Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MICAELA SOUSA | ||
Descritores: | ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM INDIVISIBILIDADE DO BEM RECONVENÇÃO ADMISSIBILIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/13/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – No âmbito de acção de divisão de coisa comum, quando a indivisibilidade do bem comum é aceite entre as partes e o único litígio existente contende com as questões relativas aos valores despendidos para pagamento do empréstimo contraído para a aquisição da fracção autónoma em comum, em idêntica proporção, por ambos os comproprietários, que um alega ter suportado em quantia superior ao outro, o poder/dever de gestão processual permite a admissibilidade da reconvenção, com vista a uma efectiva composição do litígio. II – Trata-se de interpretação consonante com os princípios que regem a lei processual civil, designadamente, da economia processual e eficácia da decisão. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO A, contribuinte fiscal n.º 236..., residente na Travessa ..., n.º 9 – Évora intentou contra B, contribuinte fiscal n.º 227…, residente na Rua …, n.º 437 – 4.º C, Lisboa a presente acção especial de divisão de coisa comum, formulando a seguinte pretensão: a) Que seja reconhecido o direito de compropriedade da autora e do réu, na proporção de metade para cada um deles, da fracção autónoma designada pela letra “L”, correspondente ao segundo andar frente, do prédio urbano sito na Rua ..., n.º 1, na Buraca, freguesia das Águas Livres, no concelho da Amadora, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o n.º …, da freguesia da Buraca e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da freguesia das Águas Livres e anteriormente sob o artigo …, da freguesia da Buraca, devendo proceder-se à sua divisão que, atenta a indivisibilidade em substância, deve ser obtida por via da adjudicação ou venda do bem, com repartição do respectivo valor. Alegou, em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 17924663 dos autos principais): * A autora e o réu são comproprietários da fracção autónoma identificada, destinada a habitação, com o valor patrimonial fiscal de 76 544,88€; * O bem foi adquirido em 29 de Maio de 2006, com recurso a crédito bancário; * A autora não pretende manter a indivisão, não sendo possível o acordo. O réu contestou admitindo que ambas as partes são comproprietárias da fracção, na proporção de metade cada, por a haverem adquirido através de compra que fizeram, com recurso a empréstimo, sendo que viviam em condições análogas às dos cônjuges, tendo-se separado em Março de 2010 e aceitando que a fracção é indivisível (cf. Ref. Elect. 18188262 dos autos principais). Mais deduziu reconvenção alegando o seguinte: - A fracção foi adquirida com recurso a empréstimo bancário da Caixa Geral de Depósitos no valor de 114.000,00€, garantido por hipoteca e fiança prestada pela sua mãe e padrasto, tendo contraído ainda empréstimo no valor de 11.000,00€ para despesas com aquisição da fracção, electrodomésticos e mobiliário, também garantido por hipoteca sobre a fracção e com os mesmos fiadores; - Os empréstimos foram contraídos pelo prazo de 45 (quarenta e cinco) anos, sendo os primeiros cento e vinte meses de carência de capital e os restantes até final de amortização; - Desde a data da separação, tem sido o reconvinte a assegurar, sozinho, todos os pagamentos referentes à fracção, designadamente, pagamento das prestações dos dois empréstimos à CGD, despesas do condomínio (prestação mensal e fundo de reserva) e IMI, pelo que, sendo dívidas da responsabilidade solidária de ambos, deve ser reconhecido o seu crédito pelo que pagou a mais; - Pagou, desde a data da separação, à CGD, relativamente aos empréstimos por ambos contraídos, as quantias de 37.207,00€ (empréstimo para aquisição de habitação); 4.134,87€ (empréstimo multiopções); 2.750,00€ (275 x 10 anos) (mensalidades de condomínio e Fundo de Reserva); 1.263,00€ (IMI) (126,30€ anual), num total de 46.651,00€, pelo que tem sobre a reconvinda um crédito no valor de 23.325,50€, acrescido das quantias que venha pagar até à adjudicação ou venda da fracção e juros moratórios; - Declarou ter interesse em que lhe seja adjudicada a fracção, sendo que o crédito que lhe assiste por força dos pagamentos que fez pode e deve ser compensado com eventual crédito da reconvinda relativo a tornas; - Ainda que não lhe seja feita a adjudicação, sempre se imporá o reconhecimento desse crédito, a fim de ser reembolsado desse valor. - Não obstante estar em causa um processo especial, é aconselhável a admissibilidade da reconvenção, atento o facto de os créditos referidos serem relativos à fracção objecto dos autos e por via do princípio da economia processual. Concluiu no sentido de a fracção ser considerada indivisível e propriedade de ambas as partes, na proporção de metade e que que seja procedente a reconvenção, reconhecendo-se-lhe o crédito no valor total de 23.325,50€ e condenando-se a reconvinda no seu pagamento e nos juros de mora à taxa legal desde a data da contestação e até integral pagamento, devendo os autos prosseguirem, conforme art.º 926º, n.º 3 do Código de Processo Civil[1], os termos subsequentes à contestação do processo comum, com todas as consequências legais. A acção foi objecto de registo na competente Conservatória do Registo Predial (cf. Ref. Elect. 131866596 dos autos principais). Em 13 de Outubro de 2021 foi proferido despacho convidando a autora a suprir a preterição de litisconsórcio necessário por não estar presente na acção a instituição bancária a favor de quem foram constituídas as hipotecas registadas sobre o imóvel, o que esta veio fazer, por requerimento de 26 de Outubro de 2021, em que deduziu a intervenção principal provocada da Caixa Geral de Depósitos, S. A. (cf. Ref. Elect. 19750886 dos autos principais). A Caixa Geral de Depósitos, S. A. foi admitida a intervir nos autos, tendo, em 2 de Fevereiro de 2022, apresentado a sua contestação onde se declara credora da autora e do réu pelo montante de 111.249,55€, aceitando a indivisibilidade do bem, requerendo que, em caso de adjudicação, se mantenha a solidariedade quanto ao pagamento dos créditos em dívida e, se objecto de venda, seja graduado o seu crédito, a fim de ser pago pelo produto da venda do imóvel (cf. Ref. Elect. 20368792 dos autos principais). A autora apresentou réplica em que pugna pela inadmissibilidade da reconvenção, com fundamento no facto de estar confessada a compropriedade, a quota de cada uma das partes e a indivisibilidade da fracção, pelo que as questões devem ser decididas sumariamente, nos termos do art.º 926º, n.º 2 do CPC, sendo que o conhecimento do pedido reconvencional implicaria o enxerto de acção comum em acção especial, para averiguação do crédito do requerido; impugnou tal crédito, para além do que este não resulta da documentação junta; afirmou não existir qualquer interesse relevante na apreciação conjunta das pretensões, nem sendo indispensável para a justa composição do litígio; mais alegou, para o caso de assim se não entender, que o requerido tem dado a fracção em causa de arrendamento a terceiros, mediante o pagamento mensal de valor não inferior a 500,00€, o que nunca partilhou com a autora (cf. Ref. Elect. 21001020 dos autos principais). Em 15 de Junho de 2022 foi proferida decisão que julgou inadmissível a reconvenção, nos termos do art.º 266º, n.º 3 do CPC e reconheceu a qualidade de comproprietários, da autora e do réu, sobre a referida fracção autónoma, a sua indivisibilidade e fixou os quinhões em metade para cada uma das partes, determinando que a acção siga de forma simplificada, agendando a conferência de interessados (cf. Ref. Elect. 138142390 dos autos principais). Em 5 de Setembro de 2022, o réu/reconvinte veio interpor o presente recurso da decisão que não admitiu a reconvenção, cuja motivação concluiu do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 21689595 dos autos principais): I) Nos casos como o do presente processo em que o pedido reconvencional se baseia no pagamento, pelo Reconvinte, com capitais próprios, de despesas e encargos relativos ao imóvel que se pretende dividir, designadamente amortizações de empréstimo, condomínio, I.M.I., “o poder/dever de gestão processual permite a admissibilidade da reconvenção, sendo esta a única interpretação que se harmoniza com os princípios que regem a lei processual civil” – Ac. T.R.E. de 17/01/2019 II) É inaceitável a interpretação que é feita no despacho de que se recorre, do disposto no nº 3 do art.º 266º do C.P.C. como obstáculo à aceitação da reconvenção… III) … quando é este mesmo dispositivo legal que, desde logo, dispõe a possibilidade de o juiz a autorizar, mediante a remissão nele feita para os critérios consignados nos nºs 2 e 3 do art.º 37º do mesmo diploma “sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável à justa composição do litígio” IV) Não faz sentido impor a propositura de uma nova acção para discutir o crédito (ou créditos) do Reconvinte, com os encargos e despesas inerentes para as partes, e quanto a lei permite, e os princípios orientadores do processo civil aconselham, que nesta acção seja apreciada e decidida esta questão. V) São, manifestamente, menores os inconvenientes decorrentes da admissão da Reconvenção e da tramitação sob a forma de processo comum do que os que resultam da sua não admissão. VI) Desde logo porque ficam resolvidas todas as questões relativas à divisão da fracção, sem necessidade de propositura de nova acção. VII) Sendo que só a admissão da mesma, no presente processo, permitirá a justa composição do litígio. VIII) Com efeito, quer a fracção em causa seja adjudicada a uma das partes quer seja vendida, sempre o Reconvinte ficará, injustamente, prejudicado por não ser reconhecido o seu crédito pelos valores que pagou a mais das dívidas e responsabilidades de ambos. IX) E isto é manifesto, qualquer que seja o destino da fracção, quer seja adjudicada a uma das partes, quer venha a ser vendida. X) Na verdade, na primeira hipótese, ver-se-á prejudicado com a impossibilidade de ver o seu crédito ser considerado no valor de tornas, a pagar ou a receber e, na hipótese de venda, a Reconvinda, viria a receber igual valor do remanescente após pagamento do crédito hipotecário, o que é clamorosamente injusto! XI) Os princípios da economia processual bem como da eficácia e utilidade impunham, como foi requerido, a admissão da Reconvenção deduzida. XII) Sendo que é este o entendimento do S.T.J. – vide entre outros os Acórdão de 01/10/2019, de 26/01/2021 e 25/05/2021, in www.dgsi.pt XIII) Também a jurisprudência nas Relações, maioritariamente têm seguido o entendimento do S.T.J., vide entre outros, os Acórdãos do T.R.E. de 17/01/2019 e de 23/04/2020, T.R. P. de 27/04/2021 e T.R.Lx. de 08/06/2021, de 12/10/2021, 22/03/2022 e de 24/03/2022, todos in www.dgsi.pt XIV) Ao decidir como decidiu, julgando inadmissível a reconvenção apresentada pelo Réu/Reconvinte e ora Recorrente, o douto Tribunal a quo, violou o disposto nos artigos 266º nº 3, 37º nºs 2 e 3, nº 2 do art.º 2º e artº 6º todos do C.P.C.. A recorrida não apresentou contra-alegações. * II – OBJECTO DO RECURSO Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, pág. 135. Assim, perante as conclusões da alegação do réu/recorrente a única questão a apreciar é a da admissibilidade da reconvenção. Colhidos que se mostram os vistos, cumpre decidir. * III - FUNDAMENTAÇÃO 3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra. * 3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO Em 15 de Junho de 2022 o Tribunal a quo proferiu, no que releva para efeitos do presente recurso, a seguinte decisão: “Da Reconvenção Veio o réu deduzir reconvenção na sua contestação, pedindo o reconhecimento de um alegado crédito. Contudo, inexiste qualquer divergência entre as partes relativamente à existência de compropriedade do imóvel em apreço, por ter sido por ambos adquirido, nem quanto à natureza indivisível da coisa. Ora, a apreciação do pedido reconvencional in casu, tal como peticionado pelo réu, sempre exigiria o prosseguimento dos autos com observância da tramitação típica de uma ação comum declarativa, por isso, distinta e manifestamente incompatível com a tramitação da ação especial de divisão de coisa comum, ao que acresce o facto de que o Tribunal se encontrar em condições de proferir decisão sumária, tendo em conta a inexistência de qualquer dissenso entre as partes quanto ao objeto do processo (cfr. art.º 926.º, n.º 2, do CPC, atento o facto de se encontrarem já reunidas as provas necessárias para a decisão sobre o pedido de divisão). “Não é possível reconvenção, quando o pedido do réu corresponda a uma forma de processo diferente (…)” - cf. artigo nº 3 do art.º 266º do CPC. E, entende o Tribunal que a tramitação que subjaz ao processo especial de coisa comum não é suscetível desta adequação no caso sub judice, uma vez que, a atender ao pedido do réu, só após a tramitação própria do “incidente” de processo comum relativo ao pedido reconvencional (com instrução da prova, decisão de facto e de direito, eventual recurso) se retomaria a fase executiva própria da ação especial de divisão de coisa comum (para adjudicação ou venda do imóvel), provocando, desta forma a paragem do processo primitivo até à decisão daquele quando, em rigor, o Tribunal já se encontra em condições de proferir decisão sobre o objeto da causa. Por fim, deve ainda atender-se ao facto de que os requisitos para a procedência da ação especial de divisão comum, tal como consagrados pelo legislador, são somente a compropriedade e a indivisibilidade do bem (cfr. art.º 925.º, do CPC). Assim, não poderá deixar de se atender ao espírito do legislador - que não previu, nos termos desta ação especial, o enxerto de um incidente declarativo com vista ao apuramento de direitos de crédito sobre o bem e eventual compensação. Tendo querido o legislador assegurar a posição da parte que deseja ver reconhecido e compensado um crédito sobre o bem, tê-lo-ia previsto como uma fase processual própria do processo de divisão de coisa comum, anterior à fase executiva, o que não ocorreu; e, havendo necessidade de produção de prova só por conta desse incidente, a admissão da reconvenção geraria demoras no processo que não se compaginam com a ratio da divisão de coisa comum. Pelo exposto, decide-se pela inadmissibilidade da reconvenção deduzida pelo réu, nos termos e com os fundamentos do art.º 266.º, n.º 3, do CPC.” Do conteúdo desta decisão é possível aferir os fundamentos da rejeição do pedido reconvencional que, em síntese, assentam na seguinte ordem de razões: * As partes estão de acordo quanto à existência de compropriedade sobre o imóvel, respectivas quotas e indivisibilidade do bem, o que permite a prolação de decisão sumária quanto ao objecto do processo, nos termos do art.º 926º, n.º 2 do CPC; * O conhecimento do pedido reconvencional implica que se proceda à tramitação típica de acção comum declarativa, incompatível com a tramitação da acção especial de divisão de coisa comum, sendo que, numa situação como a dos autos, em que a fase declarativa pode ser sumariamente decidida, tal implicaria que a fase executiva aguardasse a resolução da reconvenção, com instrução, decisão de facto e de direito e eventual recurso; * Os requisitos deste processo especial são apenas a compropriedade e a indivisibilidade do bem, não tendo o legislador previsto um enxerto declarativo para apuramento de direitos de crédito e eventual compensação. O recorrente insurge-se contra este entendimento com a seguinte argumentação: 1) No caso concreto, o tribunal recorrido podia e devia, ao abrigo do dever de gestão processual, admitir a reconvenção, pois que não faz sentido que seja necessária uma nova acção para discutir o crédito do reconvinte relativo aos encargos e despesas que são da responsabilidade de ambas as partes; 2) Os inconvenientes da admissão do pedido reconvencional e da tramitação sobre a forma de processo comum são menores do que aqueles que resultam da sua não admissão, pois que ficam resolvidas todas as questões; 3) Só a admissão da reconvenção permite a justa composição do litígio, dado que, quer a fracção seja adjudicada a uma das partes, quer seja vendida, o reconvinte ficará prejudicado se não for reconhecido o seu crédito, já que, no primeiro caso, o seu crédito não será considerado no valor das tornas a pagar ou a receber e, no segundo, a reconvinda receberia valor igual, o que é injusto; 4) Os princípios da economia processual, eficácia e utilidade impõem a admissão da reconvenção. O processo especial de divisão de coisa comum previsto nos art.ºs 925º e seguintes do CPC regula o modo de pôr termo à indivisão da coisa, atento o estatuído no art.º 1412º do Código Civil, segundo o qual qualquer comproprietário pode exigir a divisão, sem prejuízo da convenção de indivisibilidade consagrada no n.º 2 deste normativo legal. Dispõe o artigo 925.º do CPC que “Todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requer, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas.” A menção efectuada pelo art.º 925º do CPC a «coisa comum» tanto abrange a divisão de uma coisa como a divisão de um direito sobre uma coisa, pelo que o seu sentido é o de que “a divisão tem como resultado objectivo a individualização do objecto sobre o qual passa a incidir o direito de propriedade exclusiva ou o direito (real ou de crédito) que, de contitularidade, passa a ser de titularidade singular” – cf. Luís Filipe Pires de Sousa, Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 2ª Edição, pág. 12. A finalidade do processo de divisão de coisa comum cinge-se a três possíveis resultados: a divisão em substância da coisa, a sua adjudicação a um dos comproprietários ou a sua venda, com repartição do respectivo valor. Assim, tal acção tem como pressuposto a compropriedade e como objectivo a efectivação do direito à divisão, sendo considerada uma acção de natureza real, que se integra na categoria das acções declarativas constitutivas referidas no art.º 10º, n.ºs 1, 2 e 3, c) do CPC, pois que visa a modificação subjectiva e objectiva do direito de compropriedade implicando uma mudança na ordem jurídica existente. A compropriedade constitui, pois, a causa de pedir na acção de divisão de coisa comum. No caso em apreço, conforme se afere das posições vertidas nos respectivos articulados, a autora e o réu não colocam em causa nem a aquisição da fracção em compropriedade nem a natureza indivisível da coisa. Também não está em discussão qual a quota que a cada um pertence na fracção que detêm em comum e, bem assim, que esta foi adquirida com recurso a empréstimo bancário. Tal como decorre do relatório supra, o réu apenas veio introduzir na sua contestação/reconvenção a questão atinente aos valores que, na sua versão, tem suportado para além da sua quota-parte, seja com o pagamento das prestações referentes ao empréstimo, seja com impostos e condomínio, ou seja, alega ter contribuído para o pagamento do empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, sobremaneira a partir da separação do casal, com quantias em dinheiro superiores às despendidas pela ré, que, em réplica, contestou a veracidade de tais valores por ele indicados. O réu/recorrente pretende ser reembolsado de tais valores que entende ter suportado em excesso em relação à sua quota. A questão a decidir contende, pois, com determinar se, como se entendeu na 1ª instância, na acção de divisão de coisa comum, a reconvenção, com tais fundamentos, não é admissível, ou se, como pretende o apelante, a admissão e apreciação do pedido reconvencional é útil e necessária à justa composição do litígio, permitindo, como refere o reconvinte, que, na sequência de eventual adjudicação da fracção àquele, como pretende, no valor das tornas sejam ponderados os valores devidos pela autora ou, em caso de venda, na atribuição a cada um da parte que lhe compete. É sabido que o processo especial de divisão de coisa comum comporta duas fases essenciais: uma, de natureza declarativa, que visa decidir sobre a existência e os termos do direito à divisão e que apenas se irá desenvolver se for apresentada contestação ou, na falta desta, quando a revelia seja inoperante (art.º 926º, n.º 2); outra, de cariz executivo, para materialização do direito definido na fase declarativa ou afirmado, sem contestação, pelo autor. A fase declarativa do processo de divisão, havendo contestação ou a revelia não sendo operante, processa-se, em regra, segundo as regras aplicáveis aos incidentes da instância. Apenas nas situações em que, atenta a complexidade das questões colocadas, o juiz entenda que estas não podem ser sumariamente decididas, segundo o modelo incidental, deve ter lugar os termos do processo comum adequados ao valor da causa. Parece não se suscitarem especiais dúvidas que, havendo contestação, a acção especial de divisão de coisa comum admite reconvenção - reunidos que estejam os respectivos pressupostos substanciais (cf. art.º 266º do CPC) -, pois nesse caso o processo converter-se-á, por regra, em processo comum, atento o disposto na segunda parte do n.º 3 do art.º 926º do CPC. Isso apenas não sucederá se as questões deduzidas na contestação/reconvenção puderem ser decididas sumariamente, sem necessidade de prosseguir a causa nos termos do processo comum – cf. art.º 926º, n.ºs 2 e 3, primeira parte do CPC; cf. acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 20-09-2018, processo n.º 242/17.0T8VPC-A.G1 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-01-2018, processo n.º 386/15.2T8MFR.L2-8[2], em que se admitiu a reconvenção porque fora já proferido despacho, transitado em julgado, ordenando o prosseguimento dos autos sob a forma de processo comum; cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II – Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial, 2020, pág. 366. Todavia, a questão que aqui importa resolver não se integra nessa situação tendo antes a dificuldade de a reconvenção ter sido deduzida num contexto em que as partes não estão, propriamente, em litígio, quanto à existência do direito de compropriedade e à natureza indivisível da coisa, mas já dissentem quanto a créditos/débitos ocasionados seja pelo empréstimo contraído para aquisição do bem, seja por despesas que lhe são inerentes. Como disso dá conta Luís Filipe Pires de Sousa, para além da verificação dos requisitos objectivos de conexão, a admissibilidade da reconvenção coloca-se face ao estatuído no n.º 3 do art.º 266º do CPC que dispõe que “Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 37.º, com as necessárias adaptações.” Daqui se retira que “o juiz pode admitir a reconvenção se houver um interesse relevante na sua apreciação, naquele concreto processo especial de divisão de coisa comum ou se a apreciação conjunta das pretensões for indispensável para a justa composição do litígio. Em qualquer dos casos, o juiz deve adaptar o processado à cumulação de objectos processuais” – cf. op. cit., pág. 107. O autor dá conta de uma corrente jurisprudencial mais restritiva, de acordo com a qual se, para apreciar o pedido reconvencional, for necessário proceder a instrução e observar o contraditório, isso exigirá uma tramitação que não se adequa à do processo especial de divisão de coisa comum, salvo se tiver sido deduzida contestação que determine o enxerto de uma fase declaratória comum, caso em que, por princípio, será de admitir a reconvenção – cf. também neste sentido, Marco Aço e Borges, A Demanda Reconvencional, 2008, pp. 386-387. No entanto, refere aquele mesmo autor que os actuais princípios da gestão processual e da adequação formal “impõem uma aplicação mais ágil e flexível do regime do Artigo 266º, n.º 3, do CPC, sempre no intuito de maximizar a celeridade e economia processuais desde que não se postergue os demais princípios processuais, designadamente os do contraditório e da igualdade das partes.” E acrescenta, in op. cit., pág. 109: “[…] é de subscrever o entendimento de que «(…) o interesse em discutir e decidir todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos, como seja a apreciação de um direito por benfeitorias invocado por um dos comproprietários, evitando dessa forma que ele se veja compelido a recorrer à propositura de uma outra acção para ver o seu direito reconhecido, para além de não beliscar qualquer daqueles princípios estruturantes, assume indiscutível relevância e que justifica plenamente a admissão da reconvenção», mesmo que a reconvenção admitida seja a única justificação para a abertura de uma fase declarativa de processo comum. […] nesta situação o que fundamenta a admissão da reconvenção não é o processamento pelo processo comum mas a excepcional autorização da reconvenção à luz do n.º 2 do Artigo 37º do CPC. Também foi admitida a reconvenção num contexto em que o litígio se centrava na definição da proporção em que ambos os comproprietários contribuíram para a aquisição da fracção, com recurso a crédito bancário.” Ora, se é certo que o legislador, para as situações em que não são suscitadas questões inerentes à alegada compropriedade e à divisibilidade do bem, ou, pelo menos, questões que possam ser decididas de forma linear, prevê um procedimento expedito, mandando seguir as regras inerentes aos incidentes da instância – cf. art.ºs 294.º e 295.º ex vi do art.º 926.º, n.º 2, do CPC -, certo é também que não deixou de prever e acautelar as outras situações, ou seja, as que não são passíveis de um tratamento e apreciação “simplificado”. Na verdade, o n.º 3 do art.º 926.º do CPC estipula: “Se, porém, o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, conforme o preceituado no número anterior, manda seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.” Trata-se de preceito abrangido pelos princípios, cada vez mais prevalecentes no ordenamento jurídico-processual civil português, de simplificação, adequação, celeridade e economia processuais. Ora, a justificação da 1ª instância para não admitir a reconvenção centrou-se, essencialmente, no facto de não existir dissídio entre as partes quanto à existência do direito de compropriedade e à indivisibilidade do bem, circunstância que permitia uma decisão sumária do objecto do processo, mais aduzindo que a admissão do pedido reconvencional obrigaria a seguir a tramitação do processo comum, levando a que a fase executiva do processo especial tivesse de aguardar a resolução daquele, protelando, desse modo, a resolução do litígio. Crê-se que na ponderação dos princípios processuais referidos, da utilidade e economia dos meios processuais, tal argumentação se afigura escassa para rejeitar, neste caso concreto, a admissibilidade da reconvenção. A possibilidade de ser proferida uma decisão sumária quanto à pretensão da autora não pode, por si só, inviabilizar a existência do pedido reconvencional, sobretudo porque decorre do referido n.º 3 do art.º 926º do CPC uma prescrição no sentido de o juiz dever mandar seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum, quando se deparar com situação que exija um tratamento mais detalhado, menos simplificado. Interessa, com efeito, determinar, casuisticamente, se o pedido reconvencional, em concreto, respeita as exigências previstas nos art.ºs 266.º e 37.º do CPC. O pedido reconvencional deduzido não pode deixar de se ter por abrangido na previsão da alínea b) do n. 2 do art.º 266º do CPC[3]. Com efeito, está assente que o prédio não é divisível, pelo que a divisão da coisa comum terá de se realizar com a adjudicação do prédio a um dos comproprietários – neste caso, o requerido formulou pretensão nesse sentido – mediante o pagamento de tornas ao outro comproprietário – cf. art.º 929º, nº 2 do CPC. Nos termos do art.º 1403.º, n.º 2 do Código Civil, “os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo.” Na situação sub judice parece claro que as quotas da autora e do réu sobre a fracção identificada são quantitativamente iguais, sendo cada titular de uma quota de 50% sobre o imóvel. Segundo Antunes Varela e Pires de Lima, “[…] a medida inicial das quotas pode ser modificada por acordo ulterior dos contitulares. O acordo de modificação está sujeito às regras de forma e de publicidade a que tem de obedecer o ato constitutivo da comunhão”, sendo que os modos de constituição da compropriedade são os mesmos da aquisição da propriedade, previsto no art. 1316.º do Código Civil, bastando que neles intervenha como adquirente mais do que um sujeito – cf. Código Civil Anotado, Volume III, 2ª Edição Revista e Actualizada, pág. 349. Assim, considerando o princípio da tipicidade ou do numerus clausus em matéria de direitos reais – cf. art.º 1306.º, n.º 1 do Código Civil -, a circunstância de um dos comuneiros, num contexto em que cada um é titular de uma quota de 50%, suportar sozinho (ou em maior parte) as amortizações do mútuo hipotecário contraído para aquisição do imóvel, não tem a virtualidade de alterar a proporção da respectiva quota, majorando-a na mesma proporção dos encargos que suporta além da metade que lhe compete. Tal como decorre do art.º 1405.º, n.º 1 do Código Civil, os comproprietários devem participar “nas vantagens e encargos da coisa, em proporção das suas quotas”, de modo que se um deles assumir unilateralmente encargos que excedam a sua quota de 50% ficará credor do outro pelo valor excedente. Neste caso, tendo a autora e o réu contraído mútuo hipotecário para pagamento do preço da aquisição da fracção, assumiram uma obrigação solidária, nos termos do art.º 512.º, n.º 1, do Código Civil – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-02-2015, processo n.º 4548/08.0TBCSC.L1-7. Nos termos do art.º 524.º do Código Civil “o devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete.” Como tal, caso algum dos comproprietários/mutuários tenha liquidado prestações do mútuo hipotecário em valores que ultrapassem a sua quota de 50%, passa a ser, pro essa razão, credor relativamente ao outro, na parte excedente. As despesas alegadamente realizadas por um dos interessados quer quanto ao pagamento das prestações atinentes ao empréstimo bancário por ambos contraídos para a aquisição do prédio, quer as relativas a IMI e despesas de condomínio, sendo o seu pagamento da responsabilidade de ambos, originam na esfera jurídica do requerido, a se comprovarem, um direito a ser ressarcido em metade desse valor. Sem dúvida que a admissão do pedido reconvencional transformará o processo especial em acção que deve seguir os termos do processo comum, mas a lei, mesmo em situação de simplicidade da questão a decidir quanto ao objecto primacial do processo, não o impede, pois que ao juiz foi confiada a possibilidade de autorizar o recebimento da reconvenção, desde que, embora diversas, as formas do processo não sigam uma tramitação manifestamente incompatível e se nisso existir interesse relevante ou a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio – cf. art.ºs artigos 266º, n.º 3 e 37º nº 2 do CPC. Neste caso, para que se possa obter, efectivamente, uma justa e definitiva composição do litígio, ou seja, para que em sede de conferência de interessados (fase executiva) estes estejam em condições de formular as suas decisões, assume interesse relevante que esteja dirimida a questão de saber se o réu tem ou não direito a haver da outra interessada comproprietária a respectiva quota-parte do valor que despendeu no pagamento das despesas que alega ter realizado com o pagamento do empréstimo para aquisição da fracção, condomínio e IMI, para além da sua quota-parte. A resolução desta questão será essencial para, em sede de conferência de interessados, serem fixadas as tornas que o comproprietário a quem o prédio seja adjudicado deverá pagar ao outro. As razões de celeridade convocadas na decisão recorrida devem, segundo se entende, ceder perante razões de economia processual, utilidade e eficácia das decisões, posto que só com a admissão da reconvenção, neste caso, será possível atribuir as tornas ao comproprietário a quem não for adjudicado o prédio, a calcular de acordo com as quotas respectivas, o que, a não suceder, poderá até inviabilizar o acordo na conferência, face à impossibilidade de reconhecimento dos créditos do reconvinte. Em tais circunstâncias, a utilidade no prosseguimento do processo em termos simplificados perde relevância face à perspectiva de uma impossibilidade de acordo em sede de conferência, para além de obrigar uma das partes a deduzir ulteriormente uma nova acção. Com efeito, sobreleva o interesse em discutir e decidir todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos, de modo a que se evite que o reconvinte se veja forçado a recorrer à propositura de uma outra acção para ver o seu direito reconhecido, e sem que com isso se possam ter por ofendidos quaisquer princípios estruturantes do processo civil, antes pelo contrário. Assim, antes de considerar, desde lodo, a possibilidade de proferir decisão sumária sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão e, por via disso, concluir pela incompatibilidade de tramitação, haveria que começar por, reconhecendo o interesse relevante na admissão da reconvenção e verificada a impossibilidade de conhecer sumariamente das questões suscitadas, mandar seguir os termos subsequentes à contestação, do processo comum – cf. neste sentido, acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-03-2018, processo n.º 2886/15.5T8CSC.L1.L1-8 e de 24-09-2015, processo n.º 2510/14.3T8OER-A.L1-2. Já o pedido reconvencional na parte atinente aos valores que o réu terá alegadamente despendido com a amortização do crédito multiopções além da sua quota de 50%, não pode ser admitido, pois tal pretensão não radica no cômputo dos encargos com a coisa comum, não emerge, ou, pelo menos, não em primeira linha, da contitularidade do imóvel cuja divisão se peticiona, mas, antes, da relação de liquidação decorrente da cessação da união de facto antes existente entre a autora e o réu, não se afigurando que a sua apreciação conjunta seja indispensável para a justa composição do litígio base, que é divisão da coisa. De igual modo, não releva aqui também uma eventual pretensão da autora/recorrida de ser ressarcida pela ocupação exclusiva do imóvel pelo réu, questão que já excede este âmbito de relações – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-07-2021, processo n.º 967/20.2T8CSC.L1-7 13-07-2021[4] - “[…] quando o encontro entre o “deve” e o “haver” entre as partes não se cingir à contribuição de cada um para a amortização do empréstimo e encargos inerentes, concretamente quando a reconvinda invoca também direitos de crédito sobre o reconvinte, emergentes quer da sua contribuição para as restantes despesas do agregado familiar de ambos, quer do uso exclusivo que o reconvinte faz do imóvel objeto da divisão, desde a data da separação, a controvérsia que tem por objeto o “deve e haver” de cada um dos comproprietários relativamente ao outro (…) deve ser decidida em ação de condenação em que o membro da união de facto que se considere empobrecido relativamente a bens em cuja aquisição participou peça a condenação do outro a reembolsá-lo […]” No sentido que se tem por mais ajustado, veja-se, por esclarecedor, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-01-2021, processo n.º 1923/19.9T8GDM-A.P1.S1: “[…] a questão dos autos não está nessa parte pacífica da admissibilidade da dedução de reconvenção na ação especial de divisão de coisa comum, uma vez preenchidos os seus pressupostos substantivos, previstos no art.º 266.º do CPC. 6. Está antes em causa a questão de saber se, naquelas situações como a dos autos, em que a ação de divisão de coisa comum respeita a imóveis indivisíveis por natureza, adquiridos em virtude de uma comunhão conjugal, entretanto dissolvida, frequentemente destinados a habitação e adquiridos com recurso a mútuo bancário garantido por hipoteca, cujas prestações são suportadas em quantia diversa da proporção da aquisição do direito de propriedade, por um dos membros do casal, a simplicidade da questão suscitada pelo pedido de divisão obsta a que à demanda seja trazida, por via reconvencional, a questão que constitui o efectivo objeto do litígio entre os consortes, mas que não pode ser sumariamente decidida. Tudo está em saber se “as questões suscitadas pelo pedido de divisão”, referidas no art.º 926.º, n.º 2, do CPC, são única e exclusivamente apenas aquelas respeitantes à divisão física da coisa comum, ou podem contemplar aqueloutras que a divisão física suscita entre os comproprietários, designadamente, em caso de indivisibilidade, as relativas à compensação do valor que um deles haja suportado a mais com a aquisição, com o valor das tornas a haver pelo outro. 7. A questão que se coloca é tão-somente a de saber se, na ação especial de divisão de coisa comum, em que que o Requerido, apesar de deduzir contestação, confessa o pedido da Requerente, é admissível a reconvenção quando tenha sido suscitada a compensação de alegado crédito por despesas suportadas para além da quota respetiva, com o crédito de tornas que venha a ser atribuído ao requerente, devendo a ação seguir os termos do processo comum, para que sejam decididas tais questões, só então se entrando na fase executiva do processo com a conferência de interessados. 8. O Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado no sentido da admissibilidade da reconvenção, ainda que sobre pedidos distintos. 9. Por seu turno, a jurisprudência das Relações dividiu-se a propósito da (in)admissibilidade da reconvenção, ainda que ultimamente se verifique a tendência no sentido da sua admissibilidade. De um lado, de acordo com uma posição mais formalista e restritiva, entende-se que a reconvenção apenas é admissível se as questões deduzidas na contestação/reconvenção puderem ser decididas sumariamente, sem necessidade de prosseguir a causa nos termos do processo comum. De outro lado, conforme uma tendência mais atual, menos formalista e menos restritiva, já adotada, de resto, pelo Supremo Tribunal de Justiça, admite-se a reconvenção para assegurar a justa composição do litígio, quando tenha sido suscitada a compensação de alegado crédito por despesas suportadas para além da quota respetiva, com o crédito de tornas que venha a ser atribuído ao requerente, devendo a ação seguir os termos do processo comum, para que sejam decididas tais questões, só então se entrando na fase executiva do processo com a conferência de interessados, destinada ao preenchimento dos quinhões em espécie ou por equivalente. 10. Adota-se esta última posição que, de resto, se inscreve na orientação atualmente observada pelo Supremo Tribunal de Justiça. 11. Apenas esta solução permite alcançar a justa composição do litígio quando tenha sido suscitada a compensação de invocado crédito por despesas suportadas para além da quota respetiva, com o crédito de tornas que venha a ser atribuído ao requerente, devendo a ação seguir os termos do processo comum, para que sejam decididas tais questões, só então se entrando na fase executiva do processo com a conferência de interessados. 12. Se assim não for, na conferência de interessados, no caso de se adjudicar o imóvel a um dos comproprietários, o valor de tornas a entregar ao outro não terá em conta o verdadeiro cerne do litígio, tudo se passando como se ambos tivessem contribuído igualmente na proporção da quota respetiva. Porém, segundo o que cada uma das partes alega, tal não aconteceu. Não existe razão para lançar mão de outro processo judicial com vista à resolução daquilo que, efetivamente, separa as partes: o encontro entre o “deve” e o “haver”, entre a contribuição de cada um para o valor da sua quota. 13. Na ação de divisão de coisa comum, nos termos do art.º 926.º, n.º 3, do CPC, se o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, manda seguir, após a contestação, os termos subsequentes do processo comum. O único obstáculo à determinação da convolação do processo especial em processo comum será o decorrente da forma de processo, previsto no art.º 266.º, n.º 3, do CPC, que disciplina a admissibilidade da reconvenção, pois que esta, nos termos em que foi deduzida, sempre se subsumiria à hipótese prevista na al. c) – ou na al. b), conforme decidiu o Tribunal de 1.ª Instância, pois que, com a admissão da reconvenção, o Requerido poderá provar que contribuiu em maior medida do que a Requerente para a satisfação de despesas ou para a realização de benfeitorias na coisa comum - do n.º 2 do mesmo preceito, quando ao pedido do Requerido corresponda uma diferente forma de processo, tal como sucede no caso dos autos. 14. Contudo, no art.º 266.º, n.º 3, do CPC, o legislador salvaguarda a possibilidade de o juiz autorizar a reconvenção “quando ao pedido do Requerido corresponda uma forma de processo diferente”, nos termos previstos no art.º 37.º, n.ºs 2 e 3, do mesmo corpo de normas, “com as necessárias adaptações”. 15. Deste modo, traduzindo-se as diversas formas de processo - especial e comum - no único obstáculo formal à admissibilidade da reconvenção, mas não seguindo as mesmas uma tramitação manifestamente incompatível, tanto mais que é expressamente admissível a convolação do processo especial de divisão de coisa comum em processo comum, de acordo com o art.º 37.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, o juiz pode autorizar a reconvenção, “sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa-composição do litígio”. Na verdade, as formas de processo especial e comum, correspondentes aos pedidos da Requerente e do Requerido, não seguem uma “tramitação manifestamente incompatível”, pois o próprio legislador prevê, no art.º 926.º, n.º 3, do CPC, a transmutação do processo especial de divisão de coisa comum em processo comum. […] 17. Em conformidade com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, apenas existe “tramitação manifestamente incompatível” quando se mostre necessária a prática de actos processuais contraditórios ou inconciliáveis, o que, in casu, não se verifica, porquanto a tramitação comum está prevista neste processo especial (cf. art.º 926.º, n.º 3 do CPC), de um lado e, de outro, trata-se tão só da introdução da tramitação do processo comum na fase declarativa deste processo especial, retomando-se, depois, na fase executiva, a tramitação do processo especial. […] 19. Importa levar em linha de conta que art.º 2.º, n.º 2, do CPC, estabelece a garantia de acesso aos tribunais “mediante todos os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção”, salvo se a lei determinar o contrário - o que in casu não determina -, assim como o art.º 6.º, do mesmo corpo de normas, que incumbe o juiz de adotar “mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a almejada justa-composição do litígio em prazo razoável”. Este poder-dever de gestão processual permite a admissibilidade da reconvenção, em circunstâncias como as dos presentes autos. 20. Esta é a única solução que se harmoniza com os princípios que regem a lei processual civil, cada vez mais distantes de perspetivas de pendor marcadamente formalista em detrimento da procura da garantia de uma efetiva composição do litígio que reponha a paz social quebrada com as visões antagónicas que as partes têm do caso que as divide e que constituem o fundamento da demanda. […] 23. Está em causa o interesse em discutir e decidir todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos. Importa evitar que o Requerido/Recorrente se veja compelido a propor uma outra ação para ver o seu direito reconhecido. A admissão da reconvenção não fere, minime que seja, qualquer princípio estruturante do processo civil. 24. São claramente menores os inconvenientes decorrentes da admissão da reconvenção e da tramitação sob a forma de processo comum do que aqueles que resultariam da sua não admissão. Na verdade, na mesma ação são decididas todas as questões que ao caso importa, procede-se à divisão da coisa comum e compensa-se o invocado crédito por despesas suportadas pelo Requerido para além da quota respetiva, com o crédito de tornas que venha a ser atribuído à Requerente, sem necessidade de propositura de nova ação.” Em abono desta tese registe-se a adesão a tal entendimento do Professor Miguel Teixeira de Sousa – cf. anotação ao acórdão supra transcrito, in Blog IPPC, entrada 13 de Maio de 2019[5]. No sentido que se tem por mais ajustado, vejam-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1-10-2019, processo n.º 385/18.2T8LMG-A.C1.S2 e de 30-04-2019, processo n.º 1293/09.3TBLRA.C1.S2; do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-05-2023, processo n.º 2772/22.2T8OER-A.L1-2; de 2-03-2023, processo n.º 102/22.2T8VLS.L1-2; de 24-11-2022, processo n.º 1342/22.0T8CSC.L1-2; de 22-03-2022, processo n.º 823/20.4T8CSC.L1-7; de 8-06-2021, processo nº 13686/20.0T8LSB.L1-7; de 15-03-2018, processo n.º 2886/15.5T8CSC.L1.L1-8; do Tribunal da Relação de Évora de 29-04-2021, processo n.º 4300/19.8T8STB-A.E1; de 17-01-2019, processo n.º 764/18.5T8STB.E1; do Tribunal da Relação do Porto de 8-11-2022, processo n.º 5744/20.4T8MTS.P1[6]. Seguindo a jurisprudência mencionada, com a qual se concorda, conclui-se que os princípios subjacentes aos poderes/deveres de gestão e adequação processual atribuídos ao juiz impõem que, em acção de divisão de coisa comum, se for deduzida reconvenção em que o demandado formule pedido de reconhecimento de um crédito decorrente de despesas suportadas com a coisa para além da sua quota-parte no prédio dividendo, deverá a reconvenção ser admitida, na parte em que visa alcançar a condenação da ré no pagamento dos valores que despendeu na amortização do crédito à habitação e encargos com condomínio e IMI, além da sua quota de 50%, ao abrigo do disposto nos art.ºs 6º, n.º 1, 547º, 549º, n.º 1, 266º, n.ºs 2, b) e 3 e 37º, n.ºs 2 e 3 do CPC, pelo que há que ordenar, em consequência, que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum. Com tais fundamentos, procede a presente apelação, * Das Custas De acordo com o disposto no art.º 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. Nos termos do art.º 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria. A pretensão que o apelante trouxe a juízo merece provimento. Como decorre do referido art.º 527º do CPC, na base da responsabilidade pelo pagamento das custas relativas às acções, aos incidentes e aos recursos está um de dois princípios, ou seja, o da causalidade e o do proveito, este a título meramente subsidiário, no caso de o primeiro se não conformar com a natureza das coisas. Do princípio da causalidade emerge a solução legal de dever pagar as custas a parte a cujo comportamento lato sensu seja objectivamente imputável o dirimir do litígio, sendo que, na dúvida, a lei presume, iuris et de iure, ou seja, que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for. Dado que a autora/recorrida é a parte vencida neste recurso, é ela a responsável pelo pagamento das custas, ainda que não tenha exercido o direito de contraditório. As custas (na vertente de custas de parte) ficam, pois, a cargo da apelada. * IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar procedente a apelação e, em consequência: a. revogar a decisão recorrida, no segmento em que não admitiu o pedido reconvencional atinente aos valores despendidos pelo réu na amortização do crédito à habitação relacionado com a aquisição da fracção, despesas de condomínio e IMI, na parte em que exceda a sua quota de 50% e ordenar que o processo siga os termos subsequentes à contestação, sob a forma de processo comum. Custas pela apelada. * Lisboa, 13 de Julho 2023 Micaela Marisa da Silva Sousa José Capacete Cristina Coelho _______________________________________________________ [1] Adiante designado pela sigla CPC. [2] Acessível na Base de Dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem. [3] “2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos: […] c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; […]” [4] Acessível em https://www.direitoemdia.pt/search/show/e2b7249bb3e4996d72feedd11ec1653490c6c1c46e179faca7d6704b749d70c4. [5] Acessível em https://blogippc.blogspot.com/2019/05/jurisprudencia-2019-18.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+BlogDoIppc+%28Blog+do+IPPC%29, [6] Em sentido contrário, detectaram-se os seguintes arestos: acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-03-2013, processo n.º 86/11.2TBVZL-A.C1; de 3-22-2020, processo n.º 1761/19.9T8PBL.C1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 4-03-2010; do Tribunal da Relação do Porto de 26-01-2021; processo n.º 1509/19.8T8GDM.P1, este último sustentando, numa situação em que o pedido reconvencional era similar ao dos presentes autos, que tal pedido não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa, nem na acção é pedida a entrega da coisa relativamente à qual ocorreram as despesas ou o reconhecimento de qualquer crédito, para afastar a conexão substantiva com o objecto da acção e refutando a possibilidade de adequação processual, por estar encerrada a fase declarativa da acção de divisão de coisa comum, com argumentos que se têm por demasiado arreigados ao formalismo processual que se pretende ultrapassar. |