Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
149/23.1S9LSB.L1-9
Relator: CARLA CARECHO
Descritores: FACTOS ALEGADOS NA CONTESTAÇÃO
FACTOS RELEVANTES
NULIDADE
CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
DISTÂNCIA PERCORRIDA
ESTACIONAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da relatora):
I. Não tem o tribunal a quo de levar à fundamentação de facto o que se alega em sede de contestação atinente à quantidade/natureza de bebidas alcoólicas que o arguido ingeriu, uma vez que tal é irrelevante para a subsunção dos factos ao crime p.p. pelo artigo 292º, n.º 1 do CP.
II. Já quanto ao alegado trajecto efectuado e à distância percorrida nas circunstâncias de tempo e lugar em causa nos autos, podendo tal acervo mostrar-se relevante para a determinação da medida concreta da pena e da sanção acessória de inibição de conduzir, deveria o tribunal a quo tê-lo expressamente julgado provado (ou não provado). Não o tendo feito, padece a sentença de nulidade, por força do estatuído no artigo 379º, n.º 1, al. a) do CPP.
III. Mas uma vez que na Motivação da Convicção o tribunal a quo discorreu sobre tal acervo fáctico, no sentido da sua verificação, procede o Tribunal de recurso ao suprimento da declarada nulidade, ao abrigo do artigo 379º, n.º 2, 2ª parte do CPP, passando-o a integrar no elenco dos factos provados.
IV. Atendendo, entre outros factores, às circunstâncias que em concreto se apuraram - o arguido conduziu a viatura automóvel por uma distância não superior a 300 metros com vista a aparcá-la em local destinado para o efeito -, a sanção acessória de inibição de conduzir deve ser fixada pelo mínimo legal de 3 meses.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
No Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, Juiz 2, no âmbito do Processo Sumário n.º 149/23.1S9LSB.L1, foi o arguido AA, devidamente identificado nos autos, submetido a julgamento pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e sob a influência de estupefacientes e substância psicotrópicas, previsto e punido pelo artigo 292º, n.ºs 1 do Código Penal (doravante CP) punível com a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, nos termos do disposto no artigo 69º, n.º 1, al. a) do CP, tendo a final sido proferida sentença que:
- condenou o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e sob a influência de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 292º, n.º 1 do CP, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de 7,00 € (sete euros), no montante global de 420,00 € (quatrocentos e vinte euros);
- condenou o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, prevista no artigo 69º, n.º 1, alínea a) do CP, pelo período de 5 (cinco) meses.
- condenou o arguido no pagamento das custas criminais, com taxa de justiça fixada em 2 (duas) UC´s, e demais encargos com o processo.
Inconformado com a decisão condenatória, veio o arguido interpor recurso (ref.ª Citius n.º 37091947), terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
“A) O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo Tribunal Singular a 25/08/2023, nos termos da qual se decidiu condenar o aqui Recorrente pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal (doravante CP), na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à razão diária de €7,00 (sete euros), o que perfaz o montante global de € 420,00 (quatrocentos e vinte euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista no artigo 69.º, n.º 1, al. a), do CP, pelo período de 5 (cinco) meses.
B) O Recorrente, para além dos factos que vieram a ser dados como provados na sentença recorrida, alegou ainda nos arts. 4 a 13 da sua contestação, outros factos relevantes para a sua defesa e para a decisão da causa, nomeadamente que as bebidas alcoólicas por si ingeridas, foram-no sendo ao longo do dia, que a distância percorrida foi inferior a 300m, e que se encontrava capaz de conduzir e que o fez de uma forma cuidada e atenta.
C) Percorrida a sentença impugnada verifica-se que nenhum destes factos foi alvo de apreciação por parte do tribunal, nenhum deles consta dos factos provados, nenhum consta dos factos não provados, sendo de concluir haver omissão de pronúncia, uma vez que se mostra, nos termos sobreditos, lacunosa a enumeração dos factos provados e não provados, pelo que, nessa medida, a sentença mostra-se ferida de nulidade (art. 379º, n.º 1, al. c) do CPP).
D) Sem conceder e subsidiariamente, ainda que se entenda que a sentença não é nula, matéria na qual não se concede e apenas se coloca por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que foi incorrectamente julgada a matéria de facto, impondo-se a sua alteração, no que diz respeito aos factos dos arts. 4 a 5 e de 7 a 11 da contestação apresentada pelo Recorrente, os quais deverão ser dados como provados.
E) Para fundamentar a o tipo e o quantum da pena a aplicar, o douto Tribunal a quo considerou, e conforme dispõe o n.º 3 do artigo 71.º do CP, a confissão livre, integral e sem reservas da recorrente, o facto de se se encontrar laboralmente inserido e ter uma meio de vida determinado, e ainda o facto de ser mostrado arrependido.
F) Uma condenação de pena acessória em que o arguido não tem quaisquer antecedentes criminais, confessa todos os factos praticados e demonstra ter interiorizado o crime praticado, nunca poderá ser em medida substancialmente superior ao mínimo legal.
G) O douto Tribunal a quo apenas teve em consideração a confissão livre integral e sem reservas e a situação laboral do Recorrente, não tendo valorado a forma e circunstâncias em que foi praticado o crime e a ausência de antecedentes criminais, a TAS, o que, tudo visto e ponderado, levaria a uma condenação de proibição de condução de veículos automóveis pelo período de três meses.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, deve a douta decisão recorrida ser:
a) declarada nula por violação do art. 379º, n.º 1, al. c) do CPP);
b) sem conceder e subsidiariamente, revogada a decisão de matéria de facto, sendo acrescentados os factos constantes dos arts. 4 a 5 e de 7 a 11 da contestação dados como provados;
c) sem conceder, ser revogada a decisão recorrida no que tange à medida da pena de sanção acessória aplicada.
Termos em que V. Exas. farão a costumada JUSTIÇA!” (fim de transcrição)
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O recurso foi admitido por despacho proferido a09.10.2023 (ref.ª Citius n.º 428807545), a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Pelo Ministério Público foi apresentada resposta (ref.ª Citius n.º 37524669), na qual, em súmula, defende não ocorrer qualquer a nulidade invocada pelo arguido recorrente, devendo nessa parte ser o recurso julgado improcedente, bem assim no que tange à dosimetria da pena e da sanção acessória aplicadas, mantendo-se, na totalidade a sentença recorrida.
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Remetidos os autos a este Tribunal da Relação de Lisboa, pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto foi lavrado Parecer (ref.ª Citius n.º 20339558), no qual, em súmula, declarou aderir à Resposta ao recurso apresentada em 1ª instância, pugnando pela improcedência do recurso.
Sublinhou que o tribunal conheceu dos factos vertidos nos artigos 7º a 11º da contestação quando referiu que o arguido “(…), explicitando as circunstâncias concretas em que incorreu na prática desta factualidade, designadamente que tinha estado a beber ao longo do dia e que apenas ia estacionar bem a sua viatura, tendo sido de alguma forma surpreendido pelo facto de ter tido uma abordagem policial, quando apenas desejava colocar a sua viatura bem estacionada. (…)”, pelo que não se verifica a invocada nulidade. Ademais, entende que tal alegação reporta-se a factos inócuos, excrescentes ou irrelevantes para a qualificação jurídica ou para a graduação da responsabilidade do arguido.
Mais enfatizou que a medida da sanção acessória mostra-se adequada e proporcional, na senda de várias decisões dos tribunais de 2ª instância, que cita.
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Cumprido o preceituado no nº 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal (doravante CPP), nada mais foi alegado.
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Por despacho de 4.12.2023 (ref.ª Citius n.º 20828190), ao abrigo do disposto no artigo 101º, n.º 5 do Código de Processo Penal, foi solicitado ao Tribunal a quo que procedesse à transcrição da totalidade da sentença proferida, o que foi feito e junto a 07.02.2024 (ref.ª Citius n.º 675499)
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No exame preliminar considerou-se que o objecto do recurso interposto deveria ser conhecido em conferência (uma vez que não foi requerida a realização da audiência e não é necessário proceder à renovação da prova nos termos do artigo 430º do Código de Processo Penal).
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Colhidos os vistos legais e realizada a conferência a que alude o artigo 419º do Código de Processo Penal, cumpre decidir.
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III – Fundamentos do recurso
São os seguintes os factos julgados provados pelo Tribunal de 1.ª Instância:
“Factos Provados
1. No dia 9 de agosto de 2023, cerca das 03:15, o arguido seguia ao volante do veículo automóvel ligeiro de passageiros matrícula ... na ....
2. Apresentava na ocasião uma taxa de álcool no sangue registada de 1,55g/l, correspondente a, pelo menos, 1,426g/l por via do EMA.
3. O arguido ingeriu bebidas alcoólicas suficientes e capazes de originar uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l.
4. Não obstante, quis conduzir nas circunstâncias supra descritas e fê-lo de forma livre, voluntária e consciente,
5. Bem sabendo a sua conduta proibida e punida por lei penal.
6. O Arguido trabalha para a sociedade ..., na qualidade de ... , auferindo a quantia mensal de 720,00€;
7. Encontra-se a frequentar o 2.º ano do curso superior de recursos humanos na ..., pelo qual paga uma quantia mensal de 440,00€;
8. Habita numa casa arrendada juntamente com uma irmã, contribuindo para as despesas domésticas como 200,00€;
9. Tem já completado o 1.º ano do aludido curso profissional.
10. Confessou a factualidade que o trouxe até tribunal, mostrando-se arrependido da prática da mesma.
11. Não possui antecedentes criminais registados.
(Motivação da convicção)
“O tribunal formou a sua convicção na valoração conjunta e crítica da prova que foi produzida em sede de julgamento. Por um lado, tomou-se as suas declarações em sede de audiência de discussão e julgamento, precisamente que assumiu a prática destes factos, confessando-os e mostrando-se arrependido da prática dos mesmos, explicitando as circunstâncias concretas em que incorreu na prática desta factualidade, designadamente, que tinha estado a beber ao logo do dia e que apenas ia estacionar bem a sua viatura tendo sido de alguma forma surpreendido pelo facto de ter tido uma abordagem policial, quando apenas desejava colocar a sua viatura bem estacionada. Mais se tomou em consideração os documentos juntos aos autos, designadamente (…) e os documentos juntos com a sua contestação (…).
Aqui chegados forçoso é que se conclua que efetivamente o senhor incorreu na prática deste crime, é bom de ver que a sociedade não pode tolerar que aqueles que conduzem uma viatura automóvel, e aí de pouco releva, como há pouco já lhe referi, se o fazemos por um metro ou por dez mil quilómetros ou mais, não é; o que é certo é que o Estado Português não pode tolerar que aquele ou aquela que conduzem veículos motorizados na via pública, o façam com uma taxa de álcool superior ao legalmente permitida. A atividade de conduzir já é em si uma atividade perigosa como o demonstra aliás a obrigatoriedade que impende sobre todos nós, de termos um seguro de responsabilidade civil obrigatório por andarmos com as nossas viaturas e, portanto, se aquele ou aquela que o faz estiver sujeito a uma taxa de álcool superior ao legalmente permitido, é bom de ver que tem que ser criminalmente punido para tal quando ultrapassa o limiar mínimo para o qual começa a incorrer na prática de um crime que é 1.2.
(Escolha e determinação da pena)
Assim sendo o senhor será condenado por este crime, este crime é punido com pena de prisão ou com pena de multa porque o senhor não tinha até à data antecedentes criminais registados, é bom ver que o tribunal opta por uma pena de multa.
Temos a seu favor, o facto do senhor se mostrar laboral e familiarmente inserido, ter um meio de vida determinado e ter-se mostrado arrependido da prática destes factos e de tê-los confessado. Contra si, o facto de ter incorrido na prática deste crime com dolo, e ser um crime que cujas necessidades de prevenção especiais, gerais aliás, se fazem sentir com particular acuidade porque quase todos os dias somos surpreendidos com notícias de inúmeros condutores que insistem em percorrer as nossas estradas com uma taxa de álcool superior ao legalmente permitida, colocando-se a si e aos demais que com eles se cruzam (…) É um crime de perigo e, portanto, não interessa se vem a acontecer efectivamente alguma coisa de mal, o que o Estado não pode tolerar, é que o senhor e os demais que andam consigo ou que consigo se cruzam, estejam sujeitos a esse perigo e, portanto, tem que ser punido por tal.
Vai então condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez numa pena de 60 dias de multa à razão diária de 7 euros e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 5 meses.
(…)”
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Questões a decidir no recurso:
O objecto do recurso, que circunscreve os poderes de cognição do tribunal de recurso, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402º, 403º, 412. e 417º, todos do Código do Processo Penal, doravante CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410º, n.º 2 do CPP (conforme resulta do Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), os quais devem resultar directamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP) (neste sentido, vide Ac. do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5ª Secção).
Assim, atentas as conclusões do recorrente são colocadas à apreciação deste tribunal as seguintes questões, enunciadas por ordem de precedência lógico-jurídica:
A) nulidade da sentença;
B) medida da sanção acessória de proibição de condução de veículos motorizados.
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Nulidade da sentença
Preceitua o artigo 379º do CPP:
1. É nula a sentença
a. Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389º-A e 391º-F;
b. (…)
c. Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
2. As nulidades da sentença devem ser arguidas e ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414º do CPP.
3. (…).
Por seu turno, consagra-se no artigo 389º-A, a seguinte disciplina:
“1. A sentença é logo proferida oralmente e contém:
a. a indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas;
b. a exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão;
c. Em caso de condenação, os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada;
d. O dispositivo, nos termos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 374º.
(…)”
Como é consabido, a sentença pode padecer de diversos vícios, designadamente de inexistência, nulidade ou mera irregularidade. O dispositivo legal vindo de citar regula as nulidades da sentença e o seu modo de sanação, fixando um regime especial em relação ao previsto nos artigos 118º - 120º do CPP.
São causas de nulidade da sentença a omissão dos factos provados e não provados na fundamentação da sentença, bem assim a omissão de pronúncia sobre questões que o tribunal devesse apreciar, designadamente, a omissão de pronúncia sobre factos concretos da acusação, da pronúncia ou da contestação que sejam relevantes para a boa decisão da causa (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal à luz da CRP e da CEDH”, Univ. Católica editora, 3ª ed., pág. 959-960, comentário ao artigo 379º) (sublinhado no original).
Neste mesmo sentido, ou seja, de que a mencionada falta prevista na al. c) do n.º 1 do preceito em apreço só produz a referida nulidade quando respeite a factos relevantes para a qualificação jurídico-criminal da conduta atribuída ao arguido, que tenham sido descritos na acusação, ou na pronúncia, quando esta exista, ou na contestação, ou ainda, quando se conexione com elementos probatórios igualmente relevantes que tenham sido trazidos aos autos, antes ou durante o julgamento, já se havia há muito pronunciado o STJ nos seus Acs. de 10.10.1991, Proc. n.º 41924 e de 14.11.1996, Proc. n.º 48588, bem assim noutros Acs. de 31.10.1995, Proc. n.º 48259 e de 01.10.1997, Proc. n.º 393/97, todos citados por Simas santos e Leal Henriques, in “Código de processo Penal Anotado”, II vol., Ed. Rei dos Livros, 2ª edição, 2000, pág. 583) em que se decidiu que a omissão da referência na sentença a cada facto apenas gera nulidade quando disser respeito a factos essenciais para a caracterização do crime e suas circunstâncias alegadas pela acusação ou pela defesa. Com data posterior, mas sempre no mesmo rumo, temos os Acs. de 03.10.1996, Proc. n.º 440/96 e o de 10.10.1996, Proc. n.º 617/96, ambos indicados na ob. cit. de Simas Santos e Leal Henriques: é nulo o Acordão que não se pronunciar sobre factos alegados na contestação com inegável relevância jurídica, v.g., por influírem na determinação da pena.
Em suma: só a omissão de factualidade que assuma relevância para a decisão da causa integra a nulidade plasmada nos citados artigos 379º, n.º 1, al. a) e 389º-A, n.º 1, al. a) ambos do CPP.
Posto isto, importa que se olhe para o que se mostra alegado na contestação, mormente nos artigos 4º a 13º, a fim de indagar se se trata aí de factualidade que importe ter como relevante/essencial, tanto para a qualificação jurídica dos factos, como para a determinação da medida concreta da pena, bem assim da sanção acessória de inibição de conduzir que foram aplicadas ao arguido recorrente.
Pode ler-se então em tal peça processual:
4. No dia anterior aos factos, o Arguido ingeriu duas taças de vinho branco ao almoço.
5. Mais tarde, já após o jantar, o Arguido deslocou-se até ao estabelecimento comercial designado por ..., sito na ...
6. Estabelecimento esse que é propriedade de um amigo do Arguido, BB.
7. E que se situa a cerca de 60 metros da residência do Arguido, sita na R. Sebastião Saraiva Lima 53, Lisboa.
8. E no qual, efectivamente, ingeriu algumas cervejas.
9. Por volta das 03h00 do dia 09.08.2023, apercebendo-se de que o seu veículo com a matrícula ... se encontrava indevidamente estacionado, decidiu entrar no veículo e conduzir o mesmo com vista a estacioná-lo de forma adequada.
10. Enquanto conduzia o veículo supramencionado, na busca por um lugar de estacionamento, e após ter percorrido não mais de 300 metros, é logo o Arguido surpreendido pelos elementos da PSP, os quais lhe deram ordens para imobilizar o veículo, as quais o arguido de imediato acatou.
11. O percurso feito pelo Arguido, desde o estabelecimento comercial em que se encontrava até ao local onde foi detido, corresponde cerca de 300 metros.
12. Não obstante a TAS detectada ao Arguido, certo é que as bebidas alcoólicas foram sendo ingeridas por este ao longo do dia.
13. O Arguido encontrava-se assim consciente e capaz de conduzir, tendo-o feito de forma atento, não tendo colocado quaisquer bens ou pessoas em perigo.”
Não pondo o recorrente em causa a valoração que foi feita pelo tribunal a quo quanto à ausência de antecedentes criminais do arguido e à TAS por este evidenciada aquando da submissão ao exame em causa nos autos, entende porém que aquele tribunal não se pronunciou sobre a concreta forma e circunstâncias em que foi praticado o crime, uma vez que não julgou provados, nem não provados os factos elencados nos artigos 4º a 13º da contestação. Entende que a alegada factualidade quanto à ingestão, ao longo de todo o dia, de duas taças de vinho branco ao almoço e de algumas cervejas entre o final do jantar e a hora a que foi submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue é relevante para a boa decisão da causa e se se tivesse pronunciado no sentido positivo quanto a tal alegação fáctica, a condenação de proibição de condução de veículos automóveis teria sido pelo período mínimo legal de três meses. Não podemos, na sua totalidade, com tal concordar.
Como bem se refere no Parecer emitido pelo Senhor PGA junto deste Tribunal da Relação, não “interessa saber quantas taças de bebida ingeriu, porque apenas interessa o grau de álcool medido por litro de sangue e que o aparelho acusou. Agora se foi esta ou aquela bebida, uns tantos xotes, etc. a lei não se interessa por isso (e se nos é permitido com todo o respeito, nem nos parece que o Estado se deva meter nesses assuntos de cada um…).” Com efeito, e como é do conhecimento geral, a reacção do organismo de cada um diverge perante a quantidade e o teor alcoólico de bebidas que ingere, pelo que o que importa para a subsunção dos factos cometidos pelo arguido ao crime p.p. pelo artigo 292º, n.º 1 do CP, bem assim para a fixação da concreta medida da pena e fixação do período de duração da sanção acessória de inibição de conduzir é (entre outros factores) o grau de taxa de álcool no sangue que efectiva e objectivamente se mostra evidenciado nos autos, valor esse que nos é dado pelo resultado no exame a que, in casu, o arguido se submeteu, tendo apresentado uma TAS de 1,426g/l.
Não se impunha assim ao tribunal a quo pronunciar-se sobre a factualidade alegada nos artigos 4º a 8º e 12º da sua contestação crime, porquanto, repete-se, a mesma não se apresenta com qualquer potencialidade para influir na boa decisão da causa. Se entendimento diverso se fizesse, teria o tribunal de 1ª instância de levar à fundamentação de facto tudo quanto se alegasse em sede de contestação, fosse ou não pertinente para o que se impunha decidir, exigindo-se assim ao julgador uma actividade mecânica inútil de enumeração de todos os factos articulados pelo arguido.
Dito isto, importa agora que se indague se a factualidade invocada pelo recorrente nos artigos 9º a 11º da contestação e acima citada, se pode ter como “relevante para a decisão”.
Diz-nos Sérgio Poças, in “Da Sentença Penal - fundamentação de facto”, na Revista Julgar, Setembro -Dezembro 2007, págs. 24 -25: “(…) ainda que para a solução de direito que o tribunal tem como adequada para o caso, se afigure irrelevante a prova de determinado facto, o tribunal não pode deixar de se pronunciar sobre a sua verificação/não verificação – o que pressupõe a sua indagação -, se tal facto se mostrar relevante num outro entendimento jurídico plausível. É que em impugnação por via de recurso pode vir a ser considerado pelo tribunal ad quem que o facto sobre o qual o tribunal a quo especificadamente não se pronunciou por entender ser irrelevante, é afinal relevante para a decisão, o que determinará a necessidade de novo julgamento, ainda que parcial, com todas as maléficas consequências consabidas. Sejamos claros: indagam-se os factos que são interessantes de acordo com o direito plausível aplicável ao caso; dão-se como provados ou não provados os factos conforme a prova produzida. A pronúncia deve ser inequívoca: em caso algum pode ficar a dúvida sobre qual a posição real do tribunal sobre determinado facto. (…) Das duas, uma: ou o facto é inócuo para a decisão e o tribunal, com fundamentação sintética, di-lo expressamente e não tem que se pronunciar sobre a sua verificação/não verificação, ou, segundo um entendimento jurídico plausível é relevante e nesse caso deve pronunciar-se de acordo com a prova produzida.”
Face ao que ficou dito, e olhando para o argumentário recursivo, afigura-se-nos que a matéria de facto alegada nos artigos 9º a 11º da contestação não é de todo inócua, antes relevante, mormente para a decisão do quantum concreto da pena e/ou sanção acessória de inibição de conduzir.
Mas, e ao invés do alegado pelo recorrente, resulta da sentença recorrida que tal factualidade foi indagada e contraditada em sede de audiência de julgamento (1), tendo sido ademais valorada em sede de sentença, como explicitamente decorre dos fundamentos positivados na sentença recorrida na parte referente à motivação da convicção do tribunal.
Com efeito, o tribunal a quo, em sede de motivação da convicção dos factos provados, quando se reportou às declarações prestadas pelo arguido, tomando-as como sinceras e espontâneas – razão pela qual julgou provada a confissão dos factos e o arrependimento – atendeu igualmente às circunstâncias por aquele narradas atinentes aos motivos que levaram ao arguido a conduzir a viatura automóvel em causa na via pública. Não restam assim dúvidas sobre a real posição do tribunal sobre tal factualidade: julgou-a provada. Sucede que em sede de qualificação jurídica dos factos, e como aliás se mostra reconhecido no artigo 33. das Motivações de Recurso apresentadas, o tribunal a quo sublinhou, no entanto, ser irrelevante para o preenchimento do crime em causa a circunstância do agente ter percorrido “1 km ou 1000 k” (2). E para efeitos de determinação da medida da pena e da sanção acessória, insistiu o tribunal a quo na ponderação de tal factualidade, quando considerou que as exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir não podem tolerar a conduta de quem conduz viatura automóvel na via pública em estado de embriaguez, seja “por um ou por dez mil quilómetros”. Daqui decorre que o tribunal a quo atribuiu relevo a tal factualidade, embora diverso daquele pugnando pelo recorrente.
Sendo assim, não se pode deixar ter tal factualidade como relevante e tendo sido alegada na contestação tempestivamente apresentada nos autos e, por tal, admitida, não se mostrando elencada na fundamentação de facto, nos factos julgados provados, como o deveria ter sido, verificada está a nulidade prevista no artigo 379º, n.º 1, al. a), que remete para o artigo 374º, n.º 2, ambos do CPP, nulidade esta de que na presente sede de recurso se declara, concedendo-se assim, nesta parte, provimento ao recurso.
Mas uma vez que sobre tal acervo factual tribunal a quo se pronunciou aquando da apresentação das razões da sua convicção para o julgamento dos facto provados, pronunciando-se positivamente sobre o mesmo atentas as declarações prestadas pelo arguido consideradas convincentes (e não contraditadas por qualquer outro meio de prova, tanto quanto se alcança da sentença oralmente proferida), encontra-se este Tribunal de recurso apto a suprir a declarada nulidade, conforme preceitua o artigo 379º, n.º 2, 2ª parte do CPP.
E o suprimento de tal nulidade, no seguimento do vindo de decidir e com o âmbito limitado à apontada factualidade, não traduz qualquer substituição por este tribunal ad quem ao julgador da 1ª instância na valoração da prova produzida, apenas e tão só determina que se integre no elenco factual, facticidade que o tribunal a quo julgou provada (e por tal e nesse sentido foi ponderada e valorada aquando da subsunção jurídica e na determinação da medida da pena acessória, como acima se referiu) e omitiu a respectiva enunciação.
Por tudo o que ficou exposto, face à declarada nulidade da sentença recorrida previsto no artigo 379º, n.º 1 al. a) e 389º-A, n.º 1, al. a), ambos do CPP, na parte em que omitiu a enumeração no elenco dos factos provados da facticidade alegada nos artigos 9º a 11º da contestação, ao abrigo do artigo 379º, n.º 2, 2ª parte do CPP, passa esta a fazer parte da fundamentação de facto – factos provados -, com a seguinte numeração:
“12 - Por volta das 03h00 do dia 09.08.2023, apercebendo-se de que o seu veículo com a matrícula ... se encontrava indevidamente estacionado, decidiu entrar no veículo e conduzir o mesmo com vista a estacioná-lo de forma adequada.
13 - Enquanto conduzia o veículo supramencionado, na busca por um lugar de estacionamento, e após ter percorrido não mais de 300 metros, é logo o Arguido surpreendido pelos elementos da PSP, os quais lhe deram ordens para imobilizar o veículo, as quais o arguido de imediato acatou.
14 - O percurso feito pelo Arguido, desde o estabelecimento comercial em que se encontrava até ao local onde foi detido, corresponde cerca de 300 metros.”
*
Impõe-se assim que se prossiga na apreciação da segunda questão que constitui o objecto do recurso: existe uma incorrecta valoração na medida da pena acessória de inibição de conduzir condução de veículos motorizados aplicada ao arguido? Recorda-se que a medida concreta de tal sanção foi fixada pelo tribunal a quo em 5 (cinco) meses.
Vejamos.
O arguido foi punido pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo artigo 292º, n.º 11 CP, pelo que atento o disposto no artigo 69º, n.º 1, al. a) do CP tinha de ser condenado na pena acessória da proibição de conduzir, em conformidade com a doutrina emergente do Assento do STJ nº 5/99, DR I-A, 167/99, de 20 de Julho, que fixou a seguinte jurisprudência obrigatória: “O agente do crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º do Código Penal, deve ser sancionado, a título de pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal”.
Tal pena acessória é graduada pelo juiz entre os limites fixados na lei - 3 meses a 3 anos -, em função dos factos, das circunstâncias e das exigências de prevenção, nos termos do artigo 71º do CP, devendo obedecer ao princípio da proporcionalidade e não exceder o limite da culpa, nem ficar àquem deste (3).
Em sede de violação do princípio da proporcionalidade, pode ler-se no Ac. STJ de 18.05.2011, citado na nota de rodapé, “torna-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade da culpa expressa no facto e a gravidade da pena. Ao cometer um crime, o agente incorre na sanção do Estado, no exercício do seu direito de punir e esta sanção poderá importar uma limitação de sua liberdade. Uma das principais ideias presente no princípio da proporcionalidade é justamente, invadir o menos possível a esfera de liberdade do indivíduo, isto é, invadir na medida do estritamente necessário à finalidade da pena que se aplica porquanto se trata de um direito fundamental que será atingido. É certo que a determinação da concreta medida definitiva da pena tem sempre presente pon­tos de vista preventivos. Dado que o parâmetro da culpa representa um estádio na determinação da medida definitiva da pena a sua dimensão final fixa-se, também, de acordo com critérios preventivos dentro dos limites impostos pela culpa. Também neste contexto, a proibição de excesso tem uma importância determinante. Segundo o mesmo importa eleger a forma de intervenção menos gravosa que ofereça perspectivas de êxito e, assim, é possível que a dimensão concreta da pena varie dentro dos limites da culpa segundo a forma como se apresenta a concreta imagem de prevenção do autor. É justa aquela medida que se limita estritamente à obtenção da finalidade imprescindível. Como refere Liszt: “A pena necessária, neste sentido, é também a pena justa”. (…)
Em termos dogmáticos é fundamento da individualização da pena a importância do crime para a ordem jurídica violada (conteúdo da ilicitude) e a gravidade da reprovação que deve dirigir-se ao agente do crime por ter praticado o mesmo delito (conteúdo da culpa). (…) A ilicitude e a culpa são, assim, conceitos graduáveis entendidos como elementos materiais do delito. Isto significa, entre outras coisas, que a intensidade do dano, a forma de executar o facto, a perturbação da paz jurídica contribuem para dar forma ao grau de ilicitude enquanto que a desconsideração; a situação de necessidade (…) devem ser tomados em conta para graduar a culpa. (…)
A medida da violação jurídica depende, também, da forma de execução do crime. A vontade, ou o empenho empregues na prática do crime são, também, um aspecto subjectivo de execução do facto que contribui para a individualização. A tenacidade e a debilidade da vontade constituem valores angulares do significado ambivalente da vontade que pode ser completamente oposto para o conteúdo da ilicitude e para a prevenção especial. (Jeschek “Tratado de Direito Penal”, ed espanhola, pág. 780).
(…). Os motivos e objectivos do agente, a atitude interna que se reflecte no facto e a medida da infracção do dever são todos eles circunstâncias que fazem aparecer a formação da vontade do agente a uma luz mais ou menos favorável e, como tal, minoram ou aumentam o grau de reprobabilidade do crime. (…). Também os objectivos perseguidos pelo agente devem ser examinadas no que respeita à sua qualidade ética. (…). Também a atitude interna do arguido deve ser valorada conforme as normas da ética social (v.g. posição de indiferença face ao bem jurídico protegido, (…).” (fim de transcrição)
Postos estes ensinamentos teóricos, impõe-se olhar para as circunstâncias particulares que resultam dos factos provados para lograrmos individualizar a medida concreta da pena acessória da medida da sanção acessória da inibição de conduzir.
Recordamos então que, a TAS registada foi de 1,55g/l, correspondente a, pelo menos, 1,426g/l por via do EMA; mostrou-se arrependido da prática da mesma; não tem antecedentes criminais registados. A condução da viatura automóvel no dia e hora referidos nos autos - por volta das 03h00 do dia 09.08.2023 – foi no circunstancialismo que melhor acima ficou descrito: “apercebendo-se de que o seu veículo com a matrícula ... se encontrava indevidamente estacionado, decidiu entrar no veículo e conduzir o mesmo com vista a estacioná-lo de forma adequada. Enquanto conduzia o veículo supramencionado, na busca por um lugar de estacionamento, e após ter percorrido não mais de 300 metros, é logo o Arguido surpreendido pelos elementos da PSP, os quais lhe deram ordens para imobilizar o veículo, as quais o arguido de imediato acatou. O percurso feito pelo Arguido, desde o estabelecimento comercial em que se encontrava até ao local onde foi detido, corresponde cerca de 300 metros.” Ficou ainda provado que o arguido havia ingerido bebidas alcoólicas e, não obstante, quis conduzir nas circunstâncias supra descritas e fê-lo de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo a sua conduta proibida e punida por lei penal. Dos factos provados, resulta ainda que o arguido é trabalhador-estudante e vive com a irmã numa casa arrendada, contribuindo para as despesas domésticas como 200,00 €;
Perante todo este acervo fáctico que foi possível coligir, cremos que diante de uma moldura de 3 meses a 3 anos fixada pelo legislador para a sanção acessória de inibição de conduzir a aplicar sempre que o agente é condenado pelo cometimento do crime de condução em estado de embriaguez, a fixação pelo mínimo legal de 3 meses se mostra adequado, não excedendo nem ficando aquém do apontado limite da culpa, nem viola o princípio da proporcionalidade.
Com efeito, e como bem refere o tribunal a quo, se para o preenchimento do tipo legal do crime é indiferente a circunstância do arguido conduzir a viatura automóvel na via pública ao longo de um metro ou de um quilómetro, já o não será sede de avaliação dos critérios legais para a fixação das penas, mormente da sanção acessória de que aqui cuidamos. Na verdade, assumir voluntária e conscientemente a condução de uma viatura automóvel, após a ingestão, também voluntária e consciente de bebidas alcoólicas, para efectuar um trajecto de não mais de 300 metros com vista a aparcar a aludida viatura em local destinado para o efeito, encerra em si um grau de reprovação substancialmente menor do que aquele que nas mesmas circunstâncias de condução de viatura automóvel na via pública com a mesma TAS que o aqui arguido apresenta, empreende uma viagem por vários quilómetros, percorrendo várias vias de trânsito.
Se é certo que o crime em causa é um crime de perigo e que as exigências de prevenção geral são elevadas perante o cometimento do tipo legal de crime cometido pelo arguido (4), não sendo despiciendas as exigências de prevenção especial (5), importa contudo não esquecer o arrependimento demonstrado pelo arguido (6), pelo que cremos que a fixação da sanção acessória pelo mínimo legal se mostra adequada e proporcional a tais exigências, bem assim obediente aos limites positivos e negativos dos princípios da culpa e da proporcionalidade acima mencionados.
Pelo exposto, decide-se fixar em 3 (três) meses a medida concreta da sanção acessória de inibição de conduzir aplicada ao arguido.
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IV – DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder parcialmente provimento ao recurso e em consequência decide-se:
1. Declarar nula a sentença ao abrigo do disposto nos artigos 379º, n.º 1, al. a) e 389º-A, n.º 1, al. a), ambos do CPP;
2. Sanar a nulidade da sentença declarada ao abrigo do artigo 379º, n.º 2 do CPP, aditando à fundamentação de facto a seguinte factualidade julgada provada:
“12 - Por volta das 03h00 do dia 09.08.2023, apercebendo-se de que o seu veículo com a matrícula ... se encontrava indevidamente estacionado, decidiu entrar no veículo e conduzir o mesmo com vista a estacioná-lo de forma adequada.
13 - Enquanto conduzia o veículo supramencionado, na busca por um lugar de estacionamento, e após ter percorrido não mais de 300 metros, é logo o Arguido surpreendido pelos elementos da PSP, os quais lhe deram ordens para imobilizar o veículo, as quais o arguido de imediato acatou.
14 - O percurso feito pelo Arguido, desde o estabelecimento comercial em que se encontrava até ao local onde foi detido, corresponde cerca de 300 metros.”
2. Revogar a sentença recorrida na parte em que fixou a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 5 (cinco) meses, fixando-a agora em 3 (três) meses.
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Sem custas (artigo 513º do CPP, a contrario)
DN

Tribunal da Relação de Lisboa, 22 de Fevereiro de 2024

Carla Carecho
Amélia Carolina Marques Dias Teixeira
Nuno Matos
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1. E por tal não se está perante o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410º, n.º 2, al. a) do CPP. Este verifica-se quando a matéria de facto se mostra exígua para fundamentar a solução de direito encontrada, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição (assim, Ac. STJ de 5.12.2007, Proc. n.º 07P3406, relatado por Juiz Conselheiro Raul Borges, in www.dgsi.pt). De igual forma Simas Santos e Leal Henriques, na obra “Recursos em Processo Penal, 6ª edição, 2007, Rei dos Livros, pág. 69, escreveram: “Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a factualidade provada não permite, por exiguidade, a decisão de direito, ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adoptada, designadamente, porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objecto do processo, relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria à solução legal.” (sublinhados nossos)↩︎
2. “um metro ou um quilómetro”, nos dizeres do tribunal recorrido (cfr. gravação áudio da sentença oral proferida, disponível no sistema Citius).
3. De acordo com Claus Roxin, o princípio da culpa é o “meio para a limitação da pena”. Por sua vez, Jeschek, embora perfilhando esse mesmo ensinamento de que a culpa é o limite superior da pena, afirma que esta não pode ser fixada abaixo daquela fronteira. A tais ensinamentos doutrinais se alude no Ac. STJ de 18.05.2011, Proc. n.º 24/10.0PAMTJ.L1.S1, Conselheiro Santos Cabral, in www.dgsi.pt.
4. Sendo assim de fixar a pena com uma medida capaz de neutralizar os efeitos do delito como exemplo negativo para a comunidade, devendo ainda contribuir para fortalecer a sua consciência jurídica.
5. Pois que é necessário reconduzir o arguido a uma vida ordenada e ajustada à lei (o que não se confunde com uma teoria da retribuição das penas).
6. Como bem refere o Senhor PGA, remetendo para Ac. Rel. Lisboa de 17.01.2013, a confissão dos factos é de fraco valor atenuativo porque o arguido é surpreendido em flagrante delito.