Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
84/14.4TBNLS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
VIOLÊNCIA
ESBULHO
CONCEITO JURÍDICO
PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
Data do Acordão: 05/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: NELAS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOSN.º 2 DO ART.º 255.º, N.º 2 DO ART.º 1261.º E 1279.º DO CÓDIGO CIVIL, ART.º 379.º DO CPC
Sumário: I. No âmbito do procedimento cautelar de restituição provisória de posse, a actuação violenta caracterizadora do esbulho para efeitos do disposto no art.º 1279.º do Código Civil tanto pode respeitar à pessoa do possuidor, como à honra ou fazenda, suas ou de terceiro, assim se transpondo o regime do n.º 2 do art.º 255.º para o fenómeno possessório, por valer aqui o conceito de violência consagrado no n.º 2 do art.º 1261.º, sendo estes preceitos daquele diploma legal;

II. A remissão para o art.º 255.º impõe que a violência, quando exercida sobre as coisas, para ser relevante e qualificar o esbulho, tenha de traduzir-se na intimidação do possuidor, de modo que se quede sem resistência, sujeitando-se ao acto usurpativo, nisto consistindo a coacção moral;

III. Fora deste quadro, o possuidor esbulhado sem violência tem ao seu dispor a tutela do procedimento cautelar comum nos termos do art.º 379.º do CPC.

Decisão Texto Integral: I. Relatório

No Tribunal Judicial da comarca de Nelas, A... , divorciada, educadora de infância, residente na (...), em Nelas, veio instaurar contra:

B... , viúvo, reformado, residente na (...), em Lapa do Lobo;

C..., casado, empregado de balcão, residente na (...), a residir no sobredito lugar da Lapa do Lobo;

D..., solteiro, maior, metalúrgico, residente na (...), em Lapa do Lobo; e

E..., casado, carpinteiro, residente na (...), em Santa Comba, procedimento cautelar especificado de restituição provisória de posse e com inversão do contencioso, pedindo a final que se julgue sumariamente reconhecido que:

a) a Requerente é dona e legítima possuidora do prédio urbano sito ao “ (...)”, no lugar e freguesia de Lapa do Lobo, concelho de Nelas, formado por casa de habitação que se compõe de r/c e 1.º andar, com 4 divisões, com a superfície coberta de 160 m2, a confrontar de Norte com Herdeiros de (...), de Sul e de Nascente com caminho e de Poente com estrada, inscrito na matriz predial urbana da supracitada freguesia de Lapa do Lobo, sob o artigo n.º 2(...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Nelas da sobredita freguesia, sob o n.º 7 (...)/20030423;

b) a Requerente é dona e legítima possuidora do prédio rústico sito à “ (...)” no lugar e freguesia de Lapa do Lobo, concelho de Nelas, que se compõe de terra de mato, eucaliptal e carvalhal com a área de 8.174 m2, a confrontar de Norte com (...), de Sul com (...), de Nascente com caminho público e de Poente com Estrada Nacional 234, inscrito na respectiva matriz predial da referida freguesia de Lapa do Lobo sob o artigo n.º 9 (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Nelas, da supra citada freguesia, sob o n.º 3 (...)/19950406;

c) ordenar que a Requerente seja, em consequência, restituída provisoriamente à posse destes seus dois imóveis;

d) dispense a Requerente do ónus de propositura da acção principal através do instituto da Inversão do Contencioso.

Para tanto alegou, em suma, ser a dona do prédio urbano sito à Lapa do Lobo que identifica e, bem assim, de um rústico ali situado, sendo certo que, a despeito das inscrições matriciais autónomas, os prédios em causa formam uma unidade, encontrando-se o urbano implantado no rústico.

Mais alegou ter adquirido tais prédios mediante negócio de compra e venda celebrado com seu ex-marido, F..., sendo que por si e seus antecessores vem ocupando e possuindo os aludidos imóveis nas condições e pelo prazo conducentes à aquisição originária por usucapião, que expressamente invoca.

Sucede que no ano de 1980, por mera caridade, por cuja prática era conhecida, a sogra da requerente, D. G..., permitiu que a família dos requeridos ocupasse o dito prédio urbano a título provisório, situação que foi perdurando no tempo dado o estreitamento das relações de amizade entre as duas famílias. Embora ninguém habite a casa já há alguns anos, começaram recentemente os requeridos a agir como se os imóveis lhes pertencessem, dali tendo retirado lenha sem autorização e, já no corrente de ano de 2014, colocaram um cadeado no portão, assim impedindo a requerente de aceder aos identificados prédios e, por consequência, a um dos alpendres neles existente, no qual mantém bens móveis a si pertencentes e ao seu ex-marido, nomeadamente um veículo automóvel. Tomou ainda a requerente conhecimento de que os requeridos contactaram testemunhas com vista à celebração de uma escritura de justificação da aquisição dos prédios por usucapião, pretendendo ver reconhecida uma inexistente doação, alegadamente efectuada pela referida D. G(...).

Os factos descritos, por consubstanciarem uma situação de esbulho violento, justificam que a requerente seja restituída provisoriamente à posse dos aludidos prédios, sendo certo que os autos fornecem elementos em ordem a permitir que o litígio fique definitivamente resolvido na decisão que haja de ser proferida no âmbito do procedimento cautelar, o que também requer.

       *

Face ao requerimento inicial, e na consideração de que os factos alegados não eram susceptíveis de serem reconduzidos ao conceito de violência exigido pelos artigos 1279.º do Código Civil e 377.º do CPV, a Mm.ª juíza “a quo” proferiu despacho de indeferimento liminar[1].

Inconformada, a requerente interpôs recurso da decisão e, tendo apresentado doutas alegações, rematou-as com as seguintes conclusões:

“I) O Despacho Liminar da Sr.ª Juiz a quo não fez uma correcta interpretação da Lei, violando, nomeadamente os art.ºs 1.º, 377.º, 378.º e 590.º, todos do Código de Processo Civil.

II) Desde logo, mesmo na interpretação da Sr.ª Juiz, que não concordou com a Requerente na subsunção dos factos alegados no conceito de violência, deveria ter providenciado pelo convite ao aperfeiçoamento do articulado desta.

III) Por outro lado, o facto dos quatro Requeridos homens terem colocado um cadeado no portão de acesso aos imóveis da Requerida Senhora, impedindo-a de exercer a sua liberdade e ficando tolhida na sua serena capacidade de decisão e de livremente agir, preenche, sem mais, o conceito de violência exigido pelo art.º 377.º do CPC.

IV) Não é aceitável que se pretenda que a Requerida tente pelos seus meios remover o cadeado ficando a aguardar pela reacção dos Requeridos (os quais nem se coibiram de demonstrar a sua força e determinação ao actuarem com recurso a cadeado), para só depois vir invocar que foi alvo de violência.

V) Para além de não ser nem processual nem estrategicamente adequado, estaria a “pôr-se a jeito” de ser constituída Arguida num futuro processo-crime de dano, encontrando-se depois com uma posição negocial bem menos favorável do que a que possui actualmente sem esse precipitado acto.

VI) Tal atitude também não seria a mais conforme com o art.º 1.º do CPC.

VII) Mesmo na hipótese de se entender que não existe violência, deveria a Sr.ª Juiz ordenar a notificação dos Requeridos para deduzirem a sua Oposição, não beneficiando a Requerida, nessa hipótese, de obter uma decisão sem prévia citação nem audiência dos esbulhadores”.

Com tais fundamentos pretende a revogação da decisão recorrida e sua substituição por acórdão que decida em conformidade com o expendido (ou seja, proferindo despacho de aperfeiçoamento ou, em alternativa, determinando o prosseguimento dos autos com a citação dos requeridos).

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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, delas se vê que são três as questões submetidas à apreciação deste Tribunal:

i. indagar se os factos alegados preenchem o requisito da violência que a Mm.ª juíza “a quo” entendeu estar em falta;

ii. a ser entendido que assim não ocorria, saber se deveria a Mm.ª juíza “ a quo” ter proferido despacho de aperfeiçoamento, em ordem a permitir à requerente que alegasse os factos necessários;

iii. indagar se na ausência do requisito da violência é, ainda assim, permitido ao requerente lançar mão do procedimento nominado de restituição provisória de posse, com supressão do benefício da não audição prévia da parte contrária.

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Fundamentação

i. Interessando à decisão os factos constantes do processo, tal como os deixámos relatados em I., para auxiliar a exposição subsequente iremos transcrever os factos alegados pela requerente em ordem a sustentar a verificação do requisito que a Mmª juiz “a quo” entendeu encontrar-se em falta.

Estão em causa os factos alegados sob os artigos 33.º a 43.º, com o seguinte exacto teor:

“33.º Pelo que o urbano designado no doc. n.º 1 encontra-se desabitado há, seguramente, 2 ou 3 anos.

34.º Sendo que duas ou três vezes por semana alguém vai levar comida ao cão que lá deixaram para indiciar alguma prova de uso da casa.

35.º Todavia, como se pode constatar pelo improvisado W.C. executado no exterior das paredes de pedra da habitação, o mesmo já não tem serventia há anos.

36.º Aliás, esta casa, a partir de certa altura foi fornecida por água ao domicílio mas nunca por electricidade.

37.º Sucede que, e entrando nos pressupostos da restituição provisória da posse, não só os Requeridos não restituem o urbano à sua legítima proprietária, como inverteram o título da posse.

38.º De facto, um dos alpendres ruiu recentemente e toda a lenha lá existente foi retirada sem autorização pelos Requeridos.

39.º Pior, já este ano civil de 2014, colocaram um cadeado no portão.

40.º Cadeado esse que, ostensivamente, impede que a sua legítima dona e proprietária aceda, por esse leito privilegiado, quer ao urbano quer ao rústico, onde se encontra outro alpendre onde existem bens móveis da Requerida e do seu ex-marido, nomeadamente uma viatura automóvel da marca Alfa Romeo, com a chapa de matrícula PX- (...) (…)

41.º Por fim: a Requerida foi alertada que, pelo menos, os Requeridos, com especial enfoque para o segundo e o terceiro, andariam a tentar angariar testemunhas em conforme a Sr.ª D. G...o lhes teria oferecido a casa e o quintal envolvente…

42.º Visando dessa forma, conseguir outorgar uma escritura de Justificação Notarial, a qual deverá estar iminente.

43.º Convenientemente, chamam à colação uma benfeitora já falecida e arrebanham o terreno, do qual, repete-se, nunca tiveram a sua posse, mas que, conforma supra mencionado, faz parte da mesma realidade predial, o que também é do seu pleno interesse.”

Sendo esta a factualidade relevante, apreciemos, pois, as questões enunciadas.

Nos termos do art.º 1277.º do Código Civil, epigrafado de “Acção directa e defesa judicial”, “O possuidor que for perturbado ou esbulhado pode manter-se ou restituir-se por sua própria força e autoridade, nos termos do art.º 336.º, ou recorrer ao tribunal, para que este lhe mantenha ou restitua a posse”.

Consoante dispõe o n.º 1 do art.º 1278.º “No caso de recorrer ao tribunal, o possuidor perturbado ou esbulhado será mantido ou restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito”, prevendo finalmente o art.º 1279.º que “Sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores, o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador”.

Conferindo tutela adjectiva a este último preceito, o art.º 377.º do CPC concede ao possuidor a possibilidade de ser restituído provisoriamente à posse “no caso de esbulho violento”, para o que haverá de alegar a posse, o esbulho e a violência.

Face ao assim preceituado afigura-se claro que a concessão desta específica tutela depende da verificação cumulativa dos enunciados requisitos, cabendo ao requerente alegar os pertinentes factos constitutivos, em ordem a caracterizar uma situação de posse, o esbulho e a violência.

Tem-se igualmente por adquirido que a violência pressuposta pela lei é aquela a que também alude o n.º 2 do art.º 1261.º do Código Civil, nos termos do qual a posse considera-se violenta quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física ou de coacção moral, nos termos do art.º 255.º do mesmo diploma legal.[2] Deste modo, e por força da remissão operada por aquele preceito, o esbulho há-de ser tido como violento quando, para obter a posse, o esbulhador tenha colocado o possuidor na impossibilidade física de lhe resistir -a coacção física supõe o uso da força física que afaste por completo a vontade daquele a quem a posse foi usurpada-[3] e ainda quando o esbulhador, não dirigindo o ataque directamente à pessoa do possuidor, faz incidir a actuação violenta sobre os seus bens. A actuação violenta pode assim respeitar tanto à pessoa do possuidor, como à honra ou fazenda, suas ou de terceiro, assim se transpondo o regime do n.º 2 do art.º 255.º para o fenómeno possessório.

Ora, sendo hoje entendimento, ao que cremos pacífico, aquele que defende que a violência no esbulho pode ocorrer também por via do ataque aos bens do (por esta via) desapossado, atingido tal consenso pareceria que as decisões dos nossos tribunais poderiam alinhar-se numa corrente homogénea. Nada disso se passou, no entanto, centrando-se agora a divergência no conceito -mais restritivo ou menos exigente- da violência que é exercida sobre as coisas, de modo a qualificar o esbulho que legitima o desapossado a acolher-se à tutela do procedimento cautelar de restituição provisória de posse. Assim, enquanto alguns se bastam com a violência que recai ou é exercida sobre as coisas,[4] numa acepção mais restritiva do âmbito do conceito exige-se que a violência, nestas situações, afecte o possuidor na sua liberdade de determinação, ou seja, para que a violência sobre as coisas seja relevante, há-de produzir um efeito intimidatório sobre o possuidor, coagindo-o a suportar o desapossamento.

Em nosso entender, e relembrando o ponto de partida, se o conceito de violência para efeitos de caracterização do esbulho coincide com aquele que é pressuposto pelo n.º 2 do art.º 1261.º, afigura-se que a remissão para o art.º 255.º impõe que a violência, quando exercida sobre as coisas, para ser relevante e qualificar aquele, se traduza na intimidação do possuidor, de modo que se quede sem resistência, sujeitando-se ao acto usurpativo, nisto consistindo a coacção moral.[5][6] Com efeito, afigura-se não ser bastante para qualificar o esbulho a mera constatação de que a actuação sobre a coisa, ainda que intencionalmente dirigida ao esbulhado, assume para este a natureza de imposição de uma situação não pretendida porquanto, e afinal, nisso mesmo consiste o esbulho, consensualmente definido como correspondendo à privação total ou parcial, contra a vontade do possuidor, do exercício da retenção ou fruição do objecto possuído, ou da possibilidade de o continuar.[7]

Em reforço deste entendimento cumpre lembrar que o artigo 379.º do CPC (disposição inserida sistematicamente na subsecção destinada ao procedimento cautelar da restituição provisória da posse) faculta ao possuidor esbulhado fora das circunstâncias previstas na norma do art.º 397º, o procedimento cautelar comum para defesa da sua posse. Se assim é, e numa interpretação sistemática do regime legal desenhado, tendemos a perfilhar, tal como ocorreu na decisão proferida, o conceito mais restrito de violência sobre as coisas para efeitos de qualificação do esbulho, só neste caso estando legitimado o recurso ao procedimento cautelar nominado;[8] fora deste quadro, o possuidor esbulhado sem violência tem ao seu dispor a tutela do procedimento cautelar comum.[9] Não procedem assim, em nosso entender, os argumentos assentes na consideração de que este conceito mais rigoroso conduz a resultados irrazoáveis, deixando sem tutela situações de grave prejuízo para o esbulhado, uma vez que serão estes precisamente os casos em que, com maior facilidade, resultarão preenchidos os requisitos do procedimento cautelar comum e até, eventualmente, justificada a dispensa da audição prévia do requerido.

Identicamente, serão, em nosso entender, de rejeitar, razões que vêem na concessão da providência um prémio para o esbulhado que não lançou mão da acção directa (em todo o caso expressamente prevista no artigo 1277.º do CC), antes recorreu a juízo para tutelar o seu direito, confiando na protecção dos Tribunais, e isto porque “o Direito civil tudo deve fazer para evitar a violência”.[10] Na verdade, urge não esquecer que estamos perante um procedimento que, dispensando a existência do “periculum in mora” e da invocação de prejuízos, prescinde ainda da audição da parte contrária, assim resultando derrogado o princípio do contraditório, tão caro à nossa ordem jurídica, o que só encontra justificação se estivermos perante uma actuação cujo agente mereça ser privado deste fundamental amparo, o que pressupõe o uso da violência com o recorte que se deixou definido.[11] De resto, como se disse, a protecção, nas situações merecedoras de tal tutela, é conferida através do procedimento cautelar comum.

De volta ao caso dos autos, verifica-se não ter sido questionada a alegada posse da requerente sobre os prédios identificados nem, tão pouco, que por via da descrita actuação dos requeridos, colocando uma corrente com cadeado no portão, aquela tenha ficado impedida de aceder aos mesmos (pelo menos fazendo uso de tal acesso),[12] assim resultando caracterizado o esbulho. Em causa está, como vimos, a sua qualificação como violento.

Tendo presente quanto se deixou referido em relação ao conceito de violência (em nosso entender) pressuposto pela lei em ordem a qualificar o esbulho, analisando a factualidade alegada, impõe-se concluir que nem ao de leve foram invocados factos com pertinência para este efeito, tendo-se a requerente limitado a alegar que já neste ano de 2014 os requeridos colocaram uma corrente com cadeado no portão, tendo sido completamente omitidas as circunstâncias em que tal ocorreu. Razão assistiu assim à Mm.ª juiz quando considerou não se encontrar preenchido o assinalado requisito, necessário à caracterização do esbulho para efeitos de legitimar o recurso do possuidor esbulhado ao procedimento cautelar nominado de restituição provisória da posse.

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ii. Pretende no entanto a apelante que, ao invés do indeferimento liminar, deveria a Mm.ª juíza “a quo” ter proferido despacho de aperfeiçoamento, de modo a permitir que aquela colmatasse as apontadas insuficiências expositivas da matéria de facto, vindo agora, em sede de alegações, invocar que a colocação por quatro homens do cadeado no portão é actuação, por si só, susceptível de a impedir de “exercer a sua liberdade e ficando tolhida na sua serena capacidade de decisão e de livremente agir”.

Não está em causa a possibilidade -diremos mesmo o poder/dever- do juiz proferir despacho de aperfeiçoamento em sede de procedimentos cautelares. Todavia, este despacho está reservado àqueles casos em que o vício consista apenas na deficiente alegação, pois se a ausência de factos caracterizadores da posse, do esbulho ou da violência, for de tal forma ostensiva que se reconduza à falta ou ininteligibilidade da causa de pedir, a sanção será o indeferimento liminar.[13]

No caso dos autos, estamos, conforme se tentou demonstrar, perante a total ausência de factos capazes de caracterizarem a violência do esbulho, este concretizado pela actuação dos requeridos ao colocarem a corrente e o cadeado no portão de (único ???) acesso aos prédios.

Por outro lado, terá que se ter presente a circunstância das partes virem a juízo com uma vocação de verdade -como impõe o art.º 8.º do NCPC, que consagra um dever genérico de boa fé processual, depois concretizado no art.º 542.º- sendo neste pressuposto que o juiz há-de laborar. Neste contexto, cumpre atentar nas circunstâncias da requerente se ter dado como residente em Nelas, tendo ainda alegado que o urbano se encontra devoluto há vários anos, mostrando os registos fotográficos juntos uns anexos em ruínas, donde ser legítima a presunção de que não se encontraria presente aquando da colocação do cadeado, presunção reforçada pela circunstância de não ter feito indicação da data em que ocorreu o acto usurpativo, quedando-se pela alegação imprecisa de que tal ocorreu “já neste ano civil de 2014”, tendo a providência dado entrada em juízo a 24 de Março.

Atento o enquadramento fáctico destacado, e mesmo aceitando que casos haverá em que, não estando o esbulhado presente, ainda assim pode verificar-se violência sobre as coisas (a situação não é facilmente hipotizável mas não será de afastar liminarmente, mesmo para quem perfilhe o conceito mais restrito), a verdade é que tal quadro factual evidencia de forma clara a ausência do aludido requisito. Daí que formular um convite ao aperfeiçoamento corresponderia na verdade a endereçar à parte um convite à fabulação, por não se vislumbrar como poderia a requerente, respeitando a verdade dos factos, como se afigura que respeitou e se encontra obrigada a observar, colmatar a apontada lacuna.

Nos termos expostos, por não estarmos perante uma mera deficiência de alegação, mas antes perante ausência da causa de pedir, que se assume como complexa, dada a amputação de um dos seus pressupostos, tal vício não era susceptível de correcção mediante um mero convite ao aperfeiçoamento, correspondendo-lhe o indeferimento liminar nos termos das disposições legais conjugadas dos artigos 5.º, n.º 1, 522.º, n.º 1, al. d) e 186.º, nºs 1 e 2, al. a) do mesmo diploma legal, tal como foi decidido.

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iii. Finalmente, pretende a apelante que a ausência deste elemento integrador da causa de pedir teria apenas como consequência haver lugar, ainda no quadro do procedimento cautelar específico escolhido, à audição da parte contrária.

Já se disse que, conforme resulta do artigo 379.º (correspondendo ao anterior art.º 395.º, introduzido pela reforma de 1995/1996), o possuidor esbulhado não fica desprovido de tutela jurídica no caso da providência cautelar especificada que escolheu não lograr provimento. Em tal situação, provada a sua qualidade de possuidor e o esbulho em relação ao bem em causa, pode aquele fazer-se regressar à posse recorrendo ao procedimento cautelar comum, nos termos gerais, não estando neste caso isentado de alegar e fazer prova perfunctória dos demais requisitos enumerados no art.º 362.º. Tal é o que resulta claramente do disposto no art.º 379.º quando alude aos termos gerais. E poderá fazê-lo no âmbito do mesmo processo, aqui funcionando o princípio da adequação, expressamente consagrado no n.º 3 do art.º 376.º, nos termos do qual o juiz não está adstrito à providência concretamente requerida. Todavia, para que tal suceda, terão necessariamente que ter sido alegados os factos em que se consubstanciam os pressupostos exigidos pelo citado artigo 362.º, nomeadamente o perigo de receio de lesão grave ou dificilmente reparável e o “periculum in mora”, factualidade esta igualmente ausente do articulado inicial. De resto, afigura-se que a alegada iminência da outorga de uma escritura de justificação notarial, quando estamos perante prédios descritos na CRPredial e aqui inscritos em favor da requerente, não consubstanciará um perigo real de lesão do direito, ao que acresce -esta uma razão decisiva, parece-nos- que a restituição da posse não seria sequer adequada a evitá-lo. De todo o modo, o que não se vê é que a pretensão da requerente encontre acolhimento no regime legal da providência de restituição de posse, que se desdobra apenas pelos citados artigos 377.º e 379.º, sem que aqui se encontre contemplada a “terceira via” aventada pela apelante.

Tudo em suma para concluir que improcedem todas as conclusões recursivas, não merecendo censura o despacho recorrido.

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III Decisão

Em face a todo o exposto, acordam os juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente a apelação, confirmando o despacho recorrido.

Custas a cargo da apelante.

Maria Domingas Simões (Relatora)

Nunes Ribeiro

Hélder Almeida

[1] É o seguinte o teor integral do despacho recorrido:

“Cumpre proferir despacho liminar nos termos do disposto no art.º 226.º, n.º 4, al. b) do Código de Processo Civil (doravante CPC), devendo o requerimento inicial ser indeferido quando for evidente que o pedido é manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no art.º 560.º – cfr art.º 590.º n.º 1 do CPC.

Diz-nos o art.º 1279.º do C.Civil que «Sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores, o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito a ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador»

E o art.º 377.º do CPC dispõe que “No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando factos que constituem a posse, o esbulho e a violência”.

De acordo com o art.º 378º “se o juiz reconhecer, pelo exame das provas, que o requerente tinha a posse e foi esbulhado dela violentamente, ordena a restituição, sem citação nem audiência do esbulhador”.

São assim requisitos deste procedimento: a posse; o esbulho; a violência.

No que concerne ao requisito do esbulho, este verifica–se sempre que alguém é privado, total ou parcialmente, contra a sua vontade, do exercício dos poderes de facto correspondente a um direito, em que a posse se traduz, ou da possibilidade de os continuar a exercer. Na s palavras de Alberto dos Reis (C.P.Civil Anotado, Vol. I, p. 669), «o esbulho supõe que o possuidor foi privado da posse que tinha, foi colocado em condições de não poder continuar a exercer a posse

Quanto ao requisito violência, há que ter em consideração que para os estritos efeitos da restituição provisória da posse, exige–se a prova de comportamentos do requerido pautados pela violência.

O conceito de violência vem definido no Código Civil – vide art.ºs 1261º nº 2 - e tem vindo a ser densificado pela doutrina e jurisprudência.

O art.º 1261º do C. Civil dispõe que «Considera–se violenta a posse quando, para obtê–la o possuidor usou de coação física, ou de coação moral nos termos do art. 255º do C.Civil».

E, por seu turno, estabelece o art. 255º nº 2 do mesmo código: «A ameaça tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do declarante ou de terceiro».–––

Ora, salvo devido respeito, não concordamos com a requerente quando subsume os factos alegados no requerimento inicial ao conceito de violência, sendo este o requisito que, claramente, está em falta no caso decidendo.

A colocação de um cadeado no portão, impedindo o acesso à propriedade, só por si, não assume os contornos de violência.

Como se lê no Ac TRP de 16-10-2006, Processo: 0655160, Nº Convencional: JTRP00039594, Relator: CURA MARIANO a que aderimos integralmente, “Havendo esbulho, para que o mesmo seja considerado violento, deve ser levado a cabo através duma acção que, constrangendo o esbulhado, o coloque numa situação de incapacidade de reagir perante o ato de desapossamento.

Se essa acção recair sobre coisas e não directamente sobre pessoas, a mesma só poderá ser considerada violenta se, indirectamente, coagir o possuidor a permitir o desapossamento, pois só assim estará em causa a liberdade de determinação humana.

A simples mudança da fechadura de um imóvel, mesmo com estroncamento da fechadura antiga, com a finalidade de impedir o possuidor de continuar a utilizar esse imóvel, só por si, não integra o referido conceito de violência, uma vez que o desapossamento foi efectuado através duma acção que não incidiu sobre o possuidor, não se tendo verificado qualquer ofensa física ou psicológica à sua capacidade de autodeterminação, que justifique a utilização do procedimento cautelar de restituição provisória de posse.” (sublinhado nosso).

No mesmo sentido, sumaria-se no Ac TRC de 7/02/2006, proc 4151/05, Relator Artur Dias “Nos termos do artº 1261º, nº2, do C. Civ., considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coação física ou de coação moral nos termos do artº 255º.

A violência, para efeitos de restituição provisória da posse, tanto pode incidir sobre as pessoas como sobre as coisas. Mas a violência sobre as coisas, para relevar em termos de restituição provisória de posse, terá de ter reflexos, ainda que indirectos, como forma de intimidação, sobre as pessoas(sublinhado nosso).

E o Supremo Tribunal de Justiça, por douto aresto de 26/05/1998, proc. nº 98A073, Cons. Martins da Costa também nos ensina que A violência, para caracterização do esbulho, como requisito da restituição provisória de posse, tanto pode ser praticada sobre as pessoas, como sobre as coisas que constituem obstáculo ao esbulho, no quadro dos artigos 1279 do Código Civil e 393 do Código de Processo Civil. Não integra essa violência a colocação de obstáculo no acesso ao objecto da posse, como uma corrente e um cadeado num portão exterior por onde se fazia esse acesso”.

Pelo exposto, entendo que não estão verificados os requisitos deste procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse.

Resta apreciar se poderá ser convolado este procedimento num procedimento comum, atento o disposto no art.º 379º do C.P.C.

Para que tal seja possível mister é que se verifiquem os requisitos legais do procedimento comum, nomeadamente que a manutenção duma situação de desapossamento ilícito cause ao possuidor prejuízos graves e de difícil reparação, para obter uma intervenção urgente do poder judicial.

Como salienta Abrantes Geraldes, «para que este caminho possa ser trilhado, é preciso que na alegação da matéria de facto o requerente não se tenha quedado pelo preenchimento dos pressupostos específicos da restituição provisória.

Passo fundamental para que possam considerar–se provados factos integrantes dos pressupostos gerais do procedimento cautelar comum.... esta convolação não será automática.... a restituição provisória da posse é independente da verificação ou não de prejuízos materiais e da natureza reparável ou irreparável dos danos dirigindo–se a uma situação de facto caracterizada por lesão efectiva, em vez do simples perigo da sua concretização. Ao invés, faz parte das providências inespecíficas o apuramento de uma situação potenciadora de prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação, não consumados ou ainda persistentes. Deste modo, a passagem de uma providência para a outra exigirá necessariamente a indiciação dos correspondentes requisitos.... O facto de ter sido prevista no art. 395º a tutela do possuidor perturbado no exercício da sua posse ou esbulhado sem violência, em vez de obter especial referência nas normas do procedimento cautelar comum, não significa que se tenha prescindido dos pressupostos gerais das providências não especificadas.... Nestas circunstâncias, devem ser respeitados os requisitos e seguir–se a tramitação procedimental adequada, de tal forma que a tutela cautelar apenas será conferida quando se tome verosímil a existência dos requisitos de que dependem as providências não especificadas, aqui materializados através da séria probabilidade de existência da posse e do suficiente fundamento do receio de lesão grave e dificilmente reparável....» - in Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, 6 – Procedimentos Cautelares Especificados, p. 53, 54 e 64.

Quanto à providência cautelar comum, prescreve o actual art.º 362º do C.P.Civil

«1. Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.

2. O interesse do requerente pode fundar–se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor.

3. Não são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas na secção seguinte...

4 (…)

E o art.º 365º nº 1 diz-nos que “com a petição o requerente oferece prova sumária do direito ameaçado e justifica o receio da lesão”.

E prescreve o actual art.º 368º do mesmo diploma legal:

«1. A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.

2. A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal, quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela se pretende evitar...».

(sublinhado nosso)

Como ressalta dos referidos preceitos legais, para ser decretada uma providência cautelar comum, torna–se necessário que se verifiquem os seguintes requisitos cumulativos

1º) que muito provavelmente exista o direito tido por ameaçado – objecto de acção declarativa –, ou que venha a emergir de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor;––––

2º) que haja fundado receio de que outrem antes de proferida decisão de mérito, ou porque a acção não está sequer proposta ou porque ainda se encontra pendente, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito;––––

3º) que ao caso não caiba nenhuma das providências tipificadas nos arts. 393º a 427º do C.P.Civil ou em outro diploma legal;––––

4º) que a providência seja adequada a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado;–

5º) e que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar.–––

Ora, do teor do requerimento inicial não resulta qualquer alegação relativa ao fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito.

O único facto alegado é que a requerente está impedida de aceder ao prédio, sendo que ainda existem bens móveis no mesmo, alguns dos quais pertencentes ao ex-marido.

Mas nada é referido sobre a necessidade de os retirar do local ou de os utilizar, como não é alegada a necessidade de cultivar o prédio, por exemplo, bem pelo contrário, já o que se diz é que quer a parte rústica quer a urbana estão abandonadas e sem qualquer ato de posse.

Enfim, não se verificam também os requisitos da providência cautelar comum.

*

Pelo exposto, o tribunal decide indeferir e liminarmente a presente providência.

*

Custas pela requerente, nos termos do art.º 539º do CPC e art.º 7º nº 4 e tabela II do R.C.Processuais na redacção do DL 126/2013 de 30 de Agosto (3 UCs).

*

Fixo o valor da causa em 47.558,12 €, por ser esse a soma do valor dos imóveis esbulhados constante das certidões fiscais juntas com o requerimento e cuja restituição provisória se pretendia – art.ºs 304º nº 3 b) e 306º do CPC.

Notifique.

[2] Pires de Lima/A. Varela, CC anotado, vol. II, 2.ª ed., pág. 52; Menezes Cordeiro, “A Posse: perspectivas dogmáticas actuais”, Almedina 1997, pág. 142.

[3] Pires de Lima/A. Varela, CC anotado, vol. II, 2:º ed., pág. 23

[4] Assim, A. dos Reis, CPC anotado, I vol. 3.ª ed., pág. 670, contrapondo a violência sobre as pessoas à violência sobre as coisas e, numa outra classificação, a violência física à violência moral.

Na jurisprudência, os arestos desta Relação de Coimbra de 4/4/2006, processo n.º 552/06; Relação de Guimarães de 3/11/2011, processo n.º 69/11.2 TBGMR-B.G1, Relação do Porto de 28/10/2013, processo n.º 1880/13.5 TBSTS.P1 e de 26/11/2012, processo n.º 220/12.5 TJPRT-B.P1, todos acessíveis em www.dgsi.pt. Partindo de um pressuposto algo diferente, mas chegando a resultados semelhantes, os arestos da Relação de Lisboa de 27/9/2012, processo n.º 3276/12.7 TBVFX.L1.8, perfilhando o entendimento de que “o que releva, para efeitos da verificação do esbulho violento, nos casos de acção física exercida sobre as coisas, é que essa acção seja um meio de coagir uma pessoa a suportar uma situação contra a sua vontade” e 23/10/2008, processo n.º 8672/2008-6, acessíveis no mesmo sítio. 

[5] Neste sentido, arestos desta Relação de Coimbra de 12/3/2013, processo n.º 2611/12.2 T2 AVR.C1, e de 9/11/2004, processo n.º 3030/04; da Relação do Porto de 12/11/2013, processo n.º 1213/13.0 TBVLR.C.P1M, e de 30/10/2007, processo n.º 0725016; 21/1272006, processo n.º 0636585 e de 16/10/2006, processo n.º 0655/6.0, citado na decisão recorrida, também acessíveis em www.dgsi.pt.

[6] Também Menezes Cordeiro, ob. cit., págs. 99/100 afirma que “A violência requerida deve ser usada contra as pessoas e não contra as coisas. (…) Assim é, numa orientação sufragada pelo Código vigente, ao remeter para o artigo 255.º. Objecto da coacção é, sempre, uma pessoa ainda que, para isso, se ameace ou danifique uma coisa.”, isto sem embargo de aplaudir uma linha jurisprudencial menos exigente, porquanto “o Direito Civil tudo deve fazer para combater a violência” (pág. 142).

[7] Cf. Manuel Rodrigues, “A Posse, Estudo de Direito Civil Português”, 4.ª ed., Almedina 1996, pág. 363

[8] Afigurando-se mesmo que a interpretação mais lata, acaba, no limite, por bastar-se com a verificação do esbulho. Assim parece resultar da solução que veio a ser perfilhada no citado aresto da Relação de Coimbra (processo n.º 552/06), de que se destacam os seguintes pontos do sumário: “I. O esbulho violento consiste na privação total ou parcial, contra a vontade do possuidor, do exercício da retenção ou fruição do objecto possuído, ou da possibilidade de o continuar; (…) IV. O acto de obstrução de uma passagem por caminho onerado com uma servidão de passagem aparente através da colocação de um portão constitui um meio de realização de esbulho violento, para efeitos dos artigos 1279.º do CC e 393.º do CPC, como privação da possibilidade de os requerentes utilizarem o caminho e continuarem a sua fruição (…)”. Assim também o aresto da Relação de Guimarães de 3711/2011 (processo 69/11.2), que conclui do seguinte modo: “Na acção cautelar de restituição provisória de posse, quando a actuação do esbulhador sobre a coisa esbulhada é de molde a, na realidade, tornar impossível a continuação da posse, seja através de obstáculos físicos ao acesso à coisa, seja através de meios que impedem a utilização pelo esbulhador da coisa esbulhada, estaremos perante um caso de esbulho violento”.

[9] Destacando este aspecto, o acórdão da Relação do Porto de 21/12/2006 (processo n.º 0636585) antes citado.

[10] Aflorando este aspecto, Menezes Cordeiro, ob. citada, pág. 142.

[11] Reforçando este aspecto, o ac. da Relação do Porto de da Relação do Porto de 12/11/2013, processo n.º 1213/13.0 TBVLR.C.P1M já citado.

[12] Em seu dizer “leito privilegiado” (cf. art.º 40.º do requerimento inicial), permitindo que se insinue a dúvida sobre a existência de um acesso alternativo o que, no entanto, não está aqui em causa. 

[13] Neste preciso sentido, escrevendo no domínio do CPC cessante mas em termos que mantêm plena actualidade face ao disposto no actual art.º 590.º, n.º 2, al. b) do NCPC, Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, iv vol. pág. 49.