intervenção estadual neste domínio, em resposta aos problemas económicos e sociais subsequentes à primeira guerra mundial, iniciou-se com medidas legislativas que impuseram a renovação obrigatória do arrendamento urbano em favor do arrendatário e restrições ao direito de denúncia do senhorio e à liberdade de se convencionar aumentos de rendas acima de determinados montantes. Foi no contexto desse regime protetor dos “arrendamentos vinculísticos”, que compreendia como característica fundamental “a prorrogação legal automática do contrato”, que o direito de preferência do arrendatário foi reconhecido, pela primeira vez, pelo artigo 11.º da Lei n.º 1662, de 4 de setembro de 1924.
Assim, a primeira justificação para a consagração legal do direito de ser preferido na venda do local arrendado para fins comerciais ou industriais começou por se encontrar dentro da índole geral do direito de preferência: extinguir ónus ou restrições que prejudicam o melhor aproveitamento do imóvel arrendado. Nos trabalhos preparatórios daquela lei considera-se que a “situação do prédio arrendado para um estabelecimento comercial ou industrial é muito semelhante à de uma propriedade imperfeita”, pois, não obstante não haver fracionamento do domínio, a imposição da renovação do contrato, a não extinção do vínculo por morte de qualquer das partes e a admissibilidade do trespasse, “tudo parece afinal, como se existisse um fracionamento perpétuo do direito de propriedade”, que se pretende extinguir com a preferência (José Carlos Brandão Proença, “Para uma leitura restritiva da norma (artigo 1091.º do Código Civil) relativa ao direito de preferência do arrendatário”, in, Estudos em Honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão, Vol. II, Coimbra, Almedina, 2008, pág. 942). É ainda em defesa da propriedade, mas agora na perspetiva da função social, que Pinto Loureiro fundamenta o direito de preferência do arrendatário: tornar livre a propriedade «de situações embaraçosas, desvalorizadoras das coisas e geradoras de demandas, como as resultantes de arrendamentos comerciais e industriais», casos onde «não só a propriedade produzirá melhor e mais completamente desempenhará a função social que lhe comete, mas se evitarão litígios e desavenças» (Manual dos Direitos de Preferência, Livraria Morais, 1944, Vol. I, pág. 7).
Modernamente, a atribuição ao arrendatário do direito de preferência justifica-se pelo interesse social das atividades prosseguidas no local arrendado, as quais implicam estabilidade e continuidade da exploração comercial ou industrial ou da profissão liberal no prédio arrendado, tutelando, além do interesse económico do arrendatário, outros interesses, como a preservação de postos de trabalho, dos clientes ou utentes dos estabelecimentos e das atividades instaladas no local arrendado. Como refere Agostinho Cardoso Guedes, «aqui, desvaloriza-se a propriedade do senhorio em detrimento de um outro valor: a proteção da atividade produtiva ou comercial – a proteção da empresa, numa palavra» (O Exercício do Direito de Preferência, Porto, Publicações Universidade Católica, 2006, pág. 73).
Já o direito de preferência do arrendatário habitacional foi, desde logo, fundamentado no interesse público de favorecer o direito à habitação, enquanto direito social reconhecido e consagrado constitucionalmente. Com efeito, no breve preâmbulo da Lei n.º 63/77, de 25 de agosto, justifica-se o novo direito enquanto expressão do direito fundamental à habitação: «No domínio dos direitos e deveres sociais, dispõe a Constituição da República que ao Estado compete, além do mais, adotar uma política de acesso à habitação própria (art.º 65.º, n.º 2). Poderá contribuir para a referida política, ainda que em grau reduzido, conferir aos arrendatários habitacionais direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento dos imóveis respetivos». Tratou-se, pois, de medida de política habitacional com o interesse subjacente de favorecer o direito à habitação: um meio de “proporcionar o acesso à propriedade a quem está (ou esteve) a fruir os bens ao abrigo de um direito pessoal de gozo tendencialmente duradouro” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1987, pág. 389).
Assim, a preferência do arrendatário habitacional constitui um dos instrumentos que o legislador encontrou para concretizar, no plano ordinário, o objetivo constitucional de facilitar o acesso à habitação própria, assumindo aqui relevo prioritário o interesse da estabilidade na habitação. A promoção da estabilidade na ocupação do locado constitui, entre outras finalidades de índole económica e de fomento de uma exploração eficiente dos bens, a ratio subjacente ao direito de preferência consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 1091.º do Código Civil. O alcance deste direito é, essencialmente, o de conferir ao arrendatário oportunidade de aceder, definitivamente, ao nível máximo de segurança do gozo do imóvel, adquirindo a plena propriedade, em antecipação a um terceiro. Através do direito de preferência o arrendatário tem acesso imediato à propriedade do imóvel e, dessa forma, ganha a estabilidade que nunca teria se continuasse a gozar o locado por força do vínculo de base contratual. Como diz Manuel Januário da Costa Gomes - relativamente ao artigo 47.º, n.º 1, do RAU, mas em termos transponíveis para a norma hoje constante do Código Civil - «A razão de ser do preceito é clara: o legislador presume que o contacto e a familiaridade do arrendatário com o local tomado de arrendamento, independentemente do seu fim – mas com mais relevo nos arrendamentos para habitação e para comércio, indústria e exercício de profissão liberal – quando feito por mais de um ano, lhe cria raízes no lugar, o que legitima que, querendo o senhorio vendê-lo ou dá-lo em cumprimento a terceiro, pesando a posição do terceiro com a do arrendatário, esta lhe mereça proteção, na medida em que, através do exercício da preferência se torna proprietário do local que já ocupa, deixando as vestes, mais precárias, de arrendatário» (“Cessão da Posição do Arrendatário e Direito de Preferência do Senhorio”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Vol. III, Coimbra, Almedina, 2002, pág. 509)» (www.tribunalconstitucional.pt Acórdão do Tribunal Constitucional 299/2020).
Quer a A. estivesse a exercer atividade comercial no locado quer não, o exercício do direito de preferência permite-lhe o acesso a instalações próprias, pondo fim à sua situação menos estável de arrendatária, pelo que não se pode considerar que esse exercício excede manifestamente os limites impostos pelo fim social e económico do direito.
Não há, pois, abuso do direito.
O art.º 416º nº 1 do C.C. dispõe o seguinte:
“1. Querendo vender a coisa que é objeto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato”.
2. Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo.”
“O art.º 416º, nº 1, do CC não exige qualquer forma especial para a comunicação pelo que se tem entendido que a comunicação (extrajudicial) para preferência pode ser feita por qualquer meio idóneo, nomeadamente por simples declaração verbal” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 17 de junho de 2021, processo 309/19.0T8VRL.G1.S1).
O art.º 1091º nº 4 do C.C., na redação dada pela L 64/2018, de 29 de outubro, passou a exigir forma especial para a comunicação ao arrendatário preferente – a carta registada com aviso de receção -, mas não é essa a redação aplicável ao caso dos autos.
Conforme resulta do disposto no art.º 342º nº 2 do C.C., “a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”, pelo que é aos RR. que cabe alegar e provar o cumprimento do dever de comunicação e o não exercício do direito de preferência dentro do prazo de oito dias.
As RR. não lograram provar que “o Concurso Voluntário n.º 182/2013 F e as condições da venda das lojas foram publicitadas”.
Resulta do ponto 24 da matéria de facto provada que da escritura pública de compra e venda «consta “Arrendamento - Informa a Vendedora de que existem inquilinos a residir no imóvel, os quais não conseguiram localizar e, portanto, notificar desta transmissão, o que é do conhecimento e aceitação da Compradora.”
A recorrida C invocou o art.º 224º nº 2 do C.C., segundo o qual é “considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida”.
A aplicação deste artigo pressupõe que a declaração foi feita.
Nos termos do nº 1 do art.º 1410º do C.C., o preferente “a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação.”
Assim, são dois os ónus que recaem sobre o preferente: interpor a ação no prazo de seis meses a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação; e depositar o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação.
A A. alegou que teve conhecimento da alienação a 10 de janeiro de 2019.
Por força do art.º 343º nº 2 do C.C., “nas ações que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei”.
A recorrida C fez apelo à comunicação do projeto de venda para considerar que o direito de ação caducou.
Contudo, não logrou provar tal comunicação
Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, anotação ao art.º 1410º do C.C., defendem a seguinte posição:
“O preferente deve depositar, não apenas o montante da contraprestação paga ao alienante pelo adquirente, mas ainda a quantia correspondente a todas as despesas inerentes à aquisição. A palavra preço que vem já da legislação anterior (vide o §1.º do art.º 1566.º do Cód. de Seabra) não foi utilizada no artigo 1410.º no seu sentido rigoroso ou técnico. Tanto assim é que ela abrange, além da hipótese da venda, a da dação em cumprimento. E nesta figura não há nenhum preço em sentido técnico.
Falando em preço, o legislador quer referir-se, com uma palavra só, a todas as despesas feitas pelo adquirente para adquirir a coisa: contraprestação paga ao alienante, sisa, despesas de escritura, de registo (quando obrigatório), etc. (vide, neste sentido, Pinto Loureiro, Manual dos direitos de preferência, vol. II, pág. 315, e o acórdão do S.T.J., de 20 de Fevereiro de 1970, no B.M.J., n.º 194, pág. 203).
A orientação que tem prevalecido na nossa jurisprudência não corresponde, porém, à melhor interpretação do texto legal. Não é a que melhor traduz o pensamento da lei.
O depósito obrigatório do preço, imposto ao preferente logo no começo da acção, visa manifestamente, como sabemos, pelo momento em que é exigido, garantir o alienante contra o risco de ver destruído o contrato com o preferente, por carência de meios da parte deste (Antunes Varela, Rev. de Leg. e de Jur., ano 100.º, pág. 242); mas com ele se pretende também, como Teixeira Ribeiro (Rev. Dir. Est. Soc., I, págs. 142 e 143) justamente observa, reintegrar o preferido na situação em que se encontrava à data do contrato, dispensando-o do procedimento executivo contra o preferente e libertando-o do risco de insolvência deste.
Ora, se o principal ou um dos principais objectivos do depósito do preço é, realmente, o de deixar o preferente quite desde logo com o preferente sacrificado, é lógico e razoável que no depósito se incluam, além do preço stricto sensu, todas as despesas do contrato (sisa, escrituras e outras) de que o autor tenha conhecimento à data em que é ordenada a citação dos réus.”
Não é este o entendimento que o STJ tem seguido.
«O depósito do preço visa apenas garantir o vendedor contra o perigo de, finda a acção, o preferente se desinteressar da compra ou não ter possibilidades financeiras para a concretizar, perdendo aquele também o contrato com o primeiro comprador. Para remover tal perigo, é bastante o depósito da mencionada contraprestação.
Isso não significa que o preferente, no caso de procedência da acção, não tenha de satisfazer essas despesas acessórias: o que se afirma é apenas que, para prevenir aquele aludido perigo, basta o depósito da indicada contraprestação.
Por outro lado, resulta do disposto nos arts. 874º e 878º do CC que, no contrato de compra e venda, são realidades diversas o preço e “as despesas do contrato e outras acessórias”; e, noutras disposições do CPC – maxime, nos arts. 909º/2 e 1465º/1.b) – relativas à acção de preferência ou ao direito de preferência, faz-se clara distinção entre o preço, a sisa e as despesas da compra.
Ademais, é o sentido estrito – de contraprestação a pagar ao vendedor – aquele que corresponde ao significado que a palavra preço tem na linguagem vulgar, corrente. E o entendimento a que se adere não briga com o sentimento de justiça, dado que a acção do preferente tem na raiz um comportamento ilícito do vendedor – que não deu cumprimento ao dever que lhe era imposto pelo art.º 416º/1 do CC – e, muitas vezes, um comportamento negligente do comprador que, conhecendo a situação de facto, não curou de se assegurar de que, em concreto, estava excluída a possibilidade de exercício do direito de preferência por parte do respectivo titular» (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 10 de janeiro de 2008, processo 07B3588; no mesmo sentido, www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 8 de setembro de 2016, processo 1022/12.4TBCNT.C1.S1).
Considerar o “preço devido” referido no art.º 1410º do C.C. como a contraprestação que deve ser paga ao vendedor, sem abranger IMT e despesas de escritura é a posição que este tribunal perfilha, tendo presente que, de acordo com o art.º 9º nº 3 do C.C., “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador… soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. Se o legislador quisesse que o depósito abrangesse as despesas, certamente haveria alusão expressa a tais despesas como acontece no art.º 1037º nº 1 al. b) do C.P.C. (art.º 1465º nº 1 al. b) do C.P.C. anterior), segundo o qual “o licitante a quem for atribuído o direito deve, no prazo de 20 dias, depositar a favor do comprador o preço do contrato celebrado e a importância da sisa paga, salvo, quanto a esta, se mostrar que beneficia de isenção ou redução e, a favor do vendedor, o excedente sobre aquele preço”.
Importa referir que o art.º 24º do Código do IMT dispõe o seguinte:
“1 - Se, por exercício judicial de direito de preferência, houver substituição de adquirentes, só se liquidará imposto ao preferente se o que lhe competir for diverso do liquidado ao preferido, arrecadando-se ou anulando-se a diferença.
2 - Se o preferente beneficiar de isenção, procede-se à anulação do imposto liquidado ao preferido, e aos correspondentes averbamentos.”
Acresce dizer que, por força do art.º 48º nº 4 do Código do IMT, “os secretários judiciais e os secretários técnicos de justiça remetem igualmente uma participação, em duplicado, … das sentenças que reconheçam direitos de preferência, que tenham sido concluídos ou lavrados no mês anterior e pelos quais se operaram ou venham a operar transmissões sujeitas a IMT.”
Tendo o A. cumprido os ónus previstos no art.º 1410º nº 1 do C.C., a ação de preferência tem de proceder.
 *
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida, julgando a ação procedente e, consequentemente:
1 - condenando os RR. a reconhecer o direito de preferência da A. sobre a fração identificada nos pontos 1, 2, 7 e 8 da matéria de facto provada;
2 - substituindo a R. C pela A. na venda referida no ponto 23 da matéria de facto provada e determinando a entrega à R. C do preço depositado pela A.;
3 - ordenando o cancelamento da inscrição predial a favor da R. C referida no ponto 26 da matéria de facto provada.
Custas da ação e da apelação pelos recorridos.

Lisboa, 22 de fevereiro de 2024
Maria do Céu Silva
Carla Figueiredo
Maria Carlos Calheiros