Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14285/21.5T8LSB.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: CERTIFICADOS DE AFORRO
PRESCRIÇÃO
INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO
HERDEIRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I-A prescrição tem como fundamento sancionar a inércia do titular do direito em exercê-lo. Assim, o curso do prazo de prescrição apenas se pode iniciar quando o titular do direito esteja em condições de o exercer, como decorre do art.º 306.º n.º1 do Código Civil.
II. O prazo de prescrição de 10 anos referido no n.º 1 do art.º 7.º do DL n.º 122/2003, de 04-05, inicia-se no momento em que o herdeiro teve conhecimento do óbito do titular dos certificados de aforro e da existência destes, porquanto só então aquele está em condições de exercer o direito ali previsto.
III-Não impende sobre o herdeiro do titular dos certificados de aforro o dever de indagar junto do IGCP, sobre a titularidade dos mesmos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO
J, melhor identificado nos autos, intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra:
Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública - IGCP, E.P.E. ….
Formulou o seguinte pedido:
a)Ser declarado o único herdeiro de seus pais A e M:
b)Ser condenado o Réu a transmitir ao Autor os certificados de aforro: (i) Nº …9, emitido em 93-09-09, composto por 1599 unidade, subscrito por 799.500$00 e (ii) Nº …7, emitido em 93-09-16, composto por 679 unidades, subscrito por 339.500$00 e a pagar-lhe o correlativo valor à data da citação, que na data da petição inicial liquidou em € 10.774,25,correspondente ao certificado n.º …9 e € 4.575,18, correspondente ao certificado n.º …7, no total de € 15.349,44.
Alega, para tanto, em síntese o seguinte:
O Autor é o único herdeiro de seus pais, A e M, falecidos respectivamente, em 2002-01-03 e 2005-10-25, ambos com última morada habitual na Rua ….
O pai do Autor era titular de dois certificados de aforro, série B, que identifica.
Fazia parte das condições dos certificados de aforro que os mesmos podiam ser movimentados por M, mãe do Autor.
O A. e a mãe não procederam à partilha da herança por óbito do titular dos certificados de aforro. Contudo, na qualidade de cabeça de casal, a mãe do Autor procedeu ao cumprimento da obrigação da participação do óbito, junto do Serviço e Finanças de Mafra, em 14/06/2004, sem que nela relacionasse os certificados de aforro.
À data do óbito de M, mãe do Autor, falecida em 2005-10-25, aquele, na qualidade de cabeça de casal e único herdeiro, cumpriu a obrigação de participar os bens que compunham o acervo da herança, junto do Serviço de Finanças de mafra. Contudo, limitou-se a relacionar os bens já relacionados pela sua mãe, não fazendo referência aos certificados de aforro, por não ter conhecimento da sua existência.
Só em meados de Setembro de 2018, ao proceder a arrumações no interior do imóvel que tinha sido residência dos pais, descobriu os referidos certificados de aforro, guardados dentro de um livro.
Em 27 de Setembro de 2018, o Autor informou o Réu dos factos descritos, por carta registada, e solicitou informações para a transmissão e ou resgate dos certificados de aforro a seu favor.
Porém, o Réu respondeu por carta de 12 de Outubro de 2018 que os certificados tinham prescrito a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública (FRDP).
O Autor propõe a acção defendendo que a invocada prescrição não se verificou, pois que o respectivo prazo só pode começar a correr a partir do momento em que o mesmo teve conhecimento da existência dos certificados e não antes.
Devidamente citado o Réu contestou a acção, defendendo-se por exceção alegando a prescrição do direito invocado, com fundamento na não reclamação dos valores ora peticionados dentro do prazo de 10 anos, após o falecimento do aforrista, bem como alega que, a ser reconhecido o direito do autor, o valor a restituir será apenas de €13.114,20, por ser esse o seu valor, à data da transferência para o FRDP. Apresentou, ainda, defesa por impugnação.
Notificado para o efeito, o Autor respondeu às exceções deduzidas, pugnando pela sua improcedência.
Decorridos todos os trâmites legais, foi realizado o julgamento e seguidamente proferida sentença que julgou a ação totalmente procedente, por provada e, em consequência, condenou a ré Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública IGCP, E.P.E. no pagamento ao autor J do montante global de €15.349,44, acrescido dos respetivos juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Inconformado com esta sentença, o Réu interpôs o presente recurso de apelação formulando as seguintes conclusões:
1.O presente recurso vem interposto da sentença proferida em 26.09.2023, nos termos da qual se julgou a presente ação procedente, por provada, e, em consequência, se condenou a Ré, ora Recorrente ao pagamento ao Autor da quantia global de 15.349,44 (quinze mil trezentos e quarente e nove euros e quarenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% (taxa prevista na portaria referida no artigo 559.º do Código Civil Portaria n.º 291/03 de 8 de Abril - e sem prejuízo de diferente taxa legal que em cada momento venha a vigorar), contabilizados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
2.O Tribunal “a quo” configurou a questão essencial para a decisão da presente lide como sendo a da apreciação do direito do Autor, na qualidade de herdeiro, ao pedido de reembolso dos certificados de aforro titulados pelo seu pai, falecido; correlativamente, da verificação, ou não, da prescrição.
3. De modo sumário, na Sentença Recorrida considerou-se seguir a corrente jurisprudencial que considera que o prazo prescricional normativamente prescrito para o pedido de reembolso dos Certificados de Aforro de que era titular o de cujus sepode iniciar a partir do momento em que os seus sucessores se encontram efectivamente em condições de exercerem o direito à respectiva reclamação junto do organismo oficial competente.”
4. Mais se considerou ficar demonstrado que: “(…) o titular dos certificados de aforro faleceu em 3 de Janeiro de 2002 e que, em meados de Setembro de 2018, o Autor encontrou os aludidos certificados e subsequentemente procedeu à formulação de requerimento com vista à respectiva transmissão”.
Não é exigível que se exerça um direito que não se conhece, sendo que, ante o circunstancialismo fáctico apurado, o Requerido exerceu o seu direito antes do decurso do prazo de dez anos, razão pela qual o mesmo não estava prescrito.”
5. Não pode a Recorrente conformar-se com tal decisão porquanto não concorda com a interpretação jurídica e solução de direito adotadas pelo Tribunal a quo.
6. Com efeito, é entendimento da ora Recorrente que a Sentença Recorrida incorreu numa errada interpretação e aplicação do regime jurídico da prescrição especialmente previsto para os certificados de aforro incasu [nomeadamente, do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 172- B/86 de 30 de junho, na última redação dada pelo Decreto-Lei n.º 47/2008, de13 de março (o “Regime dos Certificados de Aforro Série B”), e dos artigos 9.º e 306.º, n.º 1 do Código Civil (o “CC”), regras jurídicas estas que se mostram violadas].
7. E, assim, sem prejuízo da análise detalhada que adiante se fará, mal andou a Sentença Recorrida, a qual deve ser revogada e substituída por outra que, fazendo uma correta interpretação e valoração jurídicas do prazo de prescrição previsto no artigo 7.º do Regime dos Certificados deAforro SérieB, e do caso concreto, considere que o momento do início da contagem daquele prazo nunca poderá ser o que foi considerado na Sentença de fls.
VEJAMOS:
8.O pedido formulado pelo Autor, aqui Recorrido, alicerça-se numa interpretação errada (idêntica à que vem sufragada na Sentença Recorrida) do regime da prescrição previsto especialmente para os certificados de aforro, em concreto, no que toca ao termo inicial do prazo de prescrição consagrado nos artigos 7.º do Regime dos Certificados deAforro Série B, segundo a qual tal prazo se inicia com o conhecimento pelo herdeiro (neste caso, pelo Recorrido) da existência de certificados de aforro titulados pelo de cujus.
9. Contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo, a única interpretação admissível do artigo 7.º, n.º 1 do Regime dos Certificados de Aforro Série B é, efetivamente, aquela segundo a qual o prazo de prescrição de10 (dez) anos se conta a partir da data do óbito do aforrista, tendo este prazo de prescrição um carácter eminentemente objetivo, cuja contagem é espoletada por um evento objetivo (neste caso, o óbito do aforrista), não estando dependente de qualquer estado de subjetividade (como o conhecimento do herdeiro da existência de certificados).
10. Esta interpretação é, aliás, a que vem sendo seguida por esse Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, designadamente nos doutos Acórdãos proferidos em 22 de outubro de 2020, no processo n.º 15325/19.3T8LSB-2, e em fevereiro de 2022, no âmbito do processo n.º 28052/18.0T8LSB.L1, respetivamente.
11. Optou o legislador por consagrar, nesta sede, um critério objetivo decontagem do prazo de prescrição, única interpretação que pode retirar-se da letra da lei, na medida em que a contagem de tal prazo é desencadeada por um determinado evento/facto jurídico -a morte do aforrista - independentemente de concretos conhecimentos que o titular do direito (o herdeiro) possa ter quanto ao mesmo (critério subjetivo, compaginável com prazos curtos de prescrição).
12. Esta clara opção do legislador, que tem como principal objetivo garantir a certeza e segurança jurídicas, institutos cruciais no procedimento de controlo da prescrição dos produtos aforro, é caracterizada por ter um prazo de prescrição considerado longo.
13. Em face da duplicidade de sistemas de prescrição existentes no nosso ordenamento jurídico – o sistema objetivo assente na verificação de um determinado evento e o sistema subjetivo assente no estado de conhecimento subjetivo do titular do direito - é possível concluir que esta opção do legislador foi uma opção evidentemente conscientee tomadasopesando os prós e os contras de cada sistema e dando primazia à proteção dos valores protegidos por um – neste caso o sistema objetivo – em detrimento do outro (o subjetivo).
14.De facto, um prazo de prescrição assim delineado, como o queestáem causanos presentes autos, é o que melhor se coaduna com exigências de certeza e segurança jurídicas: sem ele, a Ré ficaria refém ad aeternum de uma atuação dos herdeiros – que poderiam nem vir a reclamar a transmissão dos títulos ouorespetivo reembolso – numa situação de incerteza quanto ao eventual exercício do direito, com as consequências naturais daí advindas com impacto no montante a reembolsar, o que, no limite, teria efeitos (negativos) na gestão da dívida pública, em claro prejuízo de todos os contribuintes.
MAS VEJAMOS EM DETALHE,
15. Antes de mais, o Tribunal a quo crê (erroneamente) que a remissão para as demais disposições em vigor em relação à prescrição (a que faz referência o artigo 7.º do Regime dos Certificados deAforro Série B) abrange também o termo inicial do prazo de prescrição de 10 (dez) anos, e com esta remissão (erradamente feita) - por remissão para uma apreciação jurisprudencial – concede o Tribunal a quo uma relevância ao conhecimento do direito (i.e., ao conhecimento da existência dos certificados de aforro), para efeitos de início de contagem do prazo de prescrição dos autos.
16. Ora, é certo que aquela disposição legal contém uma remissão legal paraas demais disposições em vigor relativas à prescrição”, prescrevendo assim a subsidiariedade do direito civil como critério de integração de lacunas; mas tal significaapenas queé deaplicar o regime geral da prescrição naquilo que não esteja particularmente disciplinado na legislação especial dedicada aos certificados de aforro.
17. Contudo, para que tal remissão pudesse operar seria necessária a verificação de uma verdadeira lacuna no que ao termo inicial do prazo de prescrição diz respeito, o que não sucede in casu.
18.Tal norma remissiva existe para regular situações para as quais os referidos preceitos não preveem uma regulamentação específica; é o que sucede com as causas de suspensão e interrupção do prazo de prescrição - não existe na lei especial uma disposição específica que as regulamente, pelo que tal lacuna terá de ser resolvida com base no exercício remissivo, sendo então aplicáveis as disposições previstas nos termos gerais da lei civil (em concreto, os artigos 318.º e seguintes do Código Civil), o que não é, manifestamente, o que aqui sucede.
19. É, assim, manifesto que, para resolver a questão essencial enunciada na Sentença Recorrida, basta efetuar um simples exercício interpretativo, partindo e assentando na letra da lei, a qual é clara e deve ser interpretada nos termos do artigo 9.º do Código Civil.
20.Donde decorre que, para a determinação do sentido prevalente das normas, deve levar-se em consideração a letra da lei - simultaneamente ponto departida e limite da interpretação – não podendo efetuar-se uma interpretação que não tenha o mínimo de correspondência naquela – o que ocorre quando, ao invés de se considerar a morte do titular de um certificado de aforro como facto desencadeante do prazo de prescrição - tal como decorre expressamente daletra dalei -, se consideracomo relevante o conhecimento da existência dos certificados de aforro; tal interpretação não cumpre aquele requisito da mínima correspondência verbal, sendo por isso violadora do artigo 9.º do Código Civil, bem como do artigo 7.º do Regime dos Certificados de Aforro Série B.
21. Além disso, ainda que operasse uma tal remissão quanto ao termo inicial do prazo de prescrição para as demais disposições em matéria de prescrição, nunca tal remissão seria feita para as regras de prescrição que preveem o conhecimento do direito como facto desencadeante, uma vez que o conhecimento do direito como facto relevante para efeitos de contagem do prazo de prescrição apenas está previsto para casos muito específicos, expressamente consagrados (como sucede nos termos do artigo 498.º, n.º 1 do CC) e não para todo e qualquer caso, não sendo o regime regra em matéria de prescrição.
IGUALMENTE,
22. Incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, ao lançar mão do dispostono artigo 306.º do Código Civil –ainda que por remissão jurisprudencial -, uma vez que este é um preceito com caráter meramente supletivo e que, nessa medida, é afastado pelo regime especial dos certificados de aforro, o que tem merecido o acolhimento da Jurisprudência dos Tribunais Superiores, designadamente no douto Acórdão desse Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 387/08-6, e no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no âmbito do processo n.º 7605/08.0TBBRG-AN.G1.
23. Também o CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIAGERALDA REPÚBLICA se posiciona no mesmo sentido, sublinhando que tal preceito estabelece um critério com “carácter supletivo”, nos termos do parecer n.º 20/2010, de 14.04.2011.
24. Deste modo, tendo o critério previsto no artigo 306.º do Código Civil umanatureza supletiva, deve o mesmo ceder perante outras soluções consagradas na lei quanto ao início de contagem do prazo prescricional, pelo que, prevendo a lei esta solução especialmente aplicável aos certificados de aforro, fica afastada a aplicação daquele artigo da lei substantiva civil, sendo por demais evidente o erro de julgamento em que caiu o Tribunal a quo ao recorrer a este preceito de forma legalmente inadmissível.
25.Sem prejuízo do exposto, mesmo que se aplicasse o critério previsto no artigo 306.º do Código Civil – o que não se concede, mas por cautela de patrocínio se equaciona –, a verdade é que o direito sempre estaria em condições de ser exercido pois o Autor/Recorrido podia ter diligenciado junto dos serviços da Recorrente (ou CTT) no sentido de obter informação sobre a eventual existência de outros certificados de aforro.
26. Considera, também, o Tribunal a quo que a interpretação do Recorrente implica um tratamento diferenciado dos certificados de aforro face aos restantes bens da herança, na medida em que entende (mais uma vez, erradamente) que a contagem do prazo de prescrição da data do óbito do aforrista pode determinar a prescrição do direito dos herdeiros reclamarem os certificados de aforro ainda antes do decurso do prazo para aceitação da herança.
27. Contudo, tal entendimento também não procede, desde logo porque o prazo de prescrição para ambas as situações é o mesmo – 10 (dez) anos – e, no presente caso, contado do mesmo momento (03.01.2002), de modo que terminaram ambos na mesma data (03.01.2012).
28. Foi, precisamente, uma visão sistemática que presidiu ao alargamento do prazo de prescrição previsto no artigo 7.º do Regime dos Certificados de Aforro Série B: este prazo estava inicialmente fixado em cinco anos, tendo o Decreto-Lei n.º 122/2002, de 4 de maio, alargado para dez anos para coincidir com o prazo previsto para a aceitação da herança; alargado esse prazo nos termos descritos, deixou de haver razão para acreditar que existe atualmente um tratamento diferenciado entre heranças ou bens da herança.
29. Pelo que vem exposto, mal andou o Tribunal “a quo” ao decidir pela condenação da Recorrente nos pedidos formulados pelo Recorrido, impondo-se, por conseguinte, a revogação da decisão proferida e a substituição por outra que julgue a ação totalmente improcedente, por não provada, absolvendo a Recorrida “in totum”.
MAS AINDA QUE ASSIM NÃO SE ENTENDA, E SEM CONCEDER, O QUE APENAS POR CAUTELA DE PATROCÍNIO SE ADMITE, MAIS SE DIGA O SEGUINTE:
COM EFEITO,
30. Da letra do artigo 7.º do Regime dos Certificados de Aforro Série B resulta, de forma muito clara, que os herdeiros do titular de certificados de aforro têm um prazo de 10 (dez) anos, a contar da data do óbito deste, para requerer a transmissão da totalidade das unidades que o constituem ou o respetivo reembolso, findo o qual se consideram prescritos.
31.Optou, assim, o legislador por consagrar nesta sede um critério objetivo de contagem do prazo da prescrição, na medida em que a contagem de tal prazo é despoletada por um determinado evento/facto jurídico –a morte do aforrista - independentemente de concretos conhecimentos que o titular do direito (o herdeiro) possa ter quanto ao mesmo.
32. Opção legislativa esta que tem como principal objetivo garantir a certeza e segurança jurídicas, institutos cruciais no procedimento de controlo da prescrição dos produtos aforro, e que é caracterizada por ter um prazo de prescrição considerado longo.
33. A incerteza gerada pela inércia do titular no exercício do seu direito deve ser combatida com a previsão de um prazo de prescrição objetivo, assim se evitando que situações que se prolonguem no tempo, criando expetativas e cristalizando-se, sejam postas em causa pelo titular que não agiu no período de tempo razoável para o efeito.
34. A favor da tese sufragada pela Ré, ora Recorrente, de que o regime legal destes produtos de aforro não faz qualquer apelo ao conhecimento que os herdeiros possam ter (ou não) destes bens está o facto de a inércia dos herdeiros apenas os favorecer: enquanto não requererem a transmissão da totalidade das unidades que constituem os certificados de aforro ou o respetivo reembolso, este produto fica a capitalizar, gerando tantos mais juros quanto mais tempo demorarem os herdeiros a exercer o seu direito.
35. E, sendo o prazo de prescrição tão alargado, tal significaria que um herdeiro poderia, no limite, simplesmente “alegar” a sua ignorância sobre a existência dos certificados de aforro e vir reclamar o seu reembolso apenas passados vários anos após o términus do referido prazo de 10 (dez) anos, o que, conjugado com a dificuldade que a Recorrente muito provavelmente teria em fazer prova do efetivo conhecimento, por parte do herdeiro, da existência dos certificados de aforro, tornaria o sistema altamente permeável a abusos.
36. Esta interpretação faria com que os herdeiros dos certificados de aforro beneficiassem de uma maior vantagem económica, ilimitada até, já que a interpretação jurídica de que o Recorrido se pretende fazer valer – a qual vem sufragada na Sentença Recorrida –permitiria aos herdeiros calcular o momento em que seria mais vantajoso virem arguir o (des)conhecimento da existência de certificados de aforro.
37. Uma tal interpretação do dispostono artigo 7.º do Regime dos Certificados de Aforro Série B – além de não ter o mínimo de correspondência na letra da lei – é uma interpretação perigosa e suscetível de conduzir a uma utilização abusiva do instituto da prescrição, já que se traduziria, na prática, na eliminação de qualquer limite máximo ao prazo de reclamação da transmissão das unidades dos certificados de aforro ou do respetivo reembolso.
38.No presente caso, de acordo com a interpretação que o Recorrido e o Tribunal a quo sustentam, esta poderia vir a receber juros até dezembro de 2028 pois argumenta que o prazo de 10 (dez) anos só pode iniciar a sua contagem da data em que terá alegadamente tomado conhecimento da existência dos certificados de aforro –ou seja, o Recorrido poderia vir a receber um rendimento adicional de quase 25 anos (ou mais, consoante a data que pretendesse alegar como tendo sido o momento em que soube da existência de tais títulos).
39. Com o devido respeito, tal interpretação não pode simplesmente proceder sob pena de se abrir a porta a inseguranças e utilizações abusivas e arbitrárias de um instituto jurídico cujo objetivo e escopo é exatamente o oposto, e que se impõe por razões de certeza e de segurança jurídicas.
40. Por todo o exposto, a única interpretação admissível do artigo 7.º, n.º 1, do Regime dos certificados de Aforro Série B é aquela segundo a qual o prazo de prescrição de 10 (dez) anos para os herdeiros do titular de certificados de aforro requererem a transmissão da totalidade das unidades que os constituem ou o respetivo reembolso, se conta a partir da data do óbito do aforrista.
41. Assim, tendo o pai do Recorrido falecido em 03.01.2002, tinha aquele um prazo de 10 (dez) anos para requerer a transmissão da totalidade das unidades que constituem os certificados de aforro ou o respetivo reembolso, o qual terminou em 03.01.2012, sem que este tivesse exercido tal direito nesse período nem interrompido por qualquer forma o prazo de prescrição em questão, pelo que o mesmo já se encontrava há muito decorrido à data da instauração da ação pelo Recorrido - e, naturalmente, à data da citação da Recorrente.
42. Adotando a única interpretação correta das normas aplicáveis ao caso sub judice resulta claramente evidente que a presente ação se encontra votada ao manifesto insucesso, porquanto o direito invocado pelo Recorrido se encontra prescrito.   
43.Conclui-se, assim,queaSentença Recorrida assentou numa incorreta interpretação jurídica das normas aplicáveis ao caso em apreço, pelo que, e sempre com o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao julgar procedente a presente ação.
44. Em face de todo o exposto, a Sentença Recorrida deverá ser revogada e substituída por outra nos termos da qual se declare procedente a exceção de prescrição invocada pela Recorrente, julgando-se a ação totalmente improcedente, com a consequente absolvição da Recorrente dos pedidos contra si formulados nos autos.
Nestes termos e nos mais de direito que v. exas. Doutamente suprirão,deveráser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida por errada interpretação dos artigos do regime dos certificados de aforro série b, e dos artigos9.º e 306.º, n.º 1do código civil, regrasjurídicas estas que se mostram violadas - e substituída por outra que pelos motivos acima expostos-declare procedente a exceção  de prescrição invocada pela ré, ora recorrente, julgando a presente ação totalmente improcedente e, por conseguinte, absolvendo a recorrente dos pedidos contra si formulados.
O Apelado apresentou contra alegações pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.
II-OS FACTOS
Na 1.ªinstância foram dados como provados os seguintes factos:
1.A Ré é uma pessoa coletiva de direito público com natureza empresarial, dotada de autonomia administrativa e financeira, e património próprio, sujeita à tutela e superintendência do membro do Governo responsável pela área das Finanças.
2.O Autor, J, é filho de A e M, falecidos em 3 de Janeiro de 2002 e 25 de Outubro de 2005, respectivamente.
3.Em 28 de Julho de 2003, por escritura lavrada de folhas 24 a folha 25 do livro de Escrituras Diversas, n.º …-F do Cartório Notarial de Mafra, M, S e MS declararam que A tinha falecido e que este não fez testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo deixado como único e universal herdeiro o Autor.
4.A, portador do NIF …, foi titular da conta aforro n.º….00.
5.À data do óbito do aforrista a conta aforro n.º …00 era constituída por 2 (dois) certificados de aforro da série B, representativos de 2278 unidades, num valor total correspondente a 9.355,52 EUR (nove mil, trezentos e cinquenta e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos.)
6.Os 2 (dois) certificados de aforro da série B que constavam da referida conta aforro à data do óbito do aforrista tinham um movimentador designado pelo titular: M.
7.Foi realizada a comunicação do óbito de A às Finanças, por parte de M, tendo em conta o património conhecido, sem que nela se relacionassem os aludidos certificados.
8.Em 13 de Janeiro de 2006, por escritura lavrada de folhas 25 a folhas 25 verso do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º … do Cartório Notarial de Mafra, MM, S e SD declararam que M tinha falecido e que esta não fez testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo deixado como único e universal herdeiro o Autor.
9.Foi realizada a comunicação do óbito de M por parte do Autor, tendo em conta o património conhecido, sem que nela se relacionassem os aludidos certificados, tendo o mesmo se limitado a relacionar os bens já relacionados pela mãe à data do óbito do seu pai.
10.Na sequência de protocolo celebrado em 2012 entre o IGCP e o Instituto de Registos e Notariado (IRN), a Ré passou a cruzar regularmente a informação constante da sua base de dados de aforristas com a informação constante da base de dados de óbitos do IRN, tendo tido tomado conhecimento do óbito do aforrista e, em 21-09-2012, procedido à imobilização da conta aforro por aquele titulada.
11.Em 21/09/2012, a Ré transferiu o saldo da conta aforro para o Fundo de Regularização da Dívida Pública (adiante FRDP), no montante global de 13.114,20 €.
12.Em meados de Setembro de 2018, nomeadamente no fim-de-semana de 8 e 9 de Setembro, o Autor procedeu à arrumação interior do imóvel que havia sido a residência dos pais e foi surpreendido com a descoberta dos certificados de aforro, guardados dentro de um livro, sem que deles tivesse algum conhecimento quer através do pai quer através da mãe.
13.Em 13/09/2018, a Ré recebe um pedido de informação via correio electrónico do ora Autor, informando que seria o único herdeiro de A e M, solicitando informação de como proceder para efectuar a transmissão da titularidade ou amortização dos dois certificados que alegava ter encontrado ao efectuar arrumações no imóvel que pertencia aos seus pais.
14.A Ré, em resposta, fez alusão ao decurso do prazo de dez anos, sem prejuízo do envio por parte do Autor dos respectivos documentos com vista à análise do processo.
15.Em 27 de Setembro de 2018, o Autor informou a Ré, por carta registada, e solicitou informações para a transmissão e ou resgate dos certificados de aforro a seu favor.
16.Em 12 de Outubro de 2018 a Ré, em resposta, referiu que: i) Que os certificados em nome Sr. A, contribuinte n.º …, prescreveram a favor do FRDP. ii) Que, nos termos da lei “prescrevem a favor do FRDP os CA das séries A e B, que não sejam reclamados pelos herdeiros nos seguintes períodos: a) No prazo de 10 anos, caso o falecimento do titular tenha ocorrido após 4/5/1997 (DL nº 122/2002, de 4/5 e DL n.º 172- B/86, de 30/6, com as respectivas alterações posteriores); b) No prazo de 5 anos, caso o falecimento do titular tenha ocorrido até 4/5/1997 (DL nº 122/2002, de 4/5 e 43454, de 30/12/1960, com as respectivas alterações posteriores). iii) Que não foi localizada qualquer conta de certificados de aforro ou quaisquer outros valores em títulos de dívida pública em nome de M.
17.Em 16-01-2018, o Autor insistiu no pedido de reembolso dos certificados, tendo a Ré mantido a referida resposta / posição.
18.Em 22-01-2019, o Autor pediu a transmissão dos aludidos certificados tendo enviado à Ré requerimento acompanhado de escritura de habilitação de herdeiros, participação de imposto de selo do pai (aforrista) e mãe e fotocópia autenticada dos certificados.
19.Em 20 de Maio de 2019, a Ré respondeu ao Autor, por missiva, reiterando o conteúdo do ofício enviado em 12-10-2018, repetindo que os certificados encontravam-se prescritos a favor do Fundo de Regularização de Dívida Pública, de acordo com o DL 122/2002, de 4/05 e DL 172B/86, de 30/06, com as respectivas alterações posteriores, por terem decorrido mais de 10 (dez) anos sobre a data do óbito do pai (aforrista).
III-O DIREITO
Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal, a única questão a resolver consiste em saber se o prazo de 10 anos fixado para os herdeiros do titular de certificados de aforro requererem a transmissão da totalidade das unidades que os constituem ou o respetivo reembolso, se conta a partir da data do óbito do aforrista ou a partir da data do conhecimento por parte do herdeiro do aforrista da existência desses certificados.
Os certificados de aforro constituem uma das formas de representação da dívida pública direta do Estado, conforme resulta do art.o 11.º, n.º 1, alínea d) da Lei-Quadro 7/98, de 3 de fevereiro, que estabelece o Regime Geral de Emissão e Gestão da Dívida Pública.
Os primeiros certificados de aforro, correspondentes à Série A, foram criados em 1960, através do Decreto-Lei nº 43453, de 30 de dezembro de 1960, tendo em vista «(…) estimular o espírito de previdência», criando-se «uma nova forma de representação da dívida pública através dos chamados certificados de aforro, destinados a conceder uma aplicação remuneradora aos pequenos capitais, sem que estejam sujeitos às oscilações do mercado de títulos».
Em relação aos certificados de aforro da série A importa sublinhar o disposto nos artigos 18.º e 19.º do DL 43 454, de 30 de dezembro de 1960, à luz das alterações introduzidas pelo DL 122/2002 de 4 de maio e DL 47/2008 de 13 de março.
Determina o art.º 18.º que, em consequência da morte do titular de um certificado de aforro, dentro do prazo de 10 anos, os seus herdeiros podem requerer a transmissão da totalidade das unidades que o constituem ou o seu reembolso, pelo valor que o mesmo tenha à data em que o reembolso seja autorizado.
Por sua vez, dispõe o art.º 19.º que, findo o aludido prazo de 10 anos, os valores representados pelos respetivos certificados de aforro, se consideram prescritos a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública (FRDP). Determina, também, este preceito a aplicabilidade ao caso das demais disposições vigentes referentes ao instituto da prescrição.
No que se reporta aos certificados de aforro emitidos sob a série B, a que se reportam os presentes autos, os mesmos foram criados através do DL 172-B/86, de 30 de junho (Regime Jurídico dos Certificados de Aforro da Série B) e adaptados como parte de um dos «objetivos fundamentais da política económica e financeira do Governo» que consistia no estímulo à poupança, especialmente em relação ao aforro privado.
Releva, no caso vertente, o disposto no art.º 7.º do Regime Jurídico dos Certificados de Aforro da Série B, com as alterações introduzidas pelo DL 122/2002, de 04 de maio e pelo DL 47/2008, de 13 de março que é idêntico ao já referido a propósito da série A, ou seja, por morte do titular de um certificado de aforro, nasce na esfera jurídica dos seus herdeiros o direito de requerer, no prazo de 10 anos, a transmissão da totalidade das unidades que o constituem ou o respetivo reembolso, pelo valor que o certificado tenha à data da autorização do mesmo. Determina, também, que findo aquele prazo o valor correspondente aos certificados se considera prescrito a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública (FRDP), «sendo no entanto, aplicáveis ao caso as demais disposições em vigor relativas à prescrição».
Conforme determinado pelo art.º 10.º, n.º 3 do DL 122/2002, de 4 de maio, com as alterações introduzidas pelo já referido DL 47/2008, de 13 de março, o controlo da titularidade dos certificados de aforro, bem como dos prazos de prescrição, da sua transmissão ou reembolso por morte do titular, compete ao IGCP, ora réu.
Antes das alterações a estes regimes, operadas em 2008, dispunham os mesmos artigos que o prazo de prescrição aplicável era de 5 anos e não de 10, tendo-se, portanto, verificado um alargamento do prazo prescricional considerado aplicável ao caso vertente.
A questão essencial para a decisão do presente litígio reside na determinação do termo inicial de contagem desse prazo, actualmente de 10 anos: desde a data do óbito do aforrista ou desde a data do conhecimento que o herdeiro teve da existência dos certificados?
Para o efeito, é necessário apreciar os termos da remissão para «as demais disposições em vigor relativas à prescrição» no sentido de apurar se o conhecimento da existência dos certificados de aforro tem influência no início da contagem do prazo de prescrição ou se, por outro lado, basta o conhecimento do falecimento do aforrista.
Nos termos do disposto no art.º 306º, nº1, do Código Civil, «O prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo de prescrição.»
A propósito do início do prazo de prescrição afirma Menezes Cordeiro[1], o seguinte: «(1) Pelo sistema objetivo, o prazo começa a correr logo que o direito possa ser exercido ou melhor [296º e 297º, b)]: no dia seguinte, já que o próprio dia não se conta. E isso independentemente de o titular ter conhecimento da sua existência ou dispor de meios para o exercer. Este sistema era tradicional. As injustiças a que pode dar azo são compensadas pelo facto de comportar prazos longos e de jogar como o sub - instituto da suspensão da prescrição.
(2)Pelo sistema subjetivo, o prazo prescricional só se inicia quando o credor tenha conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito. Postula, em regra, prazos curtos. (3).– O Código Civil optou, como regra, pelo sistema objetivo: 306º/1. (…) Todavia, nos artigos 482º (prescrição do direito à restituição do enriquecimento) e 498º (prescrição do direito à indemnização), adota-se o sistema subjetivo: a prescrição só se inicia a contar do momento em que o credor tenha conhecimento do direito que lhe compete e (no caso do enriquecimento) da pessoa do responsável.»
Em parecer elaborado a propósito desta questão, votado em 14.4.2011, o Conselho Consultivo da PGR concluiu que: «O prazo de dez anos, estabelecido no artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 172-B/86, de 30 de Junho, para os herdeiros do titular de certificados de aforro requererem a transmissão da totalidade das unidades que os constituem ou o respetivo reembolso, sob pena de prescrição a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública, prevista no n.º 2 da mesma disposição, deve contar-se a partir da data do falecimento do titular aforrador, em conformidade com a regra acolhida no artigo 306.º, n.º 1 – 1.ª parte, do Código Civil[2]
Contudo, a esta posição que é a defendida nas alegações do presente recurso pelo Apelante, contrapõe-se uma outra que corresponde àquela que é defendida na sentença recorrida, no sentido de que o início do prazo de prescrição só ocorre a partir do momento em que os herdeiros têm conhecimento de que o de cujus era titular de certificados de aforro.
Neste sentido decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-11-2005[3], afirmando:
«I- Fundamento específico da prescrição é a negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período legalmente estabelecido, a qual faz presumir ou a renúncia ao direito ou, pelo menos, torna aquele indigno de proteção jurídica, a inércia negligente.
II- Ninguém pode exercer um direito que não conhece ter, que não sabe que lhe assiste. Se o desconhece e o prazo se escoou não se pode verdadeiramente falar de inércia (há apenas decurso dum lapso de tempo) e, menos ainda, de negligência, sendo que pela prescrição se sanciona a inércia negligente do titular do direito.
III-
Não pode dizer-se que haja negligência da parte do titular dum direito em exercitá-lo enquanto ele o não pode fazer valer por causas objetivas, isto é, inerentes à condição do mesmo direito e na hipótese de o direito já ser exercitável, só pode ser impedido por motivos excecionais, que são as causas suspensivas da prescrição.
IV-
As expressões «conhecimento do direito que lhe compete» (CC 482 e 498-1) e ‘poder o direito ser exercido’ (CC 306-1) traduzem o mesmo princípio que informa o instituto da prescrição, que aí se afasta do da caducidade.
V- Dispondo o art.º 7 do dec-lei 172-B/86, de 30.06 que ‘por morte do titular de um certificado de aforro, poderão os herdeiros requerer, dentro do prazo de cinco anos, a transmissão da totalidade das unidades que o constituem ... (nº1) e que ‘findo o prazo a que se refere o número anterior, consideram-se prescritos a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública os valores de reembolso dos respetivos certificados, sendo, no entanto, aplicáveis as demais disposições em vigor relativas à prescrição’ (nº 2), a contagem do prazo prescricional só se inicia com o conhecimento da morte do titular (facto neutro) e de que ele era titular de certificados de aforro.»[4]
Mais recentemente o Supremo Tribunal de Justiça decidiu no mesmo sentido, por acórdão de 08-01-2019[5]:
«I - A prescrição assenta no desvalor da inércia do titular de um direito no seu exercício e implica a afetação da sua eficácia; porém, o curso do prazo de prescrição apenas se pode iniciar quando o titular do direito esteja em condições de o exercer.
II -
O prazo de 10 anos a que aludia o n.º 1 do art. 7.º do DL n.º 122/2003, de 04-05, inicia o seu decurso no momento em que o herdeiro teve conhecimento do decesso do titular dos certificados de aforro e da existência destes, porquanto só então aquele está em condições de exercer o direito ali previsto.
III -
Demonstrando-se que a recorrida apenas teve conhecimento de que a sua falecida mãe era titular de certificados de aforro em 01-05-2015 e que, em 11-06-2015, requereu ao recorrente o seu reembolso, é de concluir pela improcedência da exceção perentória da prescrição, tanto mais que inexistia, à data do óbito, o Registo Central de Certificados de Aforro e que, em todo o caso, não impende sobre o cabeça de casal o dever de indagar, junto do IGCP, sobre a titularidade de certificados de aforro.»[6]
Também neste sentido, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa em acórdão datado de 14-09-2017[7]:
“É de prescrição o prazo estabelecido, relativamente ao resgate dos certificados de aforro, no artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 122/2002, de 4 de maio.
–Não tendo os herdeiros acesso à existência, localização e titularidade dos investimentos financeiros de pessoa falecida, não pode iniciar-se o prazo de prescrição nos termos do artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil.”
No caso tratado no supra citado acórdão, o óbito da aforrista ocorrera em 2002 e o conhecimento por parte da sua herdeira da existência dos certificados de aforro apenas ocorreu em 2014, ou seja, o caso apresenta contornos muito semelhantes relativamente ao caso que ora nos ocupa.
Tal como a sentença recorrida, sufragamos este segundo entendimento e que tem sido aquele que tem orientado a Jurisprudência do STJ.[8]
Desde logo e como resulta do acórdão do STJ de 08-01-2019, “ao cabeça de casal não está imposta, em qualquer disposição legal, a obrigatoriedade de diligenciar, antes de apresentar a relação de bens nas Finanças, junto do IGCP, para saber da eventual existência de certificados de aforro, nem o facto de não diligenciar se pode considerar como comportamento negligente”.
Por outro lado, como se refere no voto de vencido de Paulo Dá Mesquita, anexo ao Parecer do Conselho Consultivo da PGR, supra mencionado:
«Como se destacou nesse aresto [Acórdão do Tribunal Constitucional nº 541/04], (…) «os certificados de aforro conferem direitos patrimoniais aos respetivos titulares, consubstanciando a aplicação de “poupança(s) das famílias” integrados no quadro de emissão e gestão da dívida pública, mas não evidenciam, por esse facto, qualquer especificidade relativamente aos demais bens que constituem o património dos sujeitos no que se refere ao aspeto do regime agora em questão, isto é, à transmissão de tais bens por morte do respetivo titular. Assim, não se divisa nenhuma razão, decorrente da natureza dos certificados de aforro, que legitime o diferente tratamento relativamente ao prazo geral de caducidade do direito de aceitar a herança». Na verdade, tendo em conta o disposto no art.º 2059.º n.º1 do Código Civil, se entendêssemos que o prazo de dez anos de prescrição dos certificados de aforro se deveria contar a partir do momento da morte do titular, poderia acontecer que essa prescrição ocorresse antes de decorrido o prazo de aceitação da herança previsto naquele artigo.
Assim, justifica-se inteiramente o argumento utilizado segundo o qual a interpretação sistemática das normas em causa aponta igualmente para a posição que vimos defendendo.[9]
Não podemos assim acompanhar o entendimento do Apelante ao referir que as normas do processo civil se aplicam apenas em caso de integração das lacunas, sendo de aplicar o regime geral da prescrição apenas naquilo que não esteja particularmente disciplinado na legislação especial dedicada aos certificados de aforro. A legislação relativa aos certificados de aforro, tal como qualquer outra legislação no âmbito do direito civil não pode ser interpretada e aplicada desconsiderando a sua inserção sistemática à luz dos princípios gerais do direito civil.
Por fim, tal como se refere naquele acórdão do TRL “ a interpretação que propugnamos, na senda da maioria da jurisprudência, é a que garante uma concordância prática de acordo com o princípio da proporcionalidade, entre os interesses dos herdeiros do titular dos certificados de aforro e a Apelante. Na verdade, sancionando o instituto da prescrição a inércia do titular do direito, só se pode falar de inércia perante uma realidade conhecida e não perante o desconhecido: não se reage a uma realidade desconhecida. Só se reage perante a aquisição do conhecimento dos pressupostos do direito a exercer”.
Improcedem, pois, as conclusões de recurso.

IV-DECISÃO
Face ao exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o recurso e, por consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.

Lisboa, 22 de fevereiro de 2024
Maria de Deus Correia
Gabriela Marques
Nuno Lopes Ribeiro
_______________________________________________________
[1] Código Civil Comentado, I – Parte Geral, Almedina, 2020, p. 887.
[2] Porém ,com voto de vencido de Paulo Dá Mesquita.
[3]  P. 05A3169, disponível em www.dgsi.pt
[4] Negrito nosso.
[5] Processo 25635/15.3T8LSB.L1.S2, disponível em www.dgsi.pt.
[6] Negrito nosso.
[7] Processo n.º16519/15.6T8LSB, disponível em www.dgsi.pt
[8] Foi também esse o entendimento que seguimos em acórdão proferido em 23-06-2022, Processo 17082/21.4T8LSB.L1-6, disponível em www.dgsi.pt e que seguimos de perto .
[9] Neste sentido, também decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-07-2020, Processo 5354/18.0T8LSB-7, disponível em www.dgsi.pt