Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | RUTE SOBRAL | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO REJEIÇÃO ARRENDAMENTO OBRAS NECESSÁRIAS INUNDAÇÃO GOZO DA COISA LOCADA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/07/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | (elaborado nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, CPC): I – Visando as apelantes a alteração de concreto ponto da matéria de facto insuscetível de produzir qualquer impacto na apreciação do mérito da causa, deve ser rejeitada a reapreciação da matéria de facto, sob pena de prática de ato inútil, a qual está legalmente vedada – artigo 137º, CPC. II – As circunstâncias de o locado ser de construção antiga e de ser reduzida a renda paga não eximem o senhorio da obrigação de realizar as obras de reparação necessárias para que o locado, no mínimo, readquira as condições de habitabilidade pressupostas no momento em que o contrato foi celebrado. III – Em caso de inundação grave na fração locada, decorrente de intervenção no telhado do edifício levada a cabo pelo senhorio em pleno mês de dezembro, sem que fosse diligenciado por proteção que impedisse a entrada de água, existe violação contratual, por não ter sido assegurado o gozo da fração para o fim a que se destina. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo: I - RELATÓRIO 1.1 – N., identificado nos autos, instaurou a presente ação declarativa comum contra T. e R., igualmente identificadas nos autos, pedindo a condenação das rés no pagamento das seguintes quantias, acrescidas de juros à taxa legal: - € 1.440,00 (mil quatrocentos e quarenta euros) a título de rendas que tem estado a pagar, vendo-se privado do gozo da coisa locada para o fim a que se destina; - € 2.532,57 (dois mil quinhentos e trinta e dois euros e cinquenta e sete cêntimos), atinente ao valor de bens do autor que ficaram destruídos em consequência de inundação na fração onde habita; - € 500,00 (quinhentos euros) por total incumprimento do disposto no Decreto-Lei n.º 157/2006 de 08 de agosto, mais concretamente do consignado nos artigos 2º, 3º e seguintes (inexistência de comunicação prévia de realização de obras e realojamento); - montante não inferior a € 2.000,00 (dois mil euros) a título de indemnização pela forçada reocupação do locado por parte do autor, bem como danos morais, por se ver a residir em locado sem quaisquer condições de habitabilidade. Fundamentando tais pretensões, invoca o autor ter celebrado com as rés em 01-03-2019 contrato de arrendamento habitacional. Sucede que no dia 20-12-2019, encontrando-se a decorrer obras no edifício em questão, sem qualquer proteção no telhado, ocorreram infiltrações graves na fração arrendada ao autor, que lhe causaram inúmeros prejuízos que pretende ver ressarcidos por via da presente ação. 1.2 - As rés contestaram a ação, pugnando pela sua improcedência, defendendo-se por exceção e por impugnação, confirmando a celebração do contrato de arrendamento invocado pelo autor, alegando que este conhecia o estado de conservação da fração locada quando o mesmo foi celebrado, considerando ser abusiva e de má fé a pretensão deduzida nos autos. Mais alegaram que em 20-12-2019 estavam a decorrer obras de conservação da fachada do edifício onde se integra a fração arrendada, sem qualquer intervenção ao nível do telhado, e que, por força de anormal intempérie, ali ocorreram infiltrações que determinaram que o autor tivesse passado três noites num Hostel que as contestantes pagaram, não tendo ocorrido quaisquer outros danos. 1.3 – O autor apresentou resposta à contestação, reiterando que as infiltrações na fração locada se deveram quer à débil condição do telhado do edifício, quer à falta de proteção do mesmo no decurso das obras que ali estavam a ser executadas. Concluiu reiterando os pedidos deduzidos na petição inicial, considerando ainda que as rés, ao alterarem a verdade dos factos, litigam com má fé, impondo-se a respetiva condenação em indemnização e multa. 2 - Realizada audiência prévia, atenta a simplicidade da causa, dispensou-se a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas de prova. 3 – Foi realizada audiência de julgamento, com produção de prova e proferida sentença que julgou a ação – parcialmente - procedente, constando do seu dispositivo o seguinte: “1 - condeno as rés, no pagamento ao autor, do montante de € 780,00 (setecentos e oitenta euros) a título de restituição de rendas pagas, mas não devidas integralmente, desde dezembro de 2019 a dezembro de 2020, dada a privação total do pleno gozo e fruição do locado, por trinta dias e a diminuição do gozo do locado, no remanescente, e 2 - no pagamento ao autor, do montante de € 2.259,99 (dois mil duzentos e cinquenta e nove euros e noventa e nove cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, correspondentes aos bens que ficaram destruídos ou inutilizados, 3 - e ainda, no pagamento ao autor, de montante de € 2.000,00 (dois mil euros), a título de indemnização por danos morais causados, 4 - por fim, serem as rés condenadas no pagamento ao autor, das referidas quantias, acrescidas dos respetivos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa supletiva legal, desde a citação das rés, e até efetivo e integral pagamento; 5 - no mais, absolvo as rés do peticionado e do pedido de condenação, como litigantes de má fé.” 4 - Não se conformando com a decisão proferida, as rés da mesma interpuseram recurso, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que, julgando a ação improcedente, as absolva do pedido, terminando as suas alegações com a seguintes conclusões, que se transcrevem: “A - O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo tribunal a quo que julgou a ação intentada pelo A., ora recorrido, parcialmente procedente, tendo condenado as RR., aqui recorrentes, no pagamento da quantia de € 5.039,99 (cinco mil e trinta e nove euros e noventa e nove cêntimos). B - Resumidamente, o A., aqui recorrido, intentou ação declarativa de condenação com forma comum contra as RR., ora recorrentes, sustentando que estas, na qualidade de suas senhorias, não realizaram as obras necessárias à manutenção do estado de conservação do prédio onde se situa o Locado, o que determinou que, a par da falta de proteção do telhado, se tivesse verificado uma infiltração no Locado em 20.12.2019, que danificou diversos bens daquele, peticionando o pagamento da quantia de € 1.440,00 (mil, quatrocentos e quarenta euros) a título de rendas pagas, por alegada privação do gozo da coisa locada para o fim a que se destina; € 2.532,57 (dois mil, quinhentos e trinta e dois euros e cinquenta e sete cêntimos), referente aos bens que ficaram destruídos; € 500,00 (quinhentos euros) pela inexistência de comunicação prévia de realização de obras e realojamento; e € 2.000,00 (dois mil euros) a título de indemnização pela forçada reocupação do locado e por danos morais. C - Em sede de contestação, pugnaram as RR., ora recorrentes, pela improcedência da ação, em virtude de o recorrido ter perfeito conhecimento do estado do locado aquando da celebração do contrato de arrendamento, meros meses antes da infiltração aqui em causa, o que foi determinante para o reduzido valor de renda que foi acordado, precisamente porque foi o arrendatário quem ficou adstrito à realização das obras de conservação e manutenção do locado e, bem assim, alegaram ainda as apelantes que não são responsáveis pelas infiltrações, relacionadas com as condições meteorológicas excecionais que se verificaram. D - Decidiu o Tribunal a quo dar provimento parcial à presente ação, condenando as ora recorrentes ao pagamento da quantia de € 780,00 (setecentos e oitenta euros), a título de restituição de rendas pagas, desde dezembro de 2019 a dezembro de 2020, pela privação total do pleno gozo e fruição do locado por 30 dias e pela diminuição do gozo do locado no período remanescente; € 2.259,99 (dois mil, duzentos e cinquenta e nove euros e noventa e nove cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, correspondente aos bens que ficaram destruídos ou inutilizados; e € 2.000,00 (dois mil euros) por danos morais. E - No entanto, a decisão proferida, e ora em crise, é, acima de tudo, profundamente injusta e atenta contra o mais lídimo sentimento de justiça! F - Desde logo, e porque resultou da prova produzida que os bens em causa ficaram molhados, mas continuam funcionais e em utilização, cumpre precisar o Facto que foi dado como provado no Ponto 6, que deve ser alterado para: 6. Na sequência da infiltração em causa, diversos bens do Autor ficaram molhados, mas posteriormente continuaram a ser utilizados e cumprir o fim a que se destinam. G - E isto, a primeira testemunha referiu com meridiana clareza que, do que visualizou, havia água no locado e que, em concreto, o braço do sofá estava molhado, nada mais tendo conseguido atestar ou garantir relativamente a qualquer outro bem. (Depoimento de M., 04.04.2022, minutos 20:40 a 21:04). H - Já a segunda testemunha corroborou que o sofá do recorrido estava molhado, mas não se consegue pronunciar em primeira pessoa sobre nenhum outro bem, uma vez que não verificou em primeira pessoa a existência dos efetivos danos alegados. Pese embora não vá a casa do recorrido. há bastante tempo, sabe que o sofá continua a ser utilizado, pese embora tenha ficado com manchas. (Depoimento de N., 04.04.2022, minutos 33:05 a 34:18) I - Também o recorrido indicou, em sede de audiência de discussão e julgamento, que o colchão do quarto da filha, ainda hoje em utilização, ficou manchado, que o sofá ficou manchado e que faz ruídos, mas que o continua a utilizar, que o frigorifico se estragou – sendo que tal dano não foi alegado e nenhum valor a este propósito foi peticionado -, bem como a máquina de lavar a roupa, mais referindo que teve de adquirir outra – contudo, o recorrido não logrou juntar o comprovativo da aquisição de que se arroga, nem tampouco apresentou qualquer testemunha que corroborasse tal aquisição. (Depoimento de N., 12.09.2022, minutos 24:56 a 29:00) J - Aliás, e conforme resulta do registo fotográfico de 3 de janeiro (Cfr. Doc. n.º 5 junto com a Contestação), não impugnado, alcança-se que, poucos dias após a infiltração aqui em causa, o A. utilizou efetivamente a máquina de lavar a roupa no locado, onde estendeu a respetiva roupa para secar, sendo que, alegadamente, esta estaria avariada. K - No que contende com o facto provado n.º 7, não se aceita como justo nem adequado, considerando até o valor de mercado atual e a condição sócio económica do recorrido, o valor aí indicado pelo Tribunal a quo L - Assim, o facto provado n.º 7 deve ser alterado em conformidade para: 7. O valor de aquisição dos bens que o A. alega terem ficado destruídos, nomeadamente o colchão da cama de casal, o colchão da cama de solteiro do quarto da filha, o sofá, cama do animal de estimação e máquina de lavar a roupa, é computado em € 1.559,00. M - No Ponto 9., e salvo o devido respeito, importa concluir que o Tribunal a quo também fez uma má valoração da prova produzida ao considerar como provado que, em 19/20 de dezembro de 2019, decorriam obras visando a reabilitação do prédio em causa, a mando das Rés, quer ao nível do telhado, quer da estrutura, para além da pintura de fachada. N - Na verdade, a testemunha A., que à data do julgamento já não trabalhava para as Recorrentes, mas que em dezembro de 2019 realizava trabalhos no prédio a mando das Recorrentes, esclareceu o Tribunal que apenas trabalhava com mais uma pessoa, tendo esclarecido que os trabalhos que fez à data se cingiram à pintura e reparação de fissuras na fachada. (Depoimento de A., 04.04.2022, minutos 01:01 a 2:46) (Depoimento de A., 04.04.2022, minutos 05:10 a 06:21). O - O exposto é corroborado pela testemunha M., que referiu ter visto massa na caixa de correio, o que não é compatível com trabalhos no telhado, nem tampouco com trabalhos na estrutura do prédio, mas antes com reparação de fissuras na fachada. (Depoimento de M. 04.04.2022, minutos 02:38 a 03:02) P - Ainda, a testemunha N., amiga de longa data do Recorrido e sua testemunha, refere que conhecia os arrendatários do R/C, que exploravam a “…” e que eram eles quem aí realizavam obras. (Depoimento de N., 04.04.2022, minutos 39:08 a 39:44 Q - Facto que, aliás, também foi corroborada pelo Autor no depoimento prestado, que confirmou que quem efetuava os trabalhos do R/C não eram os empregados das Recorrentes. (Depoimento de N., 12.09.2022, minutos 08:34 a 09:11). R - Na verdade, a única testemunha que referiu a existência de obras na estrutura do prédio à data dos factos foi o Eng. J., não por ter verificado as mesmas, mas porque no R/C do prédio estavam materiais de construção, designadamente argamassa, betão e alvenaria. (Depoimento de J., 04.04.2022, minutos 20:35 a 21:40). S - Mas, da globalidade da prova produzida, resulta claro e evidente que esses equipamentos não eram das recorrentes, mas sim da arrendatária do R/C, que aí executava obras que não contendiam com a estrutura do prédio. T - Já a terceira testemunha afirmou estarem a decorrer obras no prédio porquanto lho disseram, sendo que não conseguiu, em primeira pessoa, verificar a existência das mesmas. (Depoimento de J., 04.04.2022, minutos 19:07 a 20:10). U - Ao invés, a testemunha A., que executava os trabalhos no prédio a mando das Recorrentes, confirma que efetivamente as únicas obras em curso eram de reabilitação da fachada e não que havia quaisquer trabalhos no telhado. (Depoimento de A., 04.04.2022, minutos 05:10 a 06:21). V - Factualidade, aliás, também confirmada pela testemunha J., que, conforme se demonstrará, conhecia a situação do prédio à data dos factos em causa. (Depoimento de J., 12.09.2022, minutos 02:40 a 03:42 X - Assim, da análise objetiva da prova produzida em audiência e carreada para os Autos, impõe-se eliminar o facto provado n.º 9 e, ao invés, dar como provados os factos que constam das alíneas i) e j) dos Factos Não Provados. Z - A testemunha J., que, conforme supra exposto, merece mais credibilidade que a que foi atribuída pelo tribunal, esclareceu que, a pedido das Recorrentes, a lona que estava sobre os andaimes foi retirada antes da tempestade e que foi guardada dentro do imóvel no qual realizada obras, e não no telhado. (Depoimento de J., 12.09.2022, minutos 04:15 a 04:37). AA - Assim, deve o facto provado n.º 12 ser, também, alterado da seguinte forma: 12. A lona foi colocada no interior do prédio. BB - Salvo o devido respeito por melhor entendimento, mas também o facto provado n.º 24. colide com a prova testemunhal produzida e não tem respaldo em nenhum elemento junto aos autos. CC - Pois, de forma não inconsequentemente, as segunda e terceiras testemunhas, amigas do Recorrido, curiosamente deixaram de frequentar a casa deste, pelo que desconhecem o estado atual da mesma. (Depoimento de N., 04.04.2022, minutos 32:15 a 33:22) (Depoimento de M., 04.04.2022, minutos 17:00 a 18:23:). DD - Mas, a testemunha V., que esteve no locado em novembro de 2020 (Cfr. Doc. n.º 7 junto com a Contestação), afirmou e confirmou que o mesmo não se encontra, de todo, no mau estado que surge no indicado registo fotográfico. EE - Assim, o ponto 24. dos factos provados deve, sem mais, ser eliminado e passar a integrar os factos não provados; FF - Ainda, é incontroverso que o Autor, desde sempre, residiu com o seu avô no Locado– 1.º andar do prédio das recorrentes. GG - Tal resulta, para além do depoimento das recorrentes, das declarações prestadas pela testemunha M., que referiu conhecer o recorrido há 10 anos e que, desde pelo menos essa altura, este sempre residiu no mesmo local, aqui o locado. (Depoimento de M., 04.04.2022, minutos 14:30 a 15:10). HH - E, também, tal circunstância foi assertivamente confessada pelo próprio recorrido, que referiu ao tribunal que reside no primeiro andar do prédio em causa, que arrendou em 2019, desde que nasceu. (Depoimento de N., 12.09.2022, minutos 32:00 a 32:28) II - Assim, deve ser eliminada a al. d) dos factos não provados e deve ser aditado aos factos provados o seguinte ponto: 28. O autor conhecia perfeitamente o estado de conservação do 1º andar que arrendou, bem como do prédio, onde este se insere, por sempre aí ter residido. Isto posto, JJ - Conforme resulta da factualidade concreta e objetivamente apurada, o recorrido arrendou o 1.º andar do prédio das recorrentes em 2019, onde anteriormente residia com o seu avô, por € 120,00 mensais – valor consideravelmente inferior ao valor de mercado -, e, portanto, com total, perfeito e consciente conhecimento do estado de conservação do locado e do prédio onde este insere. KK - Não se concebe, portanto, como é que o recorrido, nove meses depois de ter decidido contratar, pode, em plena consciência, vir invocar em sede judicial que a ausência de obras de conservação e manutenção no prédio das recorrentes determinou a existência de infiltrações no locado. LL - Tal circunstância obsta, então, à fundamentação da decisão no que respeita à aplicação de direito, e isto porquanto na própria fundamentação da sentença se lê que competia às senhorias, aqui recorrentes, ter realizado as obras necessárias para evitar os danos que se verificaram e decorrentes de uma infiltração no locado na sequência de uma forte tempestade. Resultado esse, que, ademais, não se antevia e que foi fruto de circunstâncias excecionais: Desconsidera o tribunal a quo, também, que a conservação do locado estava a cargo do recorrido, razão pela qual pagava uma renda sem expressão económica. MM - Atento o exposto, e assente que a infiltração aqui em causa contendeu com uma forte tempestade, não se antevê qual o incumprimento das recorridas, nem tampouco qual a origem da obrigação de indemnizar o recorrido pelos alegados danos resultantes da referida infiltração. NN – Sem prescindir, também mal andou o tribunal a quo ao sustentar a violação, por parte das recorrentes, da obrigação de realojar o arrendatário em virtude da circunstância que se verificou, pois, considerando a relação locatícia entre recorrentes e recorrido, com meros 9 meses, a mesma não tem qualquer respaldo na legislação aplicável. Sem conceder, OO - Caso assim não se entenda, também não proceder a decisão proferida a propósito da restituição de rendas porquanto ficou demonstrando que pelo menos desde fevereiro de 2020 que o recorrido residia no locado e, portanto, impõe-se concluir que o mesmo estava apto para o fim a que o arrendamento se destinava. PP - Ademais, e de acordo com o atestado, de forma isenta e imparcial, pela testemunha VF, pelo menos em novembro de 2020 o locado estava apto para habitação QQ - Também ao aplicar o art. 1040.º do CC ao caso, o tribunal a quo simplesmente descurou o n.º 2 desse mesmo preceito, que obstava à decisão que emanou. RR - Já no que respeita pretensão do recorrido de obter indemnização referente aos alegados danos patrimoniais, e não descurando o que concretizou acima a propósito dos bens em causa, há que atentar no pedido: B) (…) a pagar ao A. o montante de € 2.532,57 (dois mil, quinhentos e trinta e dois euros e cinquenta e sete cêntimos), atinente ao valor dos bens que ficaram destruídos. SS - Ora, o pedido de compensação pela destruição dos bens implica, necessariamente, concluir que o recorrido peticionou uma compensação pelos bens que ficaram inutilizados. TT - No entanto, o recorrido não provou, objetivamente, que os bens por si indicados ficaram efetivamente destruídos. Pelo contrário, confessou que ainda os utiliza, pelo menos o sofá e o colchão da cama, não podendo também aqui merecer acolhimento a pretensão do recorrido. UU - Por último, e face a tudo quando alegado, ainda que se considere ter existido incumprimento das recorrentes, o que apenas por mera hipótese de raciocínio se expõe, sempre o valor de € 2.000,00 (dois mil euros) a que foram condenadas a titulo de indemnização por danos não patrimoniais é manifestamente exagerado e desproporcional, considerando inclusivamente a iniquidade do valor da renda paga pelo recorrido. VV - Não podendo, nem por esta via, proceder a ação, como procedeu, pelo que se impõe a revogação da sentença”. 5. O réu não apresentou contra-alegações. 6. Foi admitido o recurso, como apelação, com subida imediata e nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. 7. Remetidos os autos a este tribunal em 26-01-2024, inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO A – QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso pelo tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do disposto nos artigos 608, nº 2, parte final, ex vi artigo 663º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, CPC. A.1 - Consequentemente, nos presentes autos, as questões a decidir, consistem em saber, no que se reporta à IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO, se: - deve ser alterada a redação atribuída ao facto provado sob o nº 6, por forma a que, ao invés de se considerar que foram produzidos vários danos nos bens do autor, fique exarado que diversos bens do autor ficaram molhados mas que posteriormente continuaram a ser utilizados e a cumprir o fim a que se destinam; - alteração do facto provado sob o nº 7 da sentença, por forma a que se considere computado em € 1.559,00 o valor de aquisição dos bens que o autor alega terem ficado destruídos (colchão da cama de casal, o colchão da cama de solteiro do quarto da filha, o sofá, cama do animal de estimação e máquina de lavar a roupa); - alteração do facto provado sob o nº 9, por forma a que do mesmo passe a constar que, na data do evento em casa, por iniciativa das rés, apenas decorriam obras de pintura da fachada do edifício; - alteração do facto provado sob o nº 12, por forma a que seja suprimido que “Nem foi diligenciada qualquer proteção acrescida à lona, colocada no telhado do prédio” e exarado que a lona foi guardada no interior do prédio; - inclusão nos factos não provados do que consta do elenco dos provados sob o nº 24: “Atualmente, o Autor permanece no locado, nas mesmas condições em que este se encontrava, à data dos factos” deve transitar para os factos não provados; - inclusão nos factos provados do que consta do elenco dos não provados sob a alínea d) com a seguinte redação: “O autor conhecia perfeitamente o estado de conservação do 1º andar que arrendou, bem como do prédio, onde este se insere, por sempre aí ter residido”. A.2 – No âmbito da apreciação do mérito do recurso, constituem questões a decidir as seguintes: - Saber se o diminuto valor da renda paga pelo autor desobrigava as rés/senhorias de executar as obras necessárias à conservação do locado. - Definir se inexistiu qualquer incumprimento contratual por parte das recorrentes que origine uma obrigação indemnizatória, dado que a infiltração foi originada por uma forte tempestade. - Apurar se as senhorias incorriam na obrigação de realojamento do arrendatário dado estar em causa uma relação locatícia que se estabelecera há menos de 9 meses. - Apurar se deve ser revogada a decisão no que se reporta à condenação do montante de € 780,00 a título de rendas pagas pelo autor; - Se o montante de € 2000,00 fixado para compensação dos danos não patrimoniais é excessivo. B – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO B.1 – Foram os seguintes os factos que a decisão de primeira instância considerou provados: 1. A herança aberta por óbito de A., NIF…, representada por R., na qualidade de cabeça de casal, é dona e legítima proprietária do prédio urbano, em regime de propriedade total, composto de rés-do-chão, que serve de armazém e de 1º andar destinado a habitação, sito na Rua A., n.º (…), em Vila Fraca de Xira, inscrito na matriz predial urbana, sob o artigo (…), da freguesia e concelho de Vila Fraca de Xira e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, sob o número (…), conforme doc. 1 junto com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido 2. Por escrito datado de 8 de março de 2019, as rés, na qualidade de cabeça de casal e interessada, na herança identificada em 1), declararam ceder o gozo e a fruição do 1º andar do prédio acima descrito, destinado à habitação própria e permanente do autor, com a duração de 2 (dois) anos, e início em 1 de março de 2019 e termo em 28 de fevereiro de 2021, renovando-se por períodos de 1 (um) ano, mediante a contrapartida monetária mensal de € 120,00 (cento e vinte euros), a pagar no 1º dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito, conforme cláusula terceira do escrito, conforme doc. 1 junto com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 3. O prédio em causa é anterior a 1951; 4. Sucede que na madrugada do dia 20 de dezembro de 2019, a hora não concretamente apurada, quando o autor regressava a casa provindo do trabalho, fazia-se sentir forte precipitação e vento; 5. Quando entrou no locado, apercebeu-se de infiltrações no seu interior, nomeadamente água no hall e na cozinha, pelas paredes e junto às aduelas das janelas, até ao chão, 6. O que causou vários danos em variados bens de recheio pertença do autor, 7. De entre os quais, o colchão da cama de casal, o colchão da cama de solteiro do quarto da filha, o sofá, cama do animal de estimação e a máquina de lavar roupa, valores computados em montante não inferior a € 2.259,99, 8. Nessa noite e madrugada, fora divulgado nos meios de comunicação social um “alerta amarelo” para todo o território nacional; 9. E à data (19/20 de dezembro de 2019) decorriam obras visando a reabilitação do Prédio supra identificado, a mando das rés, quer ao nível do telhado, quer da estrutura, para além da pintura de fachada; 10. Para acautelar o referido em 8), as rés mandaram retirar os tapumes ou lonas, que envolviam os andaimes, colocados na fachada frontal do referido prédio; 11. Mas não foram mandados retirar, nem foram retirados, os ditos andaimes; 12. Nem foi diligenciada qualquer proteção acrescida à lona, colocada no telhado do prédio; 13. Nessa madrugada, foram chamados ao local, em virtude do referido em 3) e ss., várias autoridades, desde os Bombeiros, à PSP e à Proteção Civil; 14. O autor foi contactado pelos Serviços da Proteção Civil e pelo Departamento de Habitação e Coesão Social do Município de Vila Franca de Xira, na pessoa dos Sra. Dr.ª A. e Dr. E., os quais lhe comunicaram “a necessidade de pernoitar fora do locado”, pelo estado em que este e o prédio se encontravam; 15. Igualmente informaram-no da realização de ação de fiscalização ao estado de conservação do imóvel, por suspeita do mesmo não se encontrar em conformidade com o regime legal, inviabilizando a permanência do autor no referido 1º andar, até nova informação; 16. Em consequência, o Departamento de Habitação e Coesão Social do Município de Vila Franca de Xira realojou o autor num Hostel, sito em Vila Franca de Xira, ainda nessa madrugada (20 de dezembro, sexta-feira); 17. No dia seguinte, o autor comunicou às rés que nesse Hostel encontrava-se obrigado a partilhar um quarto, com mais pessoas, solicitando-lhes um realojamento; 8. As rés nada responderam; 19. Mediante duas cartas registadas, datadas de 26 de dezembro de 2019, e enviadas às rés, através de mandatária, o autor interpelou-as, além do mais, para procederem à redução do valor da renda, conforme docs. 8 a 11 juntos com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 20. As cartas referidas em 19), foram recebidas pelas rés, sem qualquer resposta; 21. O autor permaneceu no supra referido Hostel, por alguns dias, dividindo um quarto com mais pessoas; 22. O autor viu-se forçado, por não lhe ser dada outra solução, a recorrer ao auxílio de um amigo, passando a permanecer até finais do mês de janeiro de 2020, na casa deste, de nome M.; 23. E continuou a proceder ao pagamento das rendas vencidas às rés, vendo-se compelido a regressar ao locado, no final do mês de janeiro de 2020, por impossibilidade de continuar a permanecer na casa desse amigo; 24. Atualmente, o autor permanece no locado, nas mesmas condições em que este se encontrava à data dos factos; 25. As rés nenhuma quantia pagaram ao autor, por conta do supra referido, desde então e até agora; 26. O referido em 15), deu origem a um relatório datado de 20.12.2019, (sujeito a apreciação superior em 27.12.2019, encaminhado em 30.12.2019 e com novo encaminhamento superior em 10.01.2020), que refere “no seguimento de visita realizada ao local (…), no dia 20 de dezembro de 2019, em colaboração com o Departamento de Habitação e Coesão Social e no sentido de verificar as condições de habitabilidade da fração referente ao 1º andar, importa informar que é possível observar manchas de água no teto e no pavimento, tal como diverso mobiliário molhado ou húmido, resultado de infiltração generalizada proveniente do piso superior do edifício (…) foi também possível verificar que decorrem obras no edifício, ao nível do piso inferior e superior, com alterações à estrutura de estabilidade e que a estrutura de madeira ao nível do teto do piso 0 encontra-se em avançado estado de degradação e podridão, não garantindo a segurança e estabilidade do edifício. (…) face às condições atmosféricas, à elevada probabilidade de se repetirem as infiltrações e principalmente por não estarem garantidas as condições de segurança estrutural, considera-se que o edifício, na sua generalidade, não apresenta condições de habitabilidade. (…)”, sublinhado nosso, conforme doc. 12 junto com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 27. Durante, pelo menos, cinquenta anos, o avô do autor foi arrendatário do inventariado e da sua Herança, referida em 1), quanto ao prédio referido em 1); 28. Tal contrato cessou antes do mês de fevereiro de 2019; 29. O autor era presença assídua no locado arrendado pelo seu avô, e aí pernoitava, pelo que autor e rés se conhecem há já algum tempo; 30. A ré T. dirigiu um pedido de reunião ao Município de Vila Franca de Xira, em 23 de dezembro de 2019, segunda-feira, visando esclarecimento sobre a situação do 1º andar do “seu” prédio, conforme doc. 4 junto com a Contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 31. Mais referiu, no requerimento que dirigiu à Autarquia, que “(…) Friso que nunca fui chamada ao local, nem fui informada telefonicamente. Finalizo que por precaução chamei um Engenheiro Civil, para verificar o prédio dizendo-me que não tinha qualquer perigo, (…)”, sublinhado nosso; 32. Por ofício camarário, datado de 22 de janeiro de 2020, a Ré T., foi notificada, sob o assunto “Execução de Obras sem controlo prévio – Rua A. (…)”, para apresentar projeto de legalização, conforme doc. junto a fls. 80 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 33. Por carta datada de 29 de outubro de 2020, a ré R., através de mandatário, notificou o autor para permitir a deslocação ao locado, em dia e hora, aprazados, conforme doc. 7 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 34. Tal carta foi recebida em 2 de novembro de 2020, pelo autor, que acedeu à pretensão das rés; 35. O autor sentiu-se vexado, com a obrigação de pernoitar em Hostel, em quarto partilhado, e bem assim ter de recorrer ao auxílio de um amigo para ser realojado; 36. Igualmente sofreu e sentiu tristeza, por se tratar de período correspondente à quadra natalícia e assim não poder ficar com a sua filha menor de idade. B.2 – Foram os seguintes os factos que a sentença da primeira instância considerou não provados: a. O avô do autor foi arrendatário do segundo andar do aludido prédio; b. e, tal contrato só cessou, por iniciativa do arrendatário; c. O autor fez obras, no interior desse locado, e na vigência do contrato referido em a), sem o conhecimento ou a autorização do(s) senhorio(s); d. O autor conhecia perfeitamente o estado de conservação do 1º andar que arrendou, bem como do prédio, onde este se insere, em virtude do supra referido em a) a c); e. Aquando da celebração do escrito referido em 2), o autor estava ainda a par, das obras que já se encontravam em curso, designadamente as de “reforço da estrutura do prédio”; f. Apesar de ter mais de cinquenta anos, o prédio em causa, encontrava-se à data dos factos, em bom estado de conservação, g. e sem quaisquer problemas estruturais; h. À data da celebração do escrito referido em 2), o prédio em causa, mantinha simplesmente “um aspeto ligeiramente deteriorado” e só ao nível da sua fachada; i. Em 19 e 20 de dezembro de 2019, não decorriam quaisquer obras no seu telhado ou na sua estrutura (do Prédio), a mando ou por iniciativa das rés e ou de terceiros; j. Os únicos trabalhos que então decorriam, consistiam na “pintura” exterior da fachada do prédio, com andaimes, a pedido das rés; k. Apesar do supra referido nos factos provados, não se verificaram quaisquer infiltrações ao nível do andar superior ao do autor; l. A ré T. foi contactada ainda na madrugada de 20 de dezembro de 2019, pelos Serviços do Município de Vila Franca de Xira m. E estes informaram-na que o seu arrendatário fora realojado, temporariamente, em virtude do sucedido, e que previsivelmente se manteria realojado, por três dias; n. Ainda durante essa noite e madrugada, a ré T. deslocou-se ao locado para aferir da sua situação; o. Em virtude do referido em 30), a ré T. pagou as três noites de alojamento do autor, no Hostel indicado (madrugada de 20 e duas noites subsequentes); p. Após a reunião referida em 30) e 31), a ré T. foi informada pelo Município de Vila Franca de Xira, que o autor poderia regressar ao locado, sem qualquer perigo; q. Na sequência do referido em p), o autor regressou ao locado, em finais de 2019 aí pernoitando, fazendo as suas refeições, a normalidade do seu quotidiano, como estender a roupa no exterior; r. O autor apenas esteve privado do pleno gozo e fruição do locado por três dias; s. As rés informaram verbalmente o autor, em 23 de dezembro de 2019, que mandaram realizar uma vistoria ao locado por um Engenheiro Civil, por elas escolhido, precisamente para garantir a sua segurança, como a do prédio; t. Mas quando esse Engenheiro Civil, o Sr. V., se deslocou ao local arrendado para o indicado fim, ainda me dezembro de 2019, o autor inviabilizou a realização dessa vistoria; u. Negou-lhe o acesso ao locado; v. Além de o expulsar, com maus modos, daquele local; w. Sem prejuízo da insistência das rés, no interregno temporal entre dezembro de 2019 e outubro de 2020, o autor manteve esta postura, e foi só após receber a notificação referida em 33) e 34), assinada por um advogado, acedeu à realização da dita vistoria x. O referido Engenheiro Civil elaborou relatório, na sequência dessa visita, e concluiu pelas condições de habitabilidade, quer do prédio, quer do 1º andar, pois estes não reclamavam qualquer intervenção das rés; y. Não se verificaram quaisquer infiltrações, no prédio ou no andar, em momento anterior, nem em momento posterior, ao do dia supra mencionado; z. A ré T. comprou um colchão de casal ao Autor e dois aquecedores, que lhe ofertou, e este aceitou; B.3 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto A matéria de facto foi objeto de impugnação pelas rés, conforme conclusões já transcritas. B.4 – Motivação do tribunal recorrido O tribunal a quo, no que se reporta aos factos provados, motivou nos seguintes termos a decisão: “Para a formação da convicção do Tribunal, concorreram desde logo o acordo das partes plasmado nos referidos articulados, a par dos documentos carreados para os autos e a saber, por ordem de junção, escrito particular intitulado “contrato de arrendamento não habitacional” incompleto, várias fotografias, duas cartas datadas de 26.12.2019 e registos postais, documento camarário intitulado “informação técnica”, datado de 20.12.2019, cópia de dois recibos, print de site “IKEA”, prints de fotografias, certidão matricial do portal das finanças de 3.05.2021, cópia de talão de multibanco, documento camarário intitulado “comprovativo de entrega de requerimento”, datado de 23.12.2019, e requerimento manuscrito e incompleto, carta registada e datada de 29.10.2020, e comprovativo de entrega postal em 2.11.2020, escrito particular intitulado “contrato de arrendamento não habitacional” completo e assinado, documento camarário intitulado “ação de fiscalização – verificação de obras realizadas”, datado de 8.03.2021, de fls. 77 e ss. e oficio camarário, em resposta ao Tribunal, de fls. 79 e 80, a par do original de várias fotografias, em conjugação com as declarações de parte das rés, principalmente da ré T. que confessou parte da factualidade, nomeadamente que, soube do evento através de um telefonema do arrendatário e não através de funcionários camarários; não admitiu a existência de bens danificados, apesar de referir nos articulados que “os bens estavam humedecidos”, só admitiu ver um colchão do quarto do arrendatário molhado, mas isso “porque estava encostado a uma parede”, e um edredon de um quarto de criança, além da cama de um animal de estimação, este molhado, na cozinha. Admitiu ter recebido a carta de 26 de dezembro de 2019, referindo não se recordar se respondeu. Mais referiu que adquiriu “um aquecedor”, no articulado refere dois, mas não junta qualquer documento comprovativo do que depõe, tratando-se de facto que lhe é favorável e assim, desvalorizado, porque não alicerçado em qualquer outra prova. Já o depoimento de sua irmã, revelou, na medida em que admitiu não ter estado no locado, na noite do evento, e desconhecer a demais factualidade controvertida, pessoalmente, só a partir daquilo que a irmã lhe contou. Relevaram ainda os depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas, e a saber, M., N., J., A., E., V., A., e J., as quais na quase globalidade revelaram isenção e demonstraram credibilidade. A primeira testemunha, amigo do autor, depôs essencialmente sobre o relacionalmente que mantinha e mantem com o autor, dado que à data frequentava a casa deste, referindo o que via acontecer no prédio ainda antes do evento em causa; de relevante, referiu de que forma o autor lhe deu a noticia do que se estava a passar, e o estado anímico do autor “ele só gritava e chorava…”; referiu ainda o que visionou quando nessa madrugada se deslocou ao local, quanto ao mobiliário, e quanto às escorrências de água nas paredes e até ao chão, “estava tudo ensopado”; mais depôs sobre a estadia do autor na sua casa, o tempo que durou e o tipo de relacionamento que, nesse período, o autor pode manter com a filha menor de idade, da qual tinha as Responsabilidades Parentais reguladas, tendo no locado um quarto arranjado para aquela; mais referiu que o autor se deslocava com frequência ao locado, porque tinha que abrir janelas para deixar arejar e para ver como resolviam a situação; esta testemunha admitiu que mesmo antes do evento “a casa não tinha boas condições”, e foi confrontada com as fotografias juntas que tentou identificar, mais esclarecendo que na sala a água escorreu para o lado do sofá e não para o lado da televisão, pelo que só aquele ficou todo molhado A segunda testemunha, amiga do autor, depôs essencialmente sobre o relacionalmente que mantinha e mantem com o autor, referindo que à data frequentava a casa deste, e o que via acontecer no prédio, em termos de obras, até porque inexistia um piso habitado por cima do autor; no R/C havia obras numa …, referindo a testemunha que conhece as pessoas que estavam na …, e obras no telhado que se visionavam da rua, até pelas alterações que introduziam, mexiam nas telhas e em lonas; referiu esta testemunha que chegou a comentar com o autor “porque depois de um verão perfeito estavam a intervir no telhado, naquela altura”. Quanto à demais factualidade, referiu que se deslocou ao prédio e locado na manhã seguinte, depois de um telefonema do autor, que “estava todo exaltado” e aquilo que visionou, sendo perentória em afirmar que “sofá é cinzento e ficou com manchas…”; esta testemunha também foi confrontada com as fotografias juntas aos autos, que identificou; no mais, corroborou a anterior testemunha quanto ao “período de visitas”, regulado, em relação à filha menor de idade, e os graves transtornos que tudo lhe causou; depôs igualmente sobre aquilo que o autor à data referiu quanto ao Hostel. De muito relevante depôs esta testemunha que, no dia 20 de manhã, um Sr. que estava a fazer as obras, foi ao locado e disse ao N. à sua frente que, “puseram um plástico para isolar o telhado e que com o vendaval, a água não tinha como escorrer e teve de se infiltrar…”. A terça testemunha, engenheiro civil de profissão e funcionário camarário, depôs sobre o que visionou quando se deslocou ao prédio e ao locado, referindo que “chovia muito e a habitação estava com muita água, paredes, pavimento, tetos, um 1º andar ensopado, paredes a escorrer água….”; viu ainda mobiliário “desmontado e arrumado ou encostado, mas muita coisa molhada”; esta testemunha foi perentória em afirmar que estavam obras a decorrer, e porque considerou “inabitável” o locado; testemunha foi verificar o R/C e haviam obras a decorrer que implicavam alteração de estrutura do prédio, sendo um edifício da 1ª metade do século, viu “madeira podre, na estrutura, curta e com alguns perfis metálicos para fazer escoramento” Mais referiu que tais trabalhos, são sujeitos a licenciamento, a autorização prévia, porque implicam alteração de estrutura, tem de haver técnico responsável etc... Disse ainda que subiu ao andar superior e colocou a caneta no chão que rolou, pois pavimento não estava nivelado, barrotes fixados na parede, apodreceram e “as casas deixam de trabalhar da mesma maneira”. Mais referiu que não foi à cobertura, que apenas se acedia pelos andaimes, e achou que era inseguro faze-lo assim; mas do que pôde visionar, havia intervenções também na cobertura. De relevante disse, do que visionou “aquelas paredes e pavimentos, pelas suas características, levam muito tempo a secar”. Mais disse que “não é muito de escrever, mas escreveu porque quando saiu de lá, ficou assustado!”. Corroborou o documento que elaborou e assinou, junto aos autos, e disse que transmitiu o que visionou ao Sr. E., departamento responsável pelo encaminhamento seguinte. A quarta testemunha, funcionária da Câmara, à data Diretora do Departamento de Habitação e Coesão Social do Município, referiu que a Proteção Civil se deslocou ao local, na data do evento, de madrugada, porque acionada “por inundação, numa habitação, por um munícipe, sem resposta social naquela noite”; depôs que viu a casa cheia de água, chão molhado, “não estava habitável”; lembra-se que a casa estava devidamente equipada, e lembra-se de haver danos em mobiliário, mas especificamente já não consegue concretizar; explicou os procedimentos adotados e o encaminhamento do processo depois para o seu colega E., mas foi perentória em afirmar que, enquanto acompanhou o processo, as rés não realojaram o autor; do que se recorda, o autor não ficou só uma noite no Hostel, mas sabe que depois na ausência de resposta familiar ou social, ficou na casa de um amigo. A quinta testemunha, funcionário da Câmara, à data no Departamento de Habitação e Coesão Social do Município, referiu que a sua intervenção foi despoletada pela sua chefe, a anterior testemunha, e descreveu os procedimentos que adotou no dia seguinte e nos dias a seguir; admite que era impossível ali pernoitar, e inexistiam condições para o munícipe voltar, mais admitindo que o autor se deslocou varias vezes à camara para obter relatório, mas como constituiu advogado, passou o processo para o advogado da Camara e desconhece o encaminhamento; de relevante, esta testemunha admitiu a realização de reunião com a ré T. e a advogada do município; quanto ao Hostel, não se recorda se “era partilhado”; recorda-se o autor referir que tinha uma filha menor de idade, que não estava a sua guarda, mas que tinha visitas, tendo manifestado preocupação de não poder estar com a filha, até porque se aproximava o Natal; mais referiu que soube que autor foi para casa de um amigo, “até porque o hostel fechava pelo Natal”. A sexta testemunha, engenheiro civil de profissão e amigo das rés e antes disso, dos pais das rés, depôs sobre o que visionou em duas visitas ao local: Esta testemunha descreveu que, numa primeira vez, foi por causa do pavimento térreo, e que nunca contactou diretamente com o autor, mas que quando lhe disse o dia e hora, ele abriu a porta, acha que há um ano (inícios de 2021), não foi à casa ver o estado em si da casa, foi ver “distribuição dos vários comportamentos da casa”, medição da área de cada compartimento, na eventualidade de fazer um projeto de reabilitação de estrutura; mais disse, no dia em que lá foi não havia infiltrações; mais admitiu, que foi chamado pelas rés na sequencia de oficio camarário, “um projeto para o redimensionamento da estrutura”. Esta testemunha depôs sobre os procedimentos adotados pelas rés, quanto ao prédio, mais depondo com relevância que, quando esteve no R/C em maio ou junho de 2020, já existiam prumos metálicos intercalados com estrutura de madeira, para reforço da estrutura de madeira, que apresentava desgaste. A sétima testemunha, ex-funcionário das rés, “faz-tudo”, afirmou que estava a trabalhar na fachada do prédio, a dar um primário e a tapar fissuras, etc., quando se deu o evento; a obra que fez no telhado, foi um ano depois, nessa altura ninguém trabalhava no telhado; eram só dois funcionários o próprio (A.) e o D.; admitiu que retiraram a rede dos andaimes, mas não os andaimes; diz que só visionou o local na segunda-feira, dia 23 e que viu o sofá do autor com água, e bem assim um colchão com água; de relevante, esta testemunha referiu que era a ré T., com quem lidava, e que ao longo de vários anos, era chamado ao prédio para resolver problemas, um deles, a limpeza dos algerozes por causa dos animais mortos e entupimentos; corroborou esta testemunha a ida ao local de fiscais da Câmara, Eng.º J., e que o viu fazer “isso da caneta”, quanto ao nivelamento do piso. A oitava testemunha, e última testemunha, depôs sem qualquer credibilidade, ser vizinho de cima do autor, residir no 2º piso do prédio dos autos, e em dezembro de 2019, já lá estar, com “obras de divisórias de Pladur”; corroborou as obras na fachada, com andaimes, com dois funcionários A. e D., e retirada das redes; de relevante referiu que nunca entrou na casa do autor, e que “ninguém foi à sua casa” – até porque ninguém o mencionou, ninguém. Relevaram ainda as declarações de parte do autor que esclareceu de forma “descritiva e articulada cronologicamente” como se foi apercebendo da gravidade do que se passava nessa madrugada quando regressa a casa; mais esclareceu o encaminhamento que deram, mantendo que era Hostel “partilhado”, ficou nessa madrugada num quarto de 4 pessoas, mas só o autor a dormir, já às 4 e tal da manhã; mais referiu que dia 20, de manhã, foi à casa e estavam os dois funcionários brasileiros, A. e D. e que estes admitiram que “o vento tapou o buraco do algeroz por causa da lona que ficou com dois tijolos”; corroborou que ligou para a ré T. ainda na madrugada, mas só lá foi na manhã seguinte, já lá estava a sua amiga e segunda testemunha ouvida; mais referiu o que visionou quando os funcionários da camara chegaram, e que no R/C disseram “as obras vão parar”; de relevante, referiu que aí começaram os atritos com a ré T., primeiro porque não deu qualquer importância ao sucedido disse-lhe “ai N., isto não é nada…” “você abre as janelas que isto seca….”, depois porque houve problemas com a Câmara. Quanto ao hostel, disse que não tinha condições e foi ficar com um amigo, a primeira testemunha, sendo que esse ano era para passar o Natal com a filha e não pôde, por causa do sucedido. Mais referiu que ia todos os dias arejar a casa. É perentório em afirmar que ninguém residia por cima de si, o Sr. J. ó foi para lá 3 ou 4 meses depois do sucedido, em meados de 2020. Descreveu o estado dos bens danificados, e porque motivo ficaram manchados e ou com mau cheiro”. Relativamente aos factos considerados não provados, o tribunal recorrido apresentou a seguinte motivação: Os factos não provados foram assim considerados, em face da total ausência de produção de prova, nomeadamente aqueles que se prendem com a matéria de exceção, a comprovar pelas Rés, que os alegaram, alicerçada ainda nos documentos juntos e nos depoimentos de parte, prestados, bem como nas declarações prestadas pelas testemunhas supra referidas, e pelas razões já apontadas. É facto que a ré T. de forma incoerente alega que adquiriu dois aquecedores para o autor, e nas declarações refere um, mas não junta documento comprovativo da sua aquisição, recibo, etc, e o mesmo para o colchão que diz ter adquirido, mas que não comprova, senão com a mera junção de talão de MB com anotação manuscrita de autoria desconhecida a mencionar colchão. É facto que um edredon pode ser lavado e retirados, os cheiros e manchas de humidade, se efetuado logo após o evento, o que igualmente se comprovaria com facilidade com a junção de um recibo de lavandaria, por exemplo; mas o autor não o peticionou, antes mencionou outros bens danificados, juntando fotografias que conjuntamente com os depoimentos das testemunhas ouvidas, permitem inferir que tais bens ficaram efetivamente danificados, se bem que, com exceção do sofá e da máquina de lavar, o Autor nada mais comprovou, haver adquirido e por quanto, quanto ao valor que pede para indemnizar o que despendeu com a aquisição do bem danificado por água. C – Fundamentação de Direito C.1 – Da impugnação da matéria de facto - Consideraram as recorrentes que o facto que foi dado como provado sob o nº 6, deve ser alterado, ficando com a seguinte redação: “Na sequência da infiltração em causa, diversos bens do autor ficaram molhados, mas posteriormente continuaram a ser utilizados e cumprir o fim a que se destinam”. O tribunal recorrido atribuiu ao referido facto a seguinte redação: “6. o que causou vários danos, em variados bens, de recheio pertença do autor”. Por forma a clarificar quais os bens a que se refere o referido artigo, deverá ainda ponderar-se o seguinte, com o nº 7 e a seguinte redação: “De entre os quais, o colchão da cama de casal, o colchão da cama de solteiro do quarto da filha, o sofá, cama do animal de estimação e a máquina de lavar roupa, valores computados em montante não inferior a € 2.259,99” Assim, na perspetiva da recorrente, os bens em questão não ficaram danificados com a inundação, mas apenas molhados, tendo mantido a sua funcionalidade, pelo que não carecem (ou careceram) de ser substituídos. Os meios de prova invocados pelas recorrentes para a pretendida alteração da matéria de facto foram, fundamentalmente, os depoimentos das testemunhas M., N., as declarações de parte do autor N. e ainda o registo fotográfico de 3 de janeiro, junto como documento nº 5, com a contestação. Compulsados tais meios de prova, desde já se adianta não se encontrar fundamento consistente para a pretendida alteração da matéria constante do ponto 6 dos factos provados. Efetivamente, das declarações de parte do autor (a cuja audição se procedeu, na íntegra) resultou que teve que adquirir um colchão, para substituir o seu, bem como uma máquina de lavar roupa, que ficaram danificados com a inundação. Também o frigorífico ficou danificado mas foi a sua mãe que lhe cedeu outro. O colchão da filha, o sofá e a cama do cão estão manchados e terão que ser substituídos. Tais declarações, não obstante o óbvio interesse no desfecho da causa do declarante, foram prestadas de forma coerente e racional, nada obstando à sua valoração, designadamente por terem sido corroboradas pelos demais meios de prova. Tal corroboração resultou, desde logo, do depoimento da testemunha M., amigo do autor que se deslocou ao locado na própria noite da inundação, verificou que escorria água pelas paredes, inundando todas as divisões da casa, com particular gravidade no que se reporta à sala e ao quarto do autor. Do seu depoimento, prestado de forma espontânea e credível, resultou ter observado toda a mobília molhada, evidenciando ainda conhecimento de que o autor, após a inundação, comprou um colchão e uma máquina de lavar roupa. Porém, segundo referiu, também a cama do quarto da filha estava molhada, assim como a cama do cão. Por fim, declarou desconhecer se o autor comprou outro sofá, mas o da sala apresentava-se molhado e manchado na sequência da inundação em causa nos autos. A testemunha N. que se deslocou pela manhã à fração inundada, verificou que os colchões do quarto do autor e da sua filha estavam molhados, assim como o sofá da sala. Também a máquina de lavar roupa e o frigorífico estavam cheios de água, desconhecendo a depoente se continuaram a funcionar. Por fim, analisando o registo fotográfico de 03-01-2020, mesmo que se admita que retrata roupa estendida no exterior da fração em causa, não pode, de forma segura, concluir-se que a mesma tenha sido lavada na máquina de lavar roupa que o autor possuía na data da inundação. Afigura-se, assim, que nenhum dos meios de prova indicados pelas recorrentes evidencia que os bens em questão mantiveram a sua funcionalidade continuando a “cumprir o fim a que se destinam”. Veja-se, a título exemplificativo, que o autor havia adquirido o sofá há cerca de dois meses e que, após a inundação, este passou a estar manchado, deixando de ter a apresentação que possuía. Nesse sentido, porque a tal objeto também é atribuída uma função decorativa e estética, não pode afirmar-se que continue a manter, integralmente, a mesma funcionalidade. Julgamos, pois, ser de reafirmar a necessidade de substituição dos referidos bens, que emerge da gravidade da inundação verificada na fração habitada pelo autor em 20-12-2019 e que se mostra sustentada nos meios de prova produzidos e valorados pelo tribunal a quo. A este propósito sempre se dirá que, como referido no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2017[1]: “I. Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efetuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados (..). Certo é que, analisados criticamente os meios de prova indicados pelas recorrentes, conclui-se inexistir fundamento para alterar a decisão do tribunal a quo no que se reporta à redação conferida ao artigo 6 dos factos provados. Consequentemente, nesta parte, revela-se improcedente o recurso. - Consideram ainda as recorrentes que deve ser alterada a redação do facto provada na sentença sob o número 7, propondo a seguinte: “7. O valor de aquisição dos bens que o A. alega terem ficado destruídos, nomeadamente o colchão da cama de casal, o colchão da cama de solteiro do quarto da filha, o sofá, cama do animal de estimação e máquina de lavar a roupa, é computado em € 1.559,00.” A tal facto o tribunal atribuiu a seguinte redação: “7. de entre os quais, o colchão da cama de casal, o colchão da cama de solteiro do quarto da filha, o sofá, cama do animal de estimação e a máquina de lavar roupa, valores computados em montante não inferior a € 2.259,99”. A divergência das recorrentes relativamente à decisão do tribunal recorrido radica no valor a atribuir aos bens descritos no artigo em causa (dois colchões, sendo um de cama de casal e outro de cama de solteiro, sofá, cama de animal de estimação e máquina de lavar roupa). A tal propósito as recorrentes não indicaram quaisquer meios de prova que impusessem a diversa contabilização dos valores dos referidos bens, referindo apenas “(…) não se aceita como justo nem adequado, considerando até o valor de mercado atual e a condição sócio económica do recorrido (…)”. A este propósito, o tribunal a quo, como resulta da motivação da decisão, ponderou as faturas juntas como documentos nºs 13 e 14 do quais se extrai que o autor, em 1-08-2019 adquiriu uma máquina de lavar roupa por € 319,99 e em 19-10-2019 adquiriu um sofá por € 940,00. Resulta ainda da motivação da decisão recorrida ter sido ponderado o print junto pelo autor, retirado do site do IKEA do qual consta o preço dos colchões aí identificados (um de cama de casal e outo de cama de solteiro) de, respetivamente, € 519,60 e € 349,00. A este propósito e mais concretamente, consignou-se na decisão recorrida: “Como supra referido em 7), entende-se que os bens móveis danificados, ie que não tiveram recuperação, orçam em montante não inferior a € 2.259,99 (dois mil duzentos e cinquenta e nove euros e noventa e nove cêntimos), isto porque são juntos, pelo menos, dois documentos válidos, (apesar de impugnados, atentou-se nas declarações de parte e nos depoimentos das testemunhas que os visionaram), com o valor de aquisição do sofá e da máquina de lavar, mas dos colchões, não, o que se compreende pelo estado do locado, entendendo-se como adequado e justo, na falta de outro critério, por dois colchões de casal e solteiro, valor não inferior a € 1.000,00, reportados à data do evento, 2019, pois hoje certamente não corresponde ao valor de aquisição desses mesmos bens em novos (…)”. Assim, estando em causa um prejuízo sofrido pelo autor, imputável às rés por decorrer de vício grave do locado, sempre lhes caberia, nos termos do artigo 562º do Código Civil, reconstituir a situação que existiria sem a ocorrência do evento danoso. Nos termos do nº 3 do artigo 566º Código Civil “Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados”. No caso concreto, o tribunal ponderou o valor de aquisição do sofá (€ 940,00) e da máquina de lavar roupa (€ 319,99), com base nos referidos meios de prova (faturas relativas à sua aquisição, pouco tempo antes do evento danoso), evidenciadores de que o respetivo valor global de aquisição foi de € 1.259,99. No demais, por forma a colmatar a incerteza do material probatório carreado para os autos, o tribunal recorreu à equidade, fixando o valor dos prejuízos sofridos pelo autor nos restantes bens danificados em € 1.000,00. Tal juízo de equidade formulado pelo tribunal que corresponde, segundo José Tavares[2], “a expressão da justiça num dado caso concreto”, e que não equivale ao arbítrio, consistindo numa justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de ponderação, equilíbrio ou bom senso, não merece qualquer censura. Efetivamente, embora se desconheça em absoluto a condição sócio económica do recorrido, o certo é que o valor de mercado dos demais bens danificados, rondará os € 1.000,00 que foram fixados. A este propósito, cabe salientar que o tribunal a quo aludiu expressamente apenas aos dois colchões, não ponderando o valor da cama do animal de estimação. Certo é que se tais colchões, conforme print do site do IKEA no ano de 2020, poderiam importar em cerca de € 870,00, em face da subida generalizada dos preços verificada desde então e que constitui facto notório, no ano de 2023 importariam em montante não inferior a € 1.000,00. Consequentemente, nenhuma censura merece a decisão recorrida, afigurando-se que a quantia indemnizatória foi fixada relativamente à máquina de lavar roupa e ao sofá com base no material probatório carreado para os autos, que permitiu contabilizar tal dano em montante certo e na parte remanescente com recurso à equidade, mostrando-se equilibrado o juízo efetuado pelo tribunal a quo. Não pode até deixar de salientar-se que a fixação do montante indemnizatório em € 1.259,99 como pretendem as recorrentes, implicaria que apenas fossem considerados na indemnização os valores do sofá e da máquina de lavar louça, o que, manifestamente, não se coaduna com os factos provados, dado o apuramento de que outros bens ficaram danificados em consequência da inundação ocorrida no dia 20-12-2019. Improcedente se revela, pois, o recurso relativamente à alteração do valor consignado no artigo 7º dos factos provados. - Consideram as recorrentes que foi efetuada uma errada valoração da prova relativamente ao facto provado sob o nº 9 da sentença recorrida, por do mesmo constar que em 19/20 de dezembro de 2019 decorriam obras de reabilitação do prédio em causa, a mando das rés, quer ao nível do telhado, quer da estrutura para além da pintura da fachada. Na tese das recorrentes tais obras cingiram-se à pintura e reparação de fissuras na fachada. A tal facto foi atribuída a seguinte redação: “9. E à data (19/20 de dezembro de 2019) decorriam obras visando a reabilitação do prédio supra identificado, a mando das rés, quer ao nível do telhado, quer da estrutura, para além da pintura de fachada”. Na tese das recorrentes, deverá ficar demonstrado o facto (negativo) contrário, ou seja, que naquela data “(…) não decorriam quaisquer obras no seu telhado ou na sua estrutura (do prédio), a mando ou por iniciativa das rés e ou de terceiros” e que os únicos trabalhos que ali estavam a ser executados, por iniciativa das rés, consistiam na pintura exterior da “fachada” do prédio, ali se encontrando colocados andaimes. Fundamentam os recorrentes tal pretensão nos depoimentos das testemunhas A., M., N. e J. Procedeu-se à audição do depoimento da testemunha A. que executou obras de construção civil no prédio em questão, tendo referido que, à data (dezembro de 2019) se encontrava a lavar paredes, aplicar um primário e a reparar fendas só ao nível da fachada. Na ocasião, não executou quaisquer obras ao nível do telhado, as quais viriam a ser executadas apenas daí por um ano. Certo é que o seu depoimento, produzido de forma extremamente comprometida com a tese das rés (chegando a afirmar que viu “uma coisinha de nada” de água no colchão e no sofá do autor, quando a generalidade dos meios de prova evidencia a seriedade da inundação, incompatível até com a permanência do arrendatário no locado), foi claramente infirmado por vários outros meios de prova produzidos, designadamente pelo da testemunha M., que referiu expressamente que as obras não se reduziram à pintura na fachada, dado que avistou pessoas no próprio telhado a executar trabalhos. Também a testemunha N. avistou pessoas a trabalhar no telhado, além de que via telhas amontoadas. Confirmou que os funcionários que estavam a executar obras na fachada eram os mesmos que executavam obras no telhado, que decorriam em simultâneo. É certo, que se apurou que também no R/C decorriam obras executadas pelo locatário do espaço, mas que eram autónomas das executadas pelas rés na estrutura do edifício, ao nível da fachada e do telhado. Tal realidade foi ainda confirmada pelas declarações do autor N., que referiu que, à data, ocorriam obras no R/C do edifício, mas também obras na parte superior (telhado) e na fachada do mesmo. Esclareceu ainda que a fiscalização da câmara detetou irregularidades nestas obras, o que deu origem a que as mesmas parassem. Por fim, concluindo a análise dos meios de prova indicados pelas recorrentes, salienta-se que não é possível atribuir credibilidade à testemunha J., que declarou que na data da inundação morava no andar superior ao ocupado pelo autor, facto que não resultou corroborado. Mais referiu que no dia da tempestade a casa dele não foi afetada apenas tendo entrado “um pouquinho de água pela janela que deixou aberta”, mas que não entrou qualquer água a partir do telhado. Este facto afigura-se verdadeiramente inverosímil e até fisicamente insustentável dado situar-se a fração em causa imediatamente por cima da do autor, e ser manifesto que a água (da tempestade anunciada e verificada naquela data) entrou pelo telhado Salienta-se ainda resultar dos factos provados que foi desenvolvida ação de fiscalização ao edifício na sequência da inundação e que no decurso da mesma se constatou que estavam a ser executadas obras quer no piso inferior, quer no superior, que envolviam alterações à sua estabilidade (factos provados nºs 15 e 26). Tais factos não permitem sustentar que as obras executadas pelas rés se reduzissem à fachada do edifício, corroborando que também incidiram sobre o telhado. A este propósito, sempre se dirá que de acordo com o disposto no artigo 662º, nº 1, CPC: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Tal significa que a decisão da matéria de facto apenas deve ser alterada se o Tribunal da Relação, depois de analisada a prova produzida, conclua, com segurança, pela existência de um erro de apreciação relativamente à factualidade objeto da impugnação – neste sentido, Acórdão da Relação do Porto de 21-06-2021[3]. Porém, não tendo ficado demonstrada a existência de qualquer erro na apreciação da matéria de facto, improcede, pois, a pretendida alteração do facto enunciado sob o nº 9 dos factos provados, e das alíneas i) e j) dos factos não provados, sendo manifesto que as obras decorriam também ao nível do telhado. - Pretendem as recorrentes que seja alterada a resposta dada ao artigo 12º dos factos provados. Foi a seguinte a redação concedida ao referido artigo 12 dos factos provados: “12. Nem foi diligenciada qualquer proteção acrescida à lona, colocada no telhado do prédio”. Ora, para cabal compreensão do ali exarado, deverá ter-se presente a matéria exarada nos artigos anteriores, designadamente: “8. Nessa noite e madrugada, fora divulgado nos meios de comunicação social, um “alerta amarelo” para todo o território nacional; 9. E à data (19/20 de dezembro de 2019) decorriam obras visando a reabilitação do Prédio supra identificado, a mando das rés, quer ao nível do telhado, quer da estrutura, para além da pintura de fachada; 10. Para acautelar o referido em 8), as rés mandaram retirar os tapumes ou lonas, que envolviam os andaimes, colocados na fachada frontal do referido Prédio; 11. Mas não foram mandados retirar, nem foram retirados, os ditos andaimes.” Defendem as recorrentes que a lona que se encontrava nos andaimes foi retirada antes da tempestade e guardada no imóvel. Consequentemente consideram que ao referido artigo deve ser conferida a seguinte redação: “A lona foi colocada no interior do prédio”. Ora, constitui facto decisivo para o mérito da causa, a circunstância de a lona que estava colocada no telhado ter sido retirada, em face do aviso de tempestade. Como decisivo é o facto de, apesar de estarem a decorrer obras no telhado, não ter sido diligenciado por qualquer proteção adicional à lona que ali se encontrava colocada. Já a circunstância de a lona ter sido guardada no interior do prédio é absolutamente irrelevante, o que inviabiliza a apreciação do recurso. E a este propósito, veja-se o Acórdão da Relação de Coimbra de 15-09-2015[4], onde se refere: “Não há lugar à reapreciação da matéria de facto, quando o facto concreto objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente”. Neste mesmo sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 07-11-2023[5], onde se refere: “sempre que se verifique que a alteração sobre a matéria de facto pretendida pelo apelante, é manifestamente insuscetível de ter como efeito a alteração quanto ao fundamento da causa, deve concluir-se que a impugnação sobre a matéria de facto contraria os princípios de celeridade e economia processuais (artigos 2º, 137, 138º CPC) e constitui ato inútil e como tal proibido (artigo 130º, CPC), razão pela qual deve o Tribunal da Relação rejeitá-la”. E assim é, porquanto “a reapreciação da matéria de facto não constitui um fim em si mesma, mas um meios para atingir um determinado objetivo, que é a alteração da decisão da causa, pelo que sempre que se conclua que a reapreciação pretendida é inútil (… ) não deve ter lugar” – Acórdão da Relação de Lisboa de 11-05-2023[6] Assim, revelando-se absolutamente irrelevante para o desfecho da causa, a circunstância de a lona que protegia o telhado onde estavam a ser executadas obras, ter sido guardada no interior do edifício, não se aprecia a impugnação da matéria de facto, nesta parte. Consideraram as recorrentes que deve ser eliminado o facto provado sob o nº 24, transitando para os factos não provados. A tal facto o tribunal a quo atribuiu a seguinte redação: “24. Atualmente, o Autor permanece no locado, nas mesmas condições em que este se encontrava, à data dos factos.” A alteração pretendida funda-se no facto de as testemunhas N. e M. terem declarado que deixaram de frequentar a casa do autor, desconhecendo em que estado esta se encontra (não podendo, consequentemente, confirmar que se mantenha no mesmo estado). E ainda no facto de a testemunha V., que esteve na fração em novembro de 2020 ter afirmado que a mesma não se encontra no estado em que surge documentada no registo fotográfico junto aos autos. Procedeu-se à audição do seu depoimento, constatando-se que esta testemunha foi confrontada com o registo fotográfico junto com a petição inicial (documentos 2 e ss), onde ainda é possível avistar a mobília molhada, na sequência da grave inundação que deu origem à instauração dos presentes autos. Naturalmente que quando se deslocou à fração ou no início de 2021, ou em maio/junho de 2020 (não tendo a testemunha logrado precisar em que data exata ali se deslocou), os efeitos imediatos da inundação, já se mostravam ultrapassados. Ou seja, a fração já não apresentava no seu interior a quantidade de água que inviabilizou a permanência do autor nos dias subsequentes à ocorrência de tal evento. De resto, resulta da análise da sentença recorrida que a inundação aí descrita constituiu facto anómalo que não mais se veio a verificar. No entanto, o que se mostra transposto para o facto nº 24 é que a fração em questão não foi alvo de qualquer intervenção (na sequência da inundação), ali não tendo sido executadas quaisquer obras desde tal evento. E tal facto não foi contrariado pela testemunha V. ao declarar que não encontrou a infração inundada como surge no registo fotográfico colhido na sequência da inundação. Verifica-se, pois, que o tribunal não incorreu em qualquer erro na apreciação das provas produzidas que acarrete a alteração do facto provado sob o nº 24 da sentença recorrida, revelando-se improcedente o recurso, nesta parte. Na perspetiva das recorrentes deve suprimida dos factos não provados a alínea d), que deverá transitar para os factos provados com a seguinte redação: “28. O autor conhecia perfeitamente o estado de conservação do 1º andar que arrendou, bem como do prédio, onde este se insere, por sempre aí ter residido” Ora, afigura-se que tal alegação não resulta demonstrada dos meios de prova indicados pelas recorrentes (declarações de parte do autor e depoimento da testemunha M.). Embora seja inequívoco que o autor frequentava, desde a sua infância, o edifício e a fração que veio mais tarde a arrendar, por ali residir o seu avô, daí não se pode retirar, que conhecesse, de forma precisa, o estado de conservação do edifício, ou até a sua inadequação à habitação. O autor conhecia, no máximo, os baixos níveis de conforto, e a deterioração do edifício, desconhecendo no entanto o que veio a ser revelado na sequência da intervenção da proteção civil, acionada no dia da inundação. Ou seja, o autor, que não é possuidor de conhecimentos técnicos no domínio da construção civil, não tinha como conhecer o estado de conservação do edifício e da fração, não se encontrando habilitado a tanto. Conclui-se, pois, que bem andou o tribunal ao considerar como não provado o facto em causa, revelando-se improcedente o recurso, nesta parte. Improcedendo totalmente a impugnação da matéria de facto, a factualidade a ponderar na decisão do mérito do recurso é a que consta da sentença recorrida, supra enunciada. Prosseguindo na análise das questões a decidir no âmbito do mérito do recurso, interessa agora indagar se o valor da renda paga pelo autor desobrigava as rés de executar as obras necessárias à conservação do locado. Dos factos provados, resulta que o autor pagava uma renda de € 120,00 mensais (facto provado nº 2), sendo o prédio onde se insere a fração locada de construção anterior a 1951 (facto provado nº 3). Reportando-se o contrato de arrendamento a vínculo oneroso, bilateral e sinalagmático, importa ter presente que a principal obrigação que gera para o senhorio é a de conceder o gozo efetivo do prédio, assumindo, em contrapartida o inquilino a obrigação de pagar a renda acordada. Assim, ao senhorio cabe, como obrigação principal, a de assegurar ao inquilino o gozo do prédio arrendado, para o fim a que ele se destina, conforme dispõe a alínea b) do artigo 1031º, do Código Civil. Consequentemente, como refere Antunes Varela[7], “o locador é obrigado a realizar todas as reparações ou outras despesas essenciais ou indispensáveis para assegurar o gozo da coisa locada, de harmonia com o fim contratual, quer se trate de pequenas ou de grandes reparações, quer a sua necessidade resulte de simples desgaste do tempo, de caso fortuito ou de facto de terceiro”. Tal obrigação decorre também do disposto no artigo 12º, R.A.U. que onera o senhorio com a realização das obras de conservação ordinária, que são, designadamente: “as destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração” - cfr. a alínea c) do nº. 2 do art.º 11º. Já o artigo 1074º, do Cód. Civil (NRAU) impõe ao senhorio o dever de executar as obras de conservação, quer ordinárias, quer extraordinárias, quer sejam impostas pelas “leis vigentes” quer o sejam pelo fim do contrato, sendo esta, porém, uma regra supletiva já que às partes é dada liberdade para convencionarem regime diferente. A propósito da classificação das obras defende Margarida Grave, citada por França Pitão[8], que as obras de conservação ordinária são “aquelas que estão relacionadas com o envelhecimento exterior e interior do prédio e com o seu uso normal” e por obras de conservação extraordinária “as ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior, e, em geral, as que, não sendo imputáveis a ações ou omissões ilícitas perpetradas pelo senhorio, ultrapassem, no ano em que se tornem necessárias, dois terços do rendimento líquido desse mesmo ano”. No caso presente, a inundação verificada não deixa de evidenciar a necessidade de reparação do telhado do edifício, por forma a evitar infiltrações de água e permitir que o locado cumpra o fim a que se destina que é a habitação do arrendatário. Tais obras devem, assim, qualificar-se de “conservação ordinária”, dado destinarem-se a evitar “(…) a degradação das condições de habitabilidade ou de utilização do arrendado, (…) destinando-se a pôr cobro ou a conter situações de infiltrações de água no locado, a eliminar humidades, bem como todas aquelas que se mostrem, imprescindíveis e adequadas à manutenção do local arrendado nas condições inerentes e indispensáveis a uma normal e prudente utilização pelo arrendatário desse espaço” – Acórdão da Relação de Lisboa de 16-02-2006[9]. Em face das coordenadas factuais apuradas, forçoso é concluir que o valor da renda acordada dificilmente se revela compatível com a exigência às senhorias de obras que confiram significativo luxo e conforto ao edifício e à fração arrendada. Nessa hipótese, poderia gerar-se uma acentuada desproporção entre as prestações decorrentes do contrato para cada uma das partes, ultrapassando os limites da boa fé, dos bons costumes ou mesmo do fim social e económico do direito do arrendatário. Porém, nos presentes autos não está em causa conferir à fração níveis de comodidade e conforto tais que transformem em abusivo o exercício do direito a obras por parte do arrendatário, nos termos do artigo 334º do Código Civil. Trata-se apenas de considerar que apesar de pagar apenas € 120.00 mensais de renda, assiste ao arrendatário o direito de exigir as obras necessárias para que a fração cumpra condições medianas ou até mínimas de segurança e conforto. Ora, tais condições não se verificam quando ocorre uma inundação com a gravidade da descrita nos autos. Tal evento não pode deixar de inculcar ao tribunal a convicção de que se revelava imperiosa a necessidade de executar obras ao nível do telhado, para impedir a verificação de outras inundações sob pena de ao locatário não ser reconhecida a faculdade de habitar na fração que, por meio de contrato, lhe foi entregue para esse específico fim. E como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 09-11-2023[10]: “A circunstância de o locado ser de construção antiga e, naturalmente, de menor qualidade não permite excluir a responsabilidade do senhorio pelas obras de reparação necessárias à reposição do locado em condições de habitabilidade, salvo se o mesmo senhorio demonstrar que o locado já possuía tais infiltrações à data da celebração do contrato e o arrendatário, não obstante conhecer tais vicissitudes, o aceitou nesses termos”. No mesmo sentido, os Acórdãos da Relação do Porto de 22-02-2011[11], e de 24-10-2016[12]. Ora, a vicissitude a que o autor reage interpondo a presente ação é precisamente a inundação de 20-12-2021, a qual constitui situação anómala, e cuja possibilidade de ocorrência não esteve decerto no horizonte mental de cada um dos contraentes no momento da celebração do contrato de arrendamento. E o certo é que incumbia às rés a realização de obras necessárias e evitar tal evento que corresponde a uma súbita degradação das condições de habitabilidade ou de utilização do arrendado, por referência às que foram pressupostas no momento da celebração do contrato, e que, em face da factualidade apurada, geraram mesmo a impossibilidade temporária de utilização da fração locada. E a tal não obsta a diminuta renda paga, que, por estar em causa, como se referiu um contrato sinalagmático, corresponde à contraprestação devida pela utilização do locado, utilização essa que, por ato imputável às rés, e ainda que temporariamente, ficou inviabilizada. Acresce que não foi alegado, nem demonstrado qual o valor das obras necessárias para evitar a repetição de eventos como o descrito e, consequentemente, que o mesmo assuma uma dimensão desproporcionada à renda paga. Afigura-se, por isso, que não obstante ser diminuto o valor da renda paga pelo autor, as rés, proprietárias da fração locada, não se encontravam desobrigadas de realizar obras de conservação que impedissem o evento danoso apurado. Por fim, contrariamente ao que alegam as recorrentes, no contrato de arrendamento celebrado (documento nº 1, junto com a petição inicial) não consta qualquer cláusula que onere o arrendatário com a obrigação de executar obras, nem que tal obrigação tenha sido perspetivada para compensar a diminuta renda convencionada. Improcede, pois, nesta parte o recurso. - Invocam ainda as recorrentes inexistir qualquer incumprimento que lhes possa ser imputado, e que seja gerador de qualquer obrigação indemnizatória, dado que a infiltração foi originada por uma forte tempestade. No fundo, consideram as recorrentes que a inundação verificada no locado se deveu a condições climatéricas excecionais, pelo que não devem ser responsabilizadas pelos danos sofridos pelo autor. Porém, embora seja de afirmar, em face dos factos provados, a verificação da excecionalidade das condições climatéricas na data referida, o facto é que para a gravidade dos danos verificados se interpuseram condições cuja responsabilidade não pode deixar de ser assacada às rés. Para tanto, basta ter presente que se apurou que: “8. Nessa noite e madrugada, fora divulgado nos meios de comunicação social, um “alerta amarelo” para todo o território nacional; 9. E à data (19/20 de dezembro de 2019) decorriam obras visando a reabilitação do Prédio supra identificado, a mando das rés, quer ao nível do telhado, quer da estrutura, para além da pintura de fachada; 10. Para acautelar o referido em 8), as rés mandaram retirar os tapumes ou lonas, que envolviam os andaimes, colocados na fachada frontal do referido prédio; 11. Mas não foram mandados retirar, nem foram retirados, os ditos andaimes 12. Nem foi diligenciada qualquer proteção acrescida à lona, colocada no telhado do prédio; 13. Nessa madrugada, foram chamados ao local, em virtude do referido em 3) e ss., várias autoridades, desde os Bombeiros, à PSP e à Proteção Civil; 14. O autor foi contactado pelos Serviços da Proteção Civil e pelo Departamento de Habitação e Coesão Social do Município de Vila Franca de Xira, na pessoa dos Sra. Dr.ª A. e Dr. E., os quais lhe comunicaram “a necessidade de pernoitar fora do locado”, pelo estado em que este e o prédio se encontravam; 15. Igualmente informaram-no, da realização de ação de fiscalização ao estado de conservação do imóvel, por suspeita do mesmo não se encontrar em conformidade com o regime legal, inviabilizando a permanência do autor no referido 1º andar, até nova informação;” Assim, embora tenham ocorrido circunstâncias climatéricas excecionais, que deram origem ao alerta amarelo divulgado para todo o território nacional, é manifesto que a falta de proteção do telhado do edifício (onde decorriam obras a cargo das rés) condicionou a inundação ocorrida. E tal inundação assumiu tal gravidade que a proteção civil, em face do estado da fração e do próprio edifício, transmitiu ao autor que deveria pernoitar fora do locado. Ora, evidenciando os factos provados que a entrada de água no edifício (em noite de grande intempérie, é certo) decorreu das obras que se encontravam a ser executadas também ao nível do telhado, designadamente da falta de proteção deste, e sendo as rés as responsáveis por tais obras, nos termos do disposto no artigo 800º, do Código Civil, forçosa é a conclusão de que não podem deixar de ser responsabilizadas pelos danos sofridos pelo autor. Responsabilização essa que decorre da violação de obrigação de assegurar ao arrendatário o gozo da fração arrendada, (artigos 1022.º e 1031.º, alínea b), ambos do Código Civil) para o fim a que se destina. Efetivamente, ao assumirem obras que pela época do ano em que decorreram (compatível com a ocorrência de tempestades de maior ou menor gravidade), pela área de intervenção (telhado), pela omissão de proteção do telhado, eram geradoras de riscos como o que veio a verificar-se, em rigor, incumpriram o contrato de arrendamento celebrado com o autor, dado que, por facto que lhes é imputável, o locado apresentou vício grave, impeditivo da realização do fim a que se destinava (artigo 1032.º, alínea b), do Código Civil). Ou seja, embora impenda sobre o senhorio a obrigação de realizar as obras/reparações necessárias no locado, a sua execução não poderia comprometer o gozo da fração (artigos 1038.º, alíneas e) e h) e 1074.º, n.º 1, do Código Civil). Consequentemente, as recorrentes incorreram em responsabilidade civil contratual que constitui o fundamento para a obrigação de indemnização em análise nos autos. Conclui-se que é de reafirmar a responsabilidade das rés relativamente aos danos causados, que, como exposto, não decorreram apenas de condições climatéricas adversas e excecionais, mas também de circunstâncias relacionadas com a execução de obras no telhado do edifício que lhes incumbia controlar. Pelo que, nesta parte, também improcede o recurso. Alegaram ainda as recorrentes que não lhes incumbia o realojamento do arrendatário dado que a relação locatícia se estabelecera há menos de 9 meses. Como referido na sentença recorrida, o artigo 2º do Decreto Lei nº 157/2006, de 8 de agosto, que aprova o Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados, estabelece o seguinte: “1 - Cabe ao senhorio efetuar as obras necessárias à manutenção do estado de conservação do prédio arrendado, nos termos dos artigos 1074.º e 1111.º do Código Civil, bem como da legislação urbanística aplicável, nomeadamente do regime jurídico da urbanização e da edificação e do regime jurídico da reabilitação urbana. 2 - No caso de o senhorio não efetuar as obras a que está obrigado, o município ou a entidade gestora da operação de reabilitação urbana podem intimá-lo à sua realização, bem como proceder à sua realização coerciva.” Já o artigo 3º daquele mesmo diploma estabelece: “1 - Quando seja indispensável para realização das obras referidas no n.º 1 do artigo anterior, o senhorio tem o direito a solicitar ao arrendatário, com uma antecedência mínima de três meses, que desocupe o locado pelo prazo necessário à execução das obras, o qual não pode ser superior a 60 dias. 2 - Na situação prevista no número anterior, o senhorio está obrigado ao realojamento do arrendatário, em condições análogas às que este detinha no locado, nos termos previstos nos n.os 3 a 5 do artigo 6.º e a suportar as despesas inerentes a essa desocupação. 3 - Para efeitos do exercício da faculdade prevista no n.º 1, o senhorio envia uma comunicação ao arrendatário, informando-o do prazo necessário à realização das obras, das condições do realojamento fornecido, assim como da data para a entrega das respetivas chaves e da data para desocupação do locado. 4 - O arrendatário tem direito a ser indemnizado pelos danos que possam advir do não cumprimento do prazo máximo da desocupação. 5 - O senhorio só pode comunicar a necessidade de desocupação do locado para realização de obras de conservação, nos termos do n.º 3, se não tiver usado da mesma faculdade nos oito anos anteriores e se o contrato já tiver, pelo menos, dois anos de duração efetiva.” Ora, como se refere na sentença recorrida, o contrato de arrendamento em análise nos autos ainda não tinha dois anos de duração efetiva, pelo que as senhorias não gozavam da faculdade de comunicar a necessidade de desocupação do locado para a execução de obras. De qualquer modo, os factos apurados também não evidenciam que, para a execução das obras em questão, fosse necessário realojar o autor. Ao invés, dos mesmos até se deve extrair que se tivesse sido diligenciado por uma proteção em substituição da lona retirada, ou até pela execução das obras em época de verão, a inundação poderia ter sido evitada. O que sucedeu é que, depois de verificada a inundação em casa, a fração deixou de reunir as condições para a habitação do arrendatário, pelo que, por facto imputável às senhorias (relacionado com a forma como foram executadas as obras no telhado), ele deixou de ter o gozo de fração locada. Ora, em consonância com o que antecede, na sentença recorrida não foi fixada qualquer quantia indemnizatória decorrente da falta de realojamento do arrendatário. Ao invés, o ali determinado reconduz-se à violação da obrigação de disponibilização do locado, sem as limitações decorrentes da forte inundação. Improcedente se revela, pois, também nesta parte o recurso. Reagiram ainda as recorrentes ao segmento decisório que determinou a restituição ao autor do montante de € 780,00, “(…) a título de restituição de rendas pagas, mas não devidas integralmente, desde dezembro de 2019 a dezembro de 2020, dada a privação total do pleno gozo e fruição do locado, por trinta dias e a diminuição do gozo do locado, no remanescente”. Interpretando a decisão, constata-se que o tribunal a quo considerou ser de restituir a renda global paga pelo autor no mês de janeiro de 2020 (€ 120,00) e metade das onze rendas subsequentes até à data da interposição da ação, em 7 de dezembro de 2020 (€ 60 x 11- € 660,00). Fundamentando a decisão no dever que incumbe ao senhorio de assegurar o pleno gozo da coisa, invocou o tribunal recorrido o disposto no artigo 1040º do CC, que estabelece: “1. Se, por motivo não atinente à sua pessoa ou à dos seus familiares, o locatário sofrer privação ou diminuição do gozo da coisa locada, haverá lugar a uma redução da renda ou aluguer proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta, sem prejuízo do disposto na secção anterior. 2. Mas, se a privação ou diminuição não for imputável ao locador nem aos seus familiares, a redução só terá lugar no caso de uma ou outra exceder um sexto da duração do contrato. 3. Consideram-se familiares os parentes, afins ou serviçais que vivam habitualmente em comunhão de mesa e habitação com o locatário ou o locador”. É sabido que em caso de incumprimento do dever de assegurar ao arrendatário o gozo do arrendado, designadamente por falta de realização de obras de reparação, o arrendatário pode resolver o contrato (artigos 1050.º , alínea b) e 1083.º, n.º 5, do Código Civil), como, em certas situações (casos de força maior) pode invocar a exceção do não cumprimento do contrato que o exonere de habitar com permanência o locado (cfr. artigos 428.º, e 1072.º, n.º 2, alínea a), do Código Civil), existindo ainda a possibilidade de obter uma redução da renda (artigo 1040.º, n.º 1, do Código Civil), ou mesmo ficar desobrigado do pagamento da mesma (enquanto contrapartida do gozo do locado). Com relevância para a análise desta questão, apuraram-se os seguintes factos: “13. Nessa madrugada, foram chamados ao local, em virtude do referido em 3) e ss., várias autoridades, desde os Bombeiros, à PSP e à Proteção Civil; 14. O autor foi contactado pelos Serviços da Proteção Civil e pelo Departamento de Habitação e Coesão Social do Município de Vila Franca de Xira, na pessoa dos Sra. Dr.ª A. e Dr. E., os quais lhe comunicaram “a necessidade de pernoitar fora do locado”, pelo estado em que este e o prédio se encontravam; 15. Igualmente informaram-no da realização de ação de fiscalização ao estado de conservação do imóvel, por suspeita do mesmo não se encontrar em conformidade com o regime legal, inviabilizando a permanência do autor no referido 1º andar, até nova informação; 16. Em consequência, o Departamento de Habitação e Coesão Social do Município de Vila Franca de Xira realojou o autor num Hostel, sito em Vila Franca de Xira, ainda nessa madrugada (20 de dezembro, sexta-feira); (…)21. O autor permaneceu no supra referido Hostel, por alguns dias, dividindo um quarto com mais pessoas; 22. O autor viu-se forçado, por não lhe ser dada outra solução, a recorrer ao auxílio de um amigo, passando a permanecer até finais do mês de janeiro de 2020, na casa deste, de nome M.; 23. E continuou a proceder ao pagamento das rendas vencidas às rés, vendo-se compelido a regressar ao locado, no final do mês de janeiro de 2020, por impossibilidade de continuar a permanecer na casa desse amigo; 24. Atualmente, o autor permanece no locado, nas mesmas condições em que este se encontrava à data dos factos;(…)”. Em face do exposto, verifica-se que o autor, por decisão das autoridades de Proteção Civil e do Departamento de Habitação do Município de Vila Franca de Xira foi forçado a retirar-se do locado, na data da inundação, dado o mesmo não reunir condições de habitabilidade. E o certo é que o autor ali regressou em janeiro de 2020 apenas por impossibilidade de pernoitar na casa do amigo, e não porque tivesse sido levada a cabo qualquer intervenção que permitisse melhorar as suas condições. Consequentemente, embora o autor tenha liquidado integralmente as rendas devidas, ficou totalmente privado do locado no decurso o mês de janeiro de 2020, pelo que se mostra fundamentada a decisão de restituição do seu valor (€ 120,00), com base no regime decorrente do artigo 1040º, nº 1, CC, supra enunciado. Por outro lado, desde fevereiro de 2020 até à data da entrada da petição inicial em juízo (7-12-2020), em face dos factos provados, julgamos ser de reiterar que houve diminuição do gozo da coisa, por o autor se ter visto forçado a regressar ao locado, atenta a impossibilidade de pernoitar na casa do amigo que o acolheu, mas de não ter sido ali realizada qualquer intervenção que permitisse reparar os danos decorrentes da inundação. Certo é que apenas por carta de 29-10-2020, recebida em 2-11-2020, as senhorias comunicaram ao autor que deveria disponibilizar o locado para observação (facto provado nº 33). Tal factualidade inculca a convicção de que, apesar da grave inundação ocorrida, as senhorias não efetuaram qualquer intervenção no locado, após esse evento, por forma a melhorar as suas condições de habitabilidade. Na impossibilidade de atribuir um montante exato a tal dano, concretizado na diminuição do gozo do locado por manter os prejuízos decorrentes da inundação, e correspondente direito à redução de renda, julgamos que se impunha o recurso à equidade, designadamente ao disposto no nº 3 do artigo 566º Código Civil, segundo o qual “Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados”. No caso concreto, o tribunal a quo ponderou os 11 meses decorridos desde fevereiro de 2020 à data da interposição da ação, em dezembro de 2020, considerando que a falta de intervenção no locado na sequência da grave inundação ali ocorrida, justificaria a redução da renda para metade do seu valor, com a consequente condenação das rés na restituição de € 660,00 (11 meses X € 60,00). Tal juízo, responsabilizando as senhorias pelos danos causados pelo estado da cobertura do edifício, pela forma com a intervenção a esse nível decorreu, e pela respetiva inatividade na sequência do descrito evento, mostra-se adequado e equitativo, não merecendo qualquer censura. Improcede, pois, também nesta parte o recurso. O tribunal a quo atribuiu ao autor a quantia de € 2000,00 como forma de compensação dos danos não patrimoniais por ele sofridos, na sequência da inundação da fração locada em 20-12-2023. Consideram as recorrentes ser tal valor excessivo, o que cabe agora apreciar. A tal propósito apurou se que, na sequência da inundação: - o autor pernoitou alguns dias em Hostel, em quarto partilhado (facto nº 21); - o autor sentiu-se vexado, com a obrigação de pernoitar em Hostel, em quarto partilhado, e bem assim, ter de recorrer ao auxílio de um amigo, para ser realojado (facto nº 35); - igualmente sofreu e sentiu tristeza, por se tratar de período correspondente à quadra natalícia e assim não poder ficar com a sua filha menor de idade (facto nº 36). A indemnização dos danos não patrimoniais no âmbito da responsabilidade contratual é hoje amplamente aceite, quer doutrinária, quer jurisprudencialmente, ultrapassados os obstáculos de índole meramente formal que negavam tal possibilidade sobretudo com base na localização sistemática do artigo 496º do Código Civil, na subsecção da responsabilidade civil por factos ilícitos. A este propósito, refere Almeida Costa[13]: “Efetivamente, embora no domínio do incumprimento das obrigações em sentido técnico se produzam tais danos com menor frequência e intensidade, podem verificar-se hipóteses em que bem se justifique uma indemnização por danos não patrimoniais, dentro do critério do art. 496º. De resto, a lei refere-se apenas ao prejuízo causado ao credor pelo inadimplemento, sem que estabeleça distinção alguma entre danos patrimoniais e não patrimoniais (arts 798º e 804º, nº 1). Admitindo-se, em suma, no âmbito da falada responsabilidade contratual a plena consagração, tanto do princípio da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais (art. 496º, nº 1), como do critério da fixação equitativa da indemnização correspondente (art. 496º, nº 3).” A este propósito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-01-2024[14] onde se consigna expressamente a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, no âmbito da responsabilidade contratual, desde que os mesmos, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, nos termos do disposto no artigo 496º, nº 1, do Código Civil. Enquadram-se no âmbito dos danos não patrimoniais a honra, o bom nome, a saúde, a integridade e dores físicas, a liberdade e outros bens de caráter imaterial. Tais bens, sendo insuscetíveis de uma valoração pecuniária, quando violados, demandarão não a atribuição de uma verdadeira indemnização mas de uma compensação, que terá como finalidade primacial a satisfação do lesado pelo sofrimento causado. A determinação da indemnização (compensação) por danos não patrimoniais, deve ser fixada nos termos do artigo 496.º/4, do Código Civil, ou seja, equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º do mesmo Código. Na fixação da indemnização, que, em rigor, corresponde a uma valoração compensatória, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. A gravidade do dano não patrimonial tem que ser aferida por um critério objetivo, tomando-se em consideração as circunstâncias do caso concreto, e não, através de um critério subjetivo, devendo o montante da indemnização ser fixado, segundo padrões de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica, à do lesado e titular da indemnização, e às flutuações do valor da moeda, proporcionalmente, à gravidade do dano, nos termos do disposto pelo artigo 496º/3, do Código Civil. No caso dos autos, não existem dúvidas que as consequências da inundação geraram danos significativos na esfera do autor, com impacto relevante na relação de paternidade com a sua filha, inviabilizando a vivência da quadra natalícia do ano de 2020 nos moldes por ele perspetivados, o que lhe gerou sofrimento psicológico. O mesmo deve ser afirmado quanto ao seu realojamento em quarto partilhado, sem as condições de privacidade de que usufruía no locado ou ainda do recurso a hospitalidade de amigo e o regresso forçado à fração quando tal hipótese se tornou inviável. Ponderadas todas as coordenadas, revela-se equilibrada, justa e equitativa a indemnização de € 2.000 fixada, improcedendo assim o recurso. Por terem ficado vencidas as rés/recorrentes são responsáveis pelo pagamento das custas processuais – cfr. artigo 527º, CPC. III – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta 2ª secção cível: - Julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelas rés T. e R., mantendo-se a decisão recorrida; Custas do recurso pelas rés/recorrentes – cfr. artigos 527º, CPC. D.N. Lisboa, 7 de março de 2024 Rute Sobral Carlos Castelo Branco Paulo Fernandes da Silva _______________________________________________________ [1] disponível em www.dgsi.pt [2] “Princípios Fundamentais de Direito Civil”, I, p. 50. [3] proferido no processo nº 2479/18.5T8VLG.P1, disponível em www.dgsi.pt [4] Proferido no processo nº 6871/14.6T8CBR.C1, disponível em www.dgsi.pt [5] Proferido no processo 3844/19.6T8LSB.L1-7, disponível em www.dgsi.pt [6] Proferido no processo nº 8312/19.3T8ALM.L1-2, disponível em www.dgsi.pt [7] in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 100, pág. 381) [8] “Novo Regime do Arrendamento Urbano”, 2ª. edição atualizada, pág. 550 [9] Proferido no processo nº 236/2006-6, disponível em www.dgsi.pt [10] Proferido no processo nº 2369/21.4T8PRT. disponível em www.dgsi.pt “A c [11] Proferido no processo 5307/07.3TBMAI.P1, disponível em www.dgsi.pt [12] Proferido no processo 494/14.7T8GDM.P1, disponível e www.dgsi.pt [13] “Reparação do Dano Não Patrimonial”, BMJ, nº 83, pág. 102 e ss. [14] Proferido no processo nº 21419/21.8T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt |