Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
138/16.2GFLLE.E1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: HOMICÍDIO
TENTATIVA
CO-AUTORIA
ACTOS DE EXECUÇÃO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Data do Acordão: 06/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Área Temática:
DIREITO PENAL – FACTO / FORMAS DO CRIME / CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA.
Doutrina:
- Adriano Teixeira, Teoria da Aplicação de uma Determinação Judicial da Pena Proporcional ao Fato, Marcial Pons, 2015;
- Américo Taipa de Carvalho, Prevenção, Culpa e Pena – Um concepção preventivo-ética do direito penal, in Liber Discipulorum, Coimbra Editora, p. 317 e ss. ; Direito Penal, Parte Geral. Questões Fundamentais . Teoria Geral do Crime, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2008, p. 62;
- Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Pena Privativa de Liberdade;
- Claus Roxin, Acerca de la Ratio del Privilegio del Desistimiento en Derecho Penal, Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia (RECPC), 03-03 (2001) ; Derecho Penal. Parte General. Tomo II. Especiales Formas de Aparición del Delito, Civitas/Thomson Reuters, Madrid, 2014, p. 205 ; Fundamentos Político-criminales del Derecho Penal, Hamurabi, Buenos Aires, 2008, p. 65;
- Faria Costa, Noções Fundamentais de Direito Penal (Fragmenta iuris Poenalis), Coimbra Editora, Coimbra, 4.ª Edição, 2015;
- Fernanda Palma, Da Tentativa Possível em Direito Penal, Almedina, 2006, p. 66;
- Günther Jakobs, Sociedade, Norma e Pessoa, Editora Manole, 2003;
- José Sousa e Brito, Os fins das Penas no Código Penal, Problemas Fundamentais do Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin, Universidade Lusíada Editora, Lisboa, 2002, p. 157 e ss.;
- Santiago Mir Puig, Significado y Alcance de la Imputación Objetiva en Derecho Penal, Revista Electrónica de Ciência Peal e Criminologia (RECPC 05-05(2003), p. 10 e 11.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 22.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEA C), 23.º, 40.º, 71.º, N.º 1 E 131.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 20-02-2008, PROCESSO N.º 07P4724;
- DE 09-04-2008; PROCESSO N.º 08P1011;
- DE 09-03-2016, RELATOR MANUEL MATOS;
- DE 16-06-2016.
Sumário :
I - Os co-arguidos que, munidos de uma espingarda que tencionavam usar para matar quem encontrassem e que pertencesse ao grupo específico de indivíduos (que os tinha trapaceado numa venda de estupefaciente), se dirigiram a um local para buscar uma potencial vítima que não encontraram, não podem ser punidos como co-autores de uma tentativa de homicídio praticada pelo arguido E com a referida arma, que ocorreu momentos depois, após a separação dos arguidos, quanto a uma vítima encontrada ao acaso que não pertencia ao referido grupo específico que tinham como alvo.
II - Os actos praticados pelos outros arguidos não são actos de execução tendentes à realização de um delito, ou que com a prática do último acto parcial se produzisse, de forma imediata e interrupta a prática do crime, mas antes actos preparatórios que não obtêm relevância jurídico-penal a merecer sancionamento para punição autónoma.
III - Peca por escassa a pena de 16 anos de prisão aplicada pela Relação ao arguido E, pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada, previsto e punido pelos arts. 22.º, n.ºs 1 e 2, al. c) e 131.º do CP, com referência ao art. 86.º, n.º 3, do RJAM, dada a forma intuitiva e despojada como o arguido, após outrem ter referido uma pessoa (para o arguido totalmente desconhecido e de quem não possuía quaisquer referências anteriores) com quem tivera uma disputa e que o ameaçara com uma arma, dispara uma espingarda, atingindo-a numa zona do corpo absolutamente letal, uma actuação que evidencia uma personalidade totalmente desprovida de respeito pela vida, incruenta, desapiedada, inane de valores, emoções e valores de humanidade, que inculcam uma necessidade e exigência punitiva exemplar e áspera (seria adequada a pena de 18 anos de prisão).
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO.

Por acórdão do Tribunal Colectivo da Comarca de Faro, Juízo Central Criminal de Faro, 4ª Secção, proferido em 22/5/17, no Processo Comum nº 138/16.2GFLLE, foi decidido:

- “absolver os arguidos AA e BB da pronúncia pela prática de um crime de homicídio, p. e p. pelos art. 131º e 132 º, nºs 1 e 2 a I. e), h) e j) d o CP;

- absolver o arguido CC da pronúncia pela prática de um crime de homicídio, mas apenas quanto à qualificação do art. 132º n.º1 e 2 al e), h) e j) do CP, sem prejuízo da imputação da prática daquele crime com outra qualificação;

- absolver os arguidos DD, EE e FF da pronúncia pela prática de um crime de homicídio, p. e p. pelos art. 131º e 132º n,.º1 e 2 al. e), h) e j) do CP, sem prejuízo da imputação da prática de um crime de homicídio tentado com outra qualificação;

- condenar o arguido CC pela prática de um crime de homicídio, p. e p. pelos art. 131º do CP e 86º, n,º3 do RJAM, na pena de 15 (quinze) anos de prisão;

- condenar o arguido DD pela prática de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos art. 22º, nº 1 e 2 al. c) e 131º do CP e 86º, nº 3 do RJAM, na pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período, suspensão esta sujeita a regime de prova e subordinada às seguintes obrigações: (…);

- condenar o arguido EE pela prática de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos art. 22° n.º1 e 2 al. c) e 131° do CP e 86º, n.º3 do RJAM, na pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período, suspensão esta sujeita a regime de prova e subordinada às seguintes obrigações: (…);

- condenar o arguido FF pela prática de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos art. 22º, n.º 1 e 2 al. c) e 131º do CP e 86º, n.º 3 do RJAM, na pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período, suspensão esta sujeita a regime de prova e subordinada às seguintes obrigações: (…).” – cfr. fls. 1832 a 1895.

Submetida a decisão prolatada à sindicância, por dela haverem discrepado o Ministério Público (cfr. fls. 1909 a 1930) e o arguido CC (cfr. fls. 1945 a 1963), do Tribunal da Relação de Évora, veio a ser decidido (sic):

a) Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido CC;

b) Conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo MP e revogar a decisão recorrida nos termos a seguir enunciados;

c) Condenar o arguido CC pela prática de um crime de homicídio, p. e p. pelos arts. 131º do CP e 86º, n,º3 do RJAM, aumentando a medida da pena para 16 (dezasseis) anos de prisão;

d) Condenar o arguido DD pela prática de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, n,º 1 e 2 al. c) e 131º do CP e 86º, nº 3 do RJAM, aumentando a medida da pena para 6 (seis) anos de prisão;

e) Condenar o arguido FF pela prática de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, nº 1 e 2 al. c) e 131º do CP e 86º, nº 3 do RJAM, aumentando a medida da pena para 6 (seis) anos meses de prisão;

f) Condenar o arguido EE pela prática de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, n.º1 e 2 al. c) e 131º do CP e 86º, n.º3 do RJAM, aumentando a medida da pena para 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

g) Negar provimento ao recurso na parte restante e confirmar a decisão recorrida.” (cfr. fls. 2064 a 2155)

Do julgado recorrem os arguidos, CC, DD e EE, tendo, respectivamente, dessumido das respectivas fundamentações, as sinopses conclusiva que quedam extractadas no quadro conclusivo sequente, 

I.a) – QUADRO CONCLUSIVO.

1 – O recorrente não se conforma com a decisão do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, que aumentou a pena para 16 anos de prisão.

2 – Não obstante todas as necessidades de prevenção especial, também far-se-ão sentir factores como a idade, a integração ou desintegração familiar, o apoio que possa encontrar a esse nível, as condicionantes económicas e sociais que tenha vivido e que se venham a fazer sentir no futuro, na reintegração deste na sociedade, uma vez em liberdade.

3 – Não reclama o recorrente que a medida concreta da pena aplicada, ou a que lhe venha a ser aplicada, desça até ao limite mínimo da moldura da prevenção (geral positiva), ou que com ela coincida, mas suplica-se, sim, pelo não excesso, ora aplicado.

4 – Em face de todo o exposto, entende o recorrente que deverá a pena de 16 anos de prisão ser reduzida.

5 – Os Tribunais “a quo”, salvo o devido respeito e melhor juízo, violaram o disposto nos artigos 40.º, 70.º, e 71.º do Código Penal.

Nestes termos e nos mais de Direito, deve conceder-se provimento ao recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido, substituindo-se por outro com uma pena final inferior a 15 anos de prisão.”

(Do arguido GG)

1 – O recorrente não se conforma com a decisão do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, que aumentou a pena para 6 anos de prisão.

2 – Não obstante todas as necessidades de prevenção especial, também far-se-ão sentir fatores como a idade, a integração familiar, o apoio que possa encontrar a esse nível, as condicionantes económicas e sociais que tenha vivido, as atuais, e as que se venham a fazer sentir no futuro, na reintegração deste na sociedade.

3 – Não reclama o recorrente que a medida concreta da pena aplicada, ou a que lhe venha a ser aplicada, desça até ao limite mínimo da moldura da prevenção (geral positiva), ou que com ela coincida, mas suplica-se, sim, pelo não excesso, ora aplicado.

4 – Em face de todo o exposto, entende o recorrente que deverá a pena de 6 anos de prisão ser reduzida para 4 anos e 6 meses de prisão.

5 – O recorrente suplica ainda que, in casu, estão presentes razões ponderosas no sentido de beneficiar do regime da suspensão da execução de pena de prisão, conforme bem decidiu o Tribunal de 1.ª Instância.

6 – Essas razões permitem um juízo de prognose favorável, no sentido de que a ameaça da prisão e a censura do facto são suficientes não só para o afastar de outras atuações criminosas, assim como para realizar as finalidades de prevenção geral.

7 – O Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito e melhor juízo, violou o disposto nos artigos 40.º, 50.º, 70.º, e 71.º do Código Penal.

(…) deve conceder-se provimento ao recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido, substituindo-se por outro que reduza a pena de 6 anos de prisão aplicada ao arguido, por uma pena de prisão inferior a 5 anos de prisão, e seja essa pena suspensa na sua execução sob regime de prova.”

(Do arguido EE)

I. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora, em que se confirmou a condenação ao arguido EE pela prática de:

- um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, nº1 e nº2 al. c) e 131º do CP e 86º nº 3 do RJAM,

II. Acórdão em que se aumentou a medida da pena, fixada pelo Tribunal de primeira instância, passando a medida da pena dos 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão, para 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

III. É deste Acórdão condenatório que nos permitimos discordar, com o devido respeito pela opinião contrária.

IV. A medida da pena fixada pelo tribunal a quo, parece-nos que, não se afigura adequada às exigências basilares de prevenção especial que caracteriza o nosso sistema de critérios subjacentes à fixação de penas, os quais, se encontram previstos nos arts. 40º nº1 e nº2 e 71º nº1 e nº2, ambos do Cód. Penal, que o acórdão recorrido violou.

V. Pelo douto Acórdão recorrido foram desconsideradas as circunstâncias especialmente atenuantes quanto ao arguido recorrente, as quais, foram dadas por provadas.

VI. Desde logo a circunstância do arguido EE, nenhuma participação efectiva ter tido no evento criminoso, pelo facto dado por provado, de se ter afastado da viatura onde seguia o arguido que viria executar o crime, a partir desse momento já nada podia fazer o arguido EE para evitar o evento criminoso que se viria a realizar.

VII. Evento criminoso, que conforme se apurou, foi motivado por outra razão não compreendida por aquele acordo gizado pelos restantes co-arguidos, tendo ainda sido dado por provado, que o crime foi cometido com base numa nova, autónoma e individual resolução criminosa, que não é partilhada pelo arguido EE, nem quanto à resolução, nem quanto à execução, nem sequer quanto ao resultado – factos que foram dados por provados.

VIII. Circunstâncias que, sendo favoráveis ao arguido, atento o princípio da culpa previsto no art. 40º nº2 CP, se impunha uma adequada ponderação e consequente fixação da medida da pena inferior à concretamente aplicada ao arguido EE.

IX. Quanto ás implicações da forma do crime praticado pelo arguido EE, temos que, foi o mesmo condenado pela prática de um crime na forma tentada, tentativa essa, que conforme se apurou, se revelou num nível relativamente baixo, seguindo as palavras do Exmo. Desembargador, de caracter «recuado» ou pouco avançado da tentativa, impunha-se, que a correspondente consequência, ao abrigo do disposto no art. 23º nº2 CP, fosse a fixação de uma pena especialmente atenuada - atenuação essa, atento o quantum da pena aplicada ao arguido EE, não é adequadamente reflectida, conforme se impunha.

X. Quanto às condições pessoais e familiares do arguido e a sua situação económica, temos que, conforme se apurou, estamos perante um arguido que teve um percurso de vida marcado por profundas e marcantes dificuldades familiares, as quais se repercutiram no grupo de amizades do arguido, bem como no percurso escolar do arguido, mesmo perante tais dificuldades, tentou o arguido ainda assim dar rumo diferente, através da frequência em curso técnico-profissional, o qual teve de abandonar por dificuldades económicas – o que é revelador de um quadro pessoal, familiar e económico de grande fragilidade, face ao qual, se impõe a sua consideração para efeitos de atenuação da medida da pena, ao abrigo do art. 71º nº2 al. d) CP.

XI. Quanto aos fins e motivos determinantes ao cometimento do crime, no caso sub judice estamos perante um evento criminoso que, conforme se apurou, foi motivado por uma nova, autónoma e individual resolução criminosa, alheia ao arguido EE, o qual, não concordou nem queria aquela execução nem, assim, o seu resultado, nada podendo fazer o arguido EE para evitar tal evento criminoso - circunstâncias, que, sendo favoráveis ao arguido, e sendo relevantes, terão de ter o correspondente enquadramento na determinação da concreta medida da pena aplicada ao arguido EE, nos termos do art. 71º, nº 2 al. c) CP.

XII. Outra circunstância que é favorável ao arguido EE é o facto, de não lhe existirem antecedentes criminais, contrariamente ao que acontece com os demais. Circunstância que, ainda que tenha sido considerada pelo douto Acórdão recorrido, peca contudo, por escasso, no quantum diferencial em relação demais arguidos - o que, consubstancia outra circunstância favorável ao arguido, com o respectivo abrigo legal, nos termos do disposto no art. 71º, nº 2, al. e) CP, que terá de ser devidamente considerada na determinação da pena e que não foi.

XIII. De igual modo, não foi devidamente considerado na determinação da medida da pena aplicada, a idade do arguido EE, que, à data dos factos tinha a precária idade de 20 anos, o que, que acarreta toda uma série de implicações inerentes à sua juventude e imaturidade que lhe está associada - factores que, conforme se sublinhou, por ambas as instâncias, lhe dará possibilidades acrescidas de interiorizar o desvalor da sua conduta e a importância de retomar uma conduta conforme às regras.

XIV. O que, teria de ter como consequência, uma maior atenuação na concreta medida da pena aplicada ao arguido EE, face àquela que foi feita, que se traduziu numa pouco relevante diferenciação de 6 meses face aos restantes arguidos, o que, em termos percentuais, se traduz quantum diferencial inferior a 10%. Deste modo, foi considerado pelo tribunal a quo que estava perante uma reduzida atenuação e não uma especial atenuação conforme se exigiria, por imposição legal - apreciação que se consubstancia numa manifesta violação do preceito previsto no art. 4º DL 401/82.

XV. Em face, da idade do arguido, conforme se tem entendido neste Supremo Tribunal, não pode o tribunal deixar de investigar se se verificam as sérias razões a que se refere o DL nº 401/82 de 23/09 e se tal acontecer não pode deixar de atenuar especialmente a pena, desde que se verifiquem as seguintes circunstâncias relevantes para este Supremos Tribunal: a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes – cuja verificação impõe a aplicação de uma pena mais curta, fruto da atenuação especial prevista no art. 4º do DL 401/82, que in casu, deve ser aplicada.

XVI. Transportando tais circunstâncias relevantes para a aplicação do referido regime e consequente atenuação especial da pena, para o caso sub judice, temos, em suma, como circunstâncias dadas por provadas: - Arguido com idade de 20 anos à data dos factos; - Jovem cuja personalidade foi moldada pelas profundas dificuldades pessoais, familiares e económicas (cfr. matéria do ponto III); - Forma de crime imputada: tentativa com caracter «recuado» ou pouco avançado da tentativa”; (cfr. matéria do ponto II); - Arguido sem antecedentes criminais (cfr. matéria do ponto V); - Motivação determinante à execução do crime, completamente alheia ao arguido (cfr. matéria do ponto IV);

XVII. Circunstâncias, que, por terem sido dadas por provadas, se impunha, a aplicação do art. 4º DL 401/82, com a correspondente atenuação especial da pena ao arguido EE, como se sustenta.

XVIII. Circunstâncias atenuantes que foram dadas como provados em sede de audiência de julgamento, e que pesam a favor do recorrente. No entanto, não tiveram no nosso entender, uma adequada e rigorosa ponderação na determinação da medida concreta da pena aplicada pelo tribunal a quo, que, em face de tais circunstâncias, que por si foram consideradas, aumentando, contudo, a medida da pena ao arguido recorrente.

XIX. Ao que, feita uma apreciação individualizada aos critérios de determinação da pena, in casu, especiais (respeitantes à atenuação especial prevista no art. 4º DL 410/82, nos termos descritos) e gerais (restantes atenuantes), se exigiria, uma pena quantitativamente mais reduzida, e diferenciada, do arguido acima identificado face aos restantes, conforme se exige pelos preceitos previstos nos arts. 4º DL 401/82 e 71º nº2 CP, que pelo douto Acórdão recorrido foram manifestamente violados.

XX. Só com a consideração de todas as descritas circunstâncias especiais, relativamente ao arguido EE, se cumpriria as elementares exigências subjacentes à prevenção especial.

XXI. A pena a aplicar ao recorrente deverá ser inferior a cinco anos de prisão e suspensa na sua execução, com regime de prova, por estarem reunidos todos os requisitos previstos nos artsº 50º nº 1 e 53º nº 2 e 3 do CP- e por ser ajustar às necessidades de prevenção especial do arguido recorrente, como aliás se entendeu no acórdão da 1ª instância.

XXII. Regime que, iria ao encontro das referidas necessidades de necessidades de prevenção especial, o qual, pelo aumento da pena operado pelo Acórdão recorrido para pena superior a cinco anos, tornou inaplicável tal regime, que se afigurava como o mais condizente com os critérios de prevenção especial, ao invés da aplicação do mesmo, determinou-se uma pena efectiva de prisão com as consequências negativas que estão associadas a um ambiente carcerário, a um arguido de precária idade, ainda em tempo de se ressocializar.

XXIII. A tais circunstâncias acresce o facto de pelo douto Acórdão recorrido, a medida da pena aplicada ao arguido EE ter sido aumentada, contudo, da motivação subjacente, não existe a exigível fundamentação concreta e individualizadamente dirigida àquele agente, o que inviabiliza o imprescindível conhecimento da motivação e concretas razões que tenham sido determinantes ao aumento de pena relativamente àquele arguido em particular, o que, consubstancia uma violação à regra prevista no art. 71º nº3 CP.

Nos termos expostos, e nos melhores de Direito, deve conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra em que, ao arguido EE, seja fixada a medida da pena de prisão em duração nunca superior a cinco anos, e declarada a suspensão da sua execução com regime de prova, com os legais efeitos.”

Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público forneceu parecer, em que (sic):

I São as seguintes as questões submetidas a reexame:

a) EE:

- Medida da pena: Alega que o nível relativamente baixo da tentativa, condições pessoais e familiares, situação económica, e primariedade criminal deveriam ter um maior reflexo atenuante na dimensão da pena;

- Aplicação do regime de jovens adultos: Acrescenta que se impunha a atenuação especial prevista no artigo 4.º, do DL 401/82, «completamente desconsiderada pelo douto Acórdão recorrido.».

- Suspensão da execução da pena: Considera que estão reunidos todos os requisitos previstos nos artigos 50.º, n.º 1 e 53.º, n.ºs 2 e 3, do Código Penal, de acordo com o decidido em 1.ª instância.

b) CC:

- Medida da pena: Alega que a pena aplicada é excessiva, não respondendo equilibradamente à reintegração.

c) DD:

- Medida da pena e suspensão da sua execução: Reclama uma pena inferior, suspensa, com fundamento nas circunstâncias do facto, bom comportamento anterior e posterior a este, condições pessoais, idade, integração social e personalidade.

II. - Respondeu o Ministério Público (2198-2201, 2202-2204) aos recursos dos arguidos EE e CC, não apresentando resposta ao do arguido DD.

No que respeita ao recurso do arguido EE considera que «não se mostra ajustada a aplicação do regime previsto no Decreto-Lei nº 401/82, atenta a gravidade da sua conduta e necessidades de prevenção geral e especial.

Finalmente, conclui que a pena de 5 anos e 6 meses de prisão mostra-se ponderada e adequada à sua conduta.

E no que concerne ao arguido CC, conclui, igualmente, pela adequação da pena fixada, salientando que a seu favor não milita qualquer circunstância atenuante, bem como o facto de ter antecedentes criminais por roubo qualificado e tráfico de menor gravidade, e não ter confessado os factos nem interiorizado as consequências da sua conduta.

III. Nossa perspectiva.

1. No que respeita à não aplicação do regime de jovens adultos, importa salientar que tal questão, relativamente ao arguido EE, foi equacionada no acórdão da 1.ª instância, sendo afastado com os fundamentos constantes de fls. 1880 e 1881, transcritos no acórdão recorrido, a fls. 2144 e 2145.

E a Relação, por ser matéria que não constituía objecto do recurso do Ministério Público, nem foi suscitada na resposta do arguido EE (que não recorreu, conformando-se com tal decisão), dela não tratou especificamente, apenas conferindo maior valor atenuante à idade, como resulta do último parágrafo de fls. 2153.

Ora, quanto ao afastamento de tal regime, ora suscitado neste recurso, acompanhamos a fundamentação constante do acórdão da 1ª instância.

Sufragando-se a tese de que a atenuação prevista no artigo 4.º do DL 401/82 radica na finalidade de ressocialização, que se sobrepõe às demais finalidades das penas, entende-se, consequentemente, que será sempre de aplicar quando, na apreciação global do facto e personalidade do arguido, se formule um juízo de culpa diminuída, justificativo de uma modificação da moldura, vantajosa para a reinserção do agente.

Ora, toda a actuação deste arguido (como a dos demais), motivada por vingança da banhada em negócio de tráfico de estupefacientes, o dolo intenso com que actuou, que culminou com a execução mortal de uma pessoa, a ausência, quer de confissão, quer de interiorização de autocrítica, justificam a solução encontrada pela 1.ª instância.

2. - No que respeita à medida das penas, entendemos, igualmente, que se mostram adequadas à culpa de cada um dos arguidos, e exigências de prevenção, pelos fundamentos defendidos pelo Ministério Público no recurso para a Relação, e acolhidos, embora parcialmente, por essa instância

Assim sendo, e como tem vindo a ser decidido nesta Alta Instância, situando-se a quantificação da pena dentro dos parâmetros legais, a intervenção correctiva do STJ só se justificará em casos muito limitados, nomeadamente em que aquela, não obstante, se mostre desproporcionada ou desconforme às regras da experiência e da vida (Ac STJ de 29.04.04, proc. n.º 1394.04, 5ª [[1]]), o que não acontece no caso.

Mantida a medida das penas, fica prejudicada a respectiva suspensão, peticionada pelos arguidos EE e Fábio.

São, pois, em nosso parecer, improcedentes os recursos.”

I.b). – QUESTÕES OBJECTO DE APRECIAÇÃO NO RECURSO.

Embora a qualificação jurídico-penal das condutas imputadas aos arguidos, e pelas quais foram sancionados, não tenha sido posta em crise o facto é que a factualidade dada como adquirida suscita uma questão jurídico-penal que não obteve, em nosso aviso, tratamento ajustado, a saber a punição dos arguidos DD e EE como autores de um crime de homicídio na forma tentada (artigos 22º, nº 1, alínea c) e 131º do Código Penal e 86º, nº 3 da Lei nº 5/23006, de 23 de Fevereiro (Regime Jurídico das Armas e Munições).

Sendo o âmbito de cognoscibilidade dos recursos delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, ao tribunal de recurso não está interdito ou ilaqueado o dever de conhecer de todas as questões que oficiosamente se coloquem na decisão recorrida e bem assim de todas as questões que possam beneficiar a posição do arguido. [[2]]

Para além da anunciada questão, e no âmbito das conclusões apresentadas pelos recorrentes, o Supremo Tribunal deverá conhecer da questão da dosimetria das penas imposta aos arguidos CC, EE e DD.

II. – FUNDAMENTAÇÃO.

II.A. – DE FACTO.

As instâncias deram como adquirida a factualidade que a seguir queda extractada.

1) No dia 19 de Março de 2016, entre as 15.00 e as 17.00 hrs., em ..., o arguido FF entregou haxixe a um grupo de indivíduos de Almancil (onde se integrava o HH), grupo que o II, que também se encontrava no local, colocara em contacto com o FF, tendo aqueles indivíduos fugido sem pagar o haxixe.

2) Na sequência de contacto telefónico do arguido FF, este, acompanhado pelo II, encontrou-se com os arguidos CC, DD e EE no café ..., em Olhão, onde estes arguidos falaram entre eles sobre o que iam fazer, tendo combinado deslocar-se a Almancil para encontrarem e matar os indivíduos que tinham retirado o haxixe ao FF.

3) Após, encontraram-se com o arguido AA junto à residência deste, a quem, depois de contarem o sucedido em Almancil e dizerem que precisavam ir lá resolver o assunto, pediram para este lhes emprestar a sua viatura, tendo este aceitado dar-lhes boleia mais tarde, depois de se deslocar a Faro.

4) Os arguidos FF, CC, DD e EE e o II regressaram ao café Lavazza, altura em que os arguidos CC e DD se deslocaram à residência do primeiro, onde o CC recolheu uma espingarda caçadeira que levou num saco para a viatura do arguido DD, o que este sabia, regressando depois ambos ao referido café, local onde entretanto também chegou o arguido BB.

5) Entretanto, o arguido AA surgiu no café Lavazza, conduzindo a sua viatura Seat Ibiza matrícula 64-IJ-78, para a qual entraram o arguido DD (no lugar ao lado do condutor), o arguido CC (que ficou no banco traseiro, atrás do DD) e o II (que ficou atrás do AA), deslocando-se depois todos, neste veículo, para junto da viatura do DD.

6) O DD e o CC foram àquela viatura, de onde o arguido CC retirou o saco com a caçadeira, voltando de seguida ambos para a viatura do AA, levando o CC aquele saco com a caçadeira.

7) Depois passaram novamente pelo café Lavazza, seguindo então para Almancil esta viatura, com os referidos ocupantes, juntamente com outra viatura Seat Ibiza onde seguiam pelo menos os arguidos FF, que a conduzia, EE e Ruben Valéria (que facultou a viatura), sabendo os arguidos FF e EE que na outra viatura era levada a caçadeira.

8) Em Almancil, as duas viaturas, sempre juntas, deram várias voltas à procura dos indivíduos referidos em 1) dos factos provados, acabando os arguidos, a dado momento, por decidirem regressar a Olhão por não conseguirem encontrar aqueles indivíduos.

9) Nessa altura as duas viaturas separaram-se, seguindo percursos diferentes, sendo que, quando ainda circulava em Almancil e após as 22.00 hrs., a viatura conduzida pelo arguido AA passou pelo Thomas Oros, altura em que o arguido CC perguntou ao Iuri Coelho se aquele era um dos indivíduos que tinha estado em Olhão, respondendo este que não.

10) O arguido DD disse então que o Thomas era um rapaz que lhes apontara a arma numa discoteca, altura em que, estando a viatura parada, o CC disse «se é, então vai já morrer», apontou de seguida a caçadeira ao Thomas Oros através de janela lateral traseira da viatura, que estava entreaberta, colocando o cano da caçadeira à frente do II, e disparou três vezes, atingindo o Thomas Oros na região infra-escapular.

11) Depois dos disparos o arguido AA abandonou o local, com os ocupantes da viatura.

12) Em consequência dos disparos, o Thomas Oros sofreu traumatismo torácico que lhe causou a morte.

13) Os arguidos AA e BB não sabiam que entre os demais arguidos tinha sido estabelecido o acordo referido em 2), ignorando que aqueles visavam, ao se deslocarem a Olhão, matar alguém, intenção que estes arguidos AA e DD não tinham.

14) Os arguidos CC, DD, FF e EE sabiam que a caçadeira era um instrumento perigoso, e tinham o propósito de matar os indivíduos que praticaram os factos descritos em 1).

15) Os arguidos FF, CC, DD e EE agiram de forma concertada no quadro do acordo referido em 2), até ao momento em que o arguido CC actuou como descrito em 10), de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

16) O arguido CC, ao agir como descrito em 10), sabia que os chumbos disparados iriam penetrar no corpo do Thomas Oros e que tal conduta era susceptível de causar a sua morte, morte que quis produzir, tendo agido também nesta parte de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que tal era proibido por lei penal.

17) O arguido AA sabia que a caçadeira era um instrumento perigoso.

18) Os arguidos AA e Ruben Valéria actuaram, relativamente aos factos que praticaram (e acima descritos), de forma livre, deliberada e consciente.

19) O arguido CC beneficiou na infância e na adolescência, no seio da sua família, dos cuidados adequados.

Concluiu o 6º ano de escolaridade. Posteriormente frequentou curso profissional de electricidade, que não concluiu. Desenvolveu de forma irregular algumas actividades profissionais indiferenciadas, apresentando um percurso profissional de pouco relevo.

À data dos factos integrava o agregado da família de origem, constituído pelos pais, três irmãos e dois sobrinhos. O relacionamento familiar é tido como adequado e compensador, existindo efectiva preocupação pelo arguido.

Dedicou-se nos últimos anos ao trabalho de forma irregular, sobretudo em ocupações sazonais como a apanha de fruta. Não tem qualificações profissionais.

A situação económica é precária.

Mantém um namoro há vários anos.

Tem mantido um comportamento adequado às normas prisionais.

Foi condenado:

- por decisão de 20.11.2011, transitada em 09.02.2011 [proc. 1475/09 do Tribunal de Olhão], na pena de 8 meses de prisão, suspensa por 1 ano, pela prática em 03.12.2009 de um crime de tráfico de menor gravidade (art. 25° e 21° do DL 15/93, de 22.01) - pena declarada extinta pelo cumprimento

- por decisão de 09.05.2011, transitada em 08.06.2011 [proc. 1538/11 do Tribunal de Olhão], na pena de 4 anos de prisão, suspensa por igual período, pela prática em14.09.2008 de um crime de roubo qualificado (art. 210° n.º1 e n.º2 aI. b) e 204° n.º1 a!. b) do CP) - pena declarada extinta pelo cumprimento

À data dos factos o arguido DD integrava o agregado familiar constituído pelo pai e avó paterna, em habitação arrendada com adequadas condições de habitabilidade movimentando-se o grupo familiar num quadro de subsistência económica assente na pensão de reforma da avó, acrescida das receitas auferidas por esta no âmbito do desenvolvimento de trabalhos de limpeza.

Pese embora alguns constrangimentos derivados do consumo de substâncias psicoativas por parte do pai e da rutura marital dos progenitores quando tinha cerca de 11 anos de idade, o processo de desenvolvimento do arguido decorreu num contexto sociofamiliar gratificante, assente em sentimentos de solidariedade e interajuda fomentada pelos familiares. Sempre manteve relação de proximidade com a mãe e o novo agregado constituído por aquela (com residência próxima) e com o pai (cujo quadro aditivo foi ultrapassado mas que se mantém inactivo laboralmente e com diagnóstico de doença do foro da imunologia), sendo, contudo, a avó paterna a principal referência familiar e educativa.

Concluiu o 12° ano da área técnico-profissional de Desporto com cerca de 20 anos, tendo o último ano de frequência escolar decorrido no horário nocturno enquanto paralelamente efectuava, com sucesso, as diligências para a obtenção de habilitação para condução de veículo automóvel.

Sendo referidas experiências laborais (desenvolvimento de tarefas indiferenciadas na área da agricultura) nos dois verões que antecederam os factos (o que possibilitou a aquisição de automóvel usado), à data destes, encontrava-se inativo, embora inscrito no Centro de Emprego. Há cerca de três anos que colaborava nas atividades desenvolvidas pela MOJU (que visam a inclusão social de crianças e jovens) no Bairro Fundo Fomento da Habitação, sendo a sua atitude avaliada em moldes favoráveis.

Não apresenta comportamentos aditivos, tendo contudo mantido convívio social privilegiado, nos últimos tempos, com elementos socialmente associados à prática de comportamentos desviantes, circunstancia desvalorizada pelo arguido.

Em meio prisional tem apresentado um padrão comportamental ajustado às normas, usufruindo de visitas da família e namorada.

Cumpriu prestação de trabalho comunitário, em substituição de pena de multa aplicada, com adequada integração na equipa de trabalho, bem como motivação e produtividade avaliada em moldes satisfatórios.

É considerado um rapaz bem-educado e humilde

Foi condenado:

- por decisão de 21.06.2013, transitada em 24.06.2013 [proc. 729/12 do  Tribunal de Olhão], na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 5 euros, pela prática em 13.08.2012 de um crime de ofensa à integridade física (art. 143º n.º1  do CP), substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade e declarada extinta pelo cumprimento

O arguido EE cresceu no agregado constituído pelos progenitores e duas irmãs mais novas, oscilando as intervenções parentais entre acentuada negligêngia/permissivi-dade materna e aplicação rígida e autoritária de castigos físicos paternos, quando confrontado com o comportamento disruptivo do arguido ao nível escolar e social.

O grupo familiar vive em condições económicas e habitacionais muito precárias, quase sempre abaixo do limiar de pobreza e dependente dos serviços de segurança social, associadas quer a limitações de qualificação/formação profissional, quer por uma postura de acentuada anomia/indigência vivencial por parte de ambos os progenitores.

A situação é ainda marcada por hábitos regulares de consumo de bebidas alcoólicas e estupefacientes por parte do progenitor.

 A tensão familiar, pautada por agressões verbais entre os elementos do casal parental, culminou com a ruptura definitiva há cerca de 4 anos, ficando o arguido à guarda da progenitora, demitindo-se o progenitor progressivamente da sua função parental dado um seu processo de intensificação do consumo de substâncias psicoactivas e a assunção de um modo de vida de indigência.

O arguido registou precoces dificuldades de inserção escolar com eclosão de comportamentos de cariz agressivo inicialmente neste contexto e associados às suas dificuldades relacionais, mas também extensíveis ao meio comunitário.

O seu percurso escolar caracterizou-se assim por uma crescente desmotivação e elevado absentismo, ao que se associou o envolvimento com um grupo de pares detentores de problemáticas similares e com quem começou a relacionar-se no espaço escolar e no bairro residencial. Depois de várias reprovações e recorrentes períodos de abandono escolar e na sequência da intervenção da Comissão de Protecção de Jovens em Risco (CPCJ) de Olhão, concomitante com a intervenção do sistema de justiça ao nível tutelar educativo, o arguido viria a concluir o 9 .º ano de escolaridade em turma de currículos alternativos.

Há cerca de dois anos abandonou curso técnico-profissional na área de electricidade, alegadamente por carências económicas, nunca tendo desenvolvido qualquer actividade ocupacional e/ou laboral.

À data dos factos residia com a progenitora e as duas irmãs, actualmente com 13 e 16 anos de idade, em apartamento camarário de tipologia T2, com deficitárias condições de habitabilidade em termos de conforto e higiene.

A habitação situa-se em bairro social conotado com múltiplas problemáticas sociais, centrando-se neste contexto as suas relações de amizades elou grupo de pares com modos de vida similares.

Em termos da dinâmica relacional familiar constatam-se laços próximos entre o arguido, a mãe e as irmãs, gizados primacialmente na vertente de subsistência da célula familiar.

Em Agosto, aquando da prisão preventiva e desde há cerca de um mês, o arguido residia em casa de elemento do seu grupo de amizades sem qualquer projecto laboral e num estilo de vida ocioso, dependente do apoio de terceiros.

O arguido procura dar uma imagem optimizada de si e a assumir uma atitude positiva e de adesão à lei e às figuras de autoridade, percepcionando-se incongruências entre suas verbalizações (manifestamente defensivas) e o seu comportamento. Atribui responsabilidades ao seu grupo de amizades, tendendo desta forma a negar ou a minimizar a sua responsabilidade.

Apresenta um baixo nível de tolerância à frustração, reagindo impulsivamente e tendencialmente de forma agressiva face a situações de contrariedade.

Tem consumos regulares de haxixe desde o início da adolescência, sem contornos aditivos.

Em meio Institucional tem revelado dificuldades, no cumprimento de regras e normas institucionais, bem como no relacionamento interpessoal, tendo sido recentemente sancionado em termos disciplinares.

Desde então vem registando uma evolução comportamental positiva, aderindo e participando em actividades, ainda que de forma passiva.

Usufrui de visitas da mãe e da avó e mais recentemente do progenitor, os quais continuam a assumir uma atitude desculpabilizante.

Não tem condenações registadas no seu CRC

O arguido FF vivia à data dos factos, tal como agora, com os pais. Há cerca de 9 meses que integra também o agregado a companheira do arguido, sendo este relacionamento visto como bastante estruturante e positivo. O arguido preocupa-se com a família e com aquilo que esperam dele, e recebe dos pais e da companheira apoio e controlo.

O agregado reside em casa arrendada T2, que dispõe de adequadas condições de habitabilidade. Os pais trabalham ambos, assim como a companheira.

Frequentou a escola até ao 12. º ano, que não completou, tendo começado a trabalhar. Desenvolveu diversas actividades indiferenciadas, tendo trabalhado como segurança mais de 2 anos, e completado o respectivo curso. Frequentou curso de formação de padeiro, actividade que desenvolveu entretanto. Encontra-se actualmente desempregado, situação que se mantém desde finais do ano anterior. Encontra-se inscrito no Centro de Emprego da sua área de residência, tendo desenvolvido diligências adequadas à obtenção de emprego, ainda que sem resultado positivo. Tem projectos para actualizar a sua formação profissional e pretende continuar à procura de emprego.

Demonstrou vontade e capacidade para evitar delinquir no futuro, parecendo ter uma boa compreensão das suas motivações. Tem-se mantido abstinente do consumo de drogas, passando mais tempo em casa, evitando situações de risco, e mantendo um convívio mais regular com a família, sendo esta alteração de comportamento reconhecida pela família e valorizada positivamente.

Foi condenado:

- por decisão de 28.11.2011, transitada em 19.12.2011 [proc. 369/10 do Tribunal de Olhão], na pena de 1 ano e mês de prisão, suspensa por igual período, pela prática em 19.03.2010 de um crime de tráfico de menor gravidade (art. 25 º e 21 º do DL 15/93, de 22.01) - pena declarada extinta pelo cumprimento

- por decisão de 08.01.2014, transitada em 07.02.2014 [proc. 181/13 do Tribunal de Olhão], na pena de 70 dias de multa à taxa diária de 5 euros, pela  prática em 28.02.2013 de um crime de consumo de estupefacientes (art. 400 n.º2 do DI 15/93, de 22.01) - pena declarada extinta pelo cumprimento

O mesmo acórdão julgou os seguintes factos não provados:

a) a transacção referida em 1) ocorreu pelas 17.00 hrs.

b) a viatura conduzida pelo FF tinha a matricula ....

C) os arguidos AA, DD e CC e o II deslocaram-se junto do café Novo Estádio, e o arguido DD retirou da bagageira do veículo de matrícula -- a caçadeira, que era semiautomática, que entregou ao arguido CC.

d) quando localizaram o HH, as duas viaturas referidas estavam juntas e a viatura conduzido pelo arguido AA perseguiu o HH.

 e) o arguido BB sabia que era levada a caçadeira.

f) os arguidos AA e BB agiram de forma concertada com os demais arguidos, com vista a matarem alguém, nomeadamente os indivíduos que praticaram os factos descritos em 1) dos factos provados, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

g) os arguidos DD, FF, EE, AA e BB tinham o propósito de matar o HH na forma descrita em 10) dos factos provados, e sabiam que o arguido CC ia adoptar a conduta ali descrita, que naquelas circunstâncias os chumbos disparados iriam penetrar no corpo do HH e causar a sua morte, o que quiseram.

h) o arguido EE levava consigo um revólver.”

II.B. – DE DIREITO.

II.B.1. – PUNIBILIDADE DA TENTATIVA.

O tribunal de primeira (1ª) instância, depois de afastar a comparticipação dos arguidos na acção perpetrada pelo arguido; CC, acabou por enveredar pela comparticipação dos arguidos, na acção ilícita deste arguida pela morte da vítima HH, com a sequente fundamentação (sic).

Face aos factos provados, é clara e indiscutível a imputação do homicídio, na sua forma essencial (matar: art. 131.º citado), ao arguido CC.

Coloca-se porém a questão da imputação deste resultado aos demais arguidos, mormente aos arguidos FF, EE e DD, no quadro da co-autoria (art. 26° do CP).

Esta co-autoria assenta, como é sabido, em dois elementos: de um lado, supõe uma decisão conjunta de cometimento do crime (ou uma consciência de recíproca colaboração), e, de outro lado, exige que cada agente participe na execução desse crime ou, de outro modo, tenha uma contribuição específica para a realização do crime (em medida que o diferencie do cúmplice) (art. 26° do CP).

Existe, no caso, um acordo expresso, e com carácter prévio, quanto ao cometimento dos factos, envolvendo os referidos arguidos.

No que concerne ao segundo elemento da co-autoria, tende a dizer-se que cada co-autor, ao intervir na execução, deverá ter um condomínio do facto, dominando o evento criminoso em conjunto com os demais co-autores. Não se exige, neste condomínio, que o co-autor execute todos os actos típicos (caso em que seria sem mais autor) nem se lhe exige necessariamente a prática de um acto típico. Importa é que, no quadro do acordo, exista uma repartição de tarefas, assinalando-se a cada co-autor contributos para o facto que, podendo situar-se fora do tipo legal de crime, tornam a execução do facto dependente daquela repartição [F. Dias5). Partindo da ideia do domínio (funcional) do facto, diz-se que na co-autoria «cada indivíduo domina o acontecer global em cooperação com os demais (não tem o domínio total mas também não tem um domínio parcial pois cada um tem nas suas mãos o destino do facto global)» [Roxin, pág. 308 6].

Nesta medida, é co-autor aquele cujo contributo representa um requisito indispensável para a realização do resultado pretendido [Roxin, pág. 310 e 314, F. Dias, pág. 795/6, e Acs. do STJ, proc. 07P4086 ou 07P3242, in www.dgsi.pt]. Mas isto não significa que só seja co-autor aquele que, caso faltasse, tornaria absolutamente impossível a realização do resultado até porque, a posteriori, tal nunca se pode averiguar de forma certa ou segura [Roxin, pág. 314]. Além disso, a contribuição singular de cada co-autor não tem de ser em si mesma necessariamente causal (em termos estritamente objectivos), bastando que o seja o conjunto do contributo dos diversos co-autores. Aquela causalidade tem que ser afirmada apenas a partir de um ponto de vista subjectivo, i. é, atendendo ao plano e decisão conjuntas, e ao relevo que esse contributo tem para os vários agentes nesse plano conjunto [F. Dias, pág. 796]: O contributo é essencial quando é assim entendido no plano conjunto, ainda que o não seja em termos estritamente objectivos. Assim, a execução partilhada pode impor ou autorizar uma divisão de papéis que distribui aos intervenientes contribuições para o facto que se encontram fora do tipo legal mas, por serem necessárias, do ponto de vista do plano, por a execução do facto depender da colaboração assim estipulada, essas contribuições ainda se mostram suficientes como forma de participação na execução do crime [H. H. Jescheck e T. Weigand, pág. 7327] - aliás, até se diz (embora se trate de asserção discutida) que o co-autor pode nem estar no local dos factos, bastando que tenha alguma cooperação no momento dos factos [c. Roxin, pág. 311 e 736]. Também se aceita que a comissão em comum que é própria da co-autoria não corresponde à realização directa, de mão própria, do crime (o que excluiria acções executivas indivisíveis: um disparo, como é o caso) [Jakobs, pág. 7498].

O contributo do co-autor tem, porém, que ocorrer em momento situado entre o início da tentativa e a consumação do facto, para que exista uma participação na execução do facto típico [F. Dias, pág. 794/5), excluindo-se a participação apenas na fase preparatória do crime. Nesta linha, a co-autoria depende necessariamente de o crime estar já em execução. Tal assim é por inultrapassável exigência legal, na medida em que o art. 26° exige expressamente aquela participação do co-autor na execução do crime (não bastando, pois, a colaboração numa fase prévia, preparatória).

Desta forma, a qualificação do agente como co-autor depende de este desempenhar um papel exigido pelo plano ou quadro de actuação concertada, como « uma função autónoma no quadro da cooperação», na fase executiva do crime, restando a cumplicidade quando o plano não depender desse papel [Roxin,  pág. 312].

No caso, temos que, após o acordo, estes arguidos se dividem por duas viaturas, levando numa delas uma arma de fogo, e seguem em ambas para Almancil, à procura da pessoa ou pessoas que querem abater e para concretizar a finalidade acordada. Numa primeira aproximação, poderia admitir-se que estariam aqui em causa actos executivos do acordo (sem aprofundar a afirmação, por ora), sugerindo a verificação da co-autoria (numa primeira aproximação), a qual justificaria a imputação recíproca do resultado a todos os referidos arguidos.

A forma como o arguido CC comete o homicídio suscita, porém, dificuldades específicas. Com efeito, este arguido não dispara sobre o HH porque este seria um dos agentes da subtracção do haxixe e por isso um dos visados pelo acordo estabelecido com os demais arguidos mas por outra razão, associada a um incidente ocorrido numa discoteca, razão esta não compreendida por aquele acordo,

Nestes termos simples, parece manifesto que a execução do homicídio excede aquele acordo executivo e por isso não poderia ser imputado, por força da coautoria, aos demais co-autores. Trata-se de uma nova, autónoma e individual resolução criminosa, a qual não é partilhada pelos demais arguidos. E assim é mesmo quanto ao arguido DD pois, embora este acompanhasse o arguido CC no momento da execução, nada permite afirmar que ele aderiu a esta nova resolução delitiva (e muito menos a co-executou).

A situação torna-se, porém, menos clara quando colocada do ponto de vista do resultado objectivo alcançado, pois o HH foi efectivamente um dos indivíduos dos que tinha subtraído o haxixe - embora o arguido CC o ignorasse, não tendo tal circunstância tido relevo na sua decisão executiva. Deste ponto de vista (objectivo), o acordo acabou por ser efectivamente implementado, ou, por outras palavras, o resultado alcançado corresponde ainda àquele que foi planeado. Esta conexão coloca assim a questão de saber se este resultado pode ser ainda atribuído aos demais co-autores.

O arguido CC actua, neste aspecto, numa situação de erro, mas apenas no sentido de que ignora certas qualidades do objecto da acção. Não se trata de uma situação típica de erro. Não há discrepância entre a representação do agente e a realidade quanto ao projecto delitivo que o arguido CC efectivamente empreende: quer atingir a pessoa que vê, por ser quem lhes apontou uma arma, e concretiza essa intenção. Ele executa correctamente, sem desvios, a sua resolução criminosa (e desde logo por isso a circunstância referida é, quanto à sua responsabilidade pessoal, irrelevante). Simplesmente, embora esta execução surja, pela sua motivação, fora do acordo gizado, ela alcança, inadvertidamente, o objectivo prosseguido por aquele acordo. Ou seja, a discrepância só existe por o arguido ignorar que o visado também reveste outra qualidade relevante - ignorância que, para este arguido, é tipicamente irrelevante, mas que se pode ainda projectar na co-autoria.

Pese embora se admita que a situação possa suscitar dúvidas, considera-se que a partir do momento em que o arguido CC passa a actuar autonomamente, no quadro de nova e própria resolução criminosa, abandonando o quadro do acordo prévio e assim da coautoria, esta deixa de poder ser estendida ao resultado alcançado, mesmo numa situação como a vertente - em que aquele resultado afinal correspondia ao visado pelo acordo da co-autoria.

Isto porque ao abandonar o plano cria um obstáculo à imputação recíproca, já que a sua execução deixa de estar coberta pelo prévio acordo. A efectiva produção do resultado proibido visado pelo acordo é, do ponto de vista deste acordo, e dos demais co-autores, meramente acidental, fortuita. De um ponto de vista de imputação objectiva, este carácter acidental quebra a ligação causal entre o acordo (e os actos executivos dos demais co-autores) e o resultado proibido, o qual deixa de ser o produto adequado daquele mas antes um evento excepcional, imprevisível. Ele não constitui execução do acordo, e por isso o risco para o bem jurídico não deriva daquele acordo e da sua execução conjunta (falha também a conexão de risco). A circunstância de o arguido CC, aquando da execução do acordo, resolver cometer um outro crime torna este outro crime algo objectivamente não imputável àquele acordo - mesmo que a vítima seja aquela que o acordo visava pois tal ocorre de forma acidental e não expectável, de acordo com as regras da normalidade. E o mesmo se passa do ponto de vista da imputação subjectiva, já que o acordo (e assim o conhecimento e vontade dos agentes, essencialmente caracterizadores do dolo) não abarcaria outros crimes que um dos co-autores resolvesse cometer aquando da execução do acordado. Em termos simples, eles não concordaram nem queriam aquela execução nem, assim, o seu resultado.

Só não seria assim se se pudesse dizer que a conduta adoptada pelo arguido CC constituía ainda um desenvolvimento ou desenvolução possível ou previsível da execução do acordo, que podia ser admitido e considerado pelos demais co-autores. Mas não é esse seguramente o caso, já que a conduta do arguido CC representa mais que um excesso na execução, configurando uma nova execução, destacada daquele acordo, que só acidentalmente se liga àquele: aquando da execução do acordo, mas não por causa dele (ou do risco associado a esse projecto), resolve cometer um novo delito. E decidir matar alguém com fundamento diverso do anterior acordo não faz parte do risco de realização do acordado - é um desvio, consciente, a tal acordo. Assim, essa execução não é ainda execução do acordado (e também não há, por isso, actos executivos dos demais co-autores quanto a este novo projecto), nem pode ser coberta pelo dolo dos demais intervenientes no acordo (como não está no caso), e fica por isso fora da co-autoria.

Em termos sintéticos, não existe erro sobre o objecto (o arguido CC atinge quem quer atingir) nem erro na execução 13 (o procedimento pensado e adoptado por este arguido concretiza-se no resultado pretendido). Existe um erro-ignorância sobre uma qualidade do visado mas, para o arguido CC, tal é penalmente indiferente porque alcança o que quer (e aquela qualidade não faz parte do tipo, nem positiva nem negativamente). Este erro-Ignorância já tem relevo para os demais arguidos, não em si mas porque, por causa desse erro, o arguido CC adopta resolução e execução (incluindo o resultado mortal) fora do acordado e assim fora do quadro da co-autoria.

Donde não poder o resultado produzido ser atribuído ao acordo gizado e assim ser imputado aos demais arguidos a partir da co-autoria. (Bold nosso)

Excluída a imputação do crime de homicídio consumado, resta ainda ponderar a verificação de eventual tentativa.

Esta forma de aparecimento do crime determina-se primacialmente em função da vontade do agente pois, como é esta que cria a conexão com o resultado delitivo que se não produziu, só se decide se se trata de um delito e de que delito se trata em função do conteúdo daquela vontade - o que conduz, no caso, a verificar que os arguidos em causa pretendiam praticar um crime de homicídio (art. 22º, nº 1 do CP).

Além desta vontade, exige a lei que sejam praticados actos de execução. No caso, a questão tem que resolver-se à luz do art. 22° n.º 1 al. c) do CP, de onde resulta que são actos de execução os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores, ou seja, actos que preencham um elemento constitutivo de um tipo de crime ou que fossem idóneos a produzir o resultado típico. Diz-se a este propósito que esta alínea c) do n.º 2 do art. 22° exige que o acto em causa anteceda imediatamente, sem solução de (des)continuidade substancial e temporal, o acto cabido nas als. a) ou b) do mesmo artigo, o que ocorreria quando existisse uma conexão de perigo típico entre o acto cabível na al. c) e um dos actos das alíneas antecedentes. Por sua vez, a conexão de perigo ocorreria quando, segundo o lapso temporal e o sentido dos actos, houvesse uma relação de iminente implicação entre o último acto parcial e a realização típica, relevando especialmente a conexão temporal estreita. E a conexão típica ocorreria quando o acto parcial penetrasse já no âmbito de protecção do tipo de crime em causa [F. Dias, pág. 705 e ss.]. Em sentido próximo, também G. Jakobs acentua a exigência de que o acto, segundo a representação do autor, se aproxime da consumação, no sentido de que seja imediatamente prévio à consumação, sem interrupção [Derecho Penal, cit., pág. 883/4]; da mesma forma, H-H. Jescheck diz que a tentativa deve aproximar-se do limite da acção típica [com T. Weigend, Tratado de Derecho Penal, cít., pág. 558], exigindo a jurisprudência alemã que a acção anteceda imediatamente a realização de um elemento do tipo ou que tenha uma relação espacial e temporal imediata com o preenchimento do tipo [apud G. Stratenwerth, Derecho Penal, Parte General I, Thomson Civitas, 2005, pág. 287).

Ora, no caso, tem que se aceitar que a deslocação dos arguidos para Almancil, em conjunto e armados, à procura dos visados, constitui facto a que se deveria seguir de imediato a prática de actos aptos a produzir o resultado típico ou mesmo a consumação do crime. O único elemento perturbador analisa-se na circunstância de a execução subsequente não depender apenas dos arguidos mas do facto de eles encontrarem, ou não o(s) visado(s). Mas, justamente, a actuação dos arguidos visa precisamente encontrar os visados e, de seguida, sem descontinuidade, alcançar o resultado pretendido: matar. A circunstância de irem munidos da arma de fogo revela justamente um estádio último de execução, imediatamente anterior à consumação. O facto de poderem, ou não, encontrar os visados não degrada a execução em mera preparação pois, a encontrarem, seguir-se-ia justamente a consumação do crime. A própria acção do arguido CC revela a prontidão dos arguidos em passarem à acção (prontidão tão extremada que leva este arguido a passar, inclusive, à execução de crime diverso). Deve, assim, aceitar-se que existe uma conexão imediata entre os actos empreendidos e o surgimento de actos previstos nas als. a) e b) do n.º2 do art. 22° citado, com interferência na esfera de protecção da norma penal (com criação do risco próximo para o bem jurídico que a tentativa pune) e, assim, que existem actos de execução do crime pretendido.

Importa agora verificar se todos ou apenas alguns dos arguidos em causa praticam actos típicos e, se não, se a sua intervenção é ainda suficiente para se falar, também quanto a eles, de uma execução conjunta (essencial à co-autoria).

Quanto ao arguido FF, ele tem um papel específico, inerente à natureza da situação: teria que identificar as pessoas que intervieram na subtracção do haxixe, pois apenas ele e o Iuri Coelho (que segue na outra viatura) estariam em condições de o fazer. Além disso, associa-se à execução também por conduzir a viatura em que segue pelo menos o arguido EE, este associado ao acordo inicial. O arguido DD colabora na detenção da arma e segue junto ao arguido CC (que acaba por a usar). O arguido EE acompanha o arguido FF, e ambos acompanham a viatura em que segue a arma que, seguramente, se verifica existir. Assim, todos intervêm na fase executiva do crime, assumindo papéis diferenciados mas relevantes no quadro do acordo global de colaboração recíproca criado. E nessa medida todos praticam actos de execução no quadro da co-autoria (o que prejudica a discussão em torno do início da tentativa para cada co-autor). Sendo que por força da co-autoria (do plano prévio e da execução conjunta), cada co-autor, ainda que não realize integralmente o tipo legal de crime, é punido, nos termos do art. 26°, como se fosse autor integral daquele tipo legal.

Verifica-se, pois, uma tentativa de homicídio imputável aos arguidos FF, DD e EE (tentativa em que também participa o arguido CC pois este, antes de executar o homicídio como descrito, intervém, juntamente com os aludidos arguidos, na referida tentativa).

Naturalmente, o regresso referido em 8) dos factos provados não constitui nenhuma desistência da tentativa (no sentido de uma decisão voluntária de pôr termo à execução, abandonando o projecto criminoso) pois ele se deve apenas ao facto de os visados não terem sido encontrados; nesta medida, não se pode dizer que os arguidos em causa abandonaram o propósito delitivo, mas apenas que aquela concreta tentativa de execução tinha falhado por razões estranhas à sua vontade (não querem deixar de cometer o crime, não conseguem é concretizá-lo naquela ocasião). O que poderia era questionar-se se no momento em que o CC atinge o HH ainda existia uma participação na execução dos arguidos FF e EE, cuja viatura já os não acompanhava, mas a questão está prejudicada pelo facto de se ter excluído a imputação desta acção àquela co-autoria.”

Assim, nos termos do artigo 22º do Código Penal, “há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se”, e o nº 2 do preceito acabado de citar caracteriza e postula como actos de execução “a) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime; b) Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores.” [[3]]

E artigo 23º do mesmo livro de leis preceitua que: “1 - Salvo disposição em contrário, a tentativa só é punível se ao crime consumado respectivo corresponder pena superior a 3 anos de prisão; 2 - A tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada; 3 - A tentativa não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objecto essencial à consumação do crime.” [[4]]

Glosando a norma, dir-se-á que para que ocorra uma tentativa punível exige a lei, que: i) sejam praticados actos materiais de execução; ii) que esses actos (materiais), de execução, sejam idóneos à realização de um facto tipificado na lei como crime; ii) que, subjectivamente, o agente que executa os actos idóneos [[5]], se tenha determinado, volitivamente e de forma intencional, a realizar o tipo previsto na lei; iv) que a acção desenvolvida pelo agente não logre preencher o resultado previsto no tipo, na sua totalidade, ou seja que o agente realize actos tendentes à realização do tipo, e já nele inerido, mas que com ela não atinja o resultado completo que o tipo prevê. Ou, nas palavras de Claus Roxin, para quem a justificação da pena na tentativa derivará “do facto concreto do delinquente mostra um autor capaz e disposto à comissão de um delito, que manteve a sua resolução criminal e ao que só as circunstâncias exteriores impediram a realização do facto.” [[6]]

Para que alguém se determine a realizar um determinado tipo de ilícito, isto é, para que alguém haja com dolo (típico) exige-se que, consciente do resultado típico estabelecido numa previsão normativa, oriente a sua acção, ou omissão, e realize os respectivos actos de forma que a materialidade típica contida na norma se materialize e fique preenchida.

Discorrendo sobre a justificação da figura jurídico-material da tentativa refere a Professora Fernanda Palma que “a tentativa, na perspectiva do ilícito, corresponde a uma ante-cipação da tutela relativamente a factos em que a intervenção penal associada à ideia de verificação de um resultado ou de um dano para o bem jurídico é mais tardia.” [[7]]   

Numa perspectiva formal [que o artigo 22º, nº 2, alínea a), do Código Penal exprime] os actos de execução são aqueles que preenchem, segundo uma interpretação literal, o tipo, ou seja, correspondem, nesses termos, à acção típica no todo ou em parte. Tal perspectiva prescinde de elementos de natureza histórica, sistemática ou teleológica na verificação da tipicidade.” Se em determinado tipo de crimes – por exemplo no caso da burla – a lei segue uma descrição de teor analítico do tipo, já noutros casos – por exemplo no caso do crime de homicídio – segue uma formulação adscritiva o que exige “um labor interpretativo que revela a insuficiência da mera «analogia espontânea» entre o comportamento e a descrição típica para realizarmos a subsunção”. “Nestes últimos casos, torna-se inevitável o recurso a outro conceito de actos executivos que nos permita afirmar que uma acção determinada, como por exemplo, apontar uma arma a uma pessoa é ou não inicio de uma acção típica do crime de homicídio. O Código Penal português utiliza critérios de idoneidade [alínea b) do nº 2 do artigo 22º] e de proximidade sequencial [alínea c) dos mesmos, número e artigo]. Mas a utilização de tais critérios só faz sentido pela referência a uma lógica sistemática (fins do sistema penal), segundo a qual se justifique a punibilidade dos factos que reúnam as características de desvalor justificativas da intervenção penal. Tal como perigosidade para o bem jurídico ou, noutra perspectiva, a própria perigosidade do agente.” [[8]]               

Fernanda Palma, no estudo que vimos seguindo, estima que “sendo fundamento da punibilidade da tentativa a criação dolosa de condições insuportáveis de insegurança existencial para o bem jurídico, os actos executivos são os que afectam a esfera de protecção do bem jurídico tipicamente protegido. A esfera de segurança do bem jurídico é o ponto de confluência entre o princípio da legalidade e o princípio da necessidade da pena, concretizado no tipo de ilícito de cada crime, à luz de uma consideração material.” [[9]] Já antes, depois de analisar a tentativa e as diversas formas de participação no desenrolar da acção ilícita – co-autoria e cumplicidade – afirmara que “a análise precedente permite enunciar a característica determinante de um conceito unitário de actos executivos, a ser concretizado nas diversas formas de aparecimento do crime. De acordo com os princípios do Direito Penal, na sua dimensão de Direito Penal do facto, é a afectação das condições concretas de segurança dos bens jurídicos e de liberdade dos seus titulares a característica determinante do ilícito tentado.”[[10]]    

Não sendo a tentativa negligente punível [[11]] a Professora Fernanda Palma afirma que “à configuração do ilícito na tentativa é imprescindível uma certa conexão entre a dimensão objectiva da execução e a sua dimensão subjectiva. Tal conexão evidencia-se na própria configuração dos actos de execução, em que o resultado a obter é um elemento interpretativo identificador da realização do tipo e do projecto do agente um elemento a considerar nos juízos de idoneidade quanto à sucessão de actos idóneos. É a própria decisão criminosa que permite que os actos de execução atinjam relevância suficiente para que a punibilidade do ilícito da tentativa se possa relacionar com a do crime consumado e não consista apenas num autónomo crime de perigo,

Assim, a tentativa de um crime revela sempre um desvalor da decisão que ultrapassa o desvalor da acção praticada. Nesse sentido, há um complexo desvalor da acção cujo objecto é um dolo de crime consumado e uma acção de crime tentado. A estrutura da tentativa assemelha-se por isso à dos chamados crimes de resultado cortado ou parcial, a medida em que o dolo abarca um resultado não contido no tipo objectivo e este abrange apenas a criação de uma situação de insegurança para os bens jurídicos protegidos, através do início da realização do facto típico.” [[12]]    

Para que se possa aferir de um início de realização de um facto típico, torna-se necessário, na lição da Professora Fernanda Palma, ter presente a definição ou conceito de ilícito penal. Ou seja o ilícito penal como “afectação de um estado de equilíbrio que o Direito Visa assegurar e para o qual se justifica a selecção de certas realidades como bens jurídicos. Logo aí, quando se verificar esse desequilíbrio de um estado originário de conservação e preservação de certos bens, começa o ilícito e justifica-se a intervenção penal.” [[13]]    

Para que ocorra uma acção punível, torna-se, pois, imprescindível que o agente aja com dolo, em qualquer das suas formas, directo, necessário e eventual. [[14]/[15]]

 Em pós a uma distinção das formas de manifestação do dolo – intenção ou propósito (dolus directus de primeiro grau), o dolo directo (dolus directus de segundo grau) e dolo eventual (dolus eventualis), Claus Roxin alcança uma forma unitária de descrição do dolo, como ““saber e querer (conhecimento) e vontade” de todas as circunstâncias do tipo legal.”  

A este respeito, o requisito intelectual (“saber”) e o volitivo (“querer”) estão em cada caso diferentemente configurados nas suas relações entre si. No caso da intenção, no lado do saber basta com a suposição de uma possibilidade, ainda que seja só escassa, de provocar o resultado, p. ex. um disparo a grande distância. Dado que se persegue o resultado e que, portanto, o “querer” é muito pronunciado, quando o disparo dá no alvo (“da en el blanco”) concorre de todos os modos um facto doloso consumado.” [[16]]      

Neste eito definitório alinha Hans-Heinrich Jescheck quando assevera que “o dolo significa conhecer e querer os elementos objectivos pertencentes ao tipo.” “O conhecimento do autor deve referir-se aos elementos do tipo situados no passado e no presente; para além disso, o autor há-de prever nos seus rasos essenciais os elementos típicos futuros, em especial o resultado e o processo causal. A vontade consiste na resolução de executar a acção típica. Estende-se a todos os elementos objectivos constitutivos conhecidos pelo autor que serem de base à decisão da acção. (…) o dolo deve concorrer no momento da acção, sendo irrelevante um dolo antecedente ou subsequente.” [[17]]     

Para que ocorra, na participação da realização de tipo de ilícito pressupõe-se, que “junto com a tipicidade e antijuridicidade do facto do autor, também o seu carácter doloso. Esta indicação legal expressa é supérflua se se ubica sistematicamente o dolo como parte subjectiva do tipo, como se corresponde com a opinião dominante (…). Pois, em tal caso, da exigência de um facto típico do autor se desprende que este deve ser também doloso.” [[18]]       

A tentativa é a criação, através de meios materiais, de um perigo que, ajuizado sobre a base de representação do autor, resulta próximo da realização típica; ou ainda (“o bien”), quando já ex ante é previsível a carência de perigosidade da dita acção, uma infracção típica à norma que, no juízo do legislador, constitua uma perturbação do Direito de certa entidade.

(…) Uma tentativa é, em definitivo, uma actuação próxima ao tipo com dolo de realização típica. Isto é o que se infere do § 22, [[19]] que exige para a tentativa um inicio imediato, um dispor-se imediatamente à realização da conduta típica. Portanto, o que tem lugar antes de “esse início imediato ou disposição imediata”- a preparação do facto típico – não é tentativa. É essa delimitação entre preparação e tentativa o núcleo do conteúdo do § 22 (que contra o que reza a rúbrica, não se contém uma verdadeira delimitação conceptual). Não obstante, é possível deduzir da “fórmula do início ou dispor-se” os elementos essenciais da tentativa.

Como se deduz do § 22, actuação próxima do tipo deve ser determinada sobre a base da representação do autor (“segundo a sua representação do facto”). Este elemento do conceito de tentativa é possível extrair três teses acerca da tentativa:

a) Toda a tentativa exige uma decisão (ou resolução) de actuar dirigida à consumação do delito. Esta decisão de actuar (=dolo) não é, não é, sem embargo, idêntica à “representação do facto” requerida pelo § 22. O elemento intelectual do dolo se efectivamente se corresponde com a representação do autor acerca do facto. Quem cria um perigo próximo à realização típica só de um modo imprudente, segundo a sua representação, não está iniciando a realização da conduta típica, porque ou bem não vê o perigo (imprudência inconsciente), ou bem confia que o mesmo não chegará a realizar-se (imprudência consciente). Assim, pois, uma tentativa imprudente não pode existir segundo o Direito alemão. A mesma pode ser, no máximo, tratada como um delito de perigo (por exemplo: colocação em perigo da segurança vial, § 315c);

b) Com a “representação do facto” não se quer fazer referência unicamente a um elemento do dolo, mas sim também à classe e características da realização do facto. Quando alguém dirige a sua espingarda contra uma pessoa, a existência de uma tentativa de homicídio não depende tão só de se se actuou com dolo de matar ou unicamente com o fim de ameaçar. Depende também de si o autor – existindo dolo – quer disparar imediatamente, ou melhor pretende fazê-lo depois de largo tempo (por exemplo, no final de uma discussão). Em primeiro lugar, existe já tentativa ao apontar a espingarda. Em segundo, todavia não, devido à falta de imediatez da realização típica. Assim, pois, a existência de uma tentativa deve determinar-se conforme a um critério objectivo, ainda que a perspectiva de ajuizamento seja subjectiva. A “representação do facto” abarca, segundo isto, também a “representação do curso dos factos” do autor, o seu plano de actuação.

c) Por fim, da adequação à representação do autor se deriva também a punibilidade de todas as formas de tentativa inidónea. Pois quando alguém com intenção de matar deixa no café de um terceiro uma substância conhecidamente inócua, mas tida como mortal pelo autor, não iniciou de forma imediata a realização efectiva da conduta típica de forma real, ainda que sim segundo a sua própria representação. Que isto é, de acordo com o Direito vigente, uma tentativa punível deriva não só do § 22, mas também do § 223 III. Pois se no dito preceito se outorga ao juiz um âmbito de maior discricionariedade na determinação da pena em relação com a punição das tentativas particularmente insensatas, isso pressupõe que há que admitir que existe em princípio uma tentativa punível.

(…) A colocação em perigo assim descrita deve estar próxima ao tipo, mas não necessariamente ao bem jurídico; pois deve existir o início imediato da “realização da conduta típica” (§ 22). O ponto de referência para a punição da tentativa não é portanto o bem jurídico protegido, mas sim o tipo penal. Isto é importante, porque segundo ele, as acções podem ser consideradas como tentativas inclusivamente se, em relação com o bem jurídico protegido, se acham todavia distanciadas do mesmo, no âmbito da mera preparação. Assim existe uma tentativa punível de falsificação de moeda (§ 146) quando o autor inicia o acto de falsificação; o bem jurídico protegido (o sistema monetário), sem embargo, ver-se-ia afectado tão só quando se produz a introdução da moeda falsa no tráfico. Finalmente, somente existe tentativa quando o autor, para a consecução dos seus fins, emprega meios materiais. A tentativa supersticiosa realizada com meios irreais (por exemplo, o esforço de danificar outrem mediante bruxaria) resulta em princípio impune. (…)” [[20]]           

Colhendo a lição de Claus Roxin, o “resultado decisivo da concepção político-criminal de injusto pelo qual advogo consiste em que nos acaba levando à teoria da imputação objectiva, que é hoje um elemento fundamental da teoria jurídico-penal. Se se contempla a protecção subsidiária de bens jurídicos como a função do Direito penal derivada dos fundamentos da Constituição e alguém se pergunta como o ordenamento pode garantir a dita protecção, só cabe aqui uma única resposta: para cumprir a missão de proteger os bens jurídicos penalmente protegidos deve proibir-se a criação de riscos não permitidos para tais bens e imputar ao autor da acção típica a realização de tais riscos num resultado lesivo para um bem jurídico. Por exemplo quem como condutor não observa as regras juridicamente preestabelecidas do tráfico cria um risco não permitido para a vida e a integridade física dos outros participantes no tráfico. Se desse modo se produz um acidente mortal o dito risco se produziu e o sucedido se imputa ao condutor como uma acção homicida.” [[21]]

Desde um ponto de vista político-criminal a teoria da imputação também resulta frutífera. Dela se desprende, por exemplo. Que uma tentativa só deveria ser castigada, razoavelmente, quando mediante uma observação ex ante, esta cria realmente um risco não permitido, isto é, é perigosa.” [[22]]  

Intentando a melhor interpretação para o artigo 16º do Código Penal espanhol, pondera Santiago Mir Puig, que “A nova exigência do art. 16 CP [[23]] de que os actos executivos tenham que ser de tal entidade que "objectivamente deveriam produzir o resultado" pode ser interpretada de dois modos: dando ao advérbio "objectivamente" o sentido mais forte do termo, que exige correspondência com a realidade, ou o entendendo que só requer intersubjectividade. A primeira interpretação obriga a ter em conta todos os elementos realmente concorrentes no intento, tanto os que conhecia o autor, como os que antes ou depois se ponham de manifesto. Se, por exemplo, o sujeito disparou com uma pistola que cria carregada com ânimo de matar, haveria que dizer que "objectivamente" o disparo não podia produzir o resultado de morte, e isso ainda qualquer pessoa tivesse podido crer ex ante que a pistola estava carregada - como sucederia se a pistola tivesse sido carregada pelo autor e descarregada por outro pouco antes do facto aproveitando um descuido do primeiro. A segunda interpretação conforma-se com que ao empreender o intento e antes que este se demonstre falido (ex ante) qualquer pessoa normal na posição do autor haveria considerado possível que se produziria o resultado típico. No exemplo proposto, o disparo apresentar-se-ia ex ante como perigoso, ainda que ex post se comprovasse que não podia sair nenhuma bala da pistola. Aqui "objectivamente" significa "intersubjectivamente", para qualquer sujeito normal.

A) Objectividade como efectiva correspondência com a realidade.

À primeira vista poderia parecer preferível a primeira interpretação, que entende a objectividade como efectiva correspondência com a realidade, por ser mais estrita e favorecer ao réu. Mas não é admissível, porque levaria ao absurdo de deixar sem conteúdo possível o conceito de tentativa. Com efeito, como se assinalou repetidamente, desde um ponto de vista estritamente objectivo que tome em conta todos os elementos da intenção que cheguem a conhecer-se, também ex post, nenhuma tentativa que tenha quedado em tal podia produzir o resultado típico. Se uma intenção não produziu o resultado é porque objectivamente (no sentido forte) não podia produzi-lo, porque algo havia nele de defeituoso ou inadequado que haja impedido que alcançasse o seu objectivo (ainda que só fosse por se haver efectuado num momento inadequado, por exemplo, quando a policia estava cerca e apareceu, ou quando a vítima está ausente por razões excepcionais do lugar da explosão). Num sentido estritamente objectivo, só os actos executivos que acabam consumando o facto continham todos os elementos necessários para afirmar que "deviam produzir el resultado". O disparo que não mata, mas que só fere, estava dirigido de tal modo que objectivamente não podia matar, tendo em conta todos os elementos concorrentes na situação. Isto é assim inclusivamente no caso de que o disparo saísse perfeitamente orientado até um órgão vital da vítima, mas não o alcançasse por haver sofrido esta um desmaio no último momento: se o desmaio teve lugar é porque havia causas que objectivamente o determinaram. Tudo o que impede que um intento consiga o seu objectivo se deve a causas previamente concorrentes que objectivamente haviam de acabar impedindo-o. Assim o impõe a lei da causalidade, segundo a qual tudo o que sucede no mundo macroscópico (deixemos de parte o comportamento dos electrões), é efeito necessário de um conjunto de causas. Ainda que o indeterminista exclua da dita lei os actos voluntários do ser humano, a mesma seguirá impedindo afirmar que em boa parte dos casos considerados de tentativa idónea objectivamente (num sentido estrito) fora possível produzir o resultado. É o caso do desmaio que acabamos de propor, como o seria o da flecha em princípio perfeitamente dirigida pelo campeão olímpico mas que não alcança a sua meta por efeito de um posterior forte golpe de vento inesperado. E não parece que estes casos mereçam melhor trato (impunidade) que o daqueles em que o intento se frustrou por obra de uma intervenção humana voluntaria inesperada (por exemplo, porque a vítima se move no último momento).

Depreende-se do anterior que uma interpretação estrita do "objectivamente" do art. 16 CP, que inclua os dados conhecidos ex post (ainda que também sejam teoricamente cognoscíveis ex ante por um espectador omnisciente), conduziria ao absurdo. Existem outros dois elementos na definição de tentativa do art. 16 que se opõem também à dita interpretação.

Por uma parte, a própria literalidade da dita definição refere-se aos casos em que o intento não produziu o resultado "por causas independentes da vontade do autor". Isso supõe admitir que o fracasso do intento se deva a causas que, segundo a lei da causalidade, o hajam determinado objectivamente (num sentido estrito). E é incompatível com exigir ao mesmo tempo que o intento pudera produzir objectivamente (em sentido estrito) o resultado. Para além disso, não parece razoável excluir do termo legal "causas" os actos voluntários da vítima ou de terceiros que impeçam a consumação.

Por outra parte, o verbo utilizado pela junto ao "objectivamente" - "deveriam"-, faz ainda mais inviável a interpretação estrita daquele adverbio. O art. 16 CP não se limita a exigir que os actos executivos pudessem produzir o resultado típico, mas também diz que "deveriam" produzi-lo. Uma interpretação estrita de "objectivamente" obrigaria a restringir a tentativa punível aos casos em que era necessário objectivamente que o intento produzisse o resultado. Mas se era necessário objectivamente que se produzisse o resultado, é que este não podia deixar de se produzir: se tivera produzido, e então não teríamos tentativa, mas sim consumação. Não quedaria nenhum caso possível de tentativa incluível no art. 16 CP, que requer que o resultado não se produza. W seria ainda mais evidente a contradição entre exigir que o intento devera produzir necessariamente o resultado e que não o haja produzido por "causas" objectivas.

B) Objectividade como intersubjectividade ex ante

O verbo "deveriam" só pode interpretar-se, sem deixar sem conteúdo a definição do art. 16 CP, num sentido de pronóstico ex ante efectuado por um sujeito. Mas este sujeito não pode ser o mesmo que realiza a tentativa, porque isso o impede o advérbio "objectivamente", que cerra o passo a uma concepção puramente subjectiva da tentativa no actual Direito penal espanhol. Não basta que o autor do intento deseje produzir o resultado ou creia que pode produzi-lo. A exigência de objectividade não pode tomar-se no seu sentido mais estrito, mas sim no sentido de uma intersubjectividade que transcenda o sujeito actuante. É a perspectiva que adoptamos na imputação objectiva: a perspectiva do homem médio diligente.

Sem embargo, como na imputação objectiva, é inevitável ter que imaginar essa pessoa ideal na posição do autor. Sem deixar de ter o juízo próprio de uma pessoa prudente medianamente inteligente, mas posto no lugar do autor. Só assim podemos deixar de imputar objectivamente a morte do tio rico a quem o sobrinho fez subir para o avião que veio a explodir por uma bomba: ninguém na posição do sobrinho podia imaginá-lo, mas sim quem, noutra posição, soubesse da colocação da bomba; a este deveria imputar-se o facto, mas não àquele. Também na tentativa há que adoptar a posição do autor.

a) No entanto, a tentativa não é a consumação, nela não temos de imputar a realização de um risco típico, mas sim tão só o intentar realizá-lo sem o conseguir. Só há que preguntar se para qualquer pessoa medianamente inteligente e judiciosa pode falar-se realmente de um intento sério, de um intento que uma persona média poderia realizar se quisesse pretender o resultado, ainda que pudesse fracassar. Isto pode entender-se num sentido mais vinculado aos conhecimentos e desconhecimentos do autor que na imputação objectiva do facto consumado – ainda que também cabe rejeitar esta diferenciação, como veremos. Assim, enquanto para a imputação objectiva do resultado típico imaginamos uma pessoa média que não só consociara os dados da situação como o autor, mas também cm os conhecimentos que teria a dita pessoa imaginária, ademais dos conhecimentos especiais da mesma, na tentativa poderia considerar-se preferível imaginar a dita persona ideal com os mesmos conhecimentos e desconhecimentos da situação que o autor tinha. Por exemplo, se o autor intenta matar com uma pistola que crê adequada mas que no último momento se encasquilha, podemos dizer que qualquer pessoa inteligente e judiciosa que desconhecera, como o autor, que a pistola iria a encasquilhar-se, consideraria que com ela podia matar. Poderia fazer-se a abstracção aqui de se uma persona prudente teria comprovado o estado da arma antes de a utilizar e haveria advertido que falhava. Bastaria para a seriedade objectiva do intento que a pessoa imaginária que desconhecera o que desconhece o autor cresse possível que alcançara o seu objectivo. Isso só deixaria de ocorrer quando o autor atribui-se aos seus actos uma virtualidade causal inexistente, como na tentativa irreal (o sujeito crê que pode envenenar com açúcar, sabendo que é açúcar) ou na supersticiosa (o sujeito crê que pode matar mediante práticas supersticiosas). A objectividade (intersubjectividade) da tentativa só requereria ajuizar a sua viabilidade com os conhecimentos nomológicos de uma pessoa judiciosa (ademais daqueles que por razões especiais pudera ter o autor).

Esta é a concepção assumida pelo § 22 do StGB alemão, segundo o qual há tentativa quando o sujeito "segundo a sua representação do facto inicia directamente a realização do tipo" (15). E é a posição que Gimbernat, Bacigalupo y Gracia Martín defendem à vista do art. 16 CP. O primeiro entende a objectividade requerida pelo art. 16 CP no sentido de valoração do intento por um "homem médio (objectivo)", com base em "um conhecimento objectivo das leis da natureza", mas "com o mesmo conhecimento (mais ou menos amplo) dos factos que o autor "e, portanto," com o mesmo desconhecimento parcial do autor". A tentativa que não dá lugar à consumação supõe sempre a existência de um erro no sujeito. Se castiga porque se este "não se tivesse equivocado poderia ter realizar o seu propósito". "Objectivamente' quer dizer que a produção do resultado não pode depender só da imaginação do autor, mas também que o plano deste deve ter um fundamento racional (objectivo)". Não é necessário que se possa efectuar um juízo de previsibilidade objectiva ex ante, que requereria ter em conta não só os elementos da situação conhecidos efectivamente pelo autor, mas também os cognoscíveis por uma pessoa prudente, mas sim que basta que o plano do autor se baseie numa representação da realidade que, se se correspondesse com esta, seria adequado para produzir o resultado típico (segundo as leis causais geralmente admitidas): "se as circunstâncias que o autor imagina se dessem na realidade, os actos executivos que realize deveriam produzir objectivamente o resultado".

Esta é uma possível interpretação do art. 16 CP que parte da representação subjectiva das circunstâncias da situação que tenha o autor e que, para dar cumprimento ao requisito de objectividade que aquele preceito impõe, só acrescenta o conhecimento das leis causais (nomológico) aceites geralmente numa determinada sociedade. Esta concepção reduz ao mínimo a exigência de objectividade da definição do art. 16. Mas também é possível outra interpretação que, sem chegar a requerer uma estrita objectividade (a descartar pelo dito mais arriba), aumente o grau de intersubjectividade necessário para a punição da tentativa.

b) Esta outra interpretação empregaria o critério manejado pela teoria da adequação e pela teoria da imputação objectiva do juízo ex ante de uma pessoa inteligente e prudente que contasse com os conhecimentos da situação que o autor tivesse mais os que teria a dita pessoa imaginária. No exemplo proposto da pistola que se encasquilha, se uma pessoa prudente tivesse detectado esta falha porque tinha comprovado o estado da arma antes de a usar, haveria que negar a existência de adequação objectiva (intersubjectiva) da intenção e, portanto, a sua punibilidade.

Mas esta versão mais objectiva entranha duas dificuldades.

a) A primeira é que estende uma graduação, ou escala, pensado para a imputação de um resultado produzido para um caso de certa forma inverso, o da não produção do resultado pretendido, com a consequência de que aqui conduz à impunidade de intenções que normalmente consideramos puníveis.

Quando na tentativa há um desconhecimento de um elemento que a faz fracassar produz-se um erro inverso ao que se dá em quem causa um resultado lesivo num erro de tipo. Quando este se dá é num sujeito que não quer a lesão, e suponhamos que se o autor tivera advertido o erro teria deixado de realizar a conduta lesiva. Então podemos dizer que o erro é imprudente, porque quem não quer a lesão há-de fazer o que faria uma pessoa prudente para a evitar. Em cambio, o desconhecimento da inadequação de uma tentativa concorre numa pessoa que quer a lesão, e temos de supor que se advertira o erro sanaria o defeito do seu intento. Evitar o erro de tipo supõe evitar a lesão, enquanto que, pelo contrário, evitar o erro inverso que se dá numa tentativa inidónea significaria fazê-la mais adequada para produzir a lesão. A não evitação do erro de tipo vencível se reprova como causa da não evitação da lesão; ao contrário, na tentativa a não evitação do erro inverso (desconhecimento do defeito) não pode reprovar-se como causa da intenção da lesão, porque esta intenção não procede do erro, mas sim que este é um obstáculo para o intento. A tentativa não pode desvalorizar-se pelo desconhecimento da decisão que impede que se converta em lesão, mas sim por algo distinto à viabilidade ou inevitabilidade deste erro inverso: pela intenção de consumar o delito e, num Direito penal protector de bens jurídicos, pela perigosidade estatística do intento. Mais adiante veremos que esta classe de perigosidade é a única que pode concorrer numa tentativa, ainda que seja idónea. E pode concorrer em tentativas inadequadas ainda que a sua inadequação fosse cognoscível (erro vencível) por uma pessoa prudente.

(…) b) A segunda dificuldade procede da exigência legal de que os actos do sujeito "deveriam produzir o resultado" e não só poderiam produzi-lo. Interpretada num sentido objectivo, a dita exigência excluiria todos os casos em que ex ante não é segura ou, no cume, muito provável a produção do resultado – ainda que em sentido estrito o "deveriam" exige segurança, necessidade, cabe admitir que semanticamente permite incluir também casos de grande probabilidade, nos que o normal ou esperável seja a produção do resultado. No caso da velha pistola, haveria que negar uma tentativa punível. Como haveria que hacer sempre que ex ante o plano do autor possa falhar: a intenção de matar um chefe de Estado abrindo passo entre a multitude para disparar sobre ele, de perto, não é fácil de realizar, pode ser frustrado se os agentes encarregados da segurança do político o advertem a tempo, ou simplesmente, se pelas dificuldades da situação, o disparo não se pôde efectuar com precisão e só fere a vítima, etc.; os ladrões que planeiam roubar um banco rodeado de grandes medidas de segurança, podem não conseguir o seu objectivo se não logram superar tais medidas, etc. Em realidade, a maior parte dos facos que quedam em tentativa, e portanto não chegam à consumação, são casos em que esta não era nem segura nem muito provável. Quando a consumação é segura, o facto não queda em tentativa, e quando aa consumação é o mais provável, também será menos provável que o facto fique em tentativa. Interpretar o "deveriam produzir o resultado" do art. 16 no sentido de necessidade ou grande probabilidade, sequer ex ante, de produzir o resultado, deixaria impunes a maioria dos factos castigados até agora como tentativas idóneas.

c) Esta consequência pode evitar-se se a expressão "deveriam produzir o resultado" se interpreta, com arrimo à concepção subjectivo-objectiva mais arriba indicada, no sentido de que os actos deveriam produzir o resultado segundo a intenção do autor. Por de pronto, se considerarmos suficiente que o intento seja viável à vista do conhecimento e desconhecimento da situação que tenha o autor – ainda que deva valorar-se com o conhecimento nomológico de um espectador médio -, poderemos incluir na definição legal de tentativa os casos em que, com os dados conhecidos pelo sujeito, qualquer pessoa judiciosa creria ex ante, muito provável a consumação. Por exemplo, se o sujeito dispara à queima-roupa à cabeça da vítima com uma pistola que crê carregada, qualquer no seu lugar pensaria que "deveria produzir-se o resultado". É certo que quedam todavia os casos em que o próprio sujeito não considere seguro nem o mais provável que o seu plano tenha êxito, mas de todos modos o tenta. Mas também tais casos podem incluir-se na definição do art. 16 na medida em que segundo o desejado pelo sujeito deveriam produzir o resultado. Para que isso tivesse a objectividade (intersubjectividade) que a fórmula legal requer, poderia considerar-se suficiente que o desejo do autor não fosse irracional para uma persona media (isso exclui a tentativa irracional e a supersticiosa).

Agora bem, esta interpretação, que parte somente do conhecimento da situação que tenha o autor, pode objectivar-se mais se a valoração que sobre esta base há-de fazer um espectador objectivo tem em conta não só as leis causais ordinárias (conhecimento nomológico) e as que especialmente conheceria o autor, mas também a visão da situação que teria o dito observador objectivo. Quando digo "visão da situação" quero dizer "interpretação da situação". Os factos conhecidos pelo autor podem interpretar-se por ele de forma distinta como o faria uma pessoa prudente, sem que para isso necessite outros conhecimentos fácticos que aqueles que tem o autor. Assim, por exemplo, no exemplo da velha pistola que se encasquilha, podemos encontrar variantes em que uma pessoa medianamente inteligente, ainda sem haver comprovado o defeito, vendo só, igual como o autor, o estado de extrema deterioração da pistola, pode considera-la absolutamente incapaz de funcionar. Ou, para variar de exemplo, se s bilhetes que o ladrão encontra na caixa são a todas as luzes falsos, uma valoração objectiva ex ante deve descartar tentativa de furto ainda que o autor creia que os bilhetes são de curso legal, na medida em que qualquer espectador médio, vendo os bilhetes como os vê autor, advertiria a sua falsidade. Em todos estes casos estamos supondo não só que o espectador imaginário poderia interpretar correctamente a situação, mas também que, necessariamente, o faria. Também supomos que o autor não está em condições de interpretar de forma mais certeira a situação por razões especiais, pois se assim fosse a sua melhor capacidade de juízo deveria ter-se em conta como os seus conhecimentos especiais.

d) É certo, em qualquer caso, que o verbo "deveriam" tem consequências que provavelmente não foram previstas pelo legislador e que não haveria tido o verbo poderiam. Aparte das assinaladas, existe outra de importância: de facto cerra as portas à tentativa com dolo eventual, em que o sujeito não deseja o resultado (não há dolo directo de primeiro grau), nem o considera seguro ou praticamente seguro (não há dolo directo de segundo grau), pelo menos quando nem sequer espera como o mais provável que se produza o resultado, mas sim que se limita a aceitá-lo como possível, talvez incluso preferindo que não tenha lugar. Não vejo a forma de dizer que nestes casos "deveria produzir-se o resultado": nem objectivamente, nem para o autor, nem para ninguém situado na sua posição.

Conclusões parciais:

1) A actual redacção da definição de tentativa do art. 16 CP impede tanto uma concepção estritamente subjectiva, como outra estritamente objectiva (ex post).

2) "Actos que objectivamente deveriam produzir o resultado" é uma expressão que há-de interpretar-se no sentido intersubjectivo de actos que para qualquer persona judiciosa, situada ex ante na posição do autor, deveriam produzir o resultado.

3) O dito observador ideal deve valorar a viabilidade do intento com arrimo à sua interpretação dos fatos aos conhecimentos nomológicos ordinários, mas há-de contemplar o intento somente com os dados da situação que conhece o autor, se não se quer deixar sem castigo todos os casos em que objectivamente não é seguro nem muito provável que o intento produza o resultado.4) Das conclusões anteriores se desprende que não cabem na definição de tentativa do art. 16 CP a irreal nem a supersticiosa, enquanto, sim, são puníveis as demais tentativas inidóneas, segundo o conceito usual de tentativa inidónea.” [[24]]

Para que ocorra a imputação (objectiva) de um feito doloso a alguém que se determinou à prática de um ilícito típico, exige-se que o facto realizado, ou tentado, colha uma conexão intrínseca e inextrincável entre a acção condutora e portadora do resultado, consumado ou tentado, e a representação intelectual e volitiva que a proporcionou, revelou e quis.

Na sinopse que procede da categoria jurídico-penal de imputação objectiva, Santiago Mir Puig, refere a determinado momento que o termo imputação oferece várias cambiantes, a saber «imputação subjectiva»; «imputação individual» e «imputação pessoal». “Fala-se de imputação subjectiva para indicar a afirmação do tipo subjectivo (que inclui o dolo nos delitos dolosos), e emprega-se a expressão «imputação individual» em referência ao apartado dogmático tradicionalmente designado com o termo «culpabilidade». Eu prefiro para este último a expressão «imputação pessoal». Pois bem: o que têm de comum todos estes usos da palavra «imputação» é que expressam requisitos necessários para poder atribuir a um sujeito a lesão ou a colocação em perigo para o bem jurídico prevista num tipo penal e, em definitivo, com o autor do delito. Este é o significado originário do termo «imputação». Recorde-se famoso fragmento de Kant segundo o qual “imputação (imputatio) em sentido moral é o juízo por meio do qual alguém é considerado como autor (causa libera) de uma acção”. Tanto a imputação subjectiva como a imputação individual ou pessoal são necessárias para poder considerar alguém como autor culpável de uma lesão ou posta em perigo. A exigência básica da voluntariedade de em todo o comportamento humano com elemento mínimo de todo o tipo, constitui o mínimo necessário para a imputação subjectiva do tio imprudente (conexão subjectiva mínima entre a conduta e o seu autor). Nos tipos dolosos a imputação subjectiva requer o dolo para poder imputar o tipo objectivo, previamente comprovado, ao conteúdo da vontade do sujeito (conexão da vontade plena entre o tipo objectivo e o autor) e imputabilidade e demais elementos de imputação individual ou pessoal  são necessários para poder imputar o facto antijurídico ao seu autor como pessoa imputável que actuou em circunstâncias de normalidade motivacional (conexão entre o facto antijurídico e o autor culpável). Mas tudo pressupõe que possa estabelecer-se previamente um determinada conexão e a lesão ou posta (colocação) em perigo típica e a conduta do sujeito. Esta conexão é a que exige a imputação objectiva ao requerer uma determinada relação com o risco.

A imputação objectiva, a imputação subjectiva e a imputação individual ou pessoal são três níveis necessários para que seja possível a completa imputação a um autor culpável. Imputar o delito na sua totalidade significa «culpar» alguém como o seu autor (se imputar é atribuir algo a alguém, quando o que se imputa é algo ética ou juridicamente desvalioso imputar é culpar disso. Os três níveis indicados de imputação (objectiva, subjectiva e pessoal) constituem exigências do princípio da culpabilidade, entendido no sentido amplo que permite e aconselha este termo para servir de fundamento a todas as exigências que entranha a proibição de castigar um inocente (não culpado) num Estado social e democrático respeitador da dignidade humana: o principio da pessoalidade das penas, que impede fazer responsável o sujeito por delitos alheios (e a que se corresponde com a exigência processual de necessidade de rebater a presunção de inocência mediante a prova de que o sujeito realizou materialmente o facto), o princípio da responsabilidade pelo facto, que proscreve a «responsabilidade pelo carácter» e o chamado «Direito penal de autor», o princípio do dolo ou culpa e o princípio da imputação pessoal. A imputação objectiva acrescenta outro aspecto mais ao princípio da culpabilidade ao exigir que todo o delito, também para os dolosos, a classe de relação de risco entre o resultado típico e a conduta do sujeito que requer a imprudência nos delitos culposo, e oferece critérios que ajudam a delimitar melhor esta relação de risco. Isto tem que ver com a culpabilidade n sentido de que condiciona a possibilidade de «culpar» uma pessoa prudente da causação do resultado típico. A tabela (“baremo”) deste momento de culpabilidade é «intersubjectivo». Toda a culpabilidade tem algo de subjectivo, de conexão com um sujeito, mas neste primeiro nível o sujeito é imaginado normativamente e intersubjectivamente, como modelo ideal de pessoa prudente. Requerer também nos delitos dolosos este momento de culpabilidade intersubjectiva e considerar, portanto, que não basta a intenção subjectiva se não for dirigida ao acto imputável intersubjectivamente, pode ver-se como uma exigência consequente com a prescrição do «Direito penal do autor» e com o princípio de impunidade dos pensamentos (cogitationis poen nemo patitur), posto que supõe não considerar suficiente imputar um resultado típico à vontade lesiva do sujeito se não manifesta uma conduta externa perigosa.” [[25]]                                     

E no remate do artigo que vimos citando escreve de forma proficiente, dilucidativa e clarividente, o autor citado que “não é autor do delito todo aquele que intervém num delito criando junto com (“a”) outros o risco realizado no resultado. Ainda que também criem este risco o indutor e o cooperador, só o autor tem com o facto a relação que permite imputar-lho como seu. Só o autor do homicídio “mata” no sentido do tipo. Para a imputação de um tipo de autoria (os previstos na Parte Especial e os de tentativa) não basta a relação de risco, mas também faz falta, além disso, a relação de pertença a título de autor.” [[26]]         

Para que um tipo de ilícito possa ser imputado a um sujeito, ou dito de outro maneira, para que alguém possa ser penalmente responsável, em qualquer faz formas de realização de um crime – autoria (material e/ou moral: singular e conjunta [co-autoria]), cumplicidade – é imprescindível e inafastável que a acção ou omissão em que se materializa a actividade antijurídica, ilícita e culposa se lhe possa ser imputada objectivamente e nos planos subjectivo, individual e/ou pessoal. Se alguém, num momento ex ante, não se determina a levar a efeito uma determinada conduta directamente dirigida a um concreto objectivo, não pode ser responsabilizado por aquilo que, ainda que tenha acontecido, sai fora, ou extravasa o âmbito de umam concreta acção que haja dirigido a um fim.

No caso de a forma de execução adquirir uma realização conjunta, ou seja ocorra uma comparticipação criminosa, não se torna necessário que a todos os agentes devam ser consignados os factos. “A conversão da tentativa no crime comparticipado numa soma aritmética de tentativas em autoria singular, com a consequente exigência de que a essa luz sejam praticados actos qualificáveis como executivos, de per si, por cada co-autor, é inaceitável. O crime comparticipado é, naturalística e socialmente mais complexo, implicando uma conjunção de vontades e de actos e não um iter singular para o resultado típico. Os actos de cada co-autor até podem ganhar significado apenas em função da sua convergência na actividade comum.” “Deste modo, o início da tentativa do co-autor não se afere pela prática de actos de execução como autor singular por todos os agentes nem por um deles com repercussão na responsabilidade dos outros. Afere-se sim pela prática de actos de execução de um facto comparticipado por um, vários ou todos os co-autores, ou seja, pela ocorrência do início de execução global definido pela idoneidade (ou previsibilidade prévia) quanto à produção do resultado típico, através de uma conjunção de vontades.”[[27]]  

 À luz do que fica expresso, quanto à configuração da tentativa, na sua perspectiva, teleológica e jurídico-material, a questão que fica em equação é a de indagar se é punível, como co-autoria, a acção dos agentes punidos a esse título, do crime de homicídio, tal como ocorreu na sua realização naturalística.

Valerá a pena recuperar/recensear, para efeitos de uma mais adequada compreensão e perceptibilidade do caso, os factos axiais e representativos da acção perpetrada pelos agentes envolvidos no caso.

Incoaremos com o momento em que se formou, ou pactuou, a acção de retaliação pelo inadimplemento na venda de produto estupefaciente. Convocados para o estabelecimento de café [Café ...], os defraudados na operação de venda, FF e o II, pactuaram com o CC, o DD e o EE ir a Almancil e aí procurarem os envolvidos na “banhada” e para os matar. O AA, que os demais arguidos encontraram, posteriormente, dispôs-se dar-lhes boleia.

Numa viatura [do AA] entraram os arguidos, AA [condutor], o DD [lugar do “pendura”], CC [banco traseiro atrás do lugar do condutor] e o II [banco traseiro atrás do lugar do [“pendura”]. O arguido CC e DD, retiraram do veículo deste último, a espingarda que o CC tinha ido buscar a sua casa e que mantinha num saco. Passaram novamente pelo Café ..., de onde terão seguido para Almancil, seguidos por outra viatura ocupada pelo FF [condutor], EE [cedente da viatura] e BB. Os ocupantes desta segunda viatura sabiam que na primeira [ocupada pelos DD, AA, CC e II] era transportada uma espingarda.

Sem referências temporais precisas [sabe-se que o contacto telefónico do BB para convocatória no café ... terá sido depois das 17 horas (item 1), não se sabendo a que horas saíram de Olhão para Almancil, para se poder situar o arco de tempo em que se mantiveram em Almancil à procura dos prometidos alvos], vem referido o momento temporal em que CC perguntou ao Iuri se um individuo que tinha passado por eles era um dos que tinha estado envolvido na tramóia, tendo obtido como resposta um não, depois das 22;00 horas, para, em seguida, o DD [que não teria estado envolvido na operação de tráfico] ter referido que o referido individuo [HH] tinha sido aquele que lhe tinha apontado uma arma numa discoteca. A esta referência reagiu o CC com a afirmação “se é, então vai já morrer”. 

O encontro/passagem pela vítima ocorreu, depois das 22;00, depois de terem desistido de procurar os indivíduos que tinham estado envolvidos na “banhada”, depois de terem decidido regressar a Olhão e já terem encetado a via/caminho de regresso. 

Com e neste quadro de realização da acção ilícita, o tribunal considerou que os arguidos DD, EE e FF terão comparticipado, como co-autores do crime de homicídio praticado pelo arguido CC, na pessoa do HH [que, recorde-se não foi identificado como sendo um dos indivíduos que tinha estado envolvido na trapaça da operação de venda de droga, mas que foi identificado pelo GG como alguém que lhe tinha apontado uma arma numa discoteca].

A argumentação decisiva para colocar os arguidos como co-autores do crime de homicídio da autoria do arguido CC [na pessoa de HH] colhe-se no sequente troço da fundamentação do tribunal (sic) “Ora, no caso, tem que se aceitar que a deslocação dos arguidos para Almancil, em conjunto e armados, à procura dos visados, constitui facto a que se deveria seguir de imediato a prática de actos aptos a produzir o resultado típico ou mesmo a consumação do crime. O único elemento perturbador analisa-se na circunstância de a execução subsequente não depender apenas dos arguidos mas do facto de eles encontrarem, ou não o(s) visado(s). Mas, justamente, a actuação dos arguidos visa precisamente encontrar os visados e, de seguida, sem descontinuidade, alcançar o resultado pretendido: matar. A circunstância de irem munidos da arma de fogo revela justamente um estádio último de execução, imediatamente anterior à consumação. O facto de poderem, ou não, encontrar os visados não degrada a execução em mera preparação pois, a encontrarem, seguir-se-ia justamente a consumação do crime. A própria acção do arguido CC revela a prontidão dos arguidos em passarem à acção (prontidão tão extremada que leva este arguido a passar, inclusive, à execução de crime diverso). Deve, assim, aceitar-se que existe uma conexão imediata entre os actos empreendidos e o surgimento de actos previstos nas als. a) e b) do n.º 2 do art. 22º citado, com interferência na esfera de protecção da norma penal (com criação do risco próximo para o bem jurídico que a tentativa pune) e, assim, que existem actos de execução do crime pretendido.

As questões que sobra para análise centram-se em perquirir 1) se tendo o pacto sido formado e estabelecido para um determinado objectivo – dimensão subjectiva e decisória da prática do crime –, matar um dos indivíduos que tinha estado na operação de venda de droga, o facto de a decisão de matar outro individuo que não um dos que estaria estado na trapaça, segundo um dos indivíduos trapaceados, não altera o aspecto decisório e intencional da realização do acto típico; 2) sequencialmente, se a decisão singular de executar uma acção não pactuada – e não pactuada porque não foi integrada no plano que havia sido gizado, formado e constituído entre os o autor singular do acto e os demais agentes, por ausência de uma motivação e objectivo concretos – não modifica, revogando a acção conjugada e conjunta, para a tornar numa acção singular e individual; 3) se tendo desistido, por baldada a procura do[s] indivíduo[s] a matar, é possível estender a conjugação de esforços e os actos que nele estiveram envolvidos – angariação de uma arma (espingarda) – para uma acção em que a decisão é assumida (singularmente) por um só dos indivíduos que estiveram envolvidos noutro projecto; 4) last but not the least qualificar os actos que eram do conhecimento dos condenados por crime de homicídio na forma tentada, como co-autores, a saber o municiamento com uma espingarda, como acto executivo, ou, ao invés, como acto preparatório.

Em resumo, a s questões que, em nosso juízo, podem inquinar a asserção contida na decisão recorrida, são i) um desvio da decisão/diversão da resolução decisória formada inicialmente, dirigida a um fim determinado e desviado, por uma resolução singular e assumida à revelia dos demais agentes inicialmente congraçados; e ii) se a acção o grupo de munir com uma espingarda para um determinado objectivo (conjunto e previamente acordado), e desfeito este, se pode constituir como acto de execução para um outro fim decisório, singularmente assumido. 

Incoaremos, por uma lógica metodológica e sistemática, pela derradeira questão, qualificação do acto de aprovisionamento/municiamento de uma espingarda com vista à sua posterior utilização numa concretização específica, delineada e estabelecida num pacto para execução criminosa – dar morte a alguém que estivesse integrado num determinado círculo de pessoas a identificar – como acto de execução.

Refere Claus Roxin que “junto com a decisão de actual, o segundo elemento da tentativa é uma acção externa que supere a fase preparatória.” [[28]] Para que haja tentativa torna-se necessário que o autor pratique actos de execução de um crime que decidiu cometer. 

Entendemos por tentativa “acabada” uma acção de execução na qual o autor tenha feito tudo o que, de acordo com a sua representação, era necessário típica: tenha, por exemplo, ocultado já na viatura a bomba que deve matar a vítima.” (…) “Não é possível desenvolver nenhuma solução para a delimitação entre a preparação não punível e a tentativa punível que possa derivar dos critérios que determinam o fundamento da punição da tentativa, sem importar se se trata do da vontade inimiga do Direito, da expressão do quebrantamento de uma norma, da posta em perigo tipicamente adequada, da impressão perturbadora do Direito ou d qualquer outro. Pois todos estes fundamentos concorrem também em maior ou menor medida nos actos preparatórios.”

Arredadas as concepções de subjectivista, da perigosidade e da impressão perturbadora do Direito, [[29]] Claus Roxin pugna pela adequação da teoria da proximidade do tipo como aquela que melhor exprime a razão de fundamento para a punição da tentativa. Para o Professor de Munique, a adequação desta teoria “deriva do fundamento do nosso Direito Penal no Estado de Direito. Pois, de acordo com o mesmo, não basta para a punição, com meros caracteres, planos ou preparativos; é sempre necessária uma realização típica (sobre o Direito penal do facto e Direito Penal de autor). A tentativa constitui, pois, uma causa de extensão da punibilidade, na qual os limites do punível são, em determinados delitos, levados para trás, até acções próximas à tipicidade.” [[30]]            

Arredando a teoria dos actos intermédios, Claus Roxin parece aproximar-se da teoria dos actos parciais, segundo a qual se exige que “entre o começo da tentativa e a verdadeira acção típica «não concorra mais nenhum acto parcial essencial». Kühl explica-o do seguinte modo: “na aplicação desta (…) teoria dos actos parciais há que cuidar de que o comportamento global do autor não seja dividido de forma artificial. Quem avança para a sua vítima levando uma pistola com intenção de matar, não se encontra todavia na fase preparatória pelo facto de que todavia tenha que dar certos passos intermédios, como alçar a pistola ou apontá-la, assim como mover o dedo sobre o gatilho, antes de poder lançar o disparo mortal. Tal “Direito Penal a camara lenta” não é promovido pela teoria dos actos intermédios, pois os ditos actos intermédios não essenciais não são, no sentido da teoria actos intermédios com entidade própria.” [[31]]            

De acordo com esta teoria “o último bloco de acto parcial deve ser descrito através do conceito auxiliares de “conexão temporal estrita” e “incidência sobre a esfera da vítima ou do tipo”.  [[32]]

Para uma apreciação/avaliação da acção incriminada e penada, não será demais recensearmos os factos mais salientes adquiridos pelo tribunal.

Assim, o raciocínio que presidiu à imputação aos arguidos da tentativa de homicídio ele assentou em i) deslocação conjunta dos arguidos para Almancil; ii) essa deslocação ter sido feita com prévia combinação e mancomunação dos imputados; iii) essa deslocação ter como objectivo encontrar (e matar) os visados pelo não pagamento da partida de droga; iv) se terem determinado, a uma vez encontrados os visados, e de modo imediato à prática de (sic) “actos aptos a produzir o resultado típico ou mesmo a consumação do crime”; v) no entanto a produção “de actos típicos ou mesmo a consumação” não depender da vontade dos agentes mas do acaso, ou seja, de encontrar os “visados”; vi) caso os “visados” fossem encontrados, “sem descontinuidade”, os arguidos pretendiam alcançar o resultado: “matar”; vii) esta determinação podia ser evidenciada e demonstrada pelo facto de os arguidos “irem armados da arma de fogo”, “justamente um estádio último de execução, imediatamente anterior à consumação”; viii) o facto de não encontrarem os visados (objectivo da acção) “não degrada a execução em mera preparação”; ix) pois se encontrassem (“os visados”, extrai-se do sentido textual) “seguir-se-ia justamente a consumação do crime”; x) a acção do Emanuel revela a prontidão para dos arguidos em passarem à acção; xi) essa prontidão (do Emanuel) propulsionou-o à execução de um crime diverso. [[33]]   

Comprimindo os actos descritos no parágrafo antecedente poder-se-ia estreitar ainda mais o raciocínio no seguinte a) deslocação de todos os arguidos a Almancil, com o propósito de matar um dos “visados”, ou seja aqueles a que na gíria terão “dado a banhada”; b) todos estavam determinados a, encontrando “os visados”, praticarem acto típicos (de execução), “ou mesmo de consumação: matar”; c) essa determinação reverberava e podia ser comprovada pelo facto de “irem armados com arma de fogo”; d) essa determinação e resolução criminosa – consumação do crime de homicídio – não era inquinada pelo facto de não encontrarem “visados”, porque os arguidos iam armados com arma de fogo e em espirito de prontidão para matar; e) porque não encontraram “os visados” e porque iam em prontidão para consumar o crime de homicídio, o CC (servindo de antonomásia de todos os arguidos, quanto à prontidão) executou os actos de preparação dos demais arguidos (dirigida a outro objectivo) na “execução de um crime diverso” (sic).

Os arguidos i) estavam munidos de uma espingarda que tencionavam usar para matar quem encontrassem (e que pertencesse ao grupo que os tinha trapaceado); iii) e armados da espingarda dirigiram-se a um local para buscar uma potencial vítima (não a tendo encontrado).

Escreve, Claus Roxin, que “por suposto a obtenção de uma arma, a produção de uma chave falsa, a preparação do veneno, etc. são somente actos preparatórios”, do mesmo passo “dirigir-se ao lugar do delito é geralmente mera preparação, ainda que nem sempre” (apontando com excepções o caso em que “os autores pretendiam roubar a vítima y “com o dito fim(…) começaram por livrar-se dos acompanhantes “previsivelmente molestos”, para o que afoguentaram a vítima provocando uma peleja sem qualquer motivo. Logo, seguiram o “caminho dele”, atraíram a vítima “nuns espessos matorrais apartados do caminho e ali o roubaram” ou no caso em que a intenção seja a prática de actos sexuais dirigidas a um menor contra a sua vontade, “a tentativa começa logo que o autor – plenamente decidido á comissão do facto – conduz o menor a um lugar particularmente adequado para a realização de actos sexuais. “Há que concordar que com esta solução nos casos em que se pretende levar a cabo o delito sem demora uma vez chegado ao lugar buscado. Pois com a condução do menor a esse lugar este perde a “protecção do entorno em que confia e cada passo ulterior o dirige directamente para o resultado. Nessa “diminuição da protecção” produz-se uma intromissão na esfera da vítima, e a conexão temporal deriva-se da continuidade ininterrompida da execução do facto”.) [[34]]         

Os penados pela comissão de um crime de homicídio, na forma tentada, sabiam que para a prática de um crime (potencial) tinham consigo (na posse de um dos indivíduos do grupo) uma espingarda e para a a comissão de um (potencial) crime que se tinham disposto a executar, se dirigiram para um determinado sitio (não determinado quanto à localização concreta e precisa para a facilitação da comissão do ilícito planeado, antes uma vasta área onde encontrariam ou não a potencial vítima).

Os actos praticados pelos arguidos, penados como co-autores de uma tentativa de homicídio, não são actos de execução, antes actos preparatórios que não obtêm relevância para punição autónoma (como acontece em determinado tipo de crime, como seja a a produção e fabricação de materiais para a contrafacção de moeda (artigo 270º do Código Penal)      

Não se tratando de actos de execução tendentes à realização de um delito, ou que com a prática do último acto parcial se produzisse, de forma imediata e ininterrupta a prática do crime, a acção levada a cabo pelos co-arguidos, EE , DD e FF não obtém relevância jurídico-penal a merecer sancionamento.

Queda prejudicada a outra questão enunciada, qual seria a de indagar se os actos praticados pelos arguidos incriminados pela tentativa poderia ser considerada para o caso concretizado. Ou seja se o desvio operado na execução da resolução criminosa poderia, caso se considerassem actos de execução os praticados pelos co-arguidos, ser enquadrados numa resolução criminosa em que eles não participaram, por ter tido sede numa resolução solipsista e singular.       

II.B.2. – CRIME DE HOMICIDIO QUALIFICADO. MEDIDA DA PENA.

Apartados, nos termos supra indicados, da punição os co-arguidos que haviam sido  incriminados e condenados pela prática, em co-autoria material, de um crime de homicídio previso e punido pelos artigos 22º, nºs 1 e 2, alínea c) e 131º do Código Penal e 86º, nº 3 do RJAM, sobra para apreciar o recurso a pena imposta ao arguido CC.

O tribunal justificou a pena imposta a este arguido, com a sequente argumentação.

Será com base nesse enquadramento que iremos ajuizar das pretensões erguidas pelos recorrentes, ao nível da determinação da sanção:

- Pedidos de sinal contrário formulados respectivamente pelo MP e pelo arguido CC, no sentido do agravamento ou do abaixamento da medida da pena de prisão (15 anos), em que o mesmo foi condenado;

- Pedido formulado pelo MP no sentido do agravamento da medida das penas de prisão em que foram condenados os arguidos DD, EE e FF (4 anos e 10 meses cada) e, em qualquer caso, de não ser suspensa a respectiva execução.   

O art. 71º do CP, sob a epígrafe «Determinação da medida da pena», estatui:

1 – A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos pela lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

2 – Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido ou contra ele, considerando, nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência;

 c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

 d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

 e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

3 – Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena. 

(…) O nº 1 do art. 40º do CP estabelece como finalidade da aplicação de penas a protecção de bens jurídicos, a qual se concretiza, no essencial, na prevenção geral e especial da prática de crimes, e a reintegração do agente na sociedade e o nº 2 do mesmo normativo prescreve que em caso algum a pena ultrapasse a medida da culpa.
Acerca da determinação das sanções, expende-se no acórdão recorrido (transcrição com diferente tipo de letra):
6. Determinação da sanção aplicável
O arguido CC fica sujeito à aplicação de pena de 10 anos e 8 meses a 21 anos e 4 meses de prisão (art. 131° do CP e 86° n.º3 do RJAM).
Os arguidos FF, EE e DD ficam sujeitos à aplicação de pena de 2 anos, 1 mês e 18 dias a 14 anos, 2 meses e 20 dias (art. 131º, 23° n.º2 e 73° n.º1 aI. a) e b) do CP e 86° n.º3 do RJAM).
Na fixação do quadro punitivo aplicável releva ainda, porém, o disposto no art. 1 ° n. °2 do DL 401/82, de 23.09, segundo o qual beneficia do regime deste diploma quem, à data da prática dos factos, tiver completado 16 anos sem ter atingido os 21 anos, o que ocorre com o arguido EE (a arguido DD já tinha feito 21 anos à data dos factos).
Estabelece-se no art. 4º daquele DL que se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73º e 74º do Código Penal [na redacção original, hoje arts. 72° e 73º], quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem sérias vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
A base do regime assenta em razões de prevenção especial de ressocialização, admitindo-se embora que a prevenção geral de reintegração deve funcionar como limite à aplicação deste regime. Por outro lado, não está subordinado ao regime do art. 72º do CP [como decorre quer da autonomia dos fundamentos respectivos, quer da inutilidade desta previsão caso fosse ainda cumulativamente exigida a verificação dos pressupostos gerais (tornando mais gravoso um regime especial que se queria mais favorável), devendo conceber-se assim como um regime especial (esta asserção não é pacífica)].
No caso, a aplicação deste regime é contrariada pela gravidade relevante dos factos, que torna desajustada a atenuação da pena quer do ponto de vista de reinserção social (as necessidades de prevenção especial, prementes, não são compatíveis com penas atenuadas), quer do lado da prevenção geral de reintegração (o tratamento mais favorável do arguido, num quadro tão sério, não seria compreendido pela comunidade).
A pena concreta a aplicar será determinada, dentro da moldura referida, em função da culpa do agente enquanto limite máximo da punição, e ainda das exigências de prevenção, geral e especial, postas pelo caso em apreço (art. 40º do CP) - em cuja valoração se atenderá a todas as concretas circunstâncias que, no caso, não fazendo parte do tipo legal, deponham contra ou a favor do agente (art. 71º, nº 2 do CP), designadamente:
- o grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente [releva, quanto ao arguido CC, a forma como intervém no acordo inicial, a deslocação e depois a forma, fácil e desprendida, como resolve matar o Thomas Oras e prontamente executa a acção; quanto aos demais arguidos monta o estabelecimento do acordo alargado, com vários agentes envolvidos, e a forma como organizam a sua execução, com a deslocação e busca do(s) visado(s)];
- a intensidade do dolo ou negligência [o dolo foi, quanto a todos os arguidos, directo e intenso];
- os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram [retaliação (vingança) por eventos pretéritos (quer para o CC, quer para os demais arguidos, embora nestes esse evento tenha ainda, da sua parte, uma clara componente ilícita)];
- as condições pessoais do agente e a sua situação económica [arguido CC: beneficia de inserção familiar mas apresenta percurso escolar e laboral irregular e pouco investido;(…);
- a conduta anterior ao facto e posterior a este [arguido CC: apresenta condenações por roubo e tráfico de menor gravidade; (…);
- a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena [nada se apurou com relevo nesta sede].
Neste quadro, é muito sensível a culpa do arguido CC, e sensível a culpa dos demais arguidos FF, EE e DD, e muito relevantes as exigências de prevenção especial (especialmente para o arguido CC - sendo que, quanto ao arguido EE, atenua-a a inexistência de anteriores condenações) e geral (dado o significado comunitário destes crimes).
Tendo em conta estes dados, julga-se ajustada a fixação da pena em:
 - 15 anos de prisão para o arguido CC;
(…) Relativamente ao arguido CC, verifica-se que não milita em seu benefício qualquer circunstância atenuante.
 Para além daquilo que expende na motivação do acórdão recorrido, importa referir que vêm crescendo na nossa sociedade os crimes dolosos contra a vida humana, associados a algum tipo de actividade criminosa, em geral de natureza lucrativa, como seja o tráfico de estupefacientes ou o tráfico de pessoas, em detrimento do mais tradicional «crime passional» (em sentido lato), o qual normalmente pressupõe uma prévia relação de conflito pessoal entre os agentes activo e passivo do crime.
 No caso em apreço, as condutas incriminadas tiveram na sua origem o episódio descrito no ponto 1 da matéria de facto provada, que se reconduz àquilo a que se chama na gíria do meio uma «banhada», ou seja, alguém recebe de outrem, na circunstância o arguido FF, uma quantidade de estupefaciente e faz dela coisa sua, sem entregar em troca dinheiro ou outra contrapartida de valor económico.
Na sequência disso, os arguidos CC, DD, EE e FF acordaram entre si tirar a vida aos responsáveis pela «banhada», tendo-se munido, para esse efeito, de uma espingarda caçadeira, e entrado em viaturas, nas quais se fizeram deslocar até à localidade de Almancil, onde andaram à procura das potenciais vítimas, sem êxito, até que se lhes deparou o ofendido Thomas Oros, que o arguido CC acabou por matar, mas por razões diferentes.
A referida realidade sociológico-criminológica, ainda há não muito tempo relativamente rara entre nós, vem-se expandindo na nossa sociedade e reclama do sistema de justiça penal uma postura fortemente dissuasora, suscitando, assim fortes exigências de prevenção geral.
Sendo a vida o bem mais prezado pela ordem jurídica vigente, a circunstância de alguém se dispor a matar outrem, fora de qualquer contexto emocional, que o explique, é revelador, por si só, de que se trata de pessoa portadora de uma personalidade fundamentalmente divorciada dos valores que regem a vida em sociedade, o que faz com que suscite relevantes imperativos de prevenção especial, mesmo que não tenha antecedentes criminais.
Contra o arguido CC pesam ainda as exigências de prevenção da decorrem do respectivo Registo Criminal, a saber, uma condenação pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, tendo o crime de homicídio por que agora responde ocorrido no contexto de tráfico de produtos dessa natureza, e outra pelo cometimento de um crime de roubo qualificado, que envolve, tipicamente, violência ou ameaça de violência contra pessoas.
A pena em que foi condenado o arguido Varela foi quantificada pelo Tribunal Colectivo em 15 anos de prisão, o que significa um ano abaixo do ponto médio da moldura abstracta e 4 e 4 meses acima do respectivo limite mínimo.
As necessidades preventivas associadas ao arguido em referência reclamam a imposição de um agravamento do quantitativo de pena, que o Tribunal de julgamento lhe fixou, mas não para os valores (18 anos), que MP peticionou em sede de recurso, por poder ir além do seu grau de culpa.
Como tal, entendemos como justo e equilibrado aumentar para 16 anos a medida da pena de prisão em que foi condenado o arguido CC, conferindo-se, neste ponto, procedência parcial à pretensão recursiva do MP e improcedência à do arguido.”    

As sanções penais – penas e medidas de segurança – constituem-se como um monopólio do poder do Estado, enquanto ente societário politicamente organizado. [[35]] (“Hoje, como todo o poder estatal procede do povo, já não se pode ver a sua função na realização de fins divinos ou transcendentes d e qualquer tipo. E se cada individuo participa no poder de estatal com igualdade de direitos, tão pouco pode estribar em corrigir moralmente por meio da autoridade pessoas adultas, às que se, embargo se conceba como não ilus-trados intelectualmente e imaturos moralmente. A sua função se imita, em melhor, a criar e assegurar a um grupo reunido em Estado, exterior e interiormente, as condições de uma existência que satisfaça as sua necessidades vitais. (…) Para o Direito penal isso significa que o seu fim só pode derivar do Estado e, portanto, só pode consistir em garantir a vida em comum de todos os cidadãos sem que seja posta em perigo. A justificação para esta tarefa – ainda que não de todo o meio aplicável para a sua consecução – desprende-se directamente do dever que incumbe ao Estado de garantir a segurança dos seus cidadãos.” [[36]]

No Estado liberal a pena foi assumida com uma dupla função, de prevenção de delitos e retribuição por um mal cometido. Num Estado com uma preocupação social e de raiz democrático, o direito penal “deve assegurar a protecção efectiva de todos os membros da sociedade, pelo que há-de tender para a prevenção de delitos (Estado social), entendidos como aqueles comportamentos que os cidadãos entendem danosos para os seus bens jurídicos – “bens” não num sentido naturalista nem ético-individual, mas sim como possibilidades de participação nos sistemas sociais fundamentais –, e na medida em que os mesmos cidadãos considerem graves tais factos (Estado Democrático). Um tal direito penal deve, pois, orientar a função preventiva da pena com arrimo (“arreglo”) aos princípios de exclusiva protecção de bens jurídicos, de proporcionalidade e de culpabilidade.” Para este autor “são dois, pois, os aspectos que deve adoptar a prevenção geral no Direito penal de um Estado social e democrático de Direito: junto ao aspecto intimidatório (também chamada a prevenção geral negativa), deve concorrer o aspecto de uma prevenção geral estabilizadora ou integradora (também denominada prevenção geral ou positiva).” [[37]]    

Dessumido desta função preventiva, faz derivar, o autor, uma concepção de pena em que “a pena há-de cumprir (e só está legitimada para cumprir) uma missão política de regulação activa da vida social que assegure o seu funcionamento satisfatório, mediante a protecção dos bens jurídicos dos cidadãos. Isso supõe a necessidade de conferir à pena a função de prevenção dos factos que atentem contra esses bens , e não basear o seu encargo, ou incumbência, numa hipotética necessidade ético-jurídica de não deixar sem resposta , sem retribuição, a infracção da ordem jurídica.” [[38]]  

Partindo da ideia de que a eficácia preventiva da pena pode estar referida aos potenciais delinquentes (prevenção geral) ou aqueles que já hajam delinquido (prevenção especial), e de que a pena pode produzir um efeito preventivo de formas diversas, consideramos que a legitimidade do recurso à mesma há-de vincular-se à sua eficácia preventiva e ao respeito do princípio de proporcionalidade, que (sem prejuízo da eficácia preventiva derivada da sua vigência e da sua importância para estabelecer as penas dos distintos delitos) teria uma função de limite garantístico: a pena é legítima quando, sem rebaixar os limites que derivam do princípio de proporcionalidade, resulta eficaz desde o ponto de vista preventivo; mais concretamente, quando proporciona a máxima eficácia preventiva, atendendo tanto à sua eficácia preventiva geral, como à sua eficácia preventiva especial, e aos distintos sentidos (“cauces”) através dos quais o recurso à pena pode produzir um efeito preventivo (função preventiva limitada pelo princípio da proporcionalidade).

Como o resto das teorias preventivas, a proposta pressupõe aa eficácia preventiva da pena. A sua singularidade radica em que faz depender todas as decisões relacionadas com ela (classe e duração da pena que se ameaça com impor, classe e duração da pena imposta e, no concreto caso, forma de execução da pena) do saldo preventivo global das distintas alternativas e do respeito pelo princípio da proporcionalidade. Para que primeiro o legislador, e a seguir o Juiz (e, no caso concreto, a administração penitenciária), adoptem aquelas decisões tendo em conta a sua eficácia preventiva, deverão conhecer a eficácia preventiva das distintas alternativas. A complexidade da conduta humana, e as limitações do próprio ser humano para conhecer os elementos que influem nela, dificultam a aplicação prática daquela proposta, como também dificultam a de qualquer teoria preventiva. No entanto, tais dificuldades não obrigam a abandoná-las. Obrigam a ser prudentes, tentar obter o máximo conhecimento possível sobre a eficácia preventiva da melhoria pena, reconhecer os limites do conhecimento disponível e promover a melhoria do mesmo. E, no caso concreto, também obrigam a reconhecer os limites da capacidade da pena para produzir um efeito preventivo, e a valorar as consequências de intentar incrementá-lo.” [[39]]

Winfried Hassemer estima que «la función de la pena (…) es la prevención general positiva”, que “no opera mediante la intimidación sino que persigue la proteción efectiva de la fiscalización social de la norma. Ello supone dos cosas: por una parte, que la pena ha de estar limitada por la proporcionalidad, – por la retribuición por en hecho; por outra parte, que la misma ha de suponer un intento de resocialización del delincuente, entendida como ayuda que ha de prestársele en la medida de lo posible.”

Terá sido Séneca “quem, segundo Grotius, tomou de Protágoras uma teoria da pena que actualmente se qualifica de «moderna»: “Nenhuma pessoa razoável castiga pelo pecado cometido, mas sim para que não se peque.” [[40]]

Na verdade não custa admitir que a pena se destina, não a retribuir o mal consumado pela acção dolosa do agente com outro mal de igual intensidade ou finalidade, mas sim a castigar o autor de modo a impedir que, no futuro, não volte a realizar o mal concretiza-do e, de forma consectária, a revelar perante os demais membros da sociedade que o Estado age, punindo, aqueles que infringem o modelo estatuído e consagrado nas leis historicamente aprovadas, ainda que, como assinalaremos mais adiante não possa deixar de atender à retribuição reflexa do mal cometido, de harmonia com a intensidade dolosa que investiu no facto danoso e com a proporcionalidade que esse facto deve reverberar na esfera pessoal (compensatória) do agente.    

De um modo genérico poder-se-ia colher um denominador comum para a definição da pena. A pena consagra e afirma-se como sendo uma “como uma privação ou restrição de bens jurídicos, prevista na lei, e imposta pelos órgãos jurisdicionais competentes ao autor do facto delitivo” [[41]/[42]/[43]].

 Nas doutrinas prevalentes a pena encontra a sua legitimação na ordem constitucional formada e instituída pelas sociedades organizadas em Estado. As constituições das sociedades democráticas elevando e acendrando a liberdade como valor inderrogável e invadeável do individuo opõe-lhe excepções como seja a prisão preventiva, a prisão e as medidas de segurança – cfr. artigo 27º da Constituição da República Portuguesa.

As penas colhem a sua raiz na anterioridade de uma norma proibitiva e sancionatória cuja infracção foi comprovada por um julgamento tramitado com observância garantística dos direitos de defesa do inculpado (“nullum crimen, nulla poena sine lege” – princípio da legalidade”). []     

A função da pena, enquanto mal infligido pelo Estado a quem se mostre ter ficado incurso, por infracção, na materialidade típica de uma norma incriminante, vem variando desde o Iluminismo, sendo que, como se deixou adiantado supra, as correntes dominantes na reserva do direito continental se perfilam numa tendência propositiva de afirmação preventivista. 

Seja, porém, qual for a acepção em que se enfoque, a pena constitui-se como a inflicção de um mal imposto a alguém como consequência de uma acção ilícita e antijurídica violadora de bens jurídicos que a lei pretendeu salvaguardar numa noma legal. A expectativa contrafáctica no viger de uma norma jurídico-penal (nas suas vertentes de norma de comportamento e norma sanção), enquanto regra orientadora e consubstanciadora de uma determinada realidade jurídico-social, deve ser efectuada à custa do agente que mediante uma conduta violadora do comando normativo se colocou em posição, momentânea, de afrontamento da regra de conduta consagrada no ordenamento. A possibilidade de o comando contido na norma poder vir a ser tornado erróneo e, consequentemente, infirmado e desrespeitado pelos demais membros do tecido social impele o Estado à punição da infracção praticada e de acordo com o grau de culpabilidade do agente. Trata-se de um expediente jurídico-social que consiste em demonstrar à custa do defraudante que se mantém a expectativa comunitária que reverbera no ordenamento jurídico. «O autor determinou-se e executou a sua conduta sem consideração pela vigência do Direito. Na medida em que isso implica a afirmação que a norma o não vincula, haverá que contraditá-lo através da pena (este é o significado da pena)». Com a aplicação de uma pena pretende-se alcançar a manutenção da norma como esquema de orientação, prevenção «porque se persegue um fim, precisamente, a manutenção da fidelidade á norma, e isso, concretamente, com respeito á sociedade no seu conjunto, por isso, geral».
A pena terá que, ao assumir-se como função de manutenção da vigência da norma, ter como medida o peso da norma violada e a medida da sua vulneração; a situação de asseguramento cognitivo dessa norma; e a responsabilidade do autor pela sua motivação do cometer o crime. [[44]]

Numa perspectiva mais assertiva, a pena é concebida com um instrumento para resolver as defraudações e expectativas que não podem ser estabilizadas de outra maneira, “se trata de un tratamiento especifico de defraudaciones que consiste en demostrar a costa del defraudante que se mantiene la expectativa de comportamiento. La sanción expresa que no es incorrecta la expectativca de la sociedad, sin la acción o comunicación del sancionado y resuelve comunicativamente el conflicto mediante imputación de costes de resolución del mismo a un sujeto.” [[45]] A expectativa contrafáctica na vigência de uma norma jurídica [[46]], enquanto regra orientadora e consubstanciadora de uma determinada realidade social, deve ser efectuada à custa do agente que mediante uma conduta violadora do comando normativo se colocou em posição, momentânea, de afrontamento da sociedade. A possibilidade de o comando contido na norma poder vir a ser tornado erróneo pelos demais membros do tecido social impele o Estado à punição da infracção praticada e de acordo com o grau de culpabilidade do agente
A pena, nesta perspectiva, constitui-se, assim, como um instrumento para resolver defraudações de expectativas que não podem ser estabilizadas de outra maneira e num plano meramente simbólico ou comunicativo e não puramente instrumental de protecção de bens jurídicos. “Se trata de comunicación frente al delito que, como acção culpable, no sería en esencia una lesión o puesta en peligro – naturalística – de bienes jurídicos, sino basicamente desautorazión, quebrantamiento o descrédito de la norma. La pena no debe ser entendida en el plano natural, como un mal que sucede a outro mal, sino comunicativamente com restabecimiento de la validez de la norma. «Un quebrantamiento de la norma … no es un suceso natural entre seres humanos, sino un proceso de comunicación, de expresión de sentido entre personas». «Sólo sobre la base de una comprensión comunicativa del delito entendido como afirmación que contradisse la norma y de la pena entendida como respuesta que confrma la norma puede hallarse una relación ineludible entre ambas, y en ese sentido una relación racional». [[47]] Trata-se, assim, de um expediente jurídico-social que consiste em demonstrar à custa do defraudante que se mantém a expectativa comunitária que reverbera do ordenamento jurídico possibilitando que à sociedade, através de um órgão formal de controle, recriar, através da imposição de uma sanção penal, uma expectativa societária e pessoal de que aquele concreto individuo se irá manter numa atitude de afirmação e conformação com o ordenamento vigente.
A corrente preventivista em que encampam as ordenações jurídico-penais da maioria dos países de direito continental, de que Claus Roxin se pode considerar o epígono, faz recair a necessidade/legitimação pela inflicção de um pena na, ou pela, existência de uma tripla função: “a) função sociopedagógica de aprendizagem; através do funcionamento da justiça penal “pratica-se a fidelidade ao direito” junto à população; b) a função da confiança: os cidadãos podem ver que o direito se impõe; c) função de “satisfação” ou “alívio” (Befriedigung): a consciência jurídica geral tranquiliza-se e o conflito com o infractor é visto como resolvido.” [[48]]  
A questão – verdadeiro punctum pruriens judicii – que tem preocupado os penalistas é a determinação adequada e proporcional da pena cominada numa norma penal (concretamente, na vertente de norma sanção). A pena deve corresponder à gravidade manifestada no desvalor da acção e do resultado não atendendo a outros factores – digamos exógenos à acção ilícita, antijurídica e à culpabilidade do agente – como são as razões de ordem preventiva, por exteriores ao facto punível (ou injusto culpável) praticado e levado a cabo pelo agente.
As teorias, ou correntes, de feição preventiva, – de que se constituem asseclas a maioria das ordens jurídicas da civil law – têm sofrido críticas por colocarem a função das penas num factor externo e incontrolável pelo aplicador da pena no cerne da legitimação e finalidade da pena. Ao passo que as teorias retributivas têm sofrido de criticas por não terem em consideração factores de segurança e afirmação da ordem jurídico-penal.
No panorama interno, e após a revisão de 1995, sobre a epígrafe “Finalidades das penas e medidas de segurança”, estatui-se no nº 1 do artigo 40º do Código Penal que “a aplicação das penas e medidas de segurança visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, e o nº 2 que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.” [[49]]
O artigo 40º do Código Penal consagra inexoravelmente uma opção pela teoria da prevenção positiva, ou de integração, ao asseverar que a aplicação de uma pena colima uma necessidade de protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, na esteira, mimética, que soe submergir e avassalar a consectária doutrina indígena. (Reza o artigo 46º do Código Penal Alemão (StGB), no capítulo segundo estipula quanto aos fundamentos da medição da pena, que “A culpabilidade do autor será o fundamento da medição da pena. Dever-se-ão considerar os efeitos derivados da pena para a vida futura do autor na sociedade.”) [[50]]

Na análise a que procede do § 46 do StGB, Claus Roxin, refere que a pena, e apelando à teoria da margem da liberdade, para “(…) que é para mim a correcta, só podem entender a expressão de que a culpabilidade é «fundamento da determinação da pena», como forma que o marco para a determinação concreta da pena se forme pela culpabilidade e que, dentro desta «margem de liberdade», sejam as considerações preventivas aqueles decidam sobre a magnitude da pena. Mas também os partidários da pena exacta têm que chegar à mesma conclusão, já que, ao ser o grau de culpabilidade só fundamento da determinação da pena, e não o seu inamovível ponto fixo, devem ser possíveis, sobre a base deste fundamento, desvios até acima e até abaixo, que só podem ser motivadas por considerações preventivas; tanto mais quanto o § 46, pargr. 1º, sec. 2.ª StGB, obriga expressamente a ter em conta os «efeitos da pena para a vida futura do delinquente na sociedade». A admissibilidade de um desvio de grau da pena exacta corresponderá, regra geral, no marco da teoria da margem de liberdade, de tal forma que se dá uma absoluta coincidência em que o grau de culpabilidade é o que, «a grandes traços», configura a determinação da pena, enquanto as concreções de matiz e, com elas, a magnitude exacta da pena se regem por considerações preventivas. Ao existir, pois, acordo entre os prevencionistas e os partidários do pensamento retributivo em que as modificações preventivas da pena em nenhum caso podem abandonar o marco ou, no caso concreto, o fundamento da pena pela culpabilidade, a divergência reduz-se à questão de se, e até que ponto, é possível, por necessidades preventivas, impor uma pena inferior à que corresponde ao grau de culpabilidade. Neste ponto creio ter demostrado já que a lei normalmente obriga a ter em conta as necessidades preventivas no marco do âmbito da culpabilidade, mas que o § 46, paragrafo 1º, sec. 2.ª StGB, permite excepcionalmente impor uma pena inferior à correspondente ao grau de culpabilidade, até ao limite do indispensável para a «defesa do ordenamento jurídico», quando a imposição de uma pena correspondente à culpabilidade possa ter um efeito claramente contrário à socialização. Se se parte de que esta ideia pode deduzir-se da lei, poderá conseguir-se uma solução à antinomia dos fins da pena que seja igualmente vinculante para os teóricos da retribuição e para os «prevencionistas», com o que o novo § 46, StGB, não seria tão desafortunado como crê um sector doutrinal. Naturalmente, desta maneira não se responderia à questão jurídico-filosófica e político-criminal da relação dos fins da pena entre si; neste âmbito continua a ser preferível, p. ex., a concepção, em grande parte orientada preventivamente, dos §§ 2 e 59 do Projecto Alternativo. Mas encontra-se, a partir do Direito vigente, uma interpretação na que se podem aunar os partidários das distintas concepções e que pode servir de guia à praxis.” [[51]

Para este autor «la pena adecuada a la cupabiIidadad, punto de partida del sistema de medición de la pena, del Código alemán, es la correspondiente a la prevención general positiva, y que la misma es inferior a la que permitiría la prevención generaI negativa. Roxin llama a la prevención general positiva “prevennción general compensadora“ o “integragdora-socialmente” mientras que denomina o “prevención general intimidatoria” a la negativa». (cfr. op. loc. cit. pag. 62). [[52]]

Noutra perspectiva, o conteúdo de culpabilidade, impõe a “a um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” [[53]]

O ordenamento jurídico-penal português, e com as alterações introduzidas pela revisão do Código Penal em 1995, consagrou uma concepção preventivo-ética da pena, quando se estatuí que “as finalidades da pena (e da medida de segurança) são exclusivamente preventivas, desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto (“conditio sine qua non”) e de limite da pena”. [[54]]

Para este Professor [Taipa de Carvalho], as penas devem visar, em primeira linha privilegiar a prevenção especial (positiva e negativa), devendo a prevenção geral constituir-se como limite mínimo da justificação e fundamento para a imposição de uma pena ou medida de segurança e a culpa como limite máximo atendendo ao critério da prevenção especial, “o objectivo da pena, enquanto meio de protecção dos bens jurídicos, é a prevenção especial, positiva e negativa (isto é, de recuperação social e/ou de dissuasão). Este é o critério orientador, quer do legislador quer do tribunal”. [[55]]

Para este Professor “o fim do direito criminal-penal (ou, pura e simplesmente, direito penal) é o de protecção dos bens jurídicos-penais. As penas (tal com as medidas de segurança) são os meios indispensáveis à realização desse fim de tutela de bens jurídicos.

Daqui resulta que, quando se fala dos “fins das penas”, em rigor se está a falar de “fins”-meios, e não do verdadeiro fim ou fim-último. Ou seja, o problema, quando se fala dos fins da pena, que são “fins-meios” ou fins imediatos , é o de saber como é que apena há-de ser escolhida (pelo legislador e, depois, dentro do permitido pela lei, pelo juiz) e determinada , em ordem a realizar-se aquela função ou finalidade (última) de protecção, no futuro, dos bens jurídicos lesados, não se esquecendo, obviamente, o imperativo constitucional da máxima restrição possível da pena, consignado no art. 18º-2 da CRP.” [[56]]       

Na escolha e determinação da medida, ou para medição, da pena “reger-se-á pelo objectivo e critério da prevenção especial: recuperação social do infractor (prevenção especial positiva), desde que tal objectivo não seja incompatível com a necessidade mínima de dissuasão individual. Ou seja: o “fim” [[57]] é a reintegração social do infractor, fim este que tem, como limite mínimo, a eventual necessidade de dissuasão do infractor da prática de futuros crimes”. No entanto, adverte o autor, que temos vindo a citar, “que este critério da prevenção especial não é absoluto, mas antes duplamente condicionado e limitado: pela culpa e pela prevenção geral”. “Condicionado pela culpa, no sentido de que nunca o limite máximo da pena pode ser superior à “medida” da culpa, por maiores que sejam as exigências preventivo-especiais” e “condicionado pela prevenção geral, no sentido de que nunca o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena detentiva) pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima”.

Para o Prof. Taipa de Carvalho “à partida e em primeiro lugar, é de recusar a pena ético-retributiva, ou seja, é de rejeitar que a pena deva, sempre e necessariamente, ser determinada pela gravidade da culpa do agente no caso concreto. Tendo a pena uma função-meio de prevenir a prática de crimes, ela há-de atender ao presente com olhos no futuro. Ora, nomeadamente no caso de infractores primários ou ocasionais, podem não se verificar nem a necessidade de prevenção geral, nem a de prevenção especial, e, portanto, não ser legítima a aplicação de qualquer pena. Isto nos leva a acolher a teoria da concepção unilateral da culpa: a chamada implicação unívoca da culpa – toda a pena implica, mas nem sempre a culpa implica a pena.” [[58]]          

Na acepção que confere à determinação concreta da pena Winfried Hassemer, refere que “a decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o se comportamento posterior ao delito”. [[59]]

Consignada a pena nos preditos moldes, e arredada, por não interessar ao caso em apreço, a figura da “determinação legal da pena, ainda que para a operação de individualização judicial da pena não nos possamos alhear deste conceito, por constituir o limite que o legislador consignou como sendo aquele que protege de forma prevalente e eficaz, e num dado momento histórico, um determinado bem jurídico”, procuraremos indagar quais os critérios e justificações que deverão guiar e lastrar a determinação da medida concreta de uma pena, o que vale por dizer quais serão ou deverão ser os princípios rectores em que poderá ancorar-se uma adequada valoração da conduta de um agente infractora norma protectora de bens jurídicos. [[60]]

A culpa tem, na escolha, determinação e, posterior, imposição de uma pena, um papel meramente limitador da pena concreta a aplicar e com o sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. A pena será, portanto, tendo a culpa a aferição da culpa (no caso concreto) determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial. Dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou segurança individuais. «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade da tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas». [[61]]

Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável –, certo é dever corresponder à sanção que o agente do crime merece, ou seja, deve corresponder à gravidade do crime. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade. O “merecido”, porém, não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral. [[62]/[63]]
A imposição de uma pena depende do estabelecimento/consolidação de um juízo de cul-pabilidade que pressupõe exigências de verificação a) “de um princípio de responsabilidade pelo facto. “Exige um “direito penal do facto” e opõe-se a castigar o carácter ou o modo de ser – directa ou indirectamente. Ainda que o homem contribua para a formação da sua personalidade, esta escapa em boa parte ao seu controle. Deve rechaçar-se a teoria da “culpabilidade pela conduta de vida” ou a “culpabilidade do carácter”. Este princípio [da responsabilidade pelo facto] entronca com o da legalidade e a sua exigência de tipicidade dos delitos: o “mandato” e determinação da lei penal reclama uma descrição diferenciada da cada conduta delitiva”; b) a exigência de imputação objectiva do resultado lesivo a uma conduta do sujeito. Nos delitos de conduta positiva, isso requer a relação de causalidade entre o resultado e a acção do sujeito, mas para além disso são precisas outras condições que exige a moderna teoria de imputação objectiva e que giram em torno da necessidade de criação de um risco tipicamente relevante que se realize no resultado”; c) a exigência do dolo ou culpa (imputação subjectiva). Considerada tradicionalmente a expressão mais clara do princípio de culpabilidade, faz insuficiente a produção de um resultado lesivo ou a realização objectiva de uma conduta nociva para fundar a responsabilidade penal”; d) A necessidade de culpabilidade em sentido estrito, que exige a imputabilidade do sujeito e a ausência de causas de exculpação- também a possibilidade ed conhecimento da antijuridicidade, se esta não se inclui no dolo.” [[64]]       
Recenseando a doutrina de dois arestos do Tribunal Constitucional espanhol (STC 65/86 e STC 76/90, refere Enrique Bacigalupo que o “principio de culpabilidade tem uma dupla dimensão: actua determinando os pressupostos da pena, e para além disso (“además”), no marco da individualização da pena, quer dizer, tanto significa que não há pena sem culpabilidade como que a pena não pode superar a gravidade da culpabilidade.
No primeiro dos sentidos, no dos pressupostos da pena, o princípio da culpabilidade impõe que a pena só seja aplicada se, em primeiro lugar, o autor tenha podido conhecer a antijuridicidade do acto, a tenha podido compreender e a tenha tido possibilidade de se comportar de acordo com essa compreensão. Em segundo lugar exige que o autor tenha obrado com dolo e culpa e que o erro, inclusive sobre a antijuridicidade, seja relevante. (…)
No segundo dos sentidos, o referente à individualização da pena, o principio de culpabilida-de determina os limites da legitimidade da pena aplicada ao autor concreto. Trata-se da questão da proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade da reprovação. Dentro do marco legalmente determinado os tribunais devem fixar a pena num ponto que resulta adequado à gravidade da culpabilidade, quer dizer, da reprovabilidade do autor. Dito graficamente: se o tribunal deve aplicar a pena de um homicídio dentro de uma metade inferior ao marco abstracto do art. 138 CP, terá que fazê-lo de uma maneira proporcionada à gravidade da reprovação que corresponda ao autor, quer dizer, vinculado por esta gravidade da reprovação.” [[65]]        
Na escolha e determinação da pena concreta deverá reverberar o grau de necessidade de validação da norma violada mediante um doseamento sancionatório que inculque no sujeito a necessidade de uma reflectida assumpção e recolocação no espectro vivencial por que deve pautar o seu comportamento numa sociedade comunicacional. A sanção confirma que não é incorrecta a expectativa da sociedade, mas sim a acção ou comunicação do sancionado. «O autor determinou-se e executou a sua conduta sem consideração pela vigência do Direito. Na medida em que isso implica a afirmação que a norma o não vincula, haverá que contraditá-lo através da pena (este é o significado da pena)» [[66]]. Com a aplicação de uma pena pretende-se alcançar a manutenção da norma como esquema de orientação, prevenção «porque se persegue um fim, precisamente, a manutenção da fidelidade á norma, e isso, concretamente, com respeito á sociedade no seu conjunto, por isso, geral».

Num seminário sobre os fins das penas, [[67]] Claus Roxin advoga, acompanhando Hans Scultz, que na determinação da pena se trata de retribuir a culpabilidade, devendo na operação de determinação aplicar a «teoria da margem de liberdade», que a jurisprudência alemã formulou ela forma seguinte: “Não se pode determinar com precisão que pena corresponde à culpabilidade. Existe aqui uma margem de liberdade (Spielraum) limitada no seu grau máximo pela pena adequada (à culpabilidade). O juiz não pode ultrapassar o limite máximo. Não pode, portanto, impor uma pena que na sua magnitude ou natureza seja tão grave que já não se sinta por ela como adequada à culpabilidade, No entanto, o juiz … poderá decidir até donde pode chegar dentro dessa margem de liberdade.” [[68]

Na análise a que procede sobre o Estado, a Pena e o Delito, e escrutinando as distintas doutrinas que se têm vindo a impor no espectro da aplicação das penas Santiago Mir Puig opina que: «El princípio de culpabilidade en sentido amplio, aqui manejado, no debe confundirse com la exigência de cierta proporción entre la pena y la gravedad del delito.

Entendida como posibilidad de relacionar un hecho com un sujeto y no como posibilidad de convertir en demérito subjectivo el hecho realizado, la culpabilidad no indica la cuantía de la gravedad del mal que debe servir de base para la graduación de la pena. Dicha cuantia viene determinada por la gravedad del hecho antijurídico del cuaI se culpa al sujeto. La concepción contraria sólo puede ser admitida por quien acepte que la pena no se impone para prevenir hechos lesivos, sino como retribución de la actitud interna que el hecho refleja en el sujeto.- pág. 206.

Por una parte la prevención general puede manifestarse por la via de la intimidación de los posibles delincuentes, o también como prevalecimiento o afirmación del Derecho alos ojos de la colectividad.. En el primer sentido, la amenaza de la pena persigue Imbuir de un temor que sirva de freno a la posible tentación de delinquir. Se dirige solo a los eventuales delincuentes. En el segundo sentido, como afirmación del derecho, la prevención general persigue, más que la finalidad negativa de inhibición, la internalización positiva en la conciencia colectiva de la reprobación jurídica de los delitos y, por otro lado, la satisfacción del sentimiento jurídico de la comunidad. Se dirige a toda la sociedad, no solo a los eventuales delincuentes. – pág. 43

De ahí, pues, un primer limite que la prevención encuentra en si misma: la gravedad de las penas tendientes a evitar delitos no puede negar hasta el máximo de lo_que aconsejaría la pura intimidación de los eventuales delincuentes, sino que debe respetar el limite de tina cierta proporcionalidad com la gravedad social del hecho. Por outra parte la exigencia de proporcionalidad_se desprende también de la conveniência de resaltar lo más grave respcto de lo menos grave en orden a frenar en mayor grado lo más grave.- pág. 44

Frente al delincuente ocasional, la prevención especial exigiria solo la advertência que implica la imposición de la pena. Para el delincuente no ocasional corregible, seria precisa la resocialización mediante la aplicación de un tratamiento destinado aobtener su corrección. Por último, para el delincuente incorregible la única forma de alcanzar la prevención especial seria innoculizarlo, evitando así el perigro mediante su internamiento asegurativo. El efecto de advertência se designa a veces como “intimidación especial”, para expresar que se dirige solo ai delincuente y no a la colectividad, como a intimidación que persigue la prevención general. La resocialización adopta a veces modalidades especiales: así, como tratamiento educativo o como tratamiento terapêutico para sujetos com anomalias mentales. [[69]]
Tendemos a não concordar inteiramente com a asserção expressa pelo penalista espanhol. Ainda que concordemos que a função da pena deva assumir-se como um pendor marcadamente preventiva, não podemos deixar de considerar que na escolha e determinação concreta da pena o facto conduzido pela vontade de delinquir do agente – desvalor da acção – e o resultado em que a acção devalorativa se concretizou. A imposição de uma pena que, partindo destes dois parâmetros definidores da conduta ilícita e típica do agente, seja colimada pela culpabilidade do agente impõe como paradigma da pena proporcional ao facto que deve encampar e basar a actividade do julgador na hora de ponderar o quantum penológico a impor.    

Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa. Em sentido coincidente pronuncia-se Anabela Rodrigues, bem como Taipa de Carvalho, ao defenderem que o limite mínimo da pena nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima, limite este que coincide com o limite mínimo da moldura penal estabelecida pelo legislador para o respectivo crime em geral, devendo eleger, em cada caso, aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto. Tutela dos bens jurídicos não, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada. Neste sentido, constitui indicador razoável afirmar-se que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2, da CRP, consagra. [[70]]

Na avaliação, para determinação da pena, a que se há-de proceder da conduta do agente haverá que que atender à gravidade do delito, isto é, aferir do desvalor da acção, do desvalor do resultado e à culpabilidade (em sentido estrito) do agente. (“A medida da culpabilidade em sentido estrito, [é] entendida por Hörnle apenas como imputação pessoal ao fato ou como atribuição de capacidade de atuar conforme o direito, seria graduável apenas unilateralmente para baixo, na hipótese da existência de factores redutores da culpabilidade.” [[71]/[72]

Esta teoria tem em Espanha um assecla de peso, concretamente, Jesus-Maria Silva Sánchez que adrede doutrina: “Não pode colocar-se em dúvida de que o juiz faz política criminal; de modo especial na individualização da pena, onde em princípio dispõe de mais liberdade. Mas deveria fugir-se da tentação de pensar que esta há-de ser uma política criminal directa, isto é, na que se consideraram de modo imediato os fins do Direito penal. Precisamente num contexto assim, para evitar o intuicionismo, o puro decisionismo ou, sem mais, a arbitrariedade, é preciso que essa política criminal se canalize por vias dogmáticas. Isto é, que, na medida do possível se traduza em regras e não se quede no plano dos princípios. Portanto, aqui se sustentará que a teoria da determinação da pena deve manifestar-se, antes de todo, como a dimensão quantitativa (ou de grau) de um sistema da teoria do delito que, pela sua parte, deveria deixar de ser entendido em geral como sistema binário. Isso pressupõe assentar as seguintes premissas.

Em primeiro lugar, que o marco penal abstractamente previsto se configura como la resposta reconstituída a um conjunto de factos que coincidem em constituir um determinado tipo de injusto penal, culpável e punível, no que se contêm os elementos que fundamentam o merecimento e a necessidade daquela pena-marco. Em segundo, lugar, que injusto e culpabilidade (assim como punibilidade) constituem magnitudes materiais graduáveis. Por isso, o marco penal abstracto pode ver-se como a união de um conjunto de cominações penais mais detalhadas (submarcos) que consignariam medidas diversas de pena às distintas subclasses de realizações (subtipos), mais ou menos graves, do injusto culpável e punível expressado no tipo. E, em terceiro lugar, que, desde esta perspectiva, o acto de determinação judicial da pena se configura essencialmente como aquele em virtude do qual se constata o concreto conteúdo de injusto, culpabilidade e punibilidade de um determinado facto, traduzindo-o numa determinada medida de pena. O que reitera o já expresso, em forma concisa: a única política criminal que deve realizar o juiz é a que discorre pela via das categorias dogmáticas.

A adopção deste ponto de vista, segundo o qual a determinação da pena é, por encima de outras considerações, determinação do exacto conteúdo delitivo do facto, poderia estimar-se contrária à inclusão, no acto de determinação judicial da pena, de considerações derivadas directamente dos princípios político-criminais do Direito penal. E certamente o critério proposto distancia-se tanto das convencionais teorias da individualização judicial da pena: a do valor posicional (Stellenwerttheorie) e a do espaço de jogo (Spielraumtheorie), assim como a teoria da proibição de desbordamento da culpabilidade (Schuldüberschreitungsverbot).

Com efeito, o facto de que a única política criminal que deva realizar o juiz seja a que discorre pela via das categorias dogmáticas não implica deixar de atender aos critérios preventivos. Isso, porque precisamente as ditas categorias dogmáticas podem e devem ser reconstruidas «en clave» político-criminal considerando as finalidades preventivas e de garantia que legitimam o recurso ao Direito penal. A teoria do delito se configurar-se-á, assim, como um sistema de regras que permitem estabelecer com a maior segurança possível o sim ou não de tais merecimento e necessidade de pena. E a teoria da determinação da pena como teoria da concreção do conteúdo delitivo do facto implicará, por sua vez, o estabelecimento do quantum do seu merecimento e necessidade (político-criminal) de pena.

O referente próximo de quanto aqui se indica é a denominada “teoria da proporciona-lidade com o facto” (Tatproportionalitätlehre) que, exposta inicialmente por VON HIRSCH/ JAREBORG, assim como por SCHÜNEMANN, foi desenvolvida por HÖRNLE. Nesta linha, pretende insistir na necessidade de abordar a sistematização das variáveis  fácticas contidas nos diferentes factos concretos que realizam o tipo, com o fim de possibilitar uma individualização “dogmática” da pena. Naturalmente, uma sistematização levada até aos últimos detalhes resulta de uma enorme complexidade. Em primeiro lugar, depende obviamente do critério rector do conceito material de delito do qual se parta. Em segundo lugar, exige a tradução desse critério rector em critérios valorativos de ordenação. Em terceiro lugar, há-de estabelecer los diversos subníveis ou perspectivas de análise dentro de cada uma das categorias sistemáticas. E, em quarto lugar, deve fazer frente à questão, sumamente complexa, da quantificação absoluta e relativa de cada uma das variáveis fácticas, examinadas desde as diversas perspectivas de análise e à luz dos critérios valorativos de ordenação. De modo que, ainda partindo da hipótese de que fosse uma só a individualização juridicamente correcta, deveria convir-se que é inevitável a admissão de margens de plausibilidade. Isso conduz a um sector da doutrina a assinalar que, em todo caso, a proporcionalidade não poderá estabelecer-se em termos absolutos, mas sim relativos (dando lugar a um sistema comparativo de classes de casos mais e menos graves).

Para além disso, é curioso que FEIJÓO SÁNCHEZ afirme que a individualização da pena não deixa de ser una concreção da teoria dos fins da pena, sustentando ao mesmo tempo que aquela não é mais que uma teoria sobre os factores relacionados com o injusto e a culpabilidade que configuram o significado comunicativo do facto. O um e o outro não significam o mesmo. O primeiro parece apelar a uma teoria da individualização da pena a partir dos princípios de legitimação do Direito penal; o segundo, ao contrário aponta para uma determinação da pena basada em regras dogmáticas. Claro que uma teoria dogmática, se é teleológica, dará conta daqueles princípios, mas concretizá-los-á, desnormativizá-los-á e possibilitará a sua aplicação mais segura e fiável. Daí que o próprio FEIJÓO SÁNCHEZ fale logo de uma orientação para o “sistema del delito”. FEIJÓO SÁNCHEZ estabelece, pois, três referencias da determinação da pena que têm um alcance muito distinto e que em absoluto podem dar-se por equivalentes: a) a teoria dos fies ou da legitimação da pena; b) o conceito material de delito; e c) o sistema do delito.

Sem embargo, isso não deveria obstar ao início de um processo de sistematização dogmática, cuja finalidade de reduzir a margem de arbitrariedade das decisões judiciais de individualização da pena se justifica por si só. Para além disso, convém insistir em que a adopção desta perspectiva não pode confundir-se com uma fundamentação exclusivamente retributiva do Direito penal. Pelo contrário, deve-se à tese de que os postulados político-criminais devem chegar ao juiz na forma de enunciados dogmáticos e estes, na individualização da pena, não podem ser substancialmente distintos dos enunciados da teoria do delito. O que, previamente, a teoria do delito se haja configurado segundo um paradigma retributivo ou preventivo, naturalista ou normativista, com todas as diversas variáveis destas concepções, é uma questiona alheia ao problema metodológico aqui planteado. Ainda que, obviamente, se traduzirá em critérios diversos de valoração e ordenação.

2. O sistema da teoria do delito e a individualização da pena.

Segundo o indicado, a determinação da pena constitui, pois, aa continuação quantitativa da teoria do delito. Como assinala FRISCH, “a busca da pena ajustada à culpabilidade (...) não é senão uma prossecução aa qualificação do facto como delito”. Depende, pois, basicamente, das categorias do injusto objectivo (da acção e “do resultado”), do injusto subjectivo e da culpabilidade. Agora bem, como também se já houve ocasião de assinalar, ocorre que o próprio método de aproximação ao conteúdo aas categorias da teoria do delito é objecto de polémica. Resulta, portanto, inútil pretender liberar dessa pré-compreensão metodológica á determinação da medida em que tais categorias se expressam (“dan”). Expresso de forma breve: o método de quantificação do injusto tem que ver com o conceito de injusto de que se parta; e outro tanto sucede no caso da culpabilidade. Em função do conceito de partida, adquirirá relevância quantificadora, umas circunstâncias ou outras (ou fá-lo-ão em medida diversa).

Contudo, convém sublinhar que também se dá, até certo ponto, o fenómeno inverso: o exame das circunstâncias que incidem na individualização da pena pode conduzir a uma revisão dos conceitos dogmáticos de partida, ao mostrar que estes são demasiado estreitos, por exemplo, para dar razão de determinados incrementos ou diminuições de pena. Isso sucede, em particular, com o conceito de injusto. Mas não só. Com efeito, na teoria do delito é dominante a tese que entende que o juízo de culpabilidade - como culpabilidade pelo facto antijurídico - não pode incrementar o merecimento de pena já alcançado com a realização do facto, antes, no caso, excluí-lo ou diminui-lo. A uma solução distinta só pode chegar-se a partir do acolhimento de teorias da culpabilidade centradas na reprovação do carácter ou da atitude interna. Pois bem, parece que como estas, hoje maioritariamente abandonadas no âmbito da “culpabilidade na fundamentação da pena”, regeriam implicitamente no âmbito da “culpabilidade na determinação da pena”. Por exemplo, quando se aceita o efeito agravatório da concorrência de determinados motivos (“móviles”) na actuação do agente.

Dado que, desde a concepção vigente acerca da culpabilidade como fundamento da pena, esto último careceria de base, na realidade haveria que rechaçar a dita possibilidade. Pelo contrário, haveria que escolher necessariamente uma das seguintes opções alternativas: ou bem que se nega o efeito agravatório dos motivos (“móviles”); ou bem que se reconstrói o injusto dando cabimento nele a considerações tais que permitam integrar nele uma valoração dos motivos (“móviles”) do sujeito activo.

O segundo efeito da sistematização da teoria da determinação da pena sobre a teoria do delito é a necessidade de elaboração categorial neste mais além da culpabilidade. Com efeito, não podem existir factores relevantes para a individualização da pena (comportamentos posteriores ao facto, nível de sensibilidade à pena, transcurso do tempo) que careçam de um suporte categorial na teoria do delito. Sem embargo, parece claro que há múltiplos circunstâncias do facto concreto às quais se consigna relevância quantificadora e que não têm uma referência categorial clara. Naturalmente, aqui costuma apelar-se à obscura categoria (por muitos nem sequer aceite) da punibilidade. Sem embargo, a sua própria natureza de “cajón de sastre” põe em relevo que se torne necessário um desenvolvimento (e eventual diferenciação interna) desta.

Assente todo o anterior, uma aproximação sistemática à individualização judicial da pena deveria partir das seguintes considerações:

a) O fim perseguido é a elaboração (dogmática) de uma escala quantitativa de subtipos (classes de realizações típicas), na qual se contenham ordenadas em função da sua gravidade as diversas formas de realização de um mesmo tipo.

b) A elaboração de subtipos não pode abordar-se directamente. Para isso é necessário estabelecer primeiro um conjunto de critérios de valoração-ordenação. Por exemplo, o critério de valoração dos casos em função do seu injusto objectivo ex ante; em função do seu injusto objectivo ex post; em função do seu injusto subjectivo, etc.

c) Cada critério de valoração-ordenação se constrói sobre duas premissas. Considerado em termos estruturais, cada critério examina os casos a partir da adopção de uma determinada perspectiva ou nível de análise (por exemplo, o injusto subjectivo, ou incluso, algum aspecto parcial deste). Enquanto ao conteúdo, cada critério examina os casos a partir das concepções básicas sobre a teoria do delito da qual parta, aplicadas em concreto à categoria sistemática na qual se perspective (“enmarque”) (por exemplo, uma visão mais naturalista ou mais normativista).

d) A aplicação sistemática dos critérios de valoração permitiria a obtenção de um esquema de análise dos casos. Este, por sua vez, tornaria possível a ordenação dos ditos casos segundo valores (idealmente) numéricos, por exemplo na base 10. Assim, por exemplo, de um caso A caberia afirmar que o seu injusto objectivo é de 5, perante outro caso B cujo injusto seria de 7; em cambio, o mesmo caso A teria um injusto subjectivo de 8, enquanto que ao caso B se lhe consignaria um injusto subjectivo 5. Naturalmente, não há que contar aqui com valores exactos, mas sim singularmente aproximados.

e) Um problema que queda aberto é o de se as valorações derivadas da análise dos casos conforme aos critérios de um determinado nível podem compensar-se com as resultantes do exame do caso a outro nível. Isto é, se cabe a compensação, de modo que um caso A com um injusto objectivo 5 y um injusto subjectivo 7 “pese” o mesmo que um caso B com um injusto objectivo 7 y um injusto subjectivo 5.

f) Em todo caso, a tradução quantitativa das valorações-ordenações anteriores em medidas concretas de pena só poderá levar-se a cabo em termos aproximados.” [[73]]

A determinação e individualização da pena assume, no enquadramento que intentamos condensar, esta dupla função i) preventivista; e ii) retributiva (na proporção do facto cometido e de acordo com o grau de culpabilidade investido na conduta e resultados desvaliosos). [[74]]

A teoria da determinação da pena, na lição do Professor Claus Roxin, estando nos seus começos, deverá ter em consideração o que os diplomas legais já contêm sobre essa matéria, a saber no caso alemão e suíço, “uma declaração geral sobre a relação existente entre a determinação da pena e os fins da pena, as chamadas «causas finais de determinação da pena.” [[75]]   
Adscrições de idêntica natureza e função se inscrevem no artigo 40º do Código Penal português ao estatuir que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, que conjugado com o artigo 71º - ao determinar que a medida da pena se contempla dentro dos limites da lei e “é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” – baliza e consigna ao aplicador da lei os limites, os fins e as exigências que o Estado através do Direito penal estabelece para este ramo da superstrutura modeladora e conformadora da sociedade.  

Preceitua o art. 71º, nº 1 do C.P. que, "a determinação da pena dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Resulta de uma chã leitura deste preceito que a culpa (indiciador de um radical pessoal) e a prevenção (que insinua a vertente comunitária da punição) constituem os princípios regulativos em que o juiz se deve ancorar no momento em que se lhe exige que fixe um quantum concreto da pena. Fornecendo o critério, o legislador não fornece ao juiz conceitos fechados e aptos à subsunção que permita a matematização do iter formativo da pena concreta. Se a pena há-de ser individualizada, afigura-se que o juiz, assumindo as intencionalidades e as vinculações do sistema jurídico-penal, desempenha, também aqui, uma insubstituível tarefa mediadora e constitutiva.
Na determinação concreta da pena caberão todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
– O grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente;
– A intensidade do dolo ou negligência;
– Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
– As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
– A conduta anterior ao facto e posterior a este;
– A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

Feito este excurso pela função, fins e determinação da pena, é mister proceder à sua aplicação ao caso sob recurso, ou seja á determinação da pena (concreta) que deve ser imposta ao arguido CC.

A pena imposta pela relação não sofre, em nosso aviso, qualquer disfunção legal ou de quebra de avaliação dos factores determinantes da sua aplicação.

Recenseando os factos mais salientes do comportamento/atitude criminosa do arguido, enfatiza-se que i) o arguido agiu impulsionado por um desejo de exibicionismo e afirmação pessoal; ii) o arguido não conhecia a vítima, nem tinha contra ela qualquer agravo ou assunto pendente; iii) agiu por indicação de outrem; iv) fê-lo dando satisfação a uma mera menção de um facto passado, irrelevante e inane; v) agiu com uma violência - efectuou três disparos que atingiram a vítima em região letal (região intratorácica) - inaudita.

O modo, descrito na facticidade adquirida, de como o arguido reagiu e uma mera menção de que um individuo – para ele totalmente desconhecido e de quem não possuía quaisquer referências anteriores, como, por exemplo, motivação que teria estado na disputa e ameaça com arma ao acompanhante (DD) – evidencia uma ligeireza e um desprezo pela vida de outra pessoa difícil de conceber. A forma intuitiva e despojada como alguém, após outrem ter referido uma pessoa com quem tivera uma disputa, dispara uma espingarda, atingindo-a numa zona do corpo absolutamente letal, evidencia uma personalidade incruenta, desapiedada, inane de valores, emoções e valores de humanidade que inculcam uma necessidade e exigência punitiva exemplar e áspera. O arguido, pela forma como agiu, demonstra uma caracterologia pessoal totalmente desprovida de respeito pela vida, denotando uma despejada concepção e devassidão de valorações societárias.

O nível zero de respeito pela vida de outrem e a inanidade e despojamento sentimento emocional da postura individual do arguido perante a vivência humana mostra-se patenteado na descrição que se colhe da factualidade provada e vem expressa na metonímia produzia pelo arguido, em reacção à mera menção indicativa efectuada pelo Flávio, “se é, então vai já morrer”.  Com esta expressão, de uma despreocupação “aplastante”, “abrumadora”, estarrecedora, desarmante, impiedosa, demolidora, impávida e desoladora evidencia o arguido uma absoluta e total inaptidão para conservar uma atitude comportamental de convivência societária salutar e comprometida.

O Direito Penal não pode sob pena de se tornar um instrumento inane e desprovido de função ético-social e funcional-orgânica deixar de actuar de forma premente e veemente sobre pessoas que demonstram um desprezo tão incruento quanto ao valor da vida e o respeito pela existência de um ente humano.

Não há qualquer razão que justifique uma abaixamento da pena. Diga-se que a pena imposta peca tão só por reduzida e escassa. Dezoito (18) anos, como havia sido pedido pelo Ministério no recurso para o tribunal recorrido (Tribunal da Relação de Évora) seria a pena adequada para um crime ignóbil e gratuito.

A exigência de demonstração que o Direito não tolera o tipo de comportamento evidenciado na conduta do arguido e o desprendimento de valores e vinculações vitais demonstradas na realização do facto impõem que a pena aplicada se considere doseada abaixo do que seria aconselhável à situação.

Daí que se mantenha sem qualquer alteração.

III. – DECISÃO.

Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 3ª secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Absolver os imputados co-arguidos, DD; EE; e FF da prática do crime de homicídio, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22º, nºs 1 e 2, alínea c) e 131º do Código Penal, com referência ao artigo 86º, nº 3 do Regulamento Jurídico de Armas e Munições;

- Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido, CC, e em consequência manter a pena em que se encontra condenado.

- O arguido CC pagará as pertinentes custas pelo decaimento do recurso.

         Lisboa, 27 de Junho de 2018

                                                                             

Gabriel Catarino (Relator)

                                                                                                      (Manuel Augusto Matos)   

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[1] No mesmo sentido: Ac. STJ de 29.04.04, proc. n.º 1114.04, 5ª, onde se decidiu que respeitados os parâmetros legais de doseamento concreto, existe sempre uma margem de liberdade do juiz praticamente insindicável.
[2] Cfr. Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série – A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que no âmbito do sistema de revista alargada fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”, bem como o Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20 de Outubro de 2005, Diário da República, Série I-A, de 7 de Dezembro de 2005, em cuja fundamentação se refere que a indagação dos vícios faz-se “no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.
Cfr. ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Março de 1998, processo n.º 1444/97, da 3.ª Secção, in BMJ n.º 475, págs. 480/8,
[3] Cfr. Sobre o alcance desta alínea o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Junho de 2016, relatado pelo Conselheiro Manuel Braz, “Partindo da “doutrina do último acto parcelar”, exposta, segundo informa, por Roxin, Figueiredo Dias considera que só se estará perante acto de execução na acepção da alínea c) se cumulativamente se verificar uma conexão de perigo, que “existe sempre que entre o último acto parcial questionado e a realização típica se verifica, segundo o lapso temporal mas também de acordo com o sentido, uma relação de iminente implicação”, e uma conexão típica, que “existe quando o acto penetra já no âmbito de protecção do tipo de crime”, o que acontecerá “sempre que o acto se intrometa na esfera da vítima” (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, 2ª edição).” (disponível em www.dgsi.pt
[4] Fernanda Palma, ““Da “Tentativa Possível” em Direito Penal”, Almedina, 2006, pág. 66, assevera que “a conclusão a retirar é, deste modo, que o artigo 22º, nº 2, define em geral a tentativa e o artigo 23º, nº 3, do Código Penal delimita a punibilidade.”
[5]A idoneidade dos actos de execução tem de conter uma objectividade que ultrapassa as limitações de um puro juízo subjectivo. Tal como no artigo 22º, nº 2 alínea c), se remete para a previsibilidade de acordo com as regras da experiência, também a idoneidade dos actos há-de requerer um entendimento pacífico, segundo a experiência, comum sobre a susceptibilidade de a consumação se produzir.” – Fernanda Palma, ibidem, pág. 66.  
[6] Claus Roxin, Acerca de la Ratio del Privilegio del Desistimiento en Derecho Penal”, Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia (RECPC), 03-03 (2001).
[7] Fernanda Palma, ibidem, 125. E mais adiante conclui que “os princípios do Direito Penal, que é um Direito Penal do facto, exigem uma construção do ilícito a partir da acção, da ofensa e do dano” e segundo “a tentativa (e a tentativa impossível) só é compatível com os princípios do Direito Penal, enquanto forma de ilícito, se se puder ainda relacionar com uma lógica de dano, através da ideia de risco,” – pág. 129.  
[8] Fernanda Palma, ibidem, p. 46.
[9] Fernanda Palma, ibidem, p. 141.
[10] Cfr. Fernanda Palma, ibidem, pág. 101.
[11] Fernanda Palma, ibidem, p. 49.
[12] Fernanda Palma, ibidem, p. 77-78.
[13] Fernanda Palma, ibidem, p. 51.
[14] Refere Fernanda Palma, ibidem p. 81, que “numa obra [Ascombe, G. E. M. Intention, 2ª ed. 1963] determinante da Filosofia sobre o conceito de intenção, poderemos assentar em que o comportamento intencional é aquele para o qual a pergunta porquê tem como resposta exclusiva a própria vontade de o agente realizar a essa conduta.”      
[15] No mesmo sentido Claus Roxin, Derecho Penal. Parte General. Tomo II. Especiales Formas de Aparición del Delito, Civitas/Thomson Reuters, Madrid, 2014, p. 456.
[16] Claus Roxin, Depreco Penal. Parte General. Tomo I. Fundamentos. La Estructura del Delito. Civitas, Madrid, 1997, p. 415. 
[17] Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal. Parte General. Volume I, Bosch, Barcelona, 1978, p. 398-399.
[18] Claus Roxin, Derecho Penal. Parte General. Tomo II. Especiales Formas de Aparición del Delito, Civitas/Thomson Reuters, Madrid, 2014, p. 205.
[19] Prescreve o § 22 do Código Penal Alemão (StGB) “Intentará realizar un hecho penado el que, de acuerdo a su concepción del hecho, se proponga inmediatamente realizar la acción tipificada.” Código Penal Alemão, Coordenação de Emilio Eiranova Encinas, Marcial Pons, Madrid, 2000.    
[20] Claus Roxin, Derecho Penal. Parte General. Tomo II. Especiales Formas de Aparición del Delito, Civitas/Thomson Reuters, Madrid, 2014, ps. 434-436.
[21] Cfr. Claus Roxin, InDret, citado infra, p. 6.
[22] Claus Roxin, ibiem, p. 8.
[23] Prescreve o articulo 16 do Código Espanhol que “Hay tentativa cuando el sujeto da principio a la ejecución del delito directamente por hechos exteriores, practicando todos o parte de los actos que objectivamente deberián producir el resultado, e sin embargo éste no se produce por causas independientes de la voluntad del autor.” – Código Penal, La Ley, 2005.  
[24] Santiago Mir Puig, Sobre la Punibilidad de la Tentativa Inidónea en el Nuevo Código Penal; Revista Electrónica de Ciência Peal e Criminologia; Ano 2001, 03-06 (Criminet). 
[25] Santiago Mir Puig, “Significado y Alcance de la Imputación Objetiva en Derecho Penal”, Revista Electrónica de Ciência Peal e Criminologia (RECPC 05-05(2003), ps. 10 e 11.
Nas conclusões que extrai do expendido ao longo do artigo condensa o autor que:
1) Imputação é adscrição a um sujeito, não descrição;
2) A imputação objectiva, nos seus três níveis de imputação objectiva, imputação subjectiva e imputação pessoal (individual), atravessa toda a teoria do delito mas não inclui todos os seus elementos. Como juízo de atribuição a um sujeito, contrapõe-se à lesividade, como lesão ou posta em perigo típica de um bem jurídico não justificada, o outro grande aspecto do conceito de delito.
3) A exigência de imputação responde ao princípio de culpabilidade, no sentido amplo, que requer conexão ao sujeito de cada nível de lesividade da teoria do delito, mas ao esmo tempo é necessária para completar o desvalor do tipo, do injusto e da infracção pessoal da norma: a imputação objectiva é necessária para afirmar o desvalor intersubjectivo da conduta e o desvalor do resultado do tipo objectivo, a imputação subjectiva é necessária para o tipo subjectivo e, portanto, para completar o tipo; a ausência dos pressupostos típicos de alguma causa de justificação também há-de poder ser objectiva e subjectivamente imputável para que o tipo possa imputar-se como antijurídico; e, por último, o facto antijurídico há-de poder-se imputar a um sujeito capaz de aceder à norma em condições de motivabilidade normal (imputação pessoal, necessária para que o facto antijurídico e converta em infracção pessoal da norma e se complete a culpabilidade do sujeito).
4) A imputação objectiva de primeiro nível contrai-se nos delitos de acção, à exigência de uma determinada relação de risco, para a qual é razoável exigir não só um mínimo risco, mas também a ausência de risco permitido. Não inclui, em cambio, os casos de adequação social ou insignificância da lesão, nos quais falta a necessária lesividade do facto. Nos delitos de comissão por omissão a imputação objectiva não requer a relação de risco, mas sim a evitabilidade da lesão em posse do garante.
5) A imputação objectiva de primeiro nível há-de exigir-se tanto nos delitos d resultado como nos de mera actividade.
6) A imputação objectiva de segundo nível supõe a distribuição da imputação entre os sujeitos intervenientes e determina a conexão de autoria e a de participação, assim como a imputação da vítima.” (pág. 19).                     
[26] Santiago Mir Puig, ibidem, p. 17-18.
[27] Fernanda Palma, ibidem, p. 93.
[28] Claus Roxin, Derecho Penal. Parte General. Tomo II. Especiales Formas de Aparición del Delito, Civitas/Thomson Reuters, Madrid, 2014, p. 464. “Se trata aqui de una concepción objetivo-individual: la tentativa há de ser determinada sobre la base de una representación individual del autor, de acuerdo con un critério objetivo.”    
[29]As teorias da perigosidade e da impressão do comportamento do autor, “tão pouco proporcionam uma delimitação mais exacta, pois a colocação em perigo procedente da conduta do autor e a sua impressão perturbadora do Direito concorre já na fase preparatória e vai-se incrementando continuamente até á consumação. Se se estabelece uma escala de 1 a 100 para os ditos graus de colocação (“puesta”) em perigo e de impressão, queda claro que a partir do pensamento da colocação em perigo ou da impressão não é possível extrair nenhum critério para determinar em que ponto se supera o limite da tentativa. Pode-se, no máximo, dizer de firma geral que quanto mais pronto concorra a tentativa mais perigosa e mais perturbadora do Direito será a conduta do autor. Mas não proporciona uma delimitação mais exacta.” – Claus Roxin, ibidem, pág. 465-466.     
[30] Claus Roxin, ibidem, pág. 466.
[31] Claus Roxin, ibidem, pág. 478-479.
[32] Claus Roxin, ibidem, pág. 479.
[33] Relembra-se, por transcrição adrede, a parcela do texto em que o colectivo condensa e remata o raciocínio que permite a imputação dos arguidos de actos de execução donde se retira a asserção de que, com essa argumentação, é possível imputar aos arguidos um crime de homicídio (em pessoa diversa).

“Ora, no caso, tem que se aceitar que a deslocação dos arguidos para Almancil, em conjunto e armados, à procura dos visados, constitui facto a que se deveria seguir de imediato a prática de actos aptos a produzir o resultado típico ou mesmo a consumação do crime. O único elemento perturbador analisa-se na circunstância de a execução subsequente não depender apenas dos arguidos mas do facto de eles encontrarem, ou não o(s) visado(s). Mas, justamente, a actuação dos arguidos visa precisamente encontrar os visados e, de seguida, sem descontinuidade, alcançar o resultado pretendido: matar. A circunstância de irem munidos da arma de fogo revela justamente um estádio último de execução, imediatamente anterior à consumação. O facto de poderem, ou não, encontrar os visados não degrada a execução em mera preparação pois, a encontrarem, seguir-se-ia justamente a consumação do crime. A própria acção do arguido CC revela a prontidão dos arguidos em passarem à acção (prontidão tão extremada que leva este arguido a passar, inclusive, à execução de crime diverso). Deve, assim, aceitar-se que existe uma conexão imediata entre os actos empreendidos e o surgimento de actos previstos nas als. a) e b) do n.º2 do art. 22° citado, com interferência na esfera de protecção da norma penal (com criação do risco próximo para o bem jurídico que a tentativa pune) e, assim, que existem actos de execução do crime pretendido.
[34] Claus Roxin, Derecho Penal. Parte General. Tomo II. Especiales Formas de Aparición del Delito, Civitas/Thomson Reuters, Madrid, 2014, p. 488 a 495.
[35]En la actualidad, la soberania penal está radicada exclusivamente en manos del Estado, por ello las sanciones penales (penas e medidas) se refieren siempre a la relación del Estado para com el ciudadano. De ese modo, el procedimiento sancionatório tiene una faz estatal y una personal. Para el Estado se trata de la justificación de sanciones y de los fines perseguidos con ellas; para el ciudadano, de su obligación de tolerancia e de sus limites.” Reinhart Maurach e Heinz Zipf, “Derecho Penal. Parte General. I”, Astrea, Buenos Aires, 1994, p. 104.      
[36] Claus Roxin, “Fundamentos Político-criminales del Derecho Penal”, Hamurabi, Buenos Aires, 2008, pág. 65.
[37] Santiago Mir Puig, “Estado, Pena e Delito. Função da Pena no Estado Social e Democrático de Direito”, Editorial Bdef, Montevideu e Buenos Aires, pág. 105.
[38] Santiago Mir Puig, ibidem, pág. 114.
[39] Cfr. Sergi Cardenal Montraveta, “Eficacia Preventiva General Intimidatória de la Pena”, Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia”, (RECPC 17-18 (2015), pág. 3.
[40] Cfr. Winfried Hassemer, Fundamentos del Derecho Penal, Bosch, Barcelona, 1984, p. 347.
Para refutar a posição de von Lizt quando refere que as teorias retributivas são absolutas, escreve José Sousa de Brito, em “Os Fins das Penas no Código Penal, que se lê em “(…)Platão como representando o pensamento de Protágoras: "ninguém pune o delinquente só pela simples razão de que cometeu uma injustiça, a não ser aquele que, como um animal irracional, se procura vingar; mas aquele que pretende punir de modo racional, não castiga por causa do acto ilícito já cometido - pois não pode fazer que o que está feito não esteja feito - mas em vista do futuro, para que daí em diante o delinquente não volte a cometer injustiça e também não os outros que vêm como ele é punido" (Protágoras, 324 ab).
[41] Cfr. Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualização judicial da Pena”, Ediciones Universidade Salamanca, p.54

[42] “A prestação que realiza o Direito Penal consiste em contradizer por sua vez a contradição das normas determinantes da identidade da sociedade” (…) nesta concepção a pena não é tão-somente um meio para manter a identidade social, mas já constitui essa própria manutenção” - Günther Jakobs, “Sociedade, Norma e Pessoa”, Editora Manole, 2003. ““La pena ha de entenderse más bien como marginalización del hecho en su significado lesivo para la norma y, con ello, como constatación de que la estabilidad normativa de la sociedad permanece inalterada; la pena es confirmación de la identidad de la sociedad, esto es, de la estabildad normativa, y con la pena se alcanza este – si se quiere – fin de la pena siempre.

Ahora bien, la función manifiesta de la pena de confirmar la identidad de la sociedad no excluye el aceptar como función latente una dirección de la motivación: la repetida marginalización del hecho y confirmación de la estabilidad social excluye formas de comportamiento delictivas del repertório de las sugeridas por doquier, quando no incluso recomendadas, en otras palabras, en la planificación cotidiana normal no se reflexiona en primer lugar cerca de la posibilidad de un proceder delictivo. Esta la denominada prevención general positiva como función latente de la pena. A ella también se le puede añadir un efecto intimidatório, es decir, una prevención negativa, y otros más.
La separación del efecto confirmante y de los efectos preventivos de la pena, esto es, la división entre funciones manifiestas y funciones latentes, es de gran importancia, pues la pena se dirige en cada finción a destinatários distintos. El efecto confirmatório va destinado a personas, es decir, a particípes de la comunicación que son presentados como dispuestos juridicamente, y, ciertamente, a todos ellos. El daño de la pena dirigido al autor e infligido a través de privación de médios de desarollo (libetad, dinero) no persigue provocar miedo o compassión u otros estados psíquicos, sino que es unicamente portador de l significado: no hay que adherise al hecho. Ya el mero juicio de culpabilidad tiene dicho significado, pero al igual que el hecho es más que un afirmación, es decir, tanbién es su objetivación, el juicio de culpabilidad ha de hacer-se igualmente duradero, objetivarse, lo que significa que la pena deve ser executada. La función abierta se obtiene, por lo tanto, en la comunicación personal; se trata sólo de poder cerciorarse de qué es Derecho e qué es injusto.” – cfr. Günther Jakobs, “Dogmática de Derecho Penal y la Configuración Normativa de la Sociedad”, Thomson –Civitas, Madrid, 2004, ps. 41-42.
[43] Para Faria Costa, “Noções Fundamentais de Direito Penal” (Fragmenta iuris Poenalis), Coimbra Editora, Coimbra, 4ª edição, 2015, “a pena é a principal consequência da prática do crime (comportamento proibido pela norma incriminadora). Todavia, a pena criminal é, também, uma manifestação do viver comunitário.” (pág. 8) “Com efeito, a pena representa a reacção de uma comunidade de homens àqueles comportamentos penalmente proibidos por essa comunidade. O que bem demonstram, em nosso ver, que a pena é o reflexo dos valores dessa comunidade em um certo tempo e em um certo espaço. A pena é, sobretudo, a refracção do entendimento do homem sobre si próprio. Precisamente por isso, a pena repõe o sentido primevo da relação de cuidade-de-perigo” (p.9-10)
[44]Naturalmente, uno de los cometidos que deben cumplir la amenaza de pena y la pena también es el de evitar delitos que un autor determinado o terceros indeterminados posiblemente habrian cometido de no haberlas. Pero la imposición de la vigência de normas elementales, en caso necesario, mediante la coacción, parece ser un factor francamente esencial del derecho, y el hacerlo en absoluto es un asunto exclusivo del Derecho penal”. “Esta função da pena, todavia (“empero”), e ao contrário da concepção habitual, de nenhum modo se refere somente à prevenção, quer dizer à evitação de delitos futuros, mas, de modo muito mais geral, à ampla descarga que para cada um significa o asseguramento da ordem jurídica” Vide Günter Strantenwerth, in “Derecho Penal, Parte General I, El Hecho Punible”, Thomson, Civitas, 2005, p. 37.-
[45] Günther Jakobs, “La Pena Estatal: Significado e Finalidad”, Tradução de Manuel Cancio Meliá e Bernardo Feijoo Sánchez, Thompson, Civitas, 2006, pag. 23-24.
[46]Las normas entendidas como expectativas normativas, contrafáctica, configuran la estructura del orden social. La configuración de dichas expectativas s función de la política, debiendo describir y sistematizar la ciência del Derecho penal dichas estruturas normativas. El delito es essencialmente defraudación de expectativas –no lesión de bienes – y la pena tiene el significad de mantener dichas expectativas, es decir, en términos jurídicos, la vigência de la norma. La imposición de la pena es – sempre segundo el autor de este libro – la forma que tiene el sistema social de processar las defraudaciones a costa del infractor. Junto a esta función de estabilización, el mal que se impone con la pena deriva de su fin preventivo-general: asegurar la probalidad de seguimento de la norma. Dicho tiene como limite el tratar al delicuente como persona e no como objecto, ya que la pena, precisamente sólo recciona frnete al sujeto responsable, la persona. Sin embargo, esta garantia sólo es posible en la medida en la que el delicuente pueda garantizar su fidelidad en el futuro; de lo contrario, ya n puede ser tratado como persona, sino que deberá serlo como inimigo.” - Günther Jakobs, “La Pena Estatal: Significado e Finalidad”, Tradução de Manuel Cancio Meliá e Bernardo Feijoo Sánchez, Thompson, Civitas, 2006, pag. 18-19.                
[47] Günther Jakobs, “La Pena Estatal: Significado e Finalidad”, Tradução de Manuel Cancio Meliá e Bernardo Feijoo Sánchez, Thompson, Civitas, 2006, pag. 25.
[48] Adriano Teixeira, “Teoria da Aplicação de uma Determinação Judicial da Pena Proporcional ao Fato”, Marcial Pons, 2015, pág. 87.
[49] Para uma crítica à alteração operada ao artigo 70º do Código Penal de 1982, veja-se José Sousa e Brito, “Os fins das Penas no Código Penal”, in Problemas Fundamentais do Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin, Universidade Lusíada Editora, Lisboa, 2002, págs. 157 e segs.

Com efeito, a fórmula dos nºs 1 e 2 do artigo 40º é idêntica à do nº 1 e primeira parte do nº 2 do § 2º do Alternativ-Entwurf, e exprime segundo Roxin adequadamente a sua teoria dos fins das penas segundo a qual a pena visa a prevenção especial e geral. Não pode ultrapassar a medida da culpa, que é concebida como "resultado de um processo valorativo sócio-psicológico, um juízo da comunidade jurídica, que relativamente à altura da pena não é determinado pontualmente à partida, mas só possui realidade empírica no espectro de certo espaço de manobra". É a exigência de prevenção geral que dita a limitação da pena pelo juízo social da culpa, o qual, dada a sua incerteza, não permite mais do que determinar um certo espaço de manobra ou margem de liberdade como medida da culpa entre um máximo e um mínimo ainda correspondentes à culpa. Além do limite da culpa assim entendida a intimidação é ineficaz ou contraproducente e deixa de fortalecer os sentimentos éticos da comunidade e pode provocar a revolta ou o embotamento moral. Aquém desse limite subsistem impulsos para a imitação ou para a vingança. A pena é fixada dentro da medida de culpa e abaixo dela pela prevenção especial, com os limites da prevenção geral mínima, geralmente satisfeita, embora nem sempre, com o limite inferior da medida legal. Deste modo, Roxin pode valorar positivamente o § 46 I do Código Penal alemão que corresponde no essencial ao nosso nº 1 do artigo 72º na versão originária: "A culpa do agente é o fundamento da pena. Ter-se-ão em conta os efeitos da pena na vida futura do agente na sociedade". E está de armas e bagagens do lado dos restantes autores do Alternativ-Entwurf e nomeadamente de Hans Schulz quando dentro da medida máxima da culpa fazem determinar a pena "sobretudo segundo o que se revela necessário para evitar renovada criminalidade do agente", e quando procuram evitar que "considerações de prevenção geral conduzam no caso concreto a um aumento de pena"[[49]]. Temos, pois, dentro do limite da culpa, clara prevalência da prevenção especial sobre a prevenção geral. Assim se compreende que Anabela Rodrigues na esteira de Luzon Peña, critique a teoria de Roxin, como uma "versão disfarçada da retribuição", incompatível com a sua própria teoria, que é, no essencial, a de Figueiredo Dias.

Em sentido oposto, Figueiredo Dias, só precisa de acrescentar duas locuções adverbiais à formula resultante do artigo 40º por si proposto para ter a perfeita formulação da sua teoria da prevenção geral ou de integração: "as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa". Por consequência, "primordialmente, a medida da pena há-se ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto". Haverá em cada caso concreto,  uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias" medida "que não pode ser excedida" e que "não tem de coincidir sempre com a medida de culpa". "Abaixo desse ponto óptimo, outros existem em que aquela tutela é ainda efectiva e consistente", até se alcançar um limiar mínimo", que é "o quantum de pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias. É esta medida mínima da "moldura de prevenção" que merece o nome de defesa do ordenamento jurídico. Uma tal medida em nada pode ser influenciada por consideração, seja de culpa, seja de prevenção especial". Dentro da "moldura de prevenção" devem ser "valorados todos os factores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza, seja a função primordial da socialização, seja qualquer das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização". A culpa "constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas" e nada mais. Temos, portanto, que para Figueiredo Dias o aplicador do direito é chamado, em primeiro lugar, a fazer um juízo das necessidades de tutela e das expectativas comunitárias no caso concreto, o que certamente vai contra as intenções de Schulz e Roxin.
[50] Código Penal Alemán (StGB) e Código Procesal Penal Alemán (StPO), Emilio Eiranova Encinas, Marcial Pons, 2000.

[51] Claus Roxin, “Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal. Prevención y Determinación de la Pena.”, Reus, Madrid, 1981, p. 116. O Professor de Munique, procede a um cotejo entre a teoria da margem da liberdade e a teoria do valor de emprego, “(…) fundada por Heinrich Henkel, que entretanto foi reelaborada dogmaticamente por Horn e fundamentada criminologicamente por Schöch no por ele chamado «modelo gradual». Esta teoria apresenta uma solução da antinomia dos fins da pena, desconcertante pela sua facilidade, ao pretender ter em conta tanto o ponto de vista da retribuição da culpabilidade como o da prevenção, mas atribuindo a cada pessoa um valor de emprego na lei completamente diferente: a «determinação judicial da pena», quer dizer, a determinação da magnitude da pena conforme ao § 46, StGB, deve levar-se a cabo com abstracção de todo critério preventivo, unicamente conforme ao grau de culpabilidade, enquanto que a determinação da pena em sentido amplo, quer dizer, a decisão, segundo os §§ 47 e segs., StGB, sobre a pena privativa de liberdade ou a multa, sobre a suspensão condicional da pena e a liberdade condicional, sobre a admoestação com reserva de pena e a dispensa de pena, deve ser fixada igualmente de um modo exclusivo, só por considerações preventivas. Retribuição da culpabilidade e prevenção aparecem aqui, portanto, como «graus» sucessivos e independentes da determinação da pena.

Até à data está por clarificar o alcance desta nova teoria, como demostram precisamente as diversas posições que a este respeito foi adoptado Hans-Jürgen Bruns, o grande impulsor e mestre da determinação da pena. Ao princípio – antes da evolução da teoria do valor de emprego – Bruns havia qualificado a simples pena correspondente à culpabilidade como a melhor possibilidade de «acabar com a antinomia dos fins da pena». Depois da entrada em vigor do § 46, StGB (§ 13 a partir de 1969), abandonou, sem embargo, esta concepção, reprovando a teoria do valor de emprego, cuja argumentação se baseava precisamente nesta concepção, que «estava em contradição com a regulação legal» e que, «em qualquer caso, era insustentável nos seus resultados». A este veredicto seguiu, no seu mais recente trabalho sobre o tema, uma posição diferenciadora. Bruns opina agora que há «uma serie completa de razões que falam em favor do concerto da teoria do valor de emprego» e que «não seria de lamentar» se esta teoria «se impusesse na doutrina ou na praxis». Mas, por outra parte, não desconhece ou peso dos argumentos que se esgrimem contra ela, e termina dizendo: «De todos modos, o modelo gradual contém... uma parte substancial tão digna de atenção e tão interessantes sugestões, que a doutrina e a jurisprudência deveriam pensá-lo varias vezes antes de rechaça-lo precipitadamente.
Parece-me razoável seguir esta sugestão num livro-homenagem dedicado a Bruns, continuando assim a discussão sobre questões fundamentais de prevenção e determinação da pena, com a meta de nos aproximarmos, quiçá de este modo, um pouco mais a uma concepção geralmente reconhecida das «causas finais de determinação da pena.”  
[52] Claus Roxin, in “Estudos de Direito Penal”, Renovar, S. Paulo, 2005, tradução de Luís Greco, pág. 138, define culpabilidade em direito penal como “a realização do injusto apesar da idoneidade para ser destinatário da norma e da capacidade de autodeterminação que daí deve decorrer.”
Desta concepção faz o autor derivar uma consequência fundamental: ”a teoria dos fins das penas e, assim, o mais importante ponto de orientação politico-criminal de nosso direito penal é tornada fecunda para a teoria geral do delito. Segundo a teoria dos fins da pena por fim defendida, só se pode justificar a pena pela concorrência da culpabilidade e da necessidade preventiva da pena. Para a medição da pena isto significa por um lado, que toda a pena pressupõe a culpabilidade, não poendo jamais ultrapassar-lhe a medida, mas que a pena também sempre tem de ser preventivamente indispensável. A pena pode, portanto, ficar aquém da medida da culpabilidade, se as exigências de prevenção fizerem desnecessária ou mesmo desaconselhável a pena no limite máximo da culpabilidade. (…) estar-se-á defendendo uma posição liberal-garantística, que impõe ao poder punitivo estatal limites tão estreitos quanto socialmente sustentáveis. Ainda que a necessidade de prevenção geral ou especial através da sanção seja intensa, tão pouco neste caso se poderá punir se o autor agir sem culpabilidade. Mas mesmo que exista uma culpabilidade reduzida tem-se de renunciar à pena, se as necessidades preventivas – a serem determinadas, é claro, não segundo a opinião pessoal do juiz, mas sim segundo a lei ou as decisões valorativas gerias – permitirem.” – cfr. citado Estudo, págs. 155-156.             
[53] Cfr. Gunther Jakobs, in loc.cit. supra, pag. 13.
[54] Cfr. Américo Taipa de Carvalho, “Prevenção, Culpa e Pena – Um concepção preventivo-ética do direito penal”, in Liber Discipulorum, Coimbra Editora, pag.317 e segs.
[55] Américo Taipa de Carvalho, op. loc. cit.,pag. 327
[56] Américo Taipa de Carvalho, “Direito Penal, Parte Geral. Questões Fundamentais . Teoria Geral do Crime”, Coimbra Editora, 2ª edição, 2008, pág. 62. 

[57]A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade)” – (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2007; proferido no processo nº 28/07)
[58] Taipa de Carvalho, ibidem, pág. 63.
[59] Winfried Hassemer, “Fundamentos del Derecho Penal”, editorial Bosch, Barcelona, 1984, pág. 127.
[60] Na procura de directivas e vectores de orientação que ajudem na determinação concreta da pena seguem-se de perto os ensinamentos colhidos em Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualização judicial da Pena”, Ediciones Universidade Salamanca, bem como dos ensinamentos recolhidos na obra já citada supra de Gunther Jakobs, de Winfried Hassemer, in “Fundamentos del Derecho Penal”, de Claus Roxin, in “Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal” e Anabela Miranda Rodrigues, in “A Determinação da Pena Privativa de Liberdade” e Adriano Teixeira, “Teoria da Aplicação de uma Determinação Judicial da Pena Proporcional ao Fato”, Marcial Pons, 2015.
[61] Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111 e ainda Anabela Rodrigues (- Problemas fundamentais de Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin (2002), “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, 177/208, estudo também publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2 Abril – Junho de 2002, 147/182.
[62] Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), 96/98.)
[63] Cfr. ainda por mais recentes os acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 20.02.2008 e 09.04.2008; proferidos, respectivamente, nos proc.s nºs 07P4724 e 08P1011; disponíveis em www.stj.pt que na parte interessante se deixam transcritos. “I - A medida da prevenção (protecção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na manutenção – e reforço – da validade da norma violada), que não pode em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. II - Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser, em cada caso, prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades. III - Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do art. 71.º do CP têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenha provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. II - Na determinação da medida concreta da pena pela prática de um crime, é a partir da moldura penal abstracta que se procurará encontrar uma «submoldura» para o caso concreto. Esta terá, como limite superior, a medida óptima da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual «já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar» (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 229). III- Será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social. IV -Quanto à culpa, para além de suporte axiológico normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar. V- O n.º 2 do art. 71.º do CP manda atender, na determinação concreta da pena, «a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele». Enumera a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime. VI- Este o contexto em que se deve situar a ponderação da pena conjunta a aplicar, tendo em conta o comando do art. 77.º do CP, que manda considerar, na medida dessa pena única, «em conjunto, os factos e a personalidade do agente». Vem-se entendendo que, com tal asserção, se deve ter em conta, no dizer de Figueiredo Dias, «a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização) (cf. ob. cit., pág. 291).
[64] Santiago Mir Puig, ibidem. “Sobre o Princípio de Culpabilidade como Limite da Pena”, pág. 203.
[65] Enrique Bacigalupo, in “Justicia Penal y Derechos Fundamentales”, Marcial Pons, Madrid, 2002, págs. 112-113.
[66] Cfr. Günther Jakobs, “La Pena Estatal: Significado e Finalidad”, Tradução de Manuel Cancio Meliá e Bernardo Feijoo Sánchez, Thompson, Civitas, 2006, pag. 142
[67] Cfr. Claus Roxin, “Fundamentos Politico-criminales del Derecho Penal” (“La determinación de la pena a la luz y de la teoria de los fines de la pena), Hammarabi, Buenos Aires, págs. 143 a 166.
[68] À teoria da margem da liberdade opõe-se a teoria da «pena exacta», segundo a qual «a la culpabilidad» só pode corresponder una pena exactamente determinada (punktuell). – Clus Roxin, op. loc. cit. P. 146.
[69] Cfr. Santiago Mir Puig, in “Estado, Pena y Delito” Editorial B de f, Montevideu – Buenos Aires, 2006 Págs. 43, 44, e 206,

[70]O princípio da proporcionalidade do art. 18.º da Constituição refere-se à fixação de penalidades e à sua duração em abstracto (moldura penal), prendendo-se a sua fixação em concreto com os princípios da igualdade e da justiça.

[Deve na determinação concreta da pena atender-se ao] “grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente); – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura.” – (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.02.2007).
[71] Adriano Teixeira, ibidem, pág. 67.

[72] “O princípio da culpabilidade responde pela dosimetria da pena e estabelece a relação entre a gravidade do delito e a culpabilidade do autor (“Principio da culpabilidade e determinação das consequências jurídicas [legalidade] situam-se numa relação de tensão que deve ser equalizada constitucionalmente de modo sustentável”) - Sentença do Tribunal Constitucional alemão, citado por Adriano Teixeira, ibidem, pág. 106.
[73] Jesus-Maria Silva Sánchez, “La Teoria de la Determinación de la Pena como Sistema (Dogmático): Un primer Esbozo, InDret, Barcelona, Abril 2007.
Para um desenvolvimento crítico da teoria da aplicação da pena proporcional ao facto veja-se igualmente Bernardo Feijoo Sanchez, “Individualización de la Pena y Teoria de la Pena Proporcional al Hecho”, InDret, Barcelona, Janeiro de 2007. “Esta teoria sobre a determinação da pena pretende desenvolver critérios de proporção com o facto no marco de uma teoria da prevenção geral intimidatória, desligando a justificação social da pena dos critérios que servem para distribuir as penas em concreto. Como já se assinalou, ainda que a teoria tenha uma origem anglo-saxónica e escandinava, se trata nestes momentos de um dos modelos teóricos de maior impulso (“ empuje”) na doutrina alemã, especialmente pelas interessantíssimas aportações de HÖRNLE nesta matéria.
Nos encontramos ante um modelo de determinação da pena orientado retrospectivamente e não prospectivamente, que representa um dos intentos mais sérios de desenvolver uma teoria da determinação da pena relacionada com a ideia de uma prevenção geral limitada pela culpabilidade e a proporcionalidade com o facto delitivo. A ideia essencial é que se trata de buscar qual é a pena justa que o autor deve suportar pelo seu facto mais que centrar-se em buscar com a pena influências no próprio autor ou em terceiros. Enquanto a cominação penal abstracta estaria dirigida aos potenciais delinquentes, esta é uma orientação que, segundo os neoproporcionalistas, não pode ter cabida no momento de imposição judicial da pena, donde passariam a primar as valorações desde a perspectiva da vítima (do desvalor do resultado ou afectação ao bem jurídico).”
(…) A objecção essencial a teorias como a de v. HIRSCH, HÖRNLE o SCHÜNEMANN é que partem de uma perspectiva excessivamente individualista que toma em consideração para a determinação da pena somente a perspectiva da vítima, descuidando a dimensão do facto para a ordem social. A teoria da proporcionalidade pelo facto parte de uma concepção extremadamente individualista da lesividade que fundamenta a responsabilidade penal, não tendo suficientemente em conta a dimensão intersubjectiva ou social do facto ou a lesividade do comum. Não é estranho, por isso, que estes autores que adoptam uma concepção do facto tão fáctica desenvolvam uma teoria da determinação da pena excessivamente orientada para os interesses da vítima. Acaba sendo relevante para efeitos de determinação da pena exclusivamente a afectação de interesses individuais. Esta não é meramente uma questão teórica, antes tem uma induvidável relevância prática. A teoria da proporcionalidade pelo facto. ao concede um peso excessivo à afectação de interesses individuais, não pode explicar muitos factores de determinação da pena existentes no nosso ordenamento nem factores que resultam decisivos na praxis judicial e aos quais parece que não se deve renunciar.
2. Por outro lado, à teoria da proporcionalidade pelo facto falta o sustento de uma teoria sobre a função social de la pena. Não é possível determinar a medida da pena se esta não se encentra referida a um fim. A determinação ou a individualização judicial da pena não deixa de ser uma concreção da teoria dos fins ou dos critérios gerais de legitimação d pena”. (p. 7-8)
[74] Cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Março de 2016, relatado pelo Conselheiro Manuel Matos, de que se respiga o sequente trecho.
“De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, a medida da pena é determinada, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40.º, n.º 2, do mesmo Código.
Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins e motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime (artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal). 
Sobre a determinação da pena, em razão da culpa do agente e das exigências de prevenção, lê-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 15 de Dezembro de 2011, proferido no processo n.º 706/10.6PHLSB.S1, convocado, mais recentemente no acórdão de 27 de Maio de 2015 (proc. n.º 445/12.3PBEVR.E1.S1): «Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objectivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial ou de socialização, ou, segundo os termos legais: a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º n.º 1 do CP). 
Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências. 
Neste sentido é que se diz que a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização (Cf. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, pp. 227 e ss.). 
Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites óptimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstracta correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão actuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua reintegração na sociedade (FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 231). 
Ora, os factores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no referido n.º 2 do art. 71.º do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infracção do princípio da proibição da dupla valoração.»
Acompanhando o acórdão deste Supremo Tribunal, de 3 de Julho de 2014 (proc. n.º 1081/11.7PAMGR.C1.S1), «defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização».
Como justamente refere MARIA JOÃO ANTUNES, «[s]e a medida da pena é a protecção de bens jurídicos e, na medida do possível, a reintegração do agente na sociedade, e se a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa (artigo 40.º, n.ºs 1 e 2, do CP), então a medida da pena há de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, sem ultrapassar a medida da culpa, actuando os pontos de vista de prevenção especial de socialização entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de tutela de tais bens».
A medida da pena, considera a mesma autora, «há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, face ao caso concreto, num sentido prospectivo de tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida».
 Será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social, lê-se na decisão recorrida, acrescentando-se:
«Quanto à culpa, para além de suporte axiológico-normativo da repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar no caso concreto.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem-se orientado quase unanimemente no sentido que acaba de se referir, assumindo que a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.
Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa.
Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável – certo é dever corresponder à sanção que o agente do crime merece, ou seja, deve corresponder à gravidade do crime.»
[75] Claus Roxin, “Fundamentos Político-criminales del Derecho Penal”, Hamurabi, Buenos Aires, 2008, pág. 143.
O artigo 63º do Código Penal suíço preceitua que “O juiz determinará a pena segundo a culpabilidade do reu; terá em conta os motivos, a vida anterior à comissão do delito e as circunstâncias pessoais do culpado”