Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
20769/18.5TBPRT.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
DIREITO DE REGRESSO
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
NEGLIGÊNCIA MÉDICA
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
OBRIGAÇÃO DE RESULTADO
DEVER DE INFORMAÇÃO
CONSENTIMENTO INFORMADO
ILICITUDE
LEGES ARTIS
Apenso:
Data do Acordão: 03/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Sumário :
I. O interveniente acessório tem legitimidade para recorrer da decisão condenatória do demandado por ter todo o interesse na improcedência da pretensão do autor da acção, na medida em que a sucumbência do demandado principal se repercute no direito de regresso (estende-se ao interveniente os efeitos do caso julgado, “relativamente às questões de que dependa o direito de regresso”), sendo desta forma directamente afectado pela decisão, ut art. 323.º, n.º 4, do CPC.

II. A obrigação a que o médico se vincula perante o paciente – ressalvados, naturalmente, os casos em que garante a obtenção de determinado resultado – , é uma obrigação de meios, pois consiste em lhe proporcionar os melhores e mais adequados cuidados ao seu alcance, de acordo com a sua aptidão profissional e em conformidade com as leges artis e os conhecimentos científicos actualizados e comprovados ao tempo da prestação.

III. À relação médico/doente está hoje subjacente, no comum dos casos, um vínculo de natureza contratual (contrato de prestação de serviços). E mesmo que concorram na negligência médica a civil responsabilidade contratual e extracontratual, este concurso deve ser resolvido no sentido da prevalência da responsabilidade contratual em virtude do princípio da autonomia privada, e também porque deste modo é assegurada uma maior proteção aos lesados (por exemplo, no que toca ao prazo mais longo de prescrição - art. 309.º do CC - e ao ónus da prova da culpa - art. 799.º, n.º 1, do CC). O mesmo é dizer que pode o lesado optar pelo regime que lhe for mais favorável.

IV. O erro médico não pode ser confundido com a imprevisibilidade – que pode resultar da acção médica, da deficiência ou incorrecta extensão da doença, da impossibilidade de terem sido detectadas elementos desconhecidos e não abrangidos, por exemplo pelos exames de diagnóstico, etc. – ou com factores estranhos e/ou desconhecidos da ciência da medicina.

V. O direito do paciente à informação e ao consentimento livre e esclarecido são expressões do direito ao consentimento informado enquanto informed choice. A autodeterminação nos cuidados de saúde implica, não só que o paciente consinta ou recuse uma intervenção determinada heteronomamente, mas também que disponha de toda a informação relativa às diversas possibilidades de tratamento (ut art. 5.º da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina ou Convenção de Oviedo - CDHBio).

VI. O conteúdo do dever de informação abrange o diagnóstico e as consequências do tratamento. Estas são integradas pela referência às vantagens prováveis do mesmo e aos seus riscos, embora se não exija uma referência à situação médica em detalhe, nem a referência aos riscos de verificação excepcional ou muito rara, mesmo que graves ou ligados especificamente àquele tratamento.

VII. Ao autor apenas se impõe alegar genericamente a violação do consentimento informado por banda do médico, pois é ao prestador do cuidado de saúde que compete o ónus da prova (enquanto excepção peremptória impeditiva do direito do autor, ut cfr. art. 342.º, n.º 2 do CC) da existência do consentimento informado do paciente acerca dos riscos. Ou seja: de acordo com a orientação dominante, compete, via de regra, à instituição de saúde e/ou ao médico provar que prestou ao paciente as informações devidas e adequadas para que este pudesse livre e esclarecidamente exercer o seu direito de autodeterminação sobre o próprio corpo e sobre os serviços de saúde. Recaindo, assim, sobre a instituição de saúde e/ou o médico o risco de uma falta ou deficiência de informação.

VIII. O artigo 563.º do Código Civil, que consagra a doutrina da causalidade adequada na sua formulação negativa, não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser direta e imediata. Admite-se, assim, em termos de imputação do facto à conduta, não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não, como ainda a causalidade indireta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano.

IX. Para quantificarmos o dano da incapacidade funcional permanente/défice funcional permanente, deve-se recorrer a critérios de equidade, nos termos do art. 566.º, n.º 3, do CC, uma vez que não se torna possível determinar o valor exacto do dano, devendo lançar-se mão, de igual modo, nos termos do art. 8.º, n.º 3, do CC, dos critérios jurisprudenciais vigentes e aplicados em situações análogas ou semelhantes.

X. Mostra-se adequado indemnizar o lesado em € 165.000,00 pelo dano da incapacidade funcional permanente, atendendo ao seguinte quadro factual: (i) à data do acidente, a lesada tinha 43 anos de idade; (ii) exercia a actividade de administrativa numa Câmara Municipal; (iii) ficou definitivamente afetada na sua integridade física e psíquica, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo familiares e sociais, num grau 37, numa escala até 100; (iv) ficou a padecer de uma incapacidade permanente global de 73%; (v) o grau de incapacidade e as graves limitações funcionais associadas impossibilitaram o exercício da actividade profissional na respectiva área, traduzindo, na prática, uma situação de incapacidade total permanente, o que a levou a ter de passar à condição de aposentação por invalidez.

XI. Não fornecendo a lei critérios normativos concretos para determinação/fixação do quantum indemnizatório do dano não patrimonial, tendo o legislador recorrido, para tal, à equidade (cfr. artºs. 496º, nº. 4, e 494º, 566º, nº. 3, e 4º CC), deve atender-se para o efeito, nomeadamente, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, devendo a indemnização arbitrada ser proporcional à gravidade do dano e tomando em conta na sua fixação todas as regras da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, e sem perder de vista a peculiaridade de que se reveste o caso concreto, devendo a natureza e a intensidade das lesões servir como “factor-base” da ponderação.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível


I – RELATÓRIO

AA intentou acção de processo comum contra FUNDAÇÃO ENSINO E CULTURA FERNANDO PESSOA e BB, sendo intervenientes acessórias LUSITÂNIA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., e AGEAS PORTUGAL – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., fundada em responsabilidade civil contratual e, ou, extracontratual, resultante da prática de acto médico.

Por sentença de 19-12-2022 foi decidido julgar a acção improcedente, absolvendo os réus do pedido.

Inconformada, a Autora AA interpôs recurso de apelação, tendo a Relação do Porto, em acórdão de 26-09-2023, com uma declaração de voto, decidido:

julgar parcialmente procedente o recurso e em revogar a sentença recorrida, julgando se a ação parcialmente procedente e condenando se os réus solidariamente pagaram à autora as seguintes quantias, sem prejuízo como da indemnização que vier a ser liquidada em decisão ulterior a título de danos futuros:

- a quantia global de € 24.043,79 euros (743,83 + 12.000,00 + 11.299,96) (vinte e quatro mil e quarenta e três euros e oitenta e nove cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais, e nos juros de mora contados à taxa supletiva legal contados apenas sobre a quantia de € 1.828,83 (integrada naquele valor), vencidos desde a citação até efetivo e integral pagamento;

- a quantia de global 190.000,00 euros (cento e noventa mil euros (90.000,000 + 100.000,00) a título de indemnização pelo dano corporal ou biológico e sofrimento causado”.

Deste acórdão apresentam recurso de revista a autora, os réus e a interveniente acessória AGEAS, apresentando alegações que rematam com as seguintes

CONCLUSÕES

A. Da Autora AA

1ª: Com o presente Recurso, pretende a Recorrente o reexame das questões referentes aos montantes fixados a título de dano biológico e a título de danos não patrimoniais.

Do Dano Biológico:

2ª: Tradicionalmente, neste âmbito entendia-se como sendo indemnizável, apenas um dano patrimonial futuro correspondente à perda de capacidade de ganho do lesado.

3ª: Conforme vem sendo defendido pela Jurisprudência, o dano patrimonial futuro não depende da efetiva perda ou diminuição da remuneração por parte do lesado, tanto mais que a mesma pode ser valorada, mesmo quando o lesado não exerça qualquer profissão remunerada, compreendendo, antes, este dano patrimonial, uma ideia de frustração de utilidades futuras e de expectativas de aquisição de bens.

4ª: Daí que, mesmo que não haja retração salarial, a afetação definitiva da integridade física dá lugar a indemnização pelos danos sofridos, pois o dano físico determinante da incapacidade exige do lesado um esforço suplementar, físico e psíquico, para obter o mesmo resultado de trabalho.

5ª: Conforme decorre do douto Acórdão do Tribunal a quo, “ao nível do rebate profissional, a Autora ficou com uma incapacidade permanente global para o trabalho de 73% (facto 37).”

6ª: O exercício pela Autora, da sua atividade profissional habitual, apenas seria equacionável, desde que deixasse de desempenhar algumas das atividades que desenvolvia e ficasse confinada a serviço administrativo, sentada à secretária; suporte esforços suplementares importantes; e a sua entidade patronal adaptasse o seu posto de trabalho, com recurso a ferramentas digitais, e os períodos da sua prestação e de descanso.

7ª: Por conseguinte, é imperioso concluir que mesmo a admitir-se que subsista uma diminuta capacidade residual de trabalho, ante o grau de incapacidade da Autora e as sobreditas condicionantes à continuidade do exercício da sua atividade profissional, tal redunda, na prática, numa verdadeira incapacidade total para a profissão habitual.

8ª: Tanto assim é que, por força da ante referida incapacidade definitiva, por decisão proferida em 28.03.2019 pela Caixa Geral de Aposentações, foi a Recorrente aposentada por invalidez. (facto 38)

9ª: Provou-se, também, que ficou definitivamente afetada na sua integridade física e psíquica, com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo familiares e sociais, num grau de 37, numa escala até 100.

10ª: De facto, a Autora ficou a padecer de graves sequelas, designadamente, necessitando de usar uma bengala; viu afetada a sua aparência num grau 5, numa escala até 7; ficou, definitivamente, afetada na sua atividade desportiva, de lazer e de convívio social, num grau 2, numa escala até 7; ficou com inúmeras cicatrizes, descritas no facto 29; com limitação de flexão plantar do pé esquerdo até aos 10º e os dedos em garra; com diminuição da sensibilidade tátil na face anterolateral de ambas as pernas e com incapacidade de colocação em calcanhares e em pontas de pé.

11ª: Ao lado do dano patrimonial futuro, o lesado, como resultado daquela mesma afetação definitiva da sua integridade física, pode também sofrer outros danos correspondentes aos esforços ou sacrifícios suplementares que o mesmo tenha que efetuar para exercer as várias tarefas e atividades gerais quotidianas (que já não contendem, pois, com o exercício das funções laborais previsíveis futuras).

12ª: Neste âmbito, o julgamento terá que ser efetuado com recurso à equidade, sendo certo que o legislador não indica, de uma forma direta, como deve a indemnização ser calculada, não estando o tribunal sujeito a regras e cálculos matemáticos, mas estes podem funcionar como um precioso elemento de trabalho.

13ª: Assim, dentro do quadro de cálculo sob juízos de equidade, entre outras circunstâncias, dever-se-á atender, para efeitos da indemnização a atribuir à Recorrente, ao grau de afetação fixado; à repercussão permanente na sua atividade laboral; à sua idade, ao tempo provável de vida; às condições de saúde ao tempo dos factos; à natureza do trabalho que realizava; ao salário auferido; à depreciação da moeda; à evolução dos salários; à taxa de inflação; às taxas de juro dos mercados financeiros; e à perenidade do emprego e à progressão na carreira.

14ª: O Tribunal a quo levou em linha de conta que a Autora tinha 43 anos à data dos factos, que a esperança de vida das mulheres será até aos 83 anos e a idade de reforma aos 66 anos, que ficou definitivamente afetada na sua integridade física e psíquica, com repercussão nas suas atividades diárias, familiares e sociais num grau de 37, numa escala de 100, bem como ainda, a remuneração que auferia.

15ª: Partido dos referidos pressupostos e para que lhe servisse de índice auxiliar para aplicação de um juízo de equidade, efetuou o Tribunal a quo o seguinte cálculo: € 538,00 x 14 meses = € 7.532,00 x 33 anos de vida útil (contados do ano 2022) = € 248.556,00 x 37% = € 91.965,72.

16ª: E, partindo então, do sobredito critério, bem como das acima mencionadas sequelas de que a Autora ficou a padecer, entendeu o Tribunal, como justo e adequado, arbitrar-lhe uma indemnização, a título de dano biológico, no montante de € 90.000,00.

17ª: Ora, não pode a Recorrente conformar-se com o critério seguido, nem com o concreto valor indemnizatório que lhe foi fixado.

Senão vejamos:

18ª: Para o sobredito cálculo, tomou o Tribunal a quo, como referência, que em 2022 a Autora ainda teria 33 anos de vida útil, multiplicando o seu salário à data dos factos por catorze meses e o resultado obtido, por trinta e sete por cento.

19ª: Se é certo que se concorda que, atualizado ao ano de 2022, a Autora ainda teria tal esperança de vida útil, já não se pode aceitar que tendo como referencial aquele ano, lhe fosse considerado, para efeitos de cálculo, o salário que a mesma auferia em 2015.

20ª: Efetivamente, se a Autora à data dos factos auferia o salário de € 532,08 (facto 35) - sendo nesse ano, o salário mínimo de € 505,00 - não poderá deixar de se considerar que, ainda que a sua evolução profissional não a tivesse levado a auferir mais do que o salário mínimo nacional, o mesmo, no ano de 2022 já ascendia a € 705,00,

21ª: sendo no presente ano de 2023 de € 760,00, e já estando aprovado para o próximo ano, no valor de € 820,00.

22ª: Logo, seguindo o mesmo critério auxiliar do Tribunal, mas considerando o salário mínimo no ano de 2022, o resultado obtido seria de € 120.512,70.

23ª: Mas mais, também não se pode aceitar que a Autora, ao longo dos 33 anos de vida útil considerados pelo Tribunal, continuasse a auferir € 538,00, porquanto, como é manifesto, o seu salário, ainda que por referência ao mínimo nacional, sempre teria uma evolução anual crescente, havendo, assim, que introduzir um fator de crescimento salarial.

24ª: Assim, voltando ao mesmo critério do Tribunal, mas, tendo agora presente o salário mínimo do ano de 2023, o resultado obtido seria de € 125.977,60, e o do ano de 2024, leva-nos a um cômputo de € 131.675,60.

25ª: E, não se diga, que o facto de a Autora receber antecipadamente o capital não está a ser levado em linha de conta, porquanto, as elevadas taxas de inflação que se têm verificado, rapidamente erodem o valor real desse mesmo capital.

26ª: Acresce em não menor medida, que conforme dado como provado, a Autora, por força dos factos em apreço nos autos, ficou a padecer, de acordo com a TNI, de uma deficiência que representa, a título definitivo, uma incapacidade permanente global de 73%! (facto 37)

27ª: Logo, será seguramente muito redutor e injusto considerar para efeitos de desvalorização, os 37 pontos de afetação da integridade físico-psíquica a que o Tribunal atendeu.

28ª: Atente-se que, partindo do salário mínimo nacional vigente no ano de referência (2022), e tendo em conta os mesmos critérios de cálculo utilizados pelo Tribunal a quo, mas multiplicando, agora, pela taxa de incapacidade de 73%, obtemos o resultado de € 237.768,30.

29ª: Donde, outra não poderá ser a conclusão, que o Tribunal a quo não valorizou devidamente o dano sofrido pela Autora a este título, ressumbrando antes, que o valor peticionado de € 165.000,00, até é manifestamente parcimonioso, pelo que deverá, nesta parte, ser revogado o douto acórdão recorrido, decidindo-se pela atribuição à Autora daquela quantia, por ser a mais adequada e equitativa.

Do Dano não Patrimonial:

30ª: Como bem nota e se adjetiva no douto Acórdão recorrido, o sofrimento da Autora tem sido um verdadeiro “calvário”, que ainda não teve fim, nem alguma vez terá.

31ª: Não sendo fácil de resumir tal calvário, provou-se, designadamente, que em consequência do quadro clínico descrito no ponto 15 - factos provados -ou dos adequados tratamentos das lesões dele decorrentes, a Autora necessita permanentemente de usar uma bengala como auxiliar da marcha, e:

a) correu risco de vida;

b) esteve entubada e com sonda nasogástrica, ventilada e a fazer hemodiálise durante vários dias;

c) teve que utilizar, durante cerca de um ano, ortóteses nas pernas, causando-lhe dor e desconforto;

d) até meados de dezembro de 2015, esteve incapaz de andar, altura em que passou a deambular com auxílio de andarilho;

e) até março de 2017, data da cirurgia de reconstrução do transito intestinal, manteve a utilização de uma bolsa para coleção das suas fezes;

f) sentiu-me muito desconfortável com o saco de colostomia, que tinha que regularmente ser mudado, e para o que, inicialmente, necessitava da ajuda de terceiros;

g) experimenta especiais dificuldades em subir ou descer escadas, bem como em realizar tarefas domésticas mais pesadas ou que envolvam o transporte de objetos com as duas mãos;

h) não consegue apoiar, por completo, a planta dos pés e sente dor e desconforto com a marcha, que realiza com o auxílio de uma bengala;

i) tornou-se uma pessoa ansiosa, irritável e revoltada, o que não era anteriormente;

j) deixou de fazer caminhadas, trabalhar no quintal e dançar, atividades que, com regularidade, anteriormente fazia e das quais retirava bem-estar físico e psíquico;

k) deixou de poder conduzir viaturas não especialmente adaptadas à sua atual condição física;

l) deixou de conviver normal e regularmente com os seus colegas de trabalho;

m) temeu pela sua vida e pelo futuro das suas filhas menores, com 5 e 13 anos de idade;

n) ficou privada de se relacionar sexualmente com o seu marido, durante vários meses, sentindo-se constrangida a despir-se à sua frente, quer quando usava saco de colostomia, quer ulteriormente, em razão das sequelas físicas, com prejuízo da harmonia conjugal e da sua gratificação pessoal;

o) por usar um saco de colostomia, enquanto o usou, bem como, atentas as suas demais limitações físicas e cicatrizes, sentiu-se e sente-se diminuída, com perda de autoestima e vergonha da sua situação, reduzindo a sua convivência social e a sua exposição em locais públicos;

p) por sentir vergonha das sequelas físicas de que ficou a padecer, cobre o corpo com vestuário, mesmo no verão e na praia;

q) deixou de poder usar saltos altos, o que anteriormente fazia, devendo agora usar calçado com palmilhas adaptadas;

r) sofreu fortes dores físicas, continuando a sofrer de dores e de desconforto regular;

s) sente-se triste, desgostosa, afetada na sua feminilidade, amargurada, revoltada, deprimida e com perda do gosto pela vida. (facto 32)

32ª: A Autora era uma pessoa saudável, alegre, dinâmica e extrovertida, prezava e tinha hábitos de convívio social e familiar regulares.

33ª: Sofreu uma afetação da sua aparência, num grau 5, numa escala de 7, tendo o corpo pejado com as inúmeras cicatrizes mencionadas nas alíneas c), d), e), f), g), i), j), k), l) e p), do facto 29, que são bem demonstrativas do seu sofrimento até à data.

34ª: A Autora sofreu severa dor, quantificável num grau 6, numa escala até 7 (quantum doloris)!

35ª: A Autora sofreu risco de vida e para o tratamento adequado das lesões em consequência do ocorrido na primeira cirurgia, foi submetida a uma outra cirurgia ainda nas instalações da Ré, e a mais 15 cirurgias que foram efetuadas no Hospital..., encontrando-se programadas ainda mais duas.

36ª: A Autora compareceu a 100 consultas de especialidade, discriminadas na alínea h) do facto 24, realizou 30 exames complementares e de diagnóstico, bem como fez fisioterapia até Julho de 2022, sendo até Abril de 2018, três vezes por semana e, daí em diante, duas.

37ª: Atento o supra narrado quadro, do qual decorre à evidência que a vida da Autora se viu de repente transformada num verdadeiro inferno e cujo fadário ainda persiste e a acompanhará até ao final dos seus dias, torna-se imperioso concluir que o valor arbitrado a este título, peca por defeito, não se podendo ter como justo e adequado à situação sub judice.

38ª: E, mesmo que se leve em linha de conta, que haja lugar a uma ponderação a efetuar nos termos do artigo 496º, n.º 4, do Código Civil, pela circunstância de na sequência do sucedido, ter sido tomada a decisão de transferir a Autora para um Hospital com cuidados intensivos; pela colaboração prestada aos médicos do Hospital... pelo Réu Dr. BB e preocupação por este demonstrada pelo estado de saúde da Autora, não se justifica que se modere à quantia de €100.000,00, a indemnização a este título arbitrada.

39ª: Tendo a Autora peticionado a título de danos não patrimoniais a quantia de €140.000,00, não poderá, à luz do vasto quadro factual dado como provado relativamente à extrema gravidade dos danos sofridos, deixar a mesma de ser tida como francamente parcimoniosa,

40ª: e, nessa medida, se impondo que o douto Acórdão recorrido seja, nesta parte, igualmente revogado, e os Réus condenados, solidariamente, a pagar à Recorrente aquele valor pela mesma peticionado.

41ª: O douto Acórdão recorrido violou, nomeadamente, conforme conclusões supra, o disposto nos artigos 483º, 496º n.º 1, 562º e 566º do Código Civil.

Termos em que,

deve o douto Acórdão sob recurso ser revogado, substituindo-se por outro que decida nos moldes apontados e conforme conclusões supra, mantendo-se o demais decidido, com o que se fará oportuna e, acima de tudo, equitativa justiça.

B. Dos Réus CC e BB

1. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, com um voto de vencido, na parte em que julgou parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela autora e, em consequência, revogou a sentença recorrida, julgando a ação parcialmente procedente e condenando os réus, solidariamente, a pagaram à autora as seguintes quantias, sem prejuízo da indemnização que vier a ser liquidada em decisão ulterior a título de danos futuros:- A quantia global de € 24.043,79 euros (743,83 + 12.000,00 + 11.299,96) (vinte e quatro mil e quarenta e três euros e setenta e nove cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais, e nos juros de mora contados à taxa supletiva legal contados apenas sobre a quantia de € 1.828,83 (integrada naquele valor), vencidos desde a citação até efetivo e integral pagamento;- A quantia de global 190.000,00 euros (cento e noventa mil euros (90.000,000 + 100.000,00) a título de indemnização pelo dano corporal ou biológico e sofrimento causado.

2. Esta decisão consubstancia uma clara violação da lei substantiva, por incorreta apreciação e aplicação do direito.

3. Estamos perante um clamoroso erro que inviabiliza a realização da justiça material no caso concreto e ofende drasticamente o direito a uma decisão justa e equitativa.

4. A Autora fundamenta o seu pedido de indemnização na responsabilidade civil por violação da leges artis.

5. Contrariamente ao entendimento defendido pelo Tribunal da Relação do Porto de que a Autora fundamenta a existência da responsabilidade dos réus na violação das leges artis e na violação do dever de informação, entendemos que, de facto, a petição inicial assenta não na responsabilidade médica por violação do consentimento informado, mas sim, na responsabilidade médica por violação da leges artis; a responsabilidade civil por violação do dever de informação não se encontra devidamente alegada em sede de petição inicial.

6. A este respeito, a Autora apenas invoca de forma abstrata na sua petição inicial que “jamais tendo o 2º Réu informado ou advertido a A., para a possibilidade de no decurso, ou por causa da intervenção cirúrgica, se virem a verificar quaisquer complicações e muito menos daquelas que efetiva e, infelizmente, se vieram a constatar e que supra se deixaram relatadas, (…) sendo certo que a A., caso tivesse sido informada de tal possibilidade, jamais teria aceitado submeter-se à intervenção cirúrgica levada a cabo pelo 2º Réu, nos termos em que o foi.”

7. O que se afigura deveras insuficiente para fundamentar uma ação de responsabilidade civil por violação do consentimento informado. Não só a Autora não alegou que questionou o Réu/Recorrente BB sobre a necessidade da intervenção cirúrgica, bem como do seu resultado e de possíveis riscos, como nem sequer invocou qualquer omissão de respostas às suas questões, ou sequer as garantias dadas pelo citado médico.

8. A Autora não alegou também que confiou nas informações prestadas pelo Réu/Recorrente BB e que tal foi decisivo para a sua decisão de se sujeitar a intervenção cirúrgica proposta.

9. Apesar do vertido na petição inicial levar a entender que a Autora fundamentou o seu pedido na existência da responsabilidade civil dos Réus por violação não só da leges artis mas, também, na violação do dever de informação, não temos dúvidas que, em face dos temas de prova e da sua tramitação.

ulterior da presente ação, a Autora pretendeu ver efetivada a responsabilidade apenas por violação leges artis.

10. Note-se que os quatro temas de prova incidem sobre a responsabilidade civil por violação da leges artis e já não a violação do consentimento informado; pelo que os factos atinentes à violação do consentimento informado, quer por falta de informação, quer por falta de consentimento ou consentimento inválido, não relevam em face dos referidos temas de prova.

11. Assim, incorreu em erro de interpretação, salvo o devido respeito, o Tribunal da Relação do Porto ao efetuar o enquadramento da responsabilidade dos Réus, peticionada pela Autora, na violação das leges artis e na violação do consentimento informado.

12. Não podia o Tribunal da Relação do Porto apreciar o pedido de indemnização formulado pela Autora tendo por base uma alegada responsabilidade por violação do consentimento informado, face à inexistência de causa de pedir autonomizada sobre este tipo de responsabilidade em saúde; Pelo que, deve ser reconhecida que a causa de pedir da presente ação versa apenas sobre a responsabilidade médica por violação da leges artis e não outra; o que se requer.

13. A relação jurídica entre a Autora e os Réus/Recorrentes é de fonte contratual, como bem caraterizou o Tribunal da primeira instância; o que não significa que não possa concorrer a fonte da responsabilidade civil extracontratual na mesma relação jurídica.

14. In casu, a Autora propôs a presente demanda, peticionando uma indemnização contra os aqui Recorrentes pela prática de factos ilícitos, ou seja, e conforme supra se demonstrou, pela violação da leges artis.

15. No âmbito da responsabilidade civil, a obrigação de indemnizar só se constitui quando estão presentes, cumulativamente, os respetivos pressupostos: o facto voluntário, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.

16. O Tribunal da Relação do Porto entendeu que todos os descritos pressupostos se encontram verificados; porém, discordamos deste entendimento, uma vez que consideramos que os pressupostos da ilicitude e da culpa não se encontram demonstrados e, por conseguinte, provados.

17.Dos factos dados como provados não resulta a verificação cumulativa dos aduzidos pressupostos.

18. Apesar do facto voluntário resultar provados dos factos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 12, 13, 14, 15 e 52 do elenco da matéria assente, os demais pressupostos da responsabilidade civil não se encontram verificados.

19. Ao contrário do entendimento vertido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, a escolha do procedimento, realizada pelo Réu/Recorrente médico, foi a correta, tendo em conta os padrões científicos atuais.

20. A este respeito urge não olvidar o teor do parecer do Colégio da Especialidade de Urologia, segundo o qual “a litíase renal de grandes dimensões, tem múltiplas complicações nomeadamente sepsis, e insuficiência renal. A resolução cirúrgica de grandes massas litiásicas, é passível de múltiplas e potencialmente graves complicações, conforme amplamente descrito na literatura, nomeadamente, sepsis, hemorragia, ruptura dos sistema excretor, insuficiência renal, fistula arterio venosa, ect, que podem inclusive conduzir à morte do doente. Atualmente, com a evolução dos meios técnicos de cirurgia minimamente invasiva, melhor controle anestésico e hemodinâmico, tem reduzido as complicações, tornando os procedimento potencialmente mais fáceis e com maior êxito, mas o potencial de complicações continua a ser muito elevado devendo os doentes ser informados dos risco que correm.” 21. De onde se retira que a cirurgia de cálculos renais, independentemente do procedimento escolhido, tem múltiplas complicações e que a evolução dos meios técnicos, mormente de cirurgia menos invasiva, como é o caso da ureterorrenoscopia, com fragmentação a laser do cálculo renal, tem reduzido as complicações, pois há melhor controle anestésico e hemodinâmico e têm maior êxito. O que significa que, tendo em conta as guidelines internacionais e os resultados dos exames pré-cirúrgicos que não revelaram contraindicações à realização da cirurgia, nada fazia prever que viesse a ocorrer a rutura do canal excretor e o subsequente descontrolo hemodinâmico que se revelou catastrófico.

22. Pelo que se conclui, sem dúvidas, que a escolha do procedimento foi a correta e a adequada ao estado clínico da Autora e conducente com as atuais regrais da ciência médica.

23. O procedimento cirúrgico alternativo, nefrolitotomia percutânea – que na senda do Acórdão ora posto em crise - seria o mais adequado ao estado clínico da Autora, por ter sido este realizado posteriormente para remoção do restante cálculo renal, foi escolhido num momento ulterior, tendo como pressuposto um quadro factual divergente ao que existia no dia 14-10-2015 e perante um quadro clínico igualmente diferente ao que a Autora apresentava à data da primeira cirurgia.

24. Pelo que invocar que a nefrolitotomia percutânea “poderia ter evitado, como ficou demonstrado pela realização da segunda cirurgia de remoção do cálculo a que a autora se submeteu, as múltiplas cirurgias (“invasivas) a que a autora teve de se submeter para reparar as consequências daquele primeiro procedimento médico” é extrair conclusões que não têm assento no elenco dos factos provados e ignorar o circunstancialismo factual à data da referida nefrolitotomia percutânea.

25. Não resulta provado que o procedimento mais invasivo evitaria a sujeição da Autora ao risco das complicações surgidas na cirurgia; isto porque, o Colégio da Especialidade não subscreve esse entendimento, pois apenas refere que a remoção de grandes massas litiásicas tem muitas complicações e não que o método escolhido acarretaria mais complicações.

26. No Colégio da Especialidade de Urologia pode mesmo ler-se que a rutura do canal excretor pode ocorrer espontaneamente na sequência da volumosa massa litiásica, bem como na sequência de procedimento cirúrgico, dada a fragilidade renal. Portanto, tal rutura do canal excretor, em cálculos renais de grandes dimensões pode ocorrer independentemente do procedimento.

27. Pese embora a testemunha Dr. DD, quando perguntado se não deviam ter optado por outra cirurgia, respondeu que “à posteriori não tinha dúvidas”, tal não deve ser interpretado de forma “significativa”, como se pode ler no acórdão de que ora se recorre. Pois, na verdade, a testemunha foi clara em afirmar que se soubesse que a remoção do cálculo através de ureterorrenoscopia, com fragmentação a laser, iria levar ao desencadeamento do quadro clínico que veio a suceder, não teria dúvidas que optaria pela nefrolitotomia percutânea. Ora, nem esta testemunha nem qualquer médico diligente que soubesse que, durante a ureterorrenoscopia com fragmentação a laser, iria ocorrer a rutura do canal excretor e a cadeira de acontecimentos que levou ao quadro clínico da Autora, insistira em tal procedimento.

28. Por este mesmo motivo, corrobora-se a afirmação de que nenhum médico tem o dom da adivinhação, isto porque “a própria natureza da atividade do médico, exercendo-se sobre o corpo do homem físico concreto, implica uma série de riscos, nem tudo sendo susceptível de previsão, só podendo ser considerado como falta do médico a não previsibilidade do «risco previsível» e já não o «risco imprevisível», imputável tão só à natureza (física) humana” – neste sentido, acórdão do TRL de 12/06/2012.

29. “Qualquer ação sobre um organismo vivo, repisa-se, integrado por órgãos e sistemas altamente complexos, interligados entre si, visando uma alteração – por exemplo, a remoção de um tecido – tem efeitos que nunca podem ser totalmente controlados nem previstos. Neste sentido, medicina é uma atividade de risco. “O dano iatrogénico sucede com frequência e este é independente de negligência do médico ou da instituição hospitalar” – cfr. DIAS PEREIRA, «Responsabilidade», cit., cap. 3. Mesmo uma atividade sobre o corpo humano bem mais prosaica e portadora de inegáveis benefícios para a saúde, como é a atividade desportiva, pode redundar em malefícios para o organismo – e mesmo na morte –, pelo que não deve surpreender que uma atividade bastante mais complexa possa ter efeitos nocivos inesperados e imprevisíveis.”

30. Inexiste prova da desadequação da cirurgia, pelo que resta concluir que a escolha do procedimento foi o adequado e o compatível com a evolução dos meios tecnológicos de cirurgia minimamente invasiva, segundo as guidelines internacionais e os padrões científicos atuais.

31. Apesar da melhor técnica ter sido executada pelo Réu/Recorrente médico, com o cumprimento de todos os cuidados e a atenção exigíveis, verificou-se, lamentavelmente, a rutura do canal excretor, que constituiu, conforme sobejamente demonstrado, um risco associado não ao tipo de procedimento adotado, mas a qualquer resolução cirúrgica que tenha como finalidade a remoção de grandes massas litiásicas.

32. A ocorrência da rutura do canal excretor não pode ser imputada à atuação do médico urologista, aqui réu/ Recorrente, pois apesar de se tratar de uma complicação possível, conforme se retira dos factos provados (facto 59 A), não resulta demonstrado do elenco dos factos assentes que tal complicação fosse um risco previsível.

33. Nesta medida, entendemos que falece a verificação do pressuposto da ilicitude da conduta, pois não foi demonstrado qualquer comportamento desviante do réu no que à leges artis diz respeito – neste sentido Revista n.º 3800/07, da 2ª Secção do STJ.

34. Quanto à ilicitude na vertente dos esclarecimentos sobre os riscos, urge não olvidar que “A medicina é uma atividade de risco. O dano iatrogénico sucede com frequência e este é independente de negligência do médico ou da instituição hospitalar”. Assim, “afirmado que está o primado da dignidade humana, a impor um princípio da autodeterminação e do respeito pela integridade física e moral do paciente, só o consentimento devidamente esclarecido permite transferir para o paciente os referidos riscos que de outro modo deverão ser suportados pelo médico. Só a pessoa pode decidir o que é melhor para si, para a sua saúde e para o seu corpo”.

35. Qualquer intervenção no corpo de outrem apenas pode ser realizada com o prévio consentimento livre e esclarecido.

36. Para que exista consentimento livre e esclarecido tem de ocorrer um processo prévio de comunicação de informação e esclarecimentos, que tem em conta o doente em concreto, o diagnóstico, a terapêutica proposta, e uma “adesão efetiva, participada e não meramente formal do paciente”.

37. O facto de não existir nos autos um formulário de “consentimento informado”, nos termos da Norma n.º 15/2013 de DGS, para a realização da ureterorrenoscopia, com fragmentação por laser de cálculo renal, não torna ineficaz, só por si, o consentimento prestado ao procedimento cirúrgico.

38. Prescreve o artigo 157º do C. Penal que “o consentimento só é eficaz quando o paciente tiver sido devidamente esclarecido sobre o diagnóstico e a índole, alcance, envergadura e possíveis consequências da intervenção ou do tratamento, salvo se isso implicar a comunicação de circunstâncias que, a serem conhecidas pelo paciente, poriam em perigo a sua vida ou seriam suscetíveis de lhe causar grave dano à saúde, física ou psíquica”.

39. “A ideia de que ao doente deve ser prestada toda a informação em abstrato relacionável com o ato médico deve ser afastada. Por um lado, o excesso informação – isto é, a informação que o doente normalmente não poderá compreender e assimilar, a não ser que lhe seja proporcionado um curso de Medicina –, para além de inútil, pode ser paralisante, não conseguindo o doente fazer uma escolha informada, com prejuízo para a sua saúde. (…) A previsão do dever legal de informação quanto aos riscos não se encontra pensada, principalmente, para o esclarecimento dos riscos genéricos (invariáveis) (…) mas sim para o esclarecimento de complicações previsíveis, ainda que de concretização implausível e anómala, especialmente relacionadas com o procedimento proposto.(…) Acompanhamos aqui a doutrina dos riscos significativos, isto é, da “obrigação de se comunicar os riscos “significativos”: aqueles que o médico sabe ou devia saber que são importantes e pertinentes, para uma pessoa normal colocada nas mesmas circunstâncias do paciente, chamado a consentir com conhecimento de causa no tratamento proposto” .

40. Aderindo à doutrina da comunicação dos riscos significativos (Cfr. acórdão do TRP de 01-04-2014), urge concluir que, por um lado, resulta provado que o método interventivo proposto à autora era o adequado ao tratamento da patologia apresentada, sendo que, por outro, resulta provado que não era previsível a ocorrência da rutura do canal excretor, pois, apesar de ser uma complicação possível, não era uma complicação previsível e provável que acontecesse e que desencadeasse a sucessão de eventos catastróficos que ocorreram e melhor descritos no facto 53º da matéria assente.

41. O tratamento proposto e realizado é um dos tratamentos possível para debelar o estado clínico da autora, sendo o menos invasivo e o procedimento que as atuais regras médicas internacionais ditam executar, em detrimento da nefrolitotomia percutânea (Cfr. facto 50º da matéria assente).

42. Sendo os riscos descritos no ponto 53º da matéria provado como sendo “possíveis”, conforme parecer emitido pelo Colégio da Especialidade de Urologia e não se tendo provado que os mesmos fossem riscos previsíveis e frequentes – note-se que não se provou a frequência estatística de tais riscos para se aferir se os mesmos são previsíveis de ocorrer -, não estamos perante riscos significativos que tivessem de ser comunicados, ponto por ponto, à doente, aqui autora.

43. Os riscos elencados nos pontos 53º e 59º-A, são riscos inerentes a qualquer procedimento cirúrgico de remoção de grandes massas litiásicas e não exclusivos da uterorrenoscopia com fragmentação por laser, ao contrário do que erradamente, salvo o devido respeito, defende o Tribunal da Relação do Porto.

44. Mais, inexiste prova de que o tratamento conservador era mais adequado ao estado clínico da doente, aqui autora, pelo que o réu médico /Recorrente não tinha o dever acrescido de informar sobre essa possibilidade, até porque a realização da nefrolitotomia percutânea afigura-se, essa sim, antagónica às regras atuais da ciência médica e por isso da leges artis.

45. Assim, impõe-se concluir que perante a gravidada da lesão, que impunha uma intervenção célere para impedir a progressão da doença que a autora apresentava, cujo tratamento escolhido foi o adequado, a referida autora teve de parte do médico que escolheu a informação necessária à prestação do consentimento livre e esclarecido.

46. Isto posto e uma vez que, segundo pugnamos, dos factos provados não resulta que tenha existido uma conduta deficiente, imprudente, errada e contrária aos padrões científicos atuais - antes pelo contrário, provou-se que a utilização do procedimento adotado era o adequado ao tratamento da doença da autora -, impõe-se concluir que não ficou provada a culpa, ou seja, os Réus conseguiram ilidir a presunção de culpa, com a demonstração do cumprimento diligente das leges artis – Cfr. Parecer do Colégio da Especialidade de Urologia junto aos autos.

47. Não estão, assim, provados factos dos quais resulte que a atuação que a autora imputa aos Réus /Recorrentes seja ilícita, pelo que se impõe revogar o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto e, em consequência, manter a decisão da primeira instância que julgou a presente ação totalmente improcedente, absolvendo os citados réus dos pedidos formulados; o que se requer expressamente.

48. Improcedendo o ponto antecedente do presente recurso, o que não se admite, mas se equaciona por dever de ofício, impõe-se analisar o nexo causal entre os factos e os danos, no sentido de que a causa das sequelas observadas (ponto 29 dos factos provados) e que constam do exame pericial, está, na verdade, nos processos inflamatórios e de cicatrização ulteriormente desenvolvidos, sem relação direta com a atuação do médico cirurgião, aqui réu /Recorrido.

49. Colocada ao Colégio da Especialidade a seguinte questão “As sequelas podem ser decorrências diretas das referidas lesões e das complicações que ocorreram durante e após a cirurgia?”, foi respondido que “a consulta do processo, não permite retirar essa conclusão, mas obviamente que internamento prolongados e quadros sépticos, podem conduzir a múltiplas sequelas, nomeadamente as referidas.”

50. Neste sentido, entende-se que, na fixação da indemnização não devem ser consideradas as lesões decorrentes dos tratamentos que a autora teve de realizar, pois tais lesões não são causa adequada da primeira cirurgia, não se encontrando provado o nexo de causalidade.

51. Pelo que, deve, este Venerando Tribunal, revogar, também nesta parte, o acórdão ora posto em crise.; No limite, e caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona, deve este Venerando Tribunal reduzir a indemnização a fixar aos danos que tiveram causa efetiva e direta na rutura do aparelho excretor; o que se requer, em respeito pela equidade e justiça material.

52. Todavia e caso assim não se entende, impõe-se invocar que se discorda da fixação da indemnização devida a título de danos patrimoniais, na vertente de dano biológico, operada pelo Tribunal da Relação do Porto uma vez que a mesma se afigura violadora dos artigos 566°, n.º 3 do Código Civil.

53. Do relatório pericial do dano corporal, subscrito com data de 28-09-2022, resulta que as sequelas que a autora padece “são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares importantes, nomeadamente a nível de deslocações de e para o trabalho e no local de trabalho, assim como o transporte de carga (por exemplo, documentos), considerando o défice de mobilidade de que é portadora. Considera-se, no entanto, que grande parte das tarefas que desempenha na sua atividade de técnica administrativa serão desempenhadas na posição sentada, em secretária, sendo estas compatíveis com a sua condição física atual, necessitando, para o efeito, adaptação do posto de trabalho (por exemplo, possibilidade de recurso a teletrabalho, com recurso a ferramentas digitais) e na medida do défice considerado.”

54. A autora não está impossibilidade de trabalhar e muito menos de exercer a sua atividade de técnica administrativa; pois apesar de ter de fazer esforços suplementares, tal não é impedido da execução da atividade que exercia e que, maioritariamente, desempenhava sentada.

55. Nos cálculos efetuados pela Relação do Porto não foi levada em consideração a pensão por invalidez que a Autora recebeu e continuará a receber da Caixa Geral de Aposentações e que se encontra provada nos factos 38 e 40 do elenco dos factos assentes.

56. A indemnização fixada a título de dano patrimonial, na vertente de perda da capacidade de ganho, no valor de Euros 90.000,00, afigura-se desproporcional e excessiva tendo em conta os factos provados e, por conseguinte, violadora do disposto no n.º 3 do artigo 566º do C. Civil e dos critérios que a jurisprudência atualista prescreve.

Nestes termos e nos mais que V. Exas mui doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso e revogando o douto acórdão recorrida, e substituindo-o por outra decisão conforme com as conclusões acima referidas, farão como sempre, boa e sã,

JUSTIÇA.

C. Da Interveniente AGEAS PORTUGAL – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

1. Por referência aos presentes autos foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação, com voto de vencido, julgando parcialmente procedente o recurso de apelação da

Autora.

2. Não se podendo conformar com a mencionada decisão porquanto, salvo devido respeito por diversa opinião e melhor saber, considera a Recorrente que a decisão proferida peca pela incorreta aplicação do direito ao caso concreto, violando, desta forma, os preceitos da lei substantiva, vem o presente recurso interposto.

Da violação da lei por erro de enquadramento da atuação do 2.º réu no âmbito da responsabilidade civil contratual

3. O entendimento espelhado na sentença de 1.ª instância figura-se o mesmo constante do voto de vencido do mencionado acórdão, sendo este de que, à luz da factualidade dada como provada, a responsabilização do 2.º Réu, médico, a ter lugar, apenas poderá fundar-se em responsabilidade civil extracontratual.

4. Resulta do acervo factual que a Autora recorreu ao serviço de urgência da 1.ª por dores no flanco esquerdo (facto 4), onde realizou exames e foi diagnosticada com litíase cálcica coraliforme com cerca de 35mm de maior diâmetro.

5. Pela 1.ª ré foi indicado à Autora o 2.º Réu, por naquele hospital e aos serviços da 1.ª Ré prestar serviços médicos na especialidade de urologia, sendo que o 2.º Réu informou a Autora da necessidade de remoção do cálculo renal detetado (facto 6).

6. Ademais, o 2.º Réu explicou à Autora o procedimento que pretendia adotar (ureterorrenoscopia e fragmentação de cálculo renal por laser), identificando-o como um procedimento simples e que, por isso mesmo, requeria apenas um dia de internamento previsível (facto 7).

7. Uma vez mostrado interesse por parte da Autora, foi a 1.ª quem apresentou orçamento à Autora e que veio esta a aceitar e a proceder ao respetivo pagamento (sem prejuízo de posteriormente ter vindo o pagamento a ser assumido pela ADS, conforme melhor resulta do facto 8).

8. Pelo que, conforme o acordado entre a 1.ª e a Autora, por entre estes se ter celebrado contrato de prestação de serviços médicos nesse sentido, o procedimento cirúrgico teve lugar no dia 14/10/2015, conforme resulta do facto 9.

9. O 2.º Réu, por sua vez, no cumprimento das suas funções, ao serviço e sob direções da 1.ª Ré, tendo previamente consultado a Autora, planeou e veio posteriormente a realizar a cirurgia com a qual a Autora tinha concordado.

10. Recorde-se que a Autora não teve qualquer intervenção na escolha/atribuição do médico que a consultou! Todos os serviços dos quais veio a Autora a usufruir (internamento e cuidados médicos, incluindo, a designação do médico para proceder à remoção do cálculo renal) foram contratados e fornecidos pela 1.ª Ré.

11. A relação contratual foi estabelecida entre a Autora e a 1.ª Ré, pelo que, outra solução de direito não se impõe senão enquadrar e apreciar a atuação do 2.º Réu, médico, no âmbito extracontratual, o que desde já se requer.

Violação da lei por erro de verificação dos pressupostos da responsabilidade civil (extracontratual)

12. Decorre do Acórdão do qual se recorre que foram os Réus condenados no pagamento dos valores supramencionados tanto por violação das legis artis da medicina, como pela violação do dever de prestar à Autora os esclarecimentos sobre os riscos que o procedimento cirúrgico acarreta (consentimento informado).

13. A Recorrente entende que o Acórdão não traduz uma correta aplicação da lei porquanto considerou e enquadrou a responsabilidade do 2.º Réu no âmbito contratual, pelo que se impõe que agora se proceda à análise dos pressupostos da obrigação de indemnizar no âmbito extracontratual nos termos expostos.

14. Resulta, de forma sintética, dos factos 4 a 9, que, em virtude de sentir dores constantes no flanco esquerdo, em 20/09/2015, a Autora recorreu ao serviço de urgência da 1.ª Ré, tendo sido diagnosticada com litíase cálcica coraliforme com cerca de 35mm de maior diâmetro e posteriormente encaminhada pela 1.ª Ré para consulta de urologia com o 2.º Réu, médico da especialidade.

15. O 2.º Réu informou a Autora do seu estado clínico e da necessidade de remoção daquele cálculo, explicando-lhe o procedimento que pretendia adotar (ureterorrenoscopia e fragmentação do cálculo por laser) e que este consistia num procedimento simples, com o qual a Autora concordou sem reservas.

16. Não resulta o acervo fático que a Autora tivesse manifestado discordância ou dúvidas sobre o procedimento escolhido pelo 2.º Réu. Não resulta tampouco provado que a Autora pudesse estar insegura com os esclarecimentos prestados pelo 2.º Réu que tenha procurado uma segunda opinião médica.

17. Resulta também do acervo fáctico provado nos autos que o 2.º Réu fez um correto diagnóstico da condição clínica da Autora (facto 45), e que se impunha uma rápida remoção do cálculo para preservação da saúde e vida da Autora (factos 46 e 47), pois que sem o devido tratamento, existia o risco de perda total da função renal da Autora (facto 48).

18. De Súmula relevância, temos que as guidelines da medicina nacional e internacional indicam que o procedimento adotado pelo 2.º réu (ureterorrenoscopia e fragmentação do cálculo por laser) é um procedimento apropriado e indicado para remoção de cálculos renais e, bem assim, em consonância com as boas práticas médicas (facto 49).

19. De facto, o procedimento escolhido pelo 2.º Réu mostra-se menos invasivo do que o tratamento alterativo, designadamente, a nefrolitotomia percutânea (facto 50).

20. A ureterorrenoscopia e fragmentação do cálculo por laser é um procedimento adequado à remoção de cálculos renais e, sobretudo, um procedimento recomendado e de acordo com as regras técnicas médicas atualizadas de boas práticas internacionalmente aceites e seguidas.

21. Resulta da prova pericial produzida nos autos (Parecer do Colégio da Especialidade de Urologia) e da factualidade provada (facto 59A) que a remoção de massas litiásicas tem as possíveis complicações ali descritas.

22. Salvo devido respeito por diversa opinião/interpretação, a remoção cirúrgica de grandes massas litiásicas, per se, comporta diversas e potencialmente graves complicações independentemente do procedimento cirúrgico adotado.

23. E que, aliás, a evolução dos meios técnicos de cirurgia minimamente invasiva, como a escolhida pelo 2.º Réu, por se conseguir melhor controle anestésico e hemodinâmico, tem tornado os procedimentos potencialmente mais fáceis e com maior êxito, reduzindo as complicações associadas, sem que, contudo, o potencial de complicações deixe de ser elevado.

24. O facto de se saber que existe elevado potencial de complicações na remoção de cálculos renais de dimensões consideráveis (como era o caso da Autora) não permite concluirque, a priori, a ureterorrenoscopia e fragmentação do cálculo por laser fosse desadequado ou desaconselhado face aos exames pré-operatórios da Autora.

25. Pelo que não se poderá senão concluir que o 2.º Réu fez uma escolha medicamente adequada e, sobretudo, a aconselhada pelas boas práticas médicas atuais.

26. Salvo devido respeito por diverso entendimento, não resulta do elenco fático provado nos autos que a opção pela nefrolitotomia percutânea seria o mais adequado ao estado clínico da Autora, tanto menos assente no pressuposto de que, em jeito de corroboração, veio este a ser o procedimento cirúrgico adotado para remoção do que restou do cálculo renal da Autora.

27. É certo que a posteriori, já com o pleno conhecimento do que havia sucedido no decorrer da fragmentação do cálculo com laser, do estado da parede renal da Autora e de todas as complicações (procedimento mecânico) que se vieram a desenvolver, veio esse a ser o procedimento adotado.

28. Contudo, o quadro clínico da Autora nessa data era manifestamente diverso do apresentado na data da cirurgia realizada pelo 2.º Réu, bem como todo o circunstancialismo envolto.

29. Bem como não resulta do elenco de factos provados que a nefrolitotomia percutânea evitaria o risco das complicações que vieram a ocorrer no decorrer do procedimento cirúrgico ao qual a Autora se submeteu ou sequer é esse o entendimento sufragado na prova pericial constante dos autos (Parecer do Colégio da Especialidade de Urologia).

30. Aliás, é mencionado no próprio Parecer do Colégio da Especialidade, que a rotura do canal excretor pode ocorrer de forma espontânea na sequência da volumosa massa litiásica, como na decorrência de procedimento cirúrgico, independentemente do procedimento adotado.

31. A realização de uma nefrolitotomia percutânea não é um procedimento cirúrgico isento de potenciais complicações como as que vieram a ocorrer com a Autora.

32. Atento o que, não se encontra provado que o procedimento cirúrgico adotado pelo 2.º Réu foi desadequado ou violador das legis artis da medicina.

33. Não obstante, mesmo no domínio e encetando os melhores esforços técnicos e científicos e sem que a priori nada o fizesse prever, no decorrer da cirurgia à qual a Autora aceitou voluntariamente submeter-se, veio a ocorrer a rutura do canal excretor.

34. O que não resulta provado nos autos é que tal rutura tenha ocorrido em virtude da errada execução do procedimento (ilicitude) ou de atuação culposa do 2.º Réu.

35. DESTA FORMA, ENTENDE A RECORRENTE QUE NÃO SE MOSTRA VERIFICADO O PRESSUPOSTO DA ILICITUDE NA ATUAÇÃO DO 2.º RÉU, TANTO NA ADOÇÃO COMO EXECUÇÃO DO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO, NA MEDIDA EM QUE FORAM AMBOS DE ACORDO COM AS BOAS PRÁTICAS MÉDICAS ATUAIS LEGIS ARTIS.

36. Atendendo ao que se expôs no que respeita à responsabilidade no âmbito extracontratual do 2.º Réu, cabe ainda referir que também o pressuposto da culpa não se mostra verificado.

37. Cabia à Autora a prova da culpa do 2.º Réu, na medida em que no âmbito extracontratual a culpa não se presume, antes tem de resultar provado pela parte que a alega.

38. A Autora não logrou fazer prova de que a atuação do 2.º Réu se traduziu em facto ilícito, tanto menos que este tenha sido culposo.

39. Atento o que, não resulta provado que o 2.º Réu tenha adotado um qualquer comportamento em desacordo com as legis artis da profissão.

40. Caberá ainda refletir sobre a atuação do 2.º Réu quanto ao dever de esclarecimento e informação que também sobre se recaía.

41. Para tanto, será de atender à factualidade provada, nomeadamente, aos pontos 4 a 8 e 53 e 53.

42. Neste âmbito cabe saber se os esclarecimentos fornecidos pelo 2.º Réu à Autora se mostram suficientes em face do caso concreto.

43. A doutrina e a jurisprudência perfilham a tese da obrigação de serem comunicados aos pacientes os riscos que se mostrem significativos – vide André Pereira (responsabilidade médica e consentimento informado).

44. Isto é, devem ser comunicados os riscos que se entendam importantes para uma pessoa normal, para o homem médio, que se posicione nas mesmas circunstâncias do paciente, no momento de prestar o consentimento e conhecedor do tratamento que lhe foi proposto.

45. Contudo, não se pode negar que, em virtude do caso concreto, o dever de informação poderá ter um conteúdo mais ou menos “elástico”, não sendo sequer igual para todos os doentes na mesma situação.

46. O dever de informação deve obedecer cumulativamente aos princípios da simplicidade e da suficiência, mas sempre visando o esclarecimento.

47. Na sentença proferida em 1.ª instância, veio o Meritíssimo Juiz perfilhar entendimento de que o dever de esclarecimento se funda nos riscos significativos, ao qual a Recorrente adere e com o qual concorda integralmente.

48. Do quanto se expôs, dúvidas não podem subsistir a respeito da importância da remoção da massa litiásica e da adequação do procedimento adotado.

49. Contudo, não se encontra provada nos autos a frequência estatística da rutura do canal excretor no decurso da cirurgia adotada e, tanto menos, estatísticas referentes às possíveis complicações que a rutura do canal excretor pode acarretar (facto 53).

50. Ao contrário do entendimento do Douto Tribunal da Relação do Porto, os riscos elencados nos factos 53 e 59A são riscos inerentes a qualquer procedimento cirúrgico de remoção de massa litiásica e não apenas da ureterorrenoscopia com fragmentação por laser de cálculo renal, pelo que não era o procedimento cirúrgico em concreto que poderia impor uma informação com tal amplitude.

51. Mesmo que a Autora tivesse sido informada da possibilidade de ocorrência da rutura do canal excretor, o que não significa dizer que a Autora deveria tê-lo sido, não significa que o procedimento mecânico que posteriormente se desencadeou tivesse ocorrido.

52. Pelo que, mesmo que a Autora tivesse sido informada da possibilidade de ocorrência da rutura do canal excretor, que foi o único ato praticado pelo 2.º Réu, ainda que não ilicitamente ou de forma culposa, não significa que fosse informada da possibilidade de ocorrência de todos os fenómenos e complicações das quais veio posteriormente a sofrer.

53. Ora, perante o quadro de adoção de um procedimento cirúrgico adequado em face do diagnóstico e exames pré-operatórios da Autora, da necessidade de importância da intervenção cirúrgica para a sobrevivência da Autora e a falta de prova quanto à probabilidade estatística de ocorrência da rutura do canal excretor (bem como dos fenómenos decorrentes), não se mostra verificada a obrigação de esclarecimento na amplitude em que foi considerada pelo Douto Tribunal da Relação.

54. E, bem assim, não se encontra provada a ilicitude da conduta do 2.º Réu a este respeito, pelo que andou mal o Doutro Tribunal da Relação do Porto ao condenar os Réus nos preceituados termos, incorrendo em erro de aplicação da lei por inverificação dos pressupostos adjacentes à obrigação de indemnizar.

Sem prescindir,

55. Não resultou provado (facto 64) que, se à Autora tivesse sido descritivamente explicado o risco de eventual rutura do canal excretor e a probabilidade estatística da sua ocorrência e consequências, jamais teria aceitado submeter-se à intervenção proposta pelo 2.º Réu.

56. Quer isto dizer que, em bom rigor, não se mostra provado que, mesmo a ter sido comunicada toda e qualquer possibilidade de ocorrência de complicações no seio do procedimento cirúrgico, a Autora não aceitaria submeter-se a tal procedimento Mesmo que se entenda que a Autora não foi devidamente informada sobre os possíveis riscos que poderiam advir do procedimento cirúrgico realizado pelo 2.º Réu, o que não se aceita e apenas e equaciona por mera hipótese de raciocínio, não se poderá concluir que existe uma relação de causalidade entre uma alegada falta de consentimento informado e a efetiva ocorrência dos danos que se vieram a verificar.

Violação da lei por erro na fixação da indemnização a atribuir à autora

57. Na eventualidade de vir a ser julgado improcedente o anteriormente alegado, o que não se admite e apenas se equaciona por mera hipótese de patrocínio, sempre se diga que a Recorrente considera que não foram devidamente tomados em consideração fatores cuja avaliação tem implicação direta no quantum indemnizatório atribuído à Autora.

58. Decorre do Relatório de Avaliação de Dano Corporal junto aos autos em 29/09/2022 que as sequelas apresentadas pela Autora são compatíveis com o exercício da atividade profissional que esta desempenhava à data da intervenção cirúrgica, ainda que impliquem esforços complementares.

59. Em razão do que a Autora não se encontra impedida de exercer uma atividade profissional,sendo que, as sequelas das quais ficou a padecer foram consideradas, em perícia levada a cabo pelo INML, COMPATÍVEIS COM O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE PROFISSIONAL DA AUTORA À DATA DA INTERVENÇÃO CIRÚRGICA.

Sem prescindir,

60. Desde 28/03/2019 que a Autora se encontra no estado de reformada por invalidez (facto 38), auferindo deste essa data da correspondente pensão (facto 40).

61. Na falta de elementos probatórios nesse sentido, tem-se que a proteção social na invalidez, da qual a Autora aufere, corresponde à invalidez relativa – cfr. Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul, de 31/03/2022.

62. Tem vindo a ser entendido que a indemnização por perda da capacidade de ganho não é cumulável com o recebimento de pensão por invalidez quando ambos se baseiam no mesmo facto determinante da incapacidade – neste sentido, Ac. do STJ de 11/11/2010.

63. Pelo que, a Autora não poderá beneficiar de um rendimento por invalidez e peticionar uma indemnização por perda (total) da capacidade de ganho.

64. Cabe ainda referir que não resultou provado que a Autora tenha tido uma perda da capacidade de ganho fixável em € 90.000,00, sendo este um valor infundado, excessivo e desproporcional, violando o disposto no art. 566.º, n.º 3 do Código Civil, pelo que deverá este montante ser reduzido à quantia de €50.000,00, com base nos padrões de equidade.

65. No que se refere aos danos não patrimoniais, há que efetuar a ponderação dos mesmos com recurso a um juízo equitativo.

66. O valor indemnizatório de danos não patrimoniais fixado pelo Douto Tribunal da Relação do Porto (€ 100.000,00) é manifestamente excessivo.

67. Afigura-se à Recorrente que, mediante as circunstâncias do caso concreto, tal quantia deverá ser reduzida para € 50.000,00, por se mostrar justa e adequada, de acordo com os padrões de indemnização da jurisprudência que sempre vem (e bem) decidindo com recurso a um refletido juízo de equidade.

Termos em que, e nos mais de Direito que Vossas Excelências doutamente se dignarem suprir, dentro do Vosso Mais Alto Saber e Critério, deverá o presente recurso ser e em consequência, ser alterada a decisão proferida pelo Douto Tribunal da Relação, absolvendo-se os Réus da obrigação de indemnizar nos termos expostos.

Com o que se fará a devida JUSTIÇA!


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Foram apresentadas respostas às revistas, todos pugnando pela sua improcedência.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Nada obsta à apreciação do mérito das revistas.

Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, os requerimentos de interposição do recurso mostram-se tempestivos (artigos 638º e 139º do CPC) e foiram apresentados por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tais requerimentos estão devidamente instruídos com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).


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Note-se que a interveniente acessória AGEAS recorre nos termos do art. 631.º, n.º 2, do CPC, por ser assistente nos autos (cfr. art. 628.º do CPC). Na verdade, não sendo parte principal e não tendo sido condenada, a sua legitimidade para recorrer mostra-se limitada à hipótese prevista no art. 631.º, n.º 2, do CPC.

Sabemos da existência de alguma divergência, quer na doutrina, quer na jurisprudência, quanto à abrangência da legitimidade recursória do interveniente acessório.

Nas palavras de ABRANTES GERALDES, ao interveniente acessório recorrente apenas será permitido completar ou desenvolver a alegação apresentada no recurso da parte principal, os ora réus, sendo certo que, em caso de divergência insanável entre os recursos, prevalece a vontade dos réus1. cfr. neste sentido o Ac. do STJ 24-10-2019, Revista n.º 1152/15.0T8VFR.P1.S1.

Porém, SALVADOR DA COSTA2 e MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA3 e bem assim o Ac. do STJ de 31-03-2022, Revista n.º 453/13.7T2AVR.P1.S14, consideram que o interveniente acessório apresenta-se com legitimidade para recorrer na medida em que a sucumbência do demandado se repercute no direito de regresso, sendo desta forma directamente afectado pela decisão, ut art. 323.º, n.º 4, do CPC.

Nas palavras do citado Ac. do STJ de 31-03-2022, afigura-se-nos decisiva a consideração de que estendendo-se ao interveniente os efeitos do caso julgado, “relativamente às questões de que dependa o direito de regresso” (art. 323º/4), aquele tem todo o interesse na improcedência da pretensão do autor da acção, já que, a acontecer, fica livre da obrigação de indemnizar numa futura acção de regresso. É uma forte razão para lhe ser reconhecida legitimidade para interpor recurso da decisão condenatória da demandada.

In casu, a interveniente AGEAS recorre das seguintes questões: i) do erro de direito na apreciação da responsabilidade do 2.º réu no âmbito da responsabilidade civil contratual (conclusões 3.ª a 11.ª); ii) do erro de direito na apreciação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual de ambos os réus (conclusões 12.ª a 56.ª); iii) do erro de direito no cálculo da indemnização a título de dano biológico (conclusões 57.ª a 64.ª); iv) do erro de direito no cálculo da indemnização a título de danos não patrimoniais (conclusões 65.ª a 67.ª).

Ora, confrontando este recurso com o recurso dos réus verificamos que a recorrente AGEAS apresenta duas questões em apreciação que não são invocadas pelos reús, as constantes das als. i) e iv).

Da análise do teor destas questões, consideramos que ambas, caso sejam procedentes, poderão ter influência na decisão final que irá formar caso julgado em futura acção de regresso que venha a ser proposta pelos réus contra a interveniente acessória.

Nesta senda, e repetindo as palavras do citado Ac. do STJ de 31-03-2022, afigura-se-nos decisiva a consideração de que estendendo-se ao interveniente os efeitos do caso julgado, “relativamente às questões de que dependa o direito de regresso” (art. 323º/4), aquele tem todo o interesse na improcedência da pretensão do autor da acção, já que, a acontecer, fica livre da obrigação de indemnizar numa futura acção de regresso. É uma forte razão para lhe ser reconhecida legitimidade para interpor recurso da decisão condenatória da demandada.

Entendemos, assim, ser também admissível o recurso da interveniente acessória AGEAS.


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Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), as questões a decidir são as seguintes:

A – Recurso da autora:

- Do erro de direito no cálculo da indemnização pelo dano da incapacidade funcional permanente/défice funcional permanente (conclusões 2.ª a 29.ª);

- do erro de direito cálculo da indemnização a título de danos não patrimoniais (conclusões 30.ª a 40.ª);

B – Recurso dos réus:

- do erro de direito na apreciação da responsabilidade do réu na vertente de responsabilidade por violação de consentimento informado por falta de causa de pedir (conclusões 1.ª a 12.ª);

- do erro de direito nos pressupostos da responsabilidade civil médica (conclusões 13.ª a 47.ª)

- do erro de direito na determinação/extensão dos danos (conclusões 48.ª a 51.ª)

- do erro de direito no cálculo da indemnização pelo dano da incapacidade funcional permanente/défice funcional permanente (conclusões 52.ª a 56.ª);

C – Recurso da interveniente acessória:

- do erro de direito na apreciação da responsabilidade do 2.º réu no âmbito da responsabilidade civil contratual (conclusões 3.ª a 11.ª);

- do erro de direito na apreciação dos pressupostos da responsabilidade civil médica de ambos os réus (conclusões 12.ª a 56.ª);

- do erro de direito no cálculo da indemnização pelo dano da incapacidade funcional permanente/défice funcional permanente (conclusões 57.ª a 64.ª);

- do erro de direito no cálculo da indemnização a título de danos não patrimoniais (conclusões 65.ª a 67.ª).

III – FUNDAMENTAÇÃO

III. 1. FACTOS PROVADOS

É a seguinte a matéria de facto provada (fixada na Relação após impugnação em recurso – constando a itálico os factos que foram alterados ou aditados pelo acórdão recorrido):

I. Relacionamento inicial entre as partes

I. A ré é uma pessoa coletiva de direito privado e utilidade pública, que tem como fim, entre outros, a prestação de cuidados de saúde, que desenvolve no seu estabelecimento hospitalar designado Hospital-Escola Fernando Pessoa.

I. O réu é médico especialista em Urologia e encontra-se inscrito no Colégio da Especialidade de Urologia da Ordem dos Médicos, desde maio de 2014.

II. À data dos factos, o réu, por conta e ao serviço da ré e contra remuneração, exercia funções no referido hospitalar, como médico especialista de urologia.

III. No dia 20 de setembro de 2015, domingo, a autora, por queixas de dor constante no flanco esquerdo, compareceu nos serviços de urgência do hospital da ré, tendo realizado uma TC, tendo os serviços da ré, com base nesta, diagnosticado a presença de litíase cálcica coraliforme (vulgo pedra no rim) com cerca de 35 mm de maior diâmetro, como causa das dores experimentadas pela autora.

IV. Na sequência deste diagnóstico, foi a autora encaminhada pelos serviços da ré para uma consulta de urologia, a ter lugar no mesmo hospital, no dia seguinte.

V. A autora compareceu à consulta referida, sendo o réu o médico consultado, especialista em urologia, que lhe disse que teria que proceder à remoção do cálculo renal e que o próprio poderia efetuar a intervenção no mesmo Hospital por via retrógrada endoscópica (Ureterorrenoscopia e fragmentação por Laser de cálculo renal).

VI. Foi pelo réu explicado à autora que a intervenção consistiria num procedimento simples, com um único dia de internamento previsível.

VII. Tendo a autora manifestado interesse na realização da cirurgia proposta, a ré apresentou-lhe um orçamento do valor a suportar pela mesma, que a autora aceitou, tendo, conforme lhe foi solicitado, caucionado o valor que lhe foi indicado, sendo que parte do montante devido, seria, igualmente, pago pela ADSE, ao abrigo de uma convenção celebrada entre a ré e o referido subsistema de saúde, do qual a autora é beneficiária.

2. Intervenção cirúrgica realizada

8. No dia 14 de outubro de 2015, conforme ficara previamente agendado, e depois de ter efetuado os exames pré-operatórios que lhe foram indicados, a autora deu entrada no Hospital da ré para ser operada.

9. Em 14 de outubro de 2015, a autora foi submetida no Hospital da ré a uma ureterorrenoscopia com fragmentação por laser de cálculo renal ao nível do bacinete esquerdo e colocação de cateter duplo J esquerdo, realizada pelo réu, assessorado por uma equipa cirúrgica ao serviço da ré.

10. Este procedimento envolve a injeção sob pressão de soro fisiológico no canal urinário, durante a sua execução.

11. A execução da ureterorrenoscopia, com fragmentação por laser de cálculo renal, provocou uma rutura no canal excretor, ao nível pielo-calicial.

12. Tal rutura permitiu o extravasamento de cerca de 5 litros de soro fisiológico, usado sob pressão, para o interior do abdómen, ficando este com abundante líquido e bolhas gasosas.

13. Na parte final da cirurgia na qual não foi fragmentado todo o cálculo ––, a mesma teve que ser interrompida por a equipa médica ter constatado uma marcada distensão abdominal e perineal, pelo que a autora realizou de imediato uma TC, na qual se constatou a existência de volumosa quantidade de líquido intra abdominal e intra peritoneal.

14. O líquido que invadiu o abdómen provocou o aumento da pressão intra-abdominal, gerando uma síndrome de compartimento abdominal (SCA), a qual veio a causar um quadro de coagulação intravascular disseminada (CID).

3. Desenvolvimentos ulteriores

15. Para fazer face à situação referida no ponto 14 – factos provados –, a autora foi de imediato submetida a uma laparotomia exploradora para drenagem de líquido intra-abdominal, não se evidenciando de lesões de órgãos intra-abdominais, designadamente no bacinete no interior do qual ocorreu a intervenção, sendo-lhe colocado um dreno intra-abdominal e procedido ao encerramento por planos, sem que o estado da autora tenha melhorado.

16. Em 14 de outubro de 2015, pelas 17 horas e 9 minutos, a autora deu entrada no Serviço de Medicina Intensiva do Hospital ..., transferida do Hospital da ré, por iniciar quadro clínico compatível com CID – sangramento exuberante por todas as cavidades (oronasal, bexiga e pelo dreno abdominal) –, com evolução para choque, com disfunção respiratória, renal e metabólica, com necessidade de suporte aminérgico.

17. Durante a sua permanência no Serviço de Medicina Intensiva do Hospital ..., a autora sofreu e foram abordados os seguintes problemas causados pelo quadro clínico descrito no ponto 15 – factos provados – ou pelos procedimentos médicos indicados para o enfrentar:

a) síndrome do compartimento abdominal;

b) síndrome isquemia/reperfusão;

c) instabilidade hemodinâmica nas primeiras 12 horas, a necessitar de doses elevadas de aminas (noradrenalina, adrenalina e fenilefrina em simultâneo), com melhoria após politransfusão;

d) ausência de melhoria hemodinâmica, sendo sujeita a laparotomias;

e) hematoma pélvico bilateral não expansivo em relação com cateterismos femorais, hemorragia em toalha das goteiras, laceração extensa do mesentério sem hemorragia importante e lesão de vasos, sendo colocado parking pélvico e das goteiras, e penso aspirativo abdominal;

f) isquemia intestinal com necessidade de colectomia subtotal e ileostomia com abandono de topo rectosigmoide;

g) (constatada em nova laparotomia de reavaliação) isquemia parcial do cólon direito e sigmóide, com necessidade de colectomia parcial com secção do íleon terminal e do sigmóide distal, com abandono dos topos;

h) hepatite isquémica com insuficiência hepática aguda transitória;

i) colecistite gangrenosa com necessidade de colecistectomia; citólise hepática importante inicial; a condicionar insuficiência hepática aguda ligeira transitória; assumida isquemia das vias biliares intra-hepáticas com limitação na excreção de bilirrubina conjugada;

j) necrose tubular aguda / lesão renal aguda oligúrica; necessidade de terapia de substituição renal; poliúria com necessidade inicial de reposição de volume e iónica;

k) lesão isquémica dos calcanhares com algumas áreas necrosadas, sem lesão de continuidade;

l) colestase isolada;

m) síndrome de resposta inflamatória sistémica (SIRS) exuberante e colecistite;

n) síndrome pós-internamento em cuidados intensivos (SPICI);

o) mononeurite multiplex (lesão subaguda moderada a grave bilateral dos nervos femoral, tibial e peronial comum, e com atingimento sensitivo-motor preferencial dos seus ramos, mas mais distais nos membros inferiores);

p) fraqueza muscular global com reabilitação funcional durante o internamento; ambos os pés pendentes; ausência de sensibilidade a partir da região maleolar até aos dedos no pé direito, bem como na face dorsal do pé esquerdo e nos dedos;

q) depressão reativa;

r) hemorragia subconjuntival;

s) colonização por Stenotrophomonas maltophilia (aspirado traqueal).

19. Durante a permanência da autora no Serviço de Medicina Intensiva do Hospital ..., a autora foi sujeita às seguintes intervenções cirúrgicas:

a. 15/10/2015, laparotomia exploradora, Cirurgia Geral

a. 15/10/2015, reabertura do local de laparotomia recente, Cirurgia Geral

b. 17/10/2015, colectomia total intra-abdominal aberta, Cirurgia Geral

c. 17/10/2015, reabertura do local de laparotomia recente, Cirurgia Geral

d. 18/10/2015, reabertura do local da laparotomia recente, Cirurgia Geral

e. 22/10/2015, ileostomia, Cirurgia Geral

f. 22/10/2015, colecistectomia, Cirurgia Geral

g. 22/10/2015, reabertura do local de laparotomia recente, Cirurgia Geral

19. Em 12 de novembro de 2015, a autora foi transferida e internada no Serviço de Cirurgia do Hospital ..., tendo aqui sofrido dois episódios de infeção urinária.

20. Em 7 de janeiro 2016, a autora teve alta do Hospital ..., sendo transferida para a Unidade de Convalescença do Hospital de ..., em ....

21. Durante o período de internamento na Unidade de Convalescença do Hospital de ..., a autora:

a) prosseguiu os tratamentos de fisioterapia que havia iniciado no Hospital ...;

b) sofreu dois episódios de lipotímia, na segunda vez com instabilidade hemodinâmica e alterações importantes na gasimetria, sendo enviada ao serviço de urgência para despiste de tromboembolismo pulmonar;

c) entre 18 de janeiro de 2016 e 20 de janeiro de 2016, foi internada no serviço de Urologia do Hospital ... para substituição de cateter ureteral JJ esquerdo, com cateterismo ureteral JJ esquerdo 7 Fr Optima sobre fio guia e controlo fluoroscópico;

d) iniciou marcha com duas canadianas com steppage.

22. Em 6 de fevereiro 2016, a autora teve alta do Hospital de ....

23. Em consequência do quadro clínico descrito no ponto 15 – factos provados – ou dos adequados tratamentos das lesões dele decorrentes, a autora, após alta do Hospital de ...:

a) em 22 de abril de 2016, foi internada no serviço de urologia do Hospital ... por febre em picos;

i) em 23 de abril de 2016, foi submetida a intervenção de urgência, tendo sido substituído cateter ureteral esquerdo de longa duração;

ii) em 27 de abril de 2016, teve alta hospitalar;

b) em 20 de março de 2017, foi internada no serviço de cirurgia do Hospital ...:

i) em 20 de março de 2017, foi submetida a cirurgia para reconstrução do trânsito intestinal – anastomose íleo-cólica e trocar catéter ureteral:

ii) durante o internamento, teve como intercorrências: episódio único de dejeção com sangue; ileus funcional e alteração da função renal no pós-operatório; infeção urinária;

iii) em 31 de março de 2017, teve alta hospitalar;

c) em 5 de julho 2017, foi internada no serviço de urologia do Hospital ... para nefrolitotomia percutânea, que decorreu sem complicações. Ficou com novo catéter ureteral duplo J.

i) em 8 de julho 2017, removeu nefrostomia percutânea;

ii) em 10 de julho de 2017, teve alta hospitalar;

d) em 10 de outubro de 2017, foi submetida a remoção transureteral de cateter ureteral esquerdo em regime de ambulatório no Hospital ...;

e) em 8 de janeiro de 2020, foi internada no Hospital ...:

i) em 8 de janeiro de 2020, foi submetida a mamoplastia redutora bilateral segundo a técnica do pedículo inferior;

ii) em 10 de janeiro de 2020, teve alta hospitalar;

f) em 25 de setembro de 2020, foi internada no Hospital ...:

i) em 25 de setembro de 2020, foi submetida a intervenção cirúrgica por ortopedia, por metatarsalgia e dedos em garra do pé direito – osteotomia de Chevron de encurtamento e artrodese da interfalângica proximal e tenotomias do 2.º, 3.º e 4.º dedos:

ii) em 30 de setembro de 2020, teve alta hospitalar;

g) em 15 de dezembro de 2021, foi internada no Hospital ...:

i) em 15 de dezembro de 2021, foi submetida a intervenção cirúrgica por ortopedia, por metatarsalgia e dedos em garra do pé esquerdo – osteotomia de Chevron de encurtamento e artrodese da interfalângica proximal e tenotomias do 2.º, 3.º e 4.º dedos;

ii) em 15 de dezembro de 2021, teve alta hospitalar;

h) compareceu a cerca de 100 consultas de especialidade, designadamente, de medicina intensiva (18.02.2016), medicina interna (02.03.2016, 07.07.2016, 22.09.2019 e 05.01.2017), medicina física e de reabilitação / fisiatria (11.02.2016, 01.03.2016, 08.03.2016, 17.03.2016, 06.04.2016, 03.05.2016, 05.05.2016, 24.05.2016, 08.06.2016, 08.07.2016, 10.08.2016, 07.09.2016, 12.10.2016, 23.11.2016, 04.01.2017, 22.02.2017, 06.05.2017, 16.08.2017, 10.10.2017, 23.11.2017, 17.01.2018, 08.03.2018, 26.04.2018, 04.07.2018, 05.09.2018, 05.11.2018, 22.01.2019, 19.03.2019, 14.05.2019, 03.07.2019, 13.08.2019, 16.10.2019, 10.12.2019, 05.02.2020, 26.05.2020, 02.06.2021, 16.02.2021, 19.03.2021, 23.04.2021 e 02.06.2021), cirurgia (colo-retal) (18.03.2016, 06.07.2016, 07.12.2016, 31.05.2017, 15.11.2017, 22.08.2018 e 17.07.2019), consulta da dor (11.04.2016, 19.10.2016, 23.01.2017, 10.09.2018, 17.12.2018 e 01.07.2019), neurologia (05.01.2017), ortopedia (18.10.2017, 14.02.2019, 29.03.2019, 19.08.2020, 24.09.2020, 26.10.2020 e 15.12.2020), cirurgia plástica (20.02.2018, 29.01.2019, 21.05.2019, 03.01.2020, 23.01.2020, 18.02.2021, 16.09.2021) e urologia (27.05.2016, 02.12.2016, 15.12.2016, 24.02.2017, 06.10.2017, 20.04.2018 e 21.02.2022);

i) realizou não menos de três dezenas de exames complementares de diagnóstico, designadamente, ressonância magnética nuclear, tomografia computorizada, eletromiografia, ecografia e radiografia;

j) efetuou tratamento de fisioterapia nos serviços clínicos do Hospital da ré, com uma frequência de três dias por semana, até abril de 2018, e daí até julho de 2022, duas vezes por semana, com intervalos nos meses e agosto e nos períodos de confinamento (COVID).

4. Dano biológico

24. Em consequência do quadro clínico descrito no ponto 15 – factos provados – ou dos adequados tratamentos das lesões dele decorrentes, a autora, até 22 de setembro de 2021, a autora:

a) Durante 142 dias, viu totalmente condicionada a sua autonomia na realização dos atos correntes da vida diária, familiar e social, como alimentar-se e fazer a sua higiene pessoal;

b) Durante 721 dias, viu parcialmente condicionada a sua autonomia na realização dos atos correntes da vida diária, familiar e social, como alimentar-se e fazer a sua higiene pessoal;

c) Durante 1959 dias, esteve totalmente incapacitada para exercer qualquer atividade profissional.

25. Em consequência do quadro clínico descrito no ponto 15 – factos provados – ou dos adequados tratamentos das lesões dele decorrentes, a autora:

a) Sofreu dor quantificável num grau 6, numa escala até 7 (quantum doloris);

b) Ficou definitivamente afetada na sua integridade física e psíquica, com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo familiares e sociais, num grau 37, numa escala até 100;

c) Sofreu uma afetação da sua aparência (imagem estética) num grau 5, numa escala até 7;

d) Ficou definitivamente afetada na sua atividade desportiva, de lazer e de convívio social, num grau 2, numa escala até 7.

26. Em consequência do quadro clínico descrito no ponto 15 – factos provados – ou dos tratamentos das lesões dele decorrentes adequados, a autora não está totalmente incapaz para o exercício da sua atividade profissional habitual, desde que:

a) deixe de desempenhar algumas das atividades que desenvolvia no seu âmbito, como o acompanhamento de crianças em colónias balneares, e fique confinada a serviço administrativo, sentada à secretária;

b) suporte esforços suplementares importantes, nomeadamente a nível de deslocações de e para o trabalho e no local de trabalho, assim como o transporte de carga;

c) a sua entidade patronal adapte o seu posto de trabalho, com recurso a ferramentas digitais, e os períodos da sua prestação e de descanso;

27. Em consequência do quadro clínico descrito no ponto 15 – factos provados – ou dos adequados tratamentos das lesões dele decorrentes, a autora necessita permanentemente de usar uma bengala, como auxiliar de marcha.

28. Em consequência do quadro clínico descrito no ponto 15 – factos provados – ou dos apropriados tratamentos das lesões dele decorrentes, a autora, em 22 de setembro de 2021, apresenta:

a) marcha claudicante, com recurso a ajudas técnicas (bengala à direita);

b) três cicatrizes lineares, nacaradas no pescoço (uma face lateral direita, oblíqua, com 3 cm de comprimento; uma na face anterior do terço inferior, oblíqua, com 2 cm de comprimento; uma na face lateral esquerda, horizontal, com 1.5 cm de comprimento), sendo praticamente impercetíveis à distância de contacto íntimo;

c) seis cicatrizes hiperpigmentadas e hipertrofiadas no tórax: duas periareolares (uma em cada mama); duas verticais a iniciarem-se no bordo inferior de cada aréola em direção inferior, com 7 cm de comprimento; duas horizontais, inframamárias, à direita com 25 cm de comprimento e à esquerda com 26 cm de comprimento. Refere desconforto ligeiro à palpação das cicatrizes, sendo estas visíveis à distância de contacto social, sem áreas de aderência ou repuxamento de tecidos;

d) cicatriz linear no abdómen, mediana, hipertrofiada, com vestígios de pontos de sutura, de orientação vertical, com 30 por 2 cm de maiores dimensões, que se inicia ao nível do epigastro, com direção inferior, continuando o seu trajeto pelo bordo lateral esquerdo do umbigo, terminando ao nível do hipogastro; hiperpigmentada na sua metade superior e nacarada na metade inferior.

e) no hipocôndrio e flanco direitos, várias áreas cicatriciais nacaradas, ocupando área total de 9 por 3 cm, inferiormente, apresenta uma outra área cicatricial nacarada com 5 x 3 cm de maiores dimensões.

f) no flanco direito do abdómen, apresenta cicatriz linear, oblíqua, hipertrofiada e hiperpigmentada, com 7 x 2 cm de maiores dimensões.

g) no hipocôndrio e flanco esquerdos, apresenta área cicatricial nacarada com 14 por 2 cm de maiores dimensões, de maior eixo vertical;

h) abdómen globoso, algo timpanizado à percussão;

i) cicatriz nacarada 5 por 1 cm de maiores dimensões na face anterior cotovelo direito, próximo do seu bordo radial;

j) posteriormente ao maléolo medial direito, área cicatricial ovalada, nacarada, com 3 por 1.5 cm de maiores dimensões, indolor à palpação;

k) no calcanhar direito, área cicatricial heterogénea, com áreas nacaradas e áreas hiperpigmentadas, com 5 por 3 cm de maiores dimensões;

l) na face medial do médiopé direito, cicatriz linear com 4.5 cm comprimento, nacarada e

m) ligeiramente hiperpigmentada no centro;

n) movimentação de flexão plantar do pé direito até aos 10º, com força muscular contrarresistência grau 4 e sem movimento de dorsiflexão a partir da posição neutra;

o) articulação interfalângica do 1.º dedo com flexo de 40º; restantes dedos em posição neutra, sem arco de mobilidade;

p) no calcanhar esquerdo, área cicatricial rosada, com 5 por 3 cm de maiores dimensões, indolor à palpação;

q) movimentação de flexão plantar do pé esquerdo até aos 10º, com força muscular contrarresistência grau 4 e sem movimento de dorsiflexão a partir da posição neutra;

r) dedos do pé esquerdo em garra;

s) força muscular coxa e perna grau 5 bilateralmente;

t) força de flexão plantar contrarresistência grau 4 bilateralmente;

u) diminuição da sensibilidade tátil na face anterolateral de ambas as pernas, nos terços médio e inferior;

v) reflexos aquilianos pouco vivos;

w) reflexo cutaneoplantar abolido bilateralmente;

x) incapacidade de colocação em calcanhares e em pontas de pé.

29. O quadro clínico descrito no ponto 29 – factos provados – não se encontra médico-legalmente consolidado, por carecer a autora de realizar mais duas intervenções cirúrgicas: uma de cirurgia plástica (abdominoplastia); uma (bilateral) de ortopedia (descrita no documento de fls. 611, que aqui se dá por transcrito).

30. A realização das cirurgias referidas no ponto 30 – factos provados – não é suscetível de reduzir os graus de afetação descritos no ponto 26 – factos provados.

31. Em consequência do quadro clínico descrito no ponto 15 – factos provados – ou dos adequados tratamentos das lesões dele decorrentes, a autora:

a) correu risco de vida;

b) esteve entubada e com sonda nasogástrica, ventilada e a fazer hemodiálise durante vários dias;

c) teve que utilizar, durante cerca de um ano, ortóteses nas pernas, causando-lhe dor e desconforto;

d) até meados de dezembro de 2015, esteve incapaz de andar, altura em que passou a deambular com auxílio de andarilho;

e) até março de 2017, data da intervenção referida na subalínea i) da al. b) do ponto 24 –factos provados –, manteve a utilização de uma bolsa para coleção das suas fezes;

f) sentiu-me muito desconfortável com o saco de colostomia, que tinha que regularmente ser mudado, e para o que, inicialmente, necessitava da ajuda de terceiros;

g) experimenta especiais dificuldades em subir ou descer escadas, bem como em realizar trefas domésticas mais pesadas ou que envolvam o transporte de objetos com as duas mãos;

h) não consegue apoiar, por completo, a planta dos pés e sente dor e desconforto com a marcha, que realiza com o auxílio de uma bengala;

i) tornou-se uma pessoa ansiosa, irritável e revoltada, o que não era anteriormente;

j) deixou de fazer caminhadas, trabalhar no quintal e dançar, atividades que, com regularidade, anteriormente fazia e das quais retirava bem-estar físico e psíquico;

k) deixou de poder conduzir viaturas não especialmente adaptadas à sua atual condição física;

l) deixou de conviver normal e regularmente com os seus colegas de trabalho;

m) temeu pela sua vida e pelo futuro das suas filhas menores, com 5 e 13 anos de idade;

n) ficou privada de se relacionar sexualmente com o seu marido, durante vários meses, sentindo-se constrangida a despir-se à sua frente, quer quando usava saco de colostomia, quer ulteriormente, em razão das sequelas físicas, com prejuízo da harmonia conjugal e da sua gratificação pessoal.

o) por usar um saco de colostomia, enquanto o usou, bem como, atentas as suas demais limitações físicas e cicatrizes, sentiu-se e sente-se diminuída, com perda de autoestima e vergonha da sua situação, reduzindo a sua convivência social e a sua exposição em locais públicos;

p) por sentir vergonha das sequelas físicas de que ficou a padecer, cobre o corpo com vestuário, mesmo no verão e na praia;

q) deixou de poder usar saltos alto, o que anteriormente fazia, devendo agora usar caçado com palmilhas adaptadas;

r) sofreu fortes dores físicas, continuando a sofrer de dores e de desconforto regular;

s) sente-se triste, desgostosa, afetada na sua feminilidade, amargurada, revoltada, deprimida e com perda do gosto pela vida.

32. Até 14 de outubro de 2015, a autora era uma pessoa alegre, dinâmica e extrovertida, prezava e tinha hábitos de convívio social e familiar regulares.

33. A autora nasceu em 2 de agosto de 1972, sendo normalmente saudável até 14 de outubro de 2015, salvo quanto ao seu peso, de 70 kg, sendo o peso ideal, considerando a sua altura, de 53 kg.

5. Danos patrimoniais

34. Em 14 de outubro de 2015, a autora trabalhava como assistente operacional (administrativa) no Município de ..., auferindo como retribuição mensal base, o valor de € 532,08, catorze vezes por ano, acrescido de um subsídio de refeição no valor diário de € 4,27 por cada dia de trabalho prestado.

35. Desde 14 de outubro de 2015, a autora nunca mais retomou a sua atividade laboral, passando a estar de baixa médica.

36. Em 23 de janeiro de 2019, pela ARS Norte, foi considerado que a autora, de acordo com a TNI, é portadora de uma deficiência que representa, a título definitivo, uma incapacidade permanente global de 73%, conforme documento junto a fls. 568, que aqui se dá por transcrito.

37. Em 28 de março de 2019, por decisão proferida pela Caixa Geral de Aposentações, a autora foi considerada a sua situação (existente em 9 de outubro de 2018), passando à condição de aposentação por invalidez.

38. Até tal data, a autora recebeu do Município de ... a quantia global de € 3 811,19, a título de remuneração paga em situação de doença.

39. A autora recebeu da Caixa Geral de Aposentações, a título de pensão por invalidez:

a) no ano 2019, a quantia de € 2 450,16;

b) no ano 2020, a quantia de € 4 360,03;

c) no ano 2021, a quantia de € 4 534,18;

d) no ano 2022 (até outubro), a quantia de € 3 839,51.

40. A autora suportou com tratamentos, consultas e meios de diagnóstico o montante de € 748,83.

41. Em consequência do quadro clínico descrito no ponto 15 – factos provados – ou dos adequados tratamentos das lesões dele decorrentes, a autora, até 22 de setembro de 2021, a autora, efetuou não menos de 40 deslocações ao Hospital ..., para consultas, percorrendo cerca de 30 km para cada lado.

42. Em consequência do quadro clínico descrito no ponto 15 – factos provados – ou dos tratamentos das lesões dele decorrentes adequados, a autora, até 22 de setembro de 2021, a autora, efetuou não menos de 40 deslocações ao Hospital da ré, para consultas, percorrendo cerca de 15 km para cada lado.

43. Nas referidas deslocações para consultas, bem como nas deslocações referidas da al. j) do ponto 24 – factos provados –, a autora foi transportada em viatura própria, percorrendo cerca de 26 400 km.

6. Adequação dos procedimentos e execução da cirurgia

44. O diagnóstico descrito no ponto 4 – factos provados – corresponde à patologia efetivamente experimentada pela autora.

45. Perante o diagnóstico descrito no ponto 4 – factos provados –, as regras técnicas médicas atualizadas prescrevem a rápida remoção do cálculo, face à sua dimensão e às dores então experimentadas pela autora.

46. A remoção cirúrgica do cálculo renal era necessária à preservação da saúde e da vida da autora.

47. Não sendo tratado o cálculo renal detetado, a probabilidade prevalecente seria a da perda total da função renal (no rim afetado), podendo a autora acabar por vir a necessidade de hemodiálise para poder sobreviver.

48. O procedimento descrito no ponto 6 factos provados é um dos procedimentos apropriados à remoção de cálculos renais, de acordo com as regras técnicas médicas atualizadas de boas práticas internacionalmente aceites e seguidas (leges artis).

49. O tratamento sugerido pelo réu é menos invasivo do que os tratamentos alternativos disponíveis, designadamente, a nefrolitotomia percutânea (NLPC).

50. Os exames pré operatórios prescritos e realizados pela autora são clinicamente adequados e revelaram o que consta do facto supra 4.

51. Antes da intervenção referida no ponto 10 – factos provados –, o réu explicou à autora o seu estado clínico descrito no ponto 4 – factos provados –, bem como os procedimentos que seriam adotados na cirurgia proposta, designadamente a sujeição a anestesia geral, assegurando-se de que esta não tinha dúvidas sobre a explicação dada.

52. Antes da intervenção referida no ponto 10 – factos provados:

a) a autora não foi informada das complicações que poderiam surgir da cirurgia programada, como sepsis, hemorragia, rutura do sistema excretor, insuficiência renal, fístula arterio venosa e outras;

b) à autora não foi explicado que, no decurso da intervenção, podia ocorrer a rutura do canal excretor, ao nível pielo-calicial, suscetível de causar:

i) o aumento agudo da pressão intra-abdominal (síndrome de compartimento abdominal), causando um choque hemorrágico, com o sangramento abundante por todas as cavidades, designadamente, oronasal, bexiga e dreno abdominal ou cateter aplicados (coagulação intravascular disseminada), a demandar a realização de laparotomias para contrariar a síndrome de compartimento abdominal;

ii) disfunção respiratória, renal e metabólica, a demandar suporte respiratório e suporte aminérgico;

iii) instabilidade hemodinâmica, a demandar politransfusão;

iv) síndrome isquemia/reperfusão, sobretudo na zona abdominal/pélvica e nos membros inferiores;

v) isquemia intestinal, com necessidade de colectomia subtotal e ileostomia com abandono de topo rectosigmoide;

vi) hepatite isquémica com insuficiência hepática aguda transitória;

vii) lesão isquémica dos calcanhares com áreas necrosadas;

viii) síndrome de resposta inflamatória sistémica (SIRS) exuberante e colecistite;

ix) colecistite gangrenosa com necessidade de colecistectomia; citólise hepática importante; insuficiência hepática; isquemia das vias biliares intra-hepáticas; colestase isolada;

x) necrose tubular aguda / lesão renal aguda oligúrica; necessidade de terapia de substituição renal; poliúria;

xi) lesão subaguda moderada a grave bilateral dos nervos femoral, tibial e peronial comum, e com atingimento sensitivo-motor preferencial dos seus ramos, mas mais distais nos membros inferiores;

xii) fraqueza muscular global; ambos os pés pendentes; ausência de sensibilidade a partir da região maleolar até aos dedos no pé direito, bem como na face dorsal do pé esquerdo e nos dedos;

xiii) hemorragia subconjuntival e colonização por Stenotrophomonas maltophilia.

53. A rutura do canal excretor pode ocorrer no decurso da intervenção a que a autora foi submetida.

54. Os efeitos da rutura do canal excretor descritos na al. b) do ponto 53 factos provados ––, nunca tinham sido observados na sua ocorrência simultânea e com a gravidade que atingiu a autora, nem pela equipa clínica da ré que executou a intervenção, nem pelos médicos intensivistas do Hospital ... que assistiram a autora.

55. A coagulação intravascular disseminada (CID) é um distúrbio hemorrágico que pode ser causado por diversos transtornos graves, designadamente, sépsis, trauma ou choque, não estando especialmente associada à síndrome de compartimento abdominal (SCA).

56. Foi - eliminado pela Relação.

57. Foi eliminado pela Relação.

58. Foi eliminado pela Relação.

59-A- De acordo com o Parecer do Colégio da Especialidade de Urologia da Ordem dos Médicos “a resolução cirúrgica de grandes massas litiásicas, é passível de múltiplas e potencialmente graves complicações, conforme amplamente descrito na literatura, nomeadamente sépsis, hemorragia, rutura do sistema excretor, insuficiência renal, fístula arteriovenosa, etc., que podem, inclusive, conduzir à morte do doente”. – aditado pela Relação.

7. Relação contratual entre os réus e as intervenientes

59. Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A., enquanto seguradora, e a ré, enquanto tomadora, declararam acordar que a primeira assumiria o risco da ocorrência de sinistros decorrentes da atividade da segunda, designadamente, no exercício das funções dos médicos e demais profissionais ao seu serviço, nos termos constantes do documento intitulado apólice n.º .............01, junto aos autos a fls. 141 v. (autos principais) e que aqui se dá por transcrito, suportando a indemnização eventualmente devida a terceiros lesados.

60. AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A., enquanto seguradora, e o réu, enquanto tomadora, declararam acordar que a primeira assumiria o risco da ocorrência de sinistros decorrentes da atividade do segundo (responsabilidade civil profissional), nos termos constantes do documento intitulado apólice n.º ............22, junto aos autos a fls. 150 (anexo documental) e que aqui se dá por transcrito, suportando a indemnização eventualmente devida a terceiros lesados.

Factos não provados:

62 – Eliminado pela Relação.

63 – O aparelho de ureteroscopia, por ação mecânica da sua extremidade, provocou uma lesão iatrogénica.

64 – Se à autora tivesse sido descritivamente explicado o risco de eventual rutura do canal excretor, referido na al. b) do ponto 53 – factos provados –, e a probabilidade estatística da sua ocorrência e consequências, jamais teria aceitado submeter-se à intervenção cirúrgica levada a cabo pelo réu.


**


III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO

Dado serem similares algumas das questões suscitadas pelos recorrentes, por uma questão de coerência, racionalidade e economia, proceder-se-á à sua apreciação conjunta, iniciando-se pelas questões que se apresentam como antecedente lógico sobre as demais.

I. Do invocado erro de direito na apreciação da responsabilidade do réu na vertente de responsabilidade por violação de consentimento informado por falta de causa de pedir – o que os RR invocam como “questão prévia”

Invocam os réus (FUNDAÇÃO ENSINO E CULTURA FERNANDO PESSOA e BB), como “Questão Prévia”, que a responsabilidade civil dos réus por violação do dever de informação não se encontra devidamente alegada na petição inicial pelo que a sua responsabilidade, a existir, apenas pode ser fundada em responsabilidade médica por violação de leges artis, ao contrário do que o acórdão recorrido faz.

Sem razão, porém.

Sempre que as partes dirigem uma pretensão junto de um tribunal impõe-se-lhes expor toda a situação de facto na qual fundamentam a sua pretensão jurídica.

Nos termos do art. 581.º, n.º 4, do CPC, a causa de pedir integra os factos da vida real, os quais, depois de provados, o tribunal considere que são hábeis a desencadear os efeitos jurídicos pretendidos pela parte.

Ao autor, na prossecução da sua pretensão jurídica, é imposto o ónus de alegar os factos essenciais da sua pretensão jurídica, ou seja, os factos constitutivos do direito por si invocado, sob pena de se considerar a ineptidão da petição inicial (cfr. art. 186.º do CPC).

Ora, o que o recorrente refere é que o Autor invoca uma alegação incompleta ou deficiente, não referindo a inexistência de uma ausência total de alegação. De facto, o que os réus recorrentes referem é tão somente que (…) a responsabilidade civil por violação do dever de informação não se encontra devidamente alegada em sede de petição inicial (…) a Autora apenas invoca de forma abstrata na sua petição inicial que “jamais tendo o 2º Réu informado ou advertido a A., para a possibilidade de no decurso, ou por causa da intervenção cirúrgica, se virem a verificar quaisquer complicações e muito menos daquelas que efetiva e, infelizmente, se vieram a constatar e que supra se deixaram relatadas, (…) sendo certo que a A., caso tivesse sido informada de tal possibilidade, jamais teria aceitado submeter-se à intervenção cirúrgica levada a cabo pelo 2º Réu, nos termos em que o foi.”.

E não é a circunstância de não constar dos temas da prova um tema que refira o consentimento informado que nos leva a concluir que a autora não fundou (também) a sua pretensão jurídica na responsabilidade médica por violação do consentimento informado. Como os réus reconhecem, a autora alegou nos arts. 88.º e 89.º da petição inicial o núcleo mínimo essencial de facto para ver apreciada este tipo de responsabilidade médica – isto é (repete-se), que “jamais tendo o 2º Réu informado ou advertido a A., para a possibilidade de no decurso, ou por causa da intervenção cirúrgica, se virem a verificar quaisquer complicações e muito menos daquelas que efetiva e, infelizmente, se vieram a constatar e que supra se deixaram relatadas, (…) sendo certo que a A., caso tivesse sido informada de tal possibilidade, jamais teria aceitado submeter-se à intervenção cirúrgica levada a cabo pelo 2º Réu, nos termos em que o foi.”.

É certo que os temas da prova são o núcleo das matérias a decidir; mas são os factos alegados pelas partes que vão ser considerados provados ou não na sentença e ser tidos em conta para a procedência ou não da pretensão jurídica da autora. E, como referido e demonstrado, a autora alegou factos pertinentes e essenciais à apreciação da pretensão que deduziu atinente à responsabilidade médica (também) com sustento na violação do consentimento informado.

Quer na sentença, quer no acórdão recorrido, é feita uma apreciação da pretensão da autora quer com base na responsabilidade médica resultante da violação do consentimento informado, quer com base na violação das leges artis, porquanto a autora alegou o núcleo factual mínimo que permite a apreciação da sua pretensão jurídica à luz daqueles dois fundamentos.

Na sentença, a pretensão da requerente foi apreciada à luz do segundo fundamento referido (na violação das leges artis) e considerada improcedente porquanto (…) encontra-se provado que o réu não esclareceu a autora sobre o possível, embora altamente improvável, processo que teve o seu epicentro no quadro de coagulação intravascular disseminada. No entanto, este risco, pela elevadíssima implausibilidade da sua concretização, não se inscreve no perímetro do dever de esclarecimento. Este dever não deve ser observado farisaicamente, limitando-se o médico a dizer que, como em qualquer cirurgia, podem ocorrer processos aberrantes que conduzem à morte. A não descrição prévia do processo que teve desfecho acima descrito não constitui um ato ilícito, por não representar uma violação do dever de esclarecimento”; já no acórdão recorrido se apelou ao primeiro fundamento referido supra (violação do consentimento informado), ali se considerando que ocorreu violação do dever de informação por parte do réu, uma vez que “A autora não foi informada dos riscos concretos da cirurgia a que aceitou se submeter e não foi advertida do risco acrescido que implicava a remoção dum cálculo renal de grandes dimensões, nomeadamente aqueles que são reconhecidos pelo Colégio da Especialidade de Urologia da Ordem dos Médicos, (…) Não tendo o 2º réu informado devidamente a autora dos riscos associados ao procedimento médico que se propôs executar, o consentimento da autora não se mostra prestado de forma esclarecida. A falta de informação quanto aos riscos associados, impossibilitou a autora de refletir e decidir.

No caso era dever do médico informar a autora da existência de meios alternativos, como aquele a que mais tarde a autora se veio a submeter e permitindo uma ponderação conjunta dos riscos associados a cada um deles, para permitir que a autora prestasse o seu consentimento de forma devidamente esclarecida, o que não aconteceu.

Não ocorrendo tal, o consentimento é ineficaz, significando que a autuação do médico será ilícita por violação do direito á autodeterminação e correm por sua conta os danos derivados da intervenção não autorizada.”.

Temos, portanto, que se mostra devidamente alegada pela autora a responsabilidade médica por violação do consentimento informado, cabendo ao tribunal apreciar, se, em face da factualidade que resultou provada, há, ou não, responsabilidade dos réus com as respectivas consequências.

Aliás, à autora apenas se impõe alegar genericamente a violação do consentimento informado por banda do médico, pois é ao prestador do cuidado de saúde que compete o ónus de provar, enquanto excepção peremptória impeditiva do direito da autora (ut cfr. art. 342.º, n.º 2 do CC), a existência do consentimento informado do paciente acerca dos riscos5.

Assim decai a argumentação dos réus: a autora alegou devidamente o núcleo mínimo factual necessário para que apreciada a responsabilidade médica dos réus com fundamento na violação do dever de consentimento informado.

I. Do invocado erro de direito na apreciação da responsabilidade do 2.º réu no âmbito da responsabilidade civil contratual.

Alega a interveniente Ageas que o acórdão recorrido padece de erro de direito ao enquadrar a actuação do 2.º réu no âmbito da responsabilidade civil contratual, pois foi tão só com a 1.ª ré que a autora celebrou um contrato de prestação de serviços, tendo o 2.º réu actuado, no cumprimento das suas funções, ao serviço e sob a direcção da 1.ª ré, não tendo a autora qualquer intervenção na escolha/atribuição do médico que a consultou.

Considerou o acórdão recorrido: “Foi assim celebrado um contrato de prestação de serviços médicos, na modalidade de “contrato total”, com a 1ª ré, tal como se refere na sentença, no sentido em que o contrato celebrado engloba um contrato de prestação de serviços médicos, através de médico por si incumbido, com disponibilização das instalações e prestação de serviços de internamento (que envolvem prestação de serviço médico e paramédico).

A cirurgia foi efetuada pelo 2º réu assessorado por uma equipa cirúrgica ao serviço da ré, médico esse que propôs se realizar a cirurgia e a autora aceitou.

(…)

Com efeito, estando em causa direitos absolutos, como o direito à vida ou à integridade física, oponíveis por isso erga omnes a atuação incorreta e danosa da intervenção médica pode ser vista também como violadora daqueles direitos e nessa medida integradora da responsabilidade extracontratual, desde logo quando a responsabilidade não derive de contrato.

Qualquer, porém, que seja a responsabilidade civil que impende sobre o lesante ela traduz se numa obrigação de indemnizar, ou seja de reparar os danos sofridos pelo lesado.

(…)

Neste tipo de casos, a regra deve ser a da responsabilidade contratual do médico, constituindo a responsabilidade extracontratual a exceção que ocorre, normalmente, apenas quando o médico atua num quadro de urgência, em que, por força das circunstâncias, inexiste acordo do doente para a sua intervenção.

Com efeito, à relação médico/doente está hoje subjacente, no comum dos casos, um vínculo de natureza contratual e mesmo que concorram na negligência médica a responsabilidade contratual e extracontratual este concurso deve ser resolvido no sentido da prevalência da responsabilidade contratual, por ser a mais adequada à defesa dos interesses do lesado. Aliás, em prejuízo do eventual concurso da responsabilidade extracontratual e contratual, a doutrina e a jurisprudência sempre consideraram este último regime como o aplicável por se mostrar “mais conforme ao princípio geral da autonomia privada e por ser, em regra, mais favorável ao lesado.”

(…)

Em apreço nos autos perfila-se um contrato de prestação de serviços médicos entre a autora e a 1ª Ré, devendo igualmente ser enquadrado na responsabilidade civil contratual a relação da autora com o 2º Réu, já que a autora aceitou que fosse aquele o médico que lhe havia sido indicado pela 1ª Ré, o médico que iria executar a cirurgia, o qual foi assessorado por uma equipa de cirúrgica ao serviço da primeira ré. Estamos ainda seguramente no domínio da responsabilidade contratual.

Ambas as partes contrataram a execução de um serviço, que consistia na remoção de um cálculo renal à autora.

Não se oferecem, pois, dúvidas de que a responsabilidade em causa se insere no domínio da responsabilidade contratual.”.

No que tange a esta matéria, foi proferida a seguinte Declaração de Voto (que, diga-se, não é um voto de vencido relativamente à decisão final prolatada): “À luz da factualidade julgada provada, entendo que a responsabilização do co-réu, médico, ante a autora, paciente, apenas poderá fundar se em responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, e não, como fez vencimento no acórdão, em responsabilidade contratual, pela simples razão de que entre a paciente e o médico nenhum contrato foi celebrado. A autora celebrou, sim, contrato com a co-ré Fundação (Hospital), resultando para esta o dever de indemnizar a autora, por incumprimento contratual, desde logo por não ter logrado ilidir a presunção de “culpa” estabelecida no art. 799.º, n.º 1, do CCivil.

A atuação do co-réu, médico, enquanto trabalhador assalariado da co ré, Fundação, ainda que convoque a norma do art. 800.º, n.º 1, do Civil “O devedor é responsável perante o credor pelos atos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais atos fossem praticados pelo próprio devedor” -, em nada leva a questionar no caso a efetiva responsabilização do Hospital nos ditos termos.

Com efeito, como bem observa MENEZES CORDEIRO, Código Civil Anotado, II, Das Obrigações em Geral, 2021. p. 1029, [O 800.º/1 apenas dispõe que a intermeação de um representante legal ou de um auxiliar não justifica um não cumprimento. A responsabilidade resultante do art. 800.º/1 é, nesse sentido, comum. O devedor não é atingido por esse preceito, mas pelo artigo 799.º/1.

Cabe-lhe ilidir a presunção de “culpa” dele resultante, recorrendo a qualquer outro esquema que não o da presença de representantes legais e auxiliares”.

Quanto aos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, ante a atuação do co-réu, médico, entendo que a factualidade apurada é adequada e suficiente a concluir pela sua verificação, mas apenas na vertente do "consentimento informado", e pelas razões expendidas no acórdão, afigurando se me, por outro lado, em dissonância com o entendimento que fez vencimento, não ter resultado suficientemente demonstrada a falta de cuidado do 2.ª réu, médico, na escolha do procedimento cirúrgico que acabou por ser adotado.

Em resumo, a meu ver, existe dever de ambos os réus indemnizarem a autora pelos danos sofridos em consequência do ato médico em causa, embora com fundamento em responsabilidade contratual no que concerne à 1.ª ré, Fundação, e em responsabilidade extracontratual por facto ilícito no que respeita ao 2.º réu, médico.".

Que dizer?

Parece que dúvidas não restam de que a responsabilidade da entidade hospitalar, ora 1.ª ré, é uma responsabilidade contratual, uma vez que a autora celebrou com a 1.ª ré um contrato de prestação de serviços (facto provado 8).

Também parece certo que a entidade hospitalar, 1.ª ré, é responsável perante a autora pelos actos das pessoas que utiliza para o cumprimento da sua obrigação, isto é, os actos praticados pelo 2.º réu como se fossem actos por si praticados (ut art. 800.º, n.º 1, do CC – factos provados 1 a 8).

A interrogação que, antes de mais, nos surge prende-se com a responsabilidade do 2.º réu, médico contratado pela 1.ª ré e a exercer funções na entidade hospitalar explorada pela 1.ª ré.

Diga-se, antes de mais, que a responsabilidade do 2.º réu poderá ser uma responsabilidade própria e pessoal perante a autora de natureza delitual, nos termos dos arts. 483.º e ss. do CC, porquanto violadora de deveres de protecção para com a paciente, sendo que sempre que ocorra lesão do direito à integridade física verifica-se a responsabilidade aquiliana do médico para com a paciente.

Na jurisprudência deste STJ assiste-se a uma corrente maioritária que entende que existe uma situação de concurso de responsabilidade civil contratual e extracontratual, sendo de optar pelo regime da responsabilidade contratual, em virtude do princípio da autonomia privada, e também porque deste modo é assegurada uma maior proteção aos lesados, por exemplo no que toca ao prazo mais longo de prescrição (art. 309.º do CC) e ao ónus da prova da culpa (art. 799.º, n.º 1, do CC).

Tem-se, de facto, entendido que o lesado se pode aproveitar quer da tutela contratual, quer da tutela que advém da responsabilidade extracontratual, uma vez que está em causa a violação de direitos fundamentais de personalidade (a integridade moral e pessoal, o livre desenvolvimento da personalidade, a saúde, a integridade física e psíquica), dessa forma podendo o lesado optar pelo regime que lhe for mais favorável6.

Porém, no sentido em a responsabilidade civil por actos médicos da entidade hospitalar e do médico é distinta em termos de configuração jurídico-normativa, sendo em casos semelhantes ao presente entendido que a entidade hospitalar responde nos termos da responsabilidade civil contratual e o médico responde nos termos da responsabilidade civil aquiliana, porquanto não celebrou qualquer contrato com o paciente, pode ver-se os Acs. do STJ de 08-09-2020, Revista n.º 148/14.4TVLSB.L1.S17 e de 12-01-2022, Revista n.º 1616/11.5TVLSB.L1.S18.

NUNO PINTO DE OLIVEIRA9 defende que deverá ser encontrado um regime que englobe os pontos de cada uma das responsabilidades civis, de acordo com o caso concreto. E explica: O direito da responsabilidade civil pressupõe uma diferença, de quando ou quando qualificada como irredutível, entre as responsabilidades contratual e extra-contratual. O aplicador do direito deverá então adaptar os regimes gerais das duas responsabilidades ao caso especial da responsabilidade civil dos médicos, construindo um sistema coerente (..). O STJ, designadamente num acórdão de 1 de Outubro de 2015 (…), reconhece o princípio da coerência ou da unidade (do sistema) da responsabilidade civil dos médicos, referindo-se à “necessidade de ultrapassar [a] distinção e as diferenças de regime que, pelo menos num ponto central - o ónus da prova da culpa do lesante -, se encontram na regulamentação genérica de uma e outra modalidades de responsabilidade civil”. (…)

Entendendo-se, como deve entender-se, que responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual são os dois extremos de um continuum, a pretensão indemnizatória há-de estar sempre sujeita a um regime sistemática, teleológica e valorativamente adequado ao caso, construído (i) ou a partir do regime da responsabilidade contratual, (ii) ou a partir do regime da responsabilidade extracontratual, (iii) ou a partir de uma combinação dos regimes das duas responsabilidades.

Os pontos de contacto entre o caso da responsabilidade civil dos médicos e os dois tipos fundamentais de responsabilidade civil, contratual e extracontratual, depõem em favor de que o regime da responsabilidade civil dos médicos seja construído a partir de uma combinação dos dois regimes concorrentes. Entre os corolários da combinação está, p. ex. o de que a responsabilidade da clínica ou do médico por (f)actos próprios deverá ficar sujeita ao art. 799.º, n.º 1, do Código Civil e o de que a responsabilidade da clínica ou do médico por (f)actos dos auxiliares deverá ficar sujeita, simultaneamente, aos arts. 500.º, n.ºs 1 e 3, e 800.º, n.º 1: deverá ficar sujeita ao art. 800.º, n.º 1, do Código Civil para que a clínica ou o médico possa ser responsabilizado por (f)actos de auxiliares independentes; deverá ficar sujeita ao art. 500.º, n.ºs 1 a 3, para que a clínica ou o médico possam ser responsabilizados solidariamente. Entre o prazo longo do art. 309.º do Código Civil, de vinte anos, e o prazo curto do art. 498.º, de três anos, estamos convencidos de que deve dar-se alguma preferência ao segundo - ao prazo de três anos.

RUTE TEIXEIRA PEDRO10, por seu lado, entende que, regra geral, a responsabilidade do médico é contratual, porquanto entre o médico e o consumidor é estabelecido um contrato de prestação de serviços. Mas desta regra excluem-se as situações em que o consumidor celebra o contrato de prestação de serviços com uma clínica, sendo que nesta situação o médico que presta serviços ou trabalha na clínica apenas responderá, perante o consumidor, nos termos da responsabilidade aquiliana. O mesmo acontece nas situações em que o autor do facto ilícito é um membro de uma equipa vasta, em que o contrato apenas foi celebrado com o chefe de equipa.

ÁLVARA DA CUNHA GOMES RODRIGUES11 defende, na linha do Prof. MÁRIO JÚLIO ALMEIDA COSTA, que existe um concurso aparente de responsabilidade extracontratual e contratual, porquanto o regime da responsabilidade contratual consome o regime da responsabilidade extracontratual.

Delineados assim os contornos jurisprudenciais e doutrinários acerca da responsabilidade civil médica, impõe-se atentar na factualidade provada para decidir esta questão.

Ora, perante esta, cremos que relativamente à responsabilidade do 2.º réu médico estamos perante a co-existência de responsabilidade contratual (pois de acordo com os factos provados 5 a 8, o 2.º réu propôs à autora a remoção do cálculo renal, podendo o próprio efectuar a referida intervenção, o que a autora aceitou, após proposta de orçamento apresentada pela 1.ª ré) e extracontratual (por violação da integridade física da autora – ruptura do canal excretor – através de procedimento médico – ureterorrenoscopia com fragmentação por laser de cálculo renal ao nível do bacinete esquerdo e colocação de cateter duplo J esquerdo – ou violação do dever de consentimento informado - factos provados 9 a 12 e 53 a).

Cientes da discussão em torno do cúmulo ou consumpção destas responsabilidades – e não olvidando que o contrato em causa é um contrato de prestação de serviços, nos termos do art. 1154.º do CC, em que, no caso dos cuidados de saúde, não se exige ao médico um resultado, mas antes recai sobre o dever de promover a cura do doente ou a restituição da saúde do paciente, obrigando-se o médico a empreender todos os meios adequados a alcançar aquele resultado. Daí tratar-se tão só de uma obrigação de meios, porquanto o médico não se encontra vinculado a alcançar o resultado pretendido pelo paciente12 – , consideramos que – no seguimento da posição maioritária da jurisprudência do STJ e, segundo cremos, também maioritária da doutrina – deverá prevalecer a responsabilidade contratual do médico, por ser aquela que se mostra “mais conforme ao princípio geral da autonomia privada e por ser, em regra, mais favorável ao lesado”, conforme considerado no acórdão recorrido e no seguimento da jurisprudência maioritária deste STJ.

Aplicamos, desta forma, o princípio da consumpção, de acordo com o qual o regime da responsabilidade contratual consome o da extracontratual, por se mostrar a solução mais ajustada aos interesses do lesado e também a mais conforme com o princípio geral da autonomia privada.

Em suma: por força do princípio da consumpção, uma vez que tal conduz à possível coexistência da responsabilidade contratual e extracontratual do 2.º réu, tendemos, neste primeiro argumento atinente ao pressuposto da ilicitude, em qualificar a sua responsabilidade como contratual, bem como a da 1.ª ré, nada se os afigurando apontar, neste conspecto, ao acórdão recorrido.

2. Do alegado erro de direito quanto ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil médica

Invocam os Réus que os pressupostos da responsabilidade civil por violação de leges artis, ilicitude e culpa, não se mostram preenchidos, porquanto a escolha do procedimento médico foi a correcta, tendo em conta os padrões científicos actuais. Dizem que se é certo que posteriormente à primeira intervenção se optou por um procedimento cirúrgico alternativo – nefrolitotomia percutânea – para remoção do restante cálculo renal, tal procedimento foi adoptado, não porque fosse o procedimento mais adequado ao estado clínico da Autora e respectiva ocorrência do dia 14.10.2015, mas porque se estava perante um quadro clínico diferente.

Ou seja, alegam os RR que não resulta provado que o procedimento mais invasivo evitaria a sujeição da autora ao risco das complicações surgidas na cirurgia, pois nenhum médico tem o dom da adivinhação. Pelo que, uma vez que inexiste prova da desadequação da cirurgia, resta concluir que a escolha do procedimento foi o adequado e o compatível com a evolução dos meios tecnológicos de cirurgia minimamente invasiva, segundo as guidelines internacionais e os padrões científicos actuais. Infelizmente ocorreu a ruptura do canal excretor, mas tal não pode ser imputado à actuação do 2.º réu, que não adoptou qualquer comportamento desviante face às leges artis.

E relativamente ao consentimento livre e esclarecido, acrescentam os RR que o tratamento proposto e realizado é um dos tratamentos possíveis para debelar o estado clínico da autora, sendo o menos invasivo e o procedimento que as actuais regras médicas internacionais ditam executar, em detrimento da nefrolitotomia percutânea (cfr. facto 50º da matéria assente); que os riscos descritos no ponto 53º da matéria provado foram considerados como “possíveis”, não tendo resultado provado que os mesmos fossem riscos previsíveis e frequentes, pelo que não estamos perante riscos significativos que tivessem de ser comunicados, ponto por ponto, à autora. Daí concluírem que perante a gravidada da lesão – que impunha uma intervenção célere para impedir a progressão da doença que a autora apresentava, cujo tratamento escolhido foi o adequado – , a autora teve de parte do médico que escolheu a informação necessária à prestação do consentimento livre e esclarecido.

Alega, sua vez, a interveniente: a responsabilidade do 2.º réu deve ser apreciada à luz dos pressupostos da responsabilidade extracontratual; o 2.º réu fez um correto diagnóstico da condição clínica da autora (facto 45), e que se impunha uma rápida remoção do cálculo para preservação da saúde e vida da Autora (factos 46 e 47), pois que sem o devido tratamento, existia o risco de perda total da função renal da Autora (facto 48). Não resulta dos factos provados que a opção pela nefrolitotomia percutânea fosse o mais adequado ao estado clínico da autora, não sendo este um procedimento isento de potenciais complicações. Se é verdade que ocorreu a ruptura do canal excretor da autora, não ficou provado que essa ruptura tenha ocorrido em virtude de errada execução de procedimento do 2.º réu, inexistindo assim qualquer comportamento ilícito por banda do 2.º réu, sendo que cabia à autora a prova da culpa do 2.º réu, o que também não logrou concretizar.

Ora – continua – , não resulta dos factos provados que a autora tivesse manifestado discordância ou dúvidas sobre o procedimento escolhido pelo 2.º réu. E igualmente não resulta provado que a Autora pudesse estar insegura com os esclarecimentos prestados pelo 2.º Réu e que tenha procurado uma segunda opinião médica: os riscos elencados nos factos 53 e 59A são riscos inerentes a qualquer procedimento cirúrgico de remoção de massa litiásica e não apenas do procedimento de ureterorrenoscopia com fragmentação por laser de cálculo renal, pelo que não era o procedimento cirúrgico em concreto que poderia impor uma informação com tal amplitude. Mesmo que a autora tivesse sido informada da possibilidade de ocorrência da rutura do canal excretor, que foi o único ato praticado pelo 2.º réu, ainda que não ilicitamente ou de forma culposa, não significa que fosse informada da possibilidade de ocorrência de todos os fenómenos e complicações das quais veio posteriormente a sofrer. E, também não resultou provado que à autora tivesse sido descritivamente explicado o risco de eventual ruptura do canal excretor e a probabilidade estatística da sua ocorrência e consequências, jamais teria aceitado submeter-se à intervenção proposta pelo 2.º réu, pelo que não se pode concluir pela existência de uma relação de causalidade.

Que dizer?

A responsabilidade civil, seja contratual ou extracontratual, apresenta como pressupostos, nos termos do arts. 483.º e 798.º e ss. do CC: a) um facto que se traduz num comportamento voluntário do lesante; b) a ilicitude (resultante da violação do direito de outrem ou de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios); c) a culpa (a qual é aferida pela diligência de um bom pai de família, ou seja pela diligência de uma pessoa sem especiais qualidades ou perícia); d) O dano (a ofensa de bens ou interesses alheios tutelados pela ordem jurídica); e e) O nexo de causalidade e adequação entre o facto e o dano.

Sempre que se verifique concorrência ou coexistência de responsabilidade extracontratual e contratual, conforme supra explicitado, opera-se, através da consumpção, a prevalência do regime da responsabilidade contratual, por ser o mais favorável à autora, em face da presunção de culpa prevista no art. 799.º do CC.

Como igualmente observado supra, a responsabilidade civil médica pode estar alicerçada na violação da leges artis ou erro médico e/ou na violação do consentimento informado13.

3.1. Da violação da leges artis

Como referido no citado Ac. do STJ de 14-12-2021, na acção de responsabilidade médica por violação da leges artis visa-se salvaguardar a saúde e a vida do paciente, ao passo que na violação do consentimento informado o bem jurídico tutelado é a autodeterminação nos cuidados de saúde.

É entendimento corrente que a obrigação a que o médico se vincula perante o paciente – ressalvados, naturalmente, os casos em que garante a obtenção de determinado resultado – , é uma obrigação de meios, pois consiste em lhe proporcionar os melhores e mais adequados cuidados ao seu alcance, de acordo com a sua aptidão profissional e “em conformidade com as leges artis e os conhecimentos científicos actualizados e comprovados” ao tempo da prestação14. Ou seja, o médico não responde pela obtenção de um determinado resultado, mas pela omissão ou pela inadequação dos meios utilizados aos fins correspondentes à prestação devida em função do serviço que se propôs prestar.

E – diga-se, desde já – , não estando em causa a prestação de um resultado, não será suficiente alegar e demonstrar a não obtenção de um certo resultado ou a verificação de um resultado diferente do esperado para que exista incumprimento ou cumprimento defeituoso, pois que a violação da obrigação reside sempre na prática deficiente/defeituosa do acto ou na abstenção da prática de actos exigidos pela situação clínica do doente. O que se exige, sob pena de violação do dever jurídico que enforma a sua prestação, é que o médico actue em conformidade com essas regras e actue com diligência normal.

Tal qual definido no já citado Ac. do STJ de 07-03-201715, ocorre erro médico na prossecução dessa obrigação de meios desde que o acto da “competência funcional de um profissional de medicina” se mostre “descaracterizado e desadequado aos fins que a ciência e a arte da medicina injungiam para a debelação ou minoração de um padecimento previamente diagnosticado e reconhecido pela cognoscibilidade da ciência médica”. Neste aresto explica-se com bastante acuidade as várias vertentes do erro médico: “Afastando os casos e situações em que a acção ou omissão de um profissional da medicina pode ser qualificada como intencional ou dolosa, o erro médico pode revelar-se numa tríptica perspectiva comportamental: imprudência, imperícia e negligência.

(…) a negligência, consistiria em levar a efeito uma acção, ou abster-se de realização de uma conduta positiva, que, segundo as regras, metodologias e conhecimento da ciência médica (relativamente ao caso), deveriam ter sido encetadas, processadas e concretizadas na situação concretamente reconhecida e avaliada.

Já no caso de uma acção ou omissão imprudente, o autor leva a efeito, ou omite, uma acção que, tendo presente a avaliação do caso concreto, não deveria, segundo a arte da medicina, ser levado a cabo ou omitido.

No que concerne à perícia, ou ausência de um adestramento e manuseamento das técnicas da ciência médica, ajustadas e adequadas à situação diagnosticada e conhecida, a acção, ou omissão, de um profissional de medicina deve ser aferido pela inconveniente e inapropriada administração de meios de diagnóstico para avaliação do estado de morbidez do paciente e/ou, malgrado uma correcta avaliação e reconhecimento da doença uma intervenção desviada, descompassada e desconchavada do correcto e reconhecido meio para fazer cessar ou minorar o estado de doença do sujeito passivo.

Naturalmente que, tratando-se a medicina de uma ciência tendencialmente exacta – ao que é possível constatar cada vez menos exacta –, o erro médico não pode ser confundido com a imprevisibilidade – que pode resultar da acção médica, da deficiência ou incorrecta extensão da doença, da impossibilidade de terem sido detectadas elementos desconhecidos e não abrangidos, por exemplo pelos exames de diagnóstico, etc. – ou com factores estranhos e/ou desconhecidos da ciência da medicina.”.

Concluindo este acórdão que “O erro médico resulta quase sempre de um inadequado e incorrecto exercício, manuseamento de conhecimentos, teórico-práticos, da ciência médica e de que, naturalmente, resulta, na maior parte das situações em que se precipita, num dano para o corpo, para a saúde e para a vida das pessoas que o repercutem na sua esfera vivencial”.

Destacamos a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina, vigente em Portugal desde 01-12-2001, que no art. 4.º dispõe que “Qualquer intervenção na área da saúde, incluindo a investigação, deve ser efetuada na observância das normas e obrigações profissionais, bem como as regras de conduta aplicáveis ao caso concreto”.

E, bem assim, o Regulamento de Deontologia Médica da Ordem dos Médicos, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 21/07/2016, que no seu art. 5.º estatui que “o médico que aceite o encargo ou tenha o dever de atender um doente obriga-se à prestação dos melhores cuidados ao seu alcance, agindo sempre com correcção e delicadeza, no intuito de promover ou restituir a saúde, conservar a vida e a sua qualidade, suavizar os sofrimentos, nomeadamente nos doentes sem esperança de cura ou em fase terminal, no pleno respeito pela dignidade do ser humano”. E no art. 10.º, n.º 1, prevê que “O médico deve abster-se de praticar atos que não estejam de acordo com as leges artis.”.

Conforme se explica no Ac. do STJ de 26-04-2016, Revista n.º 6844/03.4TBCSC.L1.S116, a responsabilidade médica “por violação das leges artis tem lugar quando, por indesculpável falta de cuidado, o médico deixe de aplicar os conhecimentos científicos e os procedimentos técnicos que, razoavelmente, face à sua formação e qualificação profissional, lhe eram de exigir: a violação do dever de cuidado pelo médico traduz-se precisamente na preterição das leges artis em matéria de execução da sua intervenção”.

Nas palavras do acórdão do STJ de 15-12-2020, Revista n.º 765/16.8T8AVR.P1.S117, é ónus da autora, na qualidade de credora, “provar a falta de cumprimento do referido dever objetivo de cuidado na actuação técnica como fundamento de ilicitude na responsabilidade contratual médica (art. 342º, 1, CCiv.) – nele incluindo a obrigação omissiva de não afectar a sua integridade física e saúde –, (…); sobre o médico, na qualidade de devedor, recai o ónus de (contra-)provar (arts. 342º, 2, 346º, CCiv.) a inexigibilidade de comportamento contrário ao adoptado, em actuação conforme com as leges artis, a fim de afastar a responsabilidade (actuação não ilícita ou justificada; actuação sem ser causa do dano ocorrido; ilidir a presunção da culpa, nos termos do art. 799.º do CCiv.),”.

Uma vez efectuada a prova da violação das leges artis por parte do médico, estamos perante a presunção de culpa do cumprimento defeituoso, cfr. arts. 798 e 799.º do CC.

Ou seja, neste tipo de responsabilidade, tem de ser provado pelo paciente que certo tratamento ou intervenção foram omitidos ou que os meios utilizados foram deficientes ou errados – determinação dos actos que deviam ter sido praticados e não foram, do conteúdo do dever de prestar - e, por tal ter acontecido, em qualquer fase do processo, se produziu o dano, ou seja, foi produzido um resultado que se não verificaria se outro fosse o acto médico efectivamente praticado ou omitido.

O mesmo é dizer que, quando se invoque tratamento defeituoso para efeito de obrigação de indemnizar fundada em responsabilidade contratual é necessário provar “a desconformidade (objectiva) entre os actos praticados e as leges artes, bem como o nexo de causalidade entre defeito e dano”18

Feita essa prova, então sim, funciona a presunção de culpa, a impor ao R., como condição de libertação da responsabilidade, que prove que a desconformidade (com os meios que deveriam ter sido usados) não se deveu a culpa sua (por ter utilizado as técnicas e regras de arte adequadas ou por não ter podido empregar os meios adequados), mas já não, por exemplo, que o evento danoso se produziu por causa estranha à sua actuação e/ou qual tenha sido essa causa.

Em suma: presume-se a culpa do cumprimento defeituoso, mas não o cumprimento defeituoso, ele mesmo.


*


Regressando ao caso sub judice, relativamente à responsabilidade médica com base em violação de leges artis, temos que a autora logrou provar que o 2.º réu, após consulta com a autora, na especialidade de urologia, lhe propõe proceder à remoção de cálculo renal, nas instalações da 1.ª ré, através de ureterorrenoscopia e fragmentação por Laser de cálculo renal, o que a autora aceitou – facto provado 6.

Mais ficou provado nos pontos 12, 13 e 14 que a execução da ureterorrenoscopia, com fragmentação por laser de cálculo renal, provocou uma ruptura no canal excretor, ao nível pielo-calicial, que permitiu o extravasamento de cerca de 5 litros de soro fisiológico, usado sob pressão, para o interior do abdómen, ficando este com abundante líquido e bolhas gasosas. E bem assim, na parte final da cirurgia na qual não foi fragmentado todo o cálculo -, a mesma teve de ser interrompida por a equipa médica ter constatado uma marcada distensão abdominal e perineal, pelo que a autora realizou de imediato uma TC, na qual se constatou a existência de volumosa quantidade de líquido intra-abdominal e intra-peritoneal.

Entendeu o acórdão recorrido:

“Da matéria de facto provada temos de concluir que objetivamente ocorreu uma lesão da integridade física da autora.

Com efeito, ficou demonstrado que a perfuração do canal excretor ocorreu durante e por causa da execução do contrato (na execução do ato médico que consistiu numa ureterorrenoscopia, com fragmentação a laser do cálculo renal).

Essa lesão, objetivamente configura a verificação do requisito da ilicitude, sendo que em sede de responsabilidade contratual implica que se mostra provado o incumprimento defeituoso do contrato.

A execução defeituosa, ou ilicitude, objetivamente considerada, abrange, como é consabido, uma omissão do comportamento devido, consubstanciado na prática de atos diferentes daqueles a que se estava obrigado.

(…)

Ora, no caso em apreço, verifica-se uma claríssima desproporcionalidade objetiva dos danos em relação à natureza da intervenção cirúrgica. De acordo com os factos provados, a partir de uma intervenção que não implicaria mais do que um dia de internamento, a situação degenerou numa situação em que a paciente esteve em risco de vida, teve de ser transportada para um serviço de Medicina Intensiva, vindo a ser submetida a mais 16 cirurgias em consequência da primeira, (estando ainda previstas mais duas) para tratamento das lesões dela decorrentes.

Ocorreu assim claramente uma desproporcionalidade objetiva dos danos em relação à natureza da intervenção cirúrgica.

Pelo exposto, mostra se assente a ilicitude, uma vez que ocorreu desrespeito do dever de proteção da integridade física do paciente durante a execução do contrato de prestação de serviços médicos.

Passando ao requisito da culpa, cabia às Rés afastar a presunção de culpa que se presume, nos termos do art. 799.º do C.Civil que dispõe que “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação, não procede de culpa sua.”

(…)

Não se apurou em concreto, como já foi referido, a causa da rutura do sistema excretor da aurora, que originou as lesões por esta sofridas, apenas havendo a certeza que tal rutura ocorreu durante a execução do procedimento médico e antes deste terminar.

(…)

Da análise da prova produzida, não obstante sobre a autora não recair o ónus da prova da culpa dos réus, estes não lograram afastar a presunção de culpa que sobre eles recaia, resultando da matéria de facto, a nosso ver, que ficou efetivamente sido demonstrada a ocorrência de culpa, na forma de negligência.

Da matéria de facto provada, pode retirar- se a conclusão de que terá ocorrido alguma imprudência, na adoção que terá sido “algo imponderada” do procedimento cirúrgico escolhido para o tratamento da concreta patologia diagnosticada à autora, o que se demonstrou ter sido um ato que fez aumentar o risco associado a este tipo de procedimentos.

Para fazermos esta firmação, baseamo-nos nos conhecimentos técnicos constantes do Parecer do Colégio da Especialidade de Urologistas da Ordem dos Médicos.

É certo que naquele parecer concluíram os médicos que “A atuação dos urologistas envolvidos foi adequada, não se identificando qualquer lesão iatrogénica, cumprindo com a leges artis e acompanhando sempre a doente, mesmo noutras instituições, como é seu dever ético e deontológico”.

Porém, esta conclusão baseia-se no pressuposto erróneo da não ocorrência da rutura do canal excretor, como resulta da resposta fornecida por aquele colégio à pergunta A, onde referem: “da consulta deste processo não é possível concluir que tenha havido rutura do sistema excretor por tal não ter sido visualizado em qualquer relatório de exame apresentado.”.

Ora, a ocorrência de tal rutura mostra-se devidamente demonstrada nos autos e constitui um facto incontrovertido, uma vez que tal facto não foi sequer impugnado por via de recurso.

Isto posto, de acordo com o depoimento de todos os médicos ouvidos, o cálculo renal da autora é considerado um cálculo de “grandes dimensões” (35mm). Tratava se ainda de um cálculo “coraliforme”, ou seja é um cálculo que não é recente, tendo resultado dum processo crónico desenvolvido ao longo de muito tempo, como foi explicado pelo médico da especialidade ouvido em julgamento (Dr. DD), podendo, por isso “a volumosa massa litiásica fragilizar o sistema excretor, nomeadamente na sequência de cólica renal recente”, como se pode ler no aludido parecer da Ordem dos Médicos, resultando ainda do mesmo que, um rim com dilatação crónica pela presença de cálculo de obstrução está estruturalmente mais frágil e como tal suscetível a rutura do sistema excretor.

Ora, considerando que, como resulta daquele parecer “mesmo em centros muitos experimentados”, a rutura do sistema excretor pode ocorrer no decurso da intervenção a que a autora foi submetida, e tendo se apurado que execução de ureterorrenoscopia com fragmentação por laser de cálculo renal implica a injeção sob pressão de abundantes quantidades de soro fisiológico no canal urinário durante a sua execução, coloca se a questão de saber se, em face da patologia concreta da autora, diagnosticada e revelada no TC a que se submeteu no hospital da 1ª ré, a opção pelo procedimento de execução de ureterorrenoscopia com fragmentação por de laser de cálculo renal seria o procedimento mais adequado, ou se deveria ter sido escolhido o método que veio a ser utilizado mais tarde na autora, em cirurgia de remoção do (mesmo) cálculo renal a que a autora foi submetida no Hospital ..., em 6 julho de 2017, através do qual foi removido o cálculo, através de nefrolitotomia percutânea, que decorreu sem complicações.

Apesar de poder ser considerado mais invasivo este último método, poderia ter evitado, como ficou demonstrado pela realização da segunda cirurgia de remoção do cálculo a que a autora se submeteu as múltiplas cirurgias (“invasivas”) a que a autora teve de se submeter para reparar as consequências daquele primeiro procedimento médico.

Significativa é, a nosso ver, a este respeito a declaração do médico urologista que interveio na primeira cirurgia de remoção do cálculo renal, o Dr. DD, que, quando perguntado se não deviam ter optado por outra cirurgia, respondeu que “á posteriori não tinha dúvidas”.

É certo que os médicos não têm o dom da “adivinhação”. Têm porém a obrigação, de exercerem a profissão de forma diligente e tecnicamente adequada às regras da arte médica.

Tem do o 2º Réu conhecimento prévio que a autora havia sofrido de cólica renal recente (diagnosticada uns dias antes no serviço de urgência da 1ª Ré) e que era muito volumosa a massa litiásica a remover, tudo indicando um sistema excretor fragilizado, a cautel a aconselharia a opção por um procedimento que apesar de poder ser considerado mais invasivo, evitaria a sujeição da autora ao risco das complicações surgidas na cirurgia, advertindo o colégio da especialidade que continua a ser “um risco muito elevado”.

O procedimento tem de ser escolhido em face do paciente concreto, daí entendermos que ficou demonstrada a falta de cuidado do 2º réu, na escolha do procedimento, que não revelou ser o adequado á concreta patologia sofrida pela autora.”.


*


Com o devido respeito, não sufragamos o raciocínio plasmado no acórdão recorrido, pois os factos não o sustentam.

Primeiro, cita o acórdão recorrido, desde logo, o Ac. do STJ de 01-10-201519, para justificar o preenchimento dos pressupostos facto voluntário e ilicitude, uma vez que ficou provado que a execução da ureterorrenoscopia, com fragmentação por laser de cálculo renal, pelo 2.º réu, provocou a rutura no canal excretor da autora.

Entendeu a Relação que se verificava a prática de um facto ilícito por dois motivos:

- por a perfuração do canal excretor ter ocorrido no decurso de uma intervenção cirúrgica (o que, a seu ver – e por si só – integra a lesão da integridade física da autora e bem assim o cumprimento defeituoso do contrato de prestação de serviços médicos celebrado entre as partes); e,

- pela não adopção pelo 2.º réu do método de intervenção cirúrgica mais apropriado, assim demonstrando falta de cuidado na escolha deste procedimento, que deveria ter sido a nefrolitotomia percutânea e não aquele que foi adoptado, pois a autora, posteriormente, foi sujeita a essa intervenção e viu o (excedente do) cálculo renal removido sem complicações.

Ora, a jurisprudência plasmada no citado Ac. do STJ de 01-10-2015 não é de aplicação directa ao caso dos autos, pois neste aresto do STJ estava-se perante uma intervenção com finalidade diagnóstico, ao passo que no presente caso a intervenção em crise apresenta finalidade terapêutica.

Situações, portanto, de todo diferenciadas.

NUNO PINTO DE OLIVEIRA20, a propósito do critério utilizado naquele aresto do STJ e acolhido em acórdão do Tribunal da Relação, mas (como dito) com contornos factuais bem distintos, explica-nos que Em relação às intervenções simples, cuja margem de erro seja irrelevante, não haverá grande problema prático em dizer que o critério da ilicitude é um critério referido ao resultado; em dizer-se que a ilicitude depende do desvalor do resultado, e só do desvalor do resultado; em relação às intervenções, simples ou complexas, cuja margem de risco seja relevante, há um problema, um grande problema prático em dizê-lo — coordenando os critérios da atribuição / de distribuição do ónus da prova da tipicidade, da ilicitude e da culpa, chegar-se-ia a um resultado insustentável: O réu, o médico, poderia ser condenado a indemnizar, ainda que o autor, que o doente, não provasse, sequer indiciariamente (!), que o réu não tinha adoptado a mais elevada medida de cuidado exterior.

Não podemos, assim, acolher a chamada à colação, nos presentes autos, da jurisprudência do Ac. do STJ de 01-10-2015, como fez o acórdão recorrido, porquanto, como dito, não estamos perante uma intervenção com finalidade de diagnóstico, mas antes uma intervenção com finalidade terapêutica.

Em segundo lugar, conclui ainda, o acórdão recorrido que o estado de saúde da autora aconselhava a que o 2.º réu tivesse optado pela realização de outro procedimento cirúrgico que não o adoptado; ou seja, que o 2.º réu demonstrou falta de cuidado na escolha deste procedimento, que deveria ter sido a nefrolitotomia percutânea e não aquele que foi adoptado, pois a autora, posteriormente, foi sujeita a essa intervenção e viu o cálculo renal removido sem complicações.

Não podemos concordar com este raciocínio que o acórdão recorrido adopta, porquanto em face dos factos provado o 2.º réu adoptou um dos procedimentos apropriados à remoção de cálculos renais, de acordo com as regras técnicas médicas actualizadas de boas práticas internacionalmente aceites e seguidas (leges artis), sendo este um tratamento menos invasivo que outros tratamentos alternativos disponíveis, designadamente, a nefrolitotomia percutânea (NLPC).

Não resultou provado, em momento algum, que o procedimento a que a autora foi sujeita na segunda vez, seria o tratamento adequado a ser-lhe aplicado, de acordo com o quadro clínico que autora apresentava antes daquela primeira intervenção.

Na verdade, logrou o 2.º réu provar (nos pontos 49 a 51), que i) O procedimento descrito no ponto 6 factos provados é um dos procedimentos apropriados à remoção de cálculos renais, de acordo com as regras técnicas médicas atualizadas de boas práticas internacionalmente aceites e seguidas (leges artis); ii) O tratamento sugerido pelo réu é menos invasivo do que os tratamentos alternativos disponíveis, designadamente, a nefrolitotomia percutânea (NLPC); e iii) Os exames pré operatórios prescritos e realizados pela autora são clinicamente adequados e revelaram o que consta do facto supra 4.

No caso, afigura-se que o 2.º réu adoptou o procedimento cirúrgico que se mostrava apropriado à remoção de cálculos renais, de acordo com as regras técnicas médicas actualizadas, sendo este menos invasivo que os tratamentos alternativos, pelo que nos resta concluir que actuou de acordo com as leges artis, na escolha do procedimento cirúrgico.

Na execução deste procedimento cirúrgico, apesar de ser uma das eventuais complicações adversas, não era expectável a ruptura do canal excretor, o que veio a ocorrer. Não estamos perante uma situação em que estivesse em causa o tratamento adequado, que, conforme ficou provado, era um dos tratamentos indicados.

Com efeito, a autora não logrou provar que o 2.º réu tenha errado no tratamento, que o mesmo não era o adequado à sua situação clínica, ou que o réu tenha negligenciado nos deveres a que estava obrigado.

São aqui de toda a pertinência as palavras de GÓMEZ RIVERO21, trazidas à colação no Ac. do STJ de 26-11-202022: “… não há que olvidar que a actividade médica é caracterizada pela circunstancialidade, o que significa que o êxito do resultado depende de vários factores, endógenos e exógenos, tais como o estado de saúde do paciente, antecedentes genéticos, factores imunológicos, aspectos de idiossincrasia, reações alérgicas, como factores internos e da perícia do médico, observância das leges artis, meios ao dispor no consultório ou local onde o acto médico foi levado a efeito, etc., como factores externos.”.

Percute-se na factualidade provada:

- O diagnóstico realizado pelo médico Réu foi o correto. (facto 45)

- Perante o diagnóstico descrito no facto 4, as regras técnicas médicas atualizadas prescrevem a rápida remoção do cálculo. (facto 46)

- Tal remoção era necessária à preservação da saúde e da vida da Autora. (facto 47)

- Não sendo tratado o cálculo renal, a probabilidade prevalente seria a da perda total da função renal (no rim afetado), podendo a autora acabar por vir a necessitar de hemodiálise para poder sobreviver. (facto 48)

- O procedimento descrito no ponto 6 – factos provados – é um dos procedimentos apropriados à remoção de cálculos renais, de acordo com as regras técnicas médicas atualizadas de boas práticas internacionalmente aceites e seguidas (leges artis). (facto 49)

- O procedimento escolhido é menos invasivo do que o tratamento alternativo, designadamente, a nefrolitotomia percutânea (NLPC); (facto 50)

- Os exames pré-operatórios prescritos e realizados pela autora são clinicamente adequados e revelaram o que consta do facto supra 4. (facto 51)

- Antes da intervenção cirúrgica, o réu explicou à autora o seu estado clínico, bem como os procedimentos que seriam adotados na cirurgia proposta, designadamente a sujeição a anestesia geral, assegurando-se de que esta não tinha dúvidas sobre a explicação dada. (facto 52)

Ora, perante este breve retrato factual, cremos não restarem dúvidas de que (diferentemente do entendimento do acórdão recorrido) a escolha do procedimento, realizada pelo réu médico, foi a correcta, inteiramente conforme os padrões científicos actuais.

O que é corroborado pelo teor do parecer do Colégio da Especialidade de Urologia, junto aos autos, onde se dá conta que “a litíase renal de grandes dimensões, tem múltiplas complicações nomeadamente sepsis, e insuficiência renal. A resolução cirúrgica de grandes massas litiásicas, é passível de múltiplas e potencialmente graves complicações, conforme amplamente descrito na literatura, nomeadamente, sepsis, hemorragia, ruptura dos sistema excretor, insuficiência renal, fistula arterio venosa, ect, que podem inclusive conduzir à morte do doente.

Atualmente, com a evolução dos meios técnicos de cirurgia minimamente invasiva, melhor controle anestésico e hemodinâmico, tem reduzido as complicações, tornando os procedimento potencialmente mais fáceis e com maior êxito, mas o potencial de complicações continua a ser muito elevado devendo os doentes ser informados dos risco que correm.” (cfr ponto 59º-A dos factos provados).

De onde se retira – como observam os RR na sua alegação recursiva – que a cirurgia de cálculos renais, independentemente do procedimento escolhido, tem múltiplas complicações e que a evolução dos meios técnicos, mormente de cirurgia menos invasiva, como é o caso da ureterorrenoscopia, com fragmentação a laser do cálculo renal, tem reduzido as complicações, pois há melhor controle anestésico e hemodinâmico e têm maior êxito. O que significa que, tendo em conta as guidelines internacionais e os resultados dos exames pré-cirúrgicos que não revelaram contraindicações à realização da cirurgia, nada fazia prever que viesse a ocorrer a ruptura do canal excretor e o subsequente descontrolo hemodinâmico que se revelou catastrófico.

Não está provado que o procedimento mais invasivo evitaria a sujeição da Autora ao risco das complicações surgidas na cirurgia. Tal não é sufragado pelo Colégio da Especialidade, pois o que refere é tão-somente que a remoção de grandes massas litiásicas tem muitas complicações e não que o método escolhido acarretaria mais complicações.

Aliás, no parecer do Colégio da Especialidade de Urologia pode mesmo ler-se que a rutura do canal excretor pode ocorrer espontaneamente na sequência da volumosa massa litiásica, bem como na sequência de procedimento cirúrgico, dada a fragilidade renal.

Portanto, tal rutura do canal excretor, em cálculos renais de grandes dimensões pode ocorrer independentemente do procedimento.

Em conclusão: não tendo ficado provada a desadequação da cirurgia levada a cabo pelo 2º Réu (bem antes pelo contrário), só podemos concluir que a escolha do procedimento foi o adequado e o compatível com a evolução dos meios tecnológicos de cirurgia minimamente invasiva, segundo as guidelines internacionais e os padrões científicos atuais. Donde se não poder imputar à actuação do médico urologista (aqui 2º réu) a ocorrência da ruptura do canal excretor, pois apesar de se tratar de uma complicação possível, conforme resulta dos factos provados (facto 59 A), não resulta demonstrado do elenco dos factos assentes que tal complicação fosse um risco, sequer, previsível.

Por conseguinte, não se vislumbrando má prática médica, tendo o médico 2º Réu aplicado as regras generalizadamente reconhecidas da prática e da ciência médica, teremos de concluir que usou de cuidado e, inexistindo a violação do dever de cuidado que caracteriza o tipo de ilícito negligente, a sua conduta não pode ser considerada ilícita, apesar do infeliz desenlace.

Como sublinha ÁLVARO DA CUNHA GOMES RODRIGUES23, «A observância das leges artis exclui, em princípio, o chamado erro médico, designadamente na sua modalidade, porventura a mais relevante de "erro de tratamento". Dizemos "em princípio" pois, se perfilharmos a noção amplíssima de erro médico (…) todo o erro em que incorre o médico no tratamento dos seus doentes, casos existem em que o erro é meramente acidental, inerente ao elevado risco do exercício da medicina, sem que se possa falar em qualquer violação das leges artis nem, tão pouco, em violação do dever objectivo de cuidado, pois apesar da maior diligência possível por parte do médico, existe sempre a possibilidade de um acidente imprevisível ou inevitável que não reflecte qualquer menosprezo pela observância das regras da arte médica».

Não se olvida que:

- O Código Deontológico da Ordem dos Médicos24 impunha ao médico o dever de prestar ao doente os melhores cuidados ao seu alcance25 e de actuar em conformidade com as leges artis26;

- a Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina (que foi ratificada por Portugal e entrou em vigor na ordem jurídica portuguesa, em 1 de Dezembro de 2001) impõe, no seu artigo 4º, sob a epígrafe "Obrigações profissionais e regras de conduta" que «Qualquer intervenção na área da saúde, incluindo a investigação, deve ser efectuada na observância das normas e obrigações profissionais, bem como das regras de conduta aplicáveis ao caso concreto.»;

- as leges artis, visando a realização correcta do acto profissional, são primacialmente regras profissionais (regras de arte) e só mediatamente regras que impõem deveres de diligência, já que não se concebe a realização correcta de um acto profissional, sem o cuidado devido27;

- como sublinha HELENA MONIZ28 "Também no âmbito da actividade médica/clínica a eventual responsabilidade penal por negligência deve fundamentar-se na realização de uma conduta com violação de um dever objectivo de cuidado, na realização de uma conduta diferente da conduta devida e esperada. Tem de ser provado que, se o dever de cuidado tivesse sido cumprido, o resultado não se teria produzido, ou teria sido possível evitar a sua produção; e que

- no âmbito da prática médica, a avaliação do dever de cuidado devido e esperado deve ter em conta não só as regras deontológicas, mas também as guidelines e orientações do colégio da especialidade. A que acresce um outro elemento delimitador do dever de cuidado – o princípio da precaução, enquanto meio complementar de averiguação da conformidade da conduta com o cuidado devido. A violação deste cuidado é relevante dado que o fim com que a actividade foi realizada é irrelevante para o preenchimento do tipo de ilícito negligente. Isto é, uma vez realizada a conduta com clara violação do dever de cuidado estamos perante uma conduta típica.

Porém, de todo o plasmado supra, não se vislumbra como imputar responsabilidade ao médico réu com sustento em violação das leges artis.

E não tendo ficado provada a ilicitude do comportamento do 2.º réu, por violação das leges artis29, também não se mostra possível a condenação da 1.ª ré, nos termos do art. 800.º do CC, ficando, assim, arredada a possibilidade de responsabilizar os réus com base em erro médico.

Resta-nos, assim, aferir da eventual verificação do outro fundamento da ilicitude: da alegada violação do consentimento informado.

3.2. Da violação do consentimento informado

A acção de responsabilidade médica pode, igualmente, fundar-se na violação do consentimento informado30.

Como se explica no Ac. do STJ de 08-09-202031, “O direito do paciente à informação (previsto, inter alia, no art. 5.º da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina ou Convenção de Oviedo (doravante CDHBio), no art. 157.º CP, no art. 44.º do CDOM, na Base XIV, n.º 1, al. e), da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, então em vigor Revogada pela Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro.) e ao consentimento livre e esclarecido (plasmado no art. 25.º CRP, no art. 5.º da CDHBio, no art. 45.º do CDOM, no art. 70.º, n.º 1, do CC e na Base XIV, n.º 1, al. b) da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, então em vigor) são expressões do direito ao consentimento informado enquanto informed choice. A autodeterminação nos cuidados de saúde implica, não só que o paciente consinta ou recuse uma intervenção determinada heteronomamente, mas também que disponha de toda a informação relativa às diversas possibilidades de tratamento Conforme o art. 5.ª da CDHBio, “1. Qualquer intervenção no domínio da saúde apenas pode ser efetuada depois da pessoa em causa dar o seu consentimento de forma livre e esclarecida. 2. A esta pessoa deverá ser dada previamente uma informação adequada quanto ao objetivo e à natureza da intervenção, bem como às suas consequências e os seus riscos. 3. A pessoa em causa poderá, a qualquer momento, revogar livremente o seu consentimento”. Por outro lado, segundo o art. 3.º, n.º 2, al. a) da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (incorporada no Tratado de Lisboa, “No domínio da medicina e da biologia, devem ser respeitados, designadamente: o consentimento livre e esclarecido da pessoa, nos termos da lei”. O consentimento informado assumiu também dimensão universal com a aprovação, na Assembleia Geral da UNESCO, da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, em outubro de 2005 (arts. 6.º e 7.º)32.

4. O fundamento jus-civilístico do consentimento informado encontra-se no art. 70.º, n.º 1, do CC, que, além de estabelecer o direito geral de personalidade, consagra também o direito especial de personalidade à integridade física e moral que, por sua vez, se encontra intimamente ligado à autodeterminação da pessoa humana.

(…)

6. De acordo com a orientação dominante, compete, via de regra, à instituição de saúde e/ou ao médico provar que prestou ao paciente as informações devidas e adequadas para que este pudesse livre e esclarecidamente exercer o seu direito de autodeterminação sobre o próprio corpo e sobre os serviços de saúde. Com efeito, trata-se, desde logo, da necessidade de acautelar o equilíbrio processual entre a impossibilidade de provar um facto negativo (não ter sido – ou não ter sido adequadamente - informado) que, segundo a doutrina, se traduz numa prova diabólica, de um lado e, de outro, da facilidade relativa da prova para o médico. Depois, a consideração do consentimento informado como causa de justificação ou de exclusão da ilicitude de uma lesão à integridade física e da prestação de informação adequada como seu requisito de validade implica, nos termos do art. 342.º, n.º 2, do CC, a atribuição do onus probandi do consentimento informado ao médico33.

7. O risco de uma falta ou deficiência de informação recai sobre a instituição de saúde e/ou o médico. É que, em geral, médico e paciente não se encontram em paridade situacional, em pé de igualdade, porquanto o último não tem e nem pode ter a mesma quantidade e a mesma qualidade de informação do primeiro. O médico é que tem de provar a criação de condições concretas e efetivas que permitissem ao paciente compreender o significado, o alcance e os riscos do tratamento proposto. Qualquer situação de dúvida se decide contra ele.”.

O dever de informar pauta-se, assim, pelos princípios da simplicidade e da suficiência, com vista ao esclarecimento do paciente.

Nas palavras de JOÃO VAZ RODRIGUES34, após rejeitar a necessidade de o médico transmitir informação que englobe quaisquer consequências excepcionais que possam ocorrer, salienta devem ser observadas “as informações sobre sequelas que, embora excepcionais, possam ocorrer em consequência dos meios técnicos utilizados, ou ter especial interesse para o paciente, atendendo, por exemplo, à sua profissão ou aos seus interesses.”.

Igualmente, TEIXEIRA DE SOUSA35, defende que “a obrigação médica envolve um dever principal – o dever de promover ou restituir a saúde ao doente, suavizar os sofrimentos e prolongar a vida do doente – que é acompanhada por vários deveres acessórios, entre os quais, o de esclarecer o doente e de obter o seu consentimento, sendo que o desrespeito de qualquer destes deveres constitui o médico em responsabilidade civil.”.

Mas, conforme se referiu no AC. do STJ de 09-10-2014, Revista n.º 3925/07.9TVPRT.P1.S136, O conteúdo do dever de informação é elástico, não sendo, nomeadamente, igual para todos os doentes na mesma situação. Abrange, salvo ressalvas que aqui também não interessam e além do mais, o diagnóstico e as consequências do tratamento. Estas são integradas pela referência às vantagens prováveis do mesmo e aos seus riscos. Não se exigindo, todavia, uma referência à situação médica em detalhe. Nem a referência aos riscos de verificação excecional ou muito rara, mesmo que graves ou ligados especificamente àquele tratamento.


*


Sobre esta temática, escreveu-se no acórdão recorrido:

Não tendo o 2º réu informado devidamente a autora dos riscos associados ao procedimento médico que se propôs executar, o consentimento da autora não se mostra prestado de forma esclarecida.

A falta de informação quanto aos riscos associados, impossibilitou a autora de refletir e decidir.

No caso era dever do médico informar a autora da existência de meios alternativos, como aquele a que mais tarde a autora se veio a submeter e permitindo uma ponderação conjunta dos riscos associados a cada um deles, para permitir que a autora prestasse o seu consentimento de forma devidamente esclarecida, o que não aconteceu.

Não ocorrendo tal, o consentimento é ineficaz, significando que a autuação do médico será ilícita por violação do direito á autodeterminação e correm por sua conta os danos derivados da intervenção não autorizada. Ver neste sentido Acórdão do STJ de 2-6-201537.

Segundo reza a factualidade provada, temos o seguinte – com relevo para a apreciação desta temática do consentimento informado:

- O 2.º réu apenas prestou à autora as seguintes informações: i) que a intervenção consistiria num procedimento simples, com um único dia de internamento previsível (facto supra 7); e ii) que, antes da intervenção de ureterorrenoscopia, explicou à autora o seu estado clínico, bem como os procedimentos que seriam adotados na cirurgia proposta, designadamente a sujeição a anestesia geral (facto supra 52).

- Antes da intervenção referida no ponto 10 dos factos provados (cfr. facto 53):

a) a autora não foi informada das complicações que poderiam surgir da cirurgia programada, como sepsis, hemorragia, rutura do sistema excretor, insuficiência renal, fístula arterio venosa e outras;

b) à autora não foi explicado que, no decurso da intervenção, podia ocorrer a rutura do canal excretor, ao nível pielo-calicial, suscetível de causar:

i) o aumento agudo da pressão intra-abdominal (síndrome de compartimento abdominal), causando um choque hemorrágico, com o sangramento abundante por todas as cavidades, designadamente, oronasal, bexiga e dreno abdominal ou cateter aplicados (coagulação intravascular disseminada), a demandar a realização de laparotomias para contrariar a síndrome de compartimento abdominal;

ii) disfunção respiratória, renal e metabólica, a demandar suporte respiratório e suporte aminérgico;

iii) instabilidade hemodinâmica, a demandar politransfusão;

iv) síndrome isquemia/reperfusão, sobretudo na zona abdominal/pélvica e nos membros inferiores;

v) isquemia intestinal, com necessidade de colectomia subtotal e ileostomia com abandono de topo rectosigmoide;

vi) hepatite isquémica com insuficiência hepática aguda transitória;

vii) lesão isquémica dos calcanhares com áreas necrosadas;

viii) síndrome de resposta inflamatória sistémica (SIRS) exuberante e colecistite;

ix) colecistite gangrenosa com necessidade de colecistectomia; citólise hepática importante; insuficiência hepática; isquemia das vias biliares intra-hepáticas; colestase isolada;

x) necrose tubular aguda / lesão renal aguda oligúrica; necessidade de terapia de substituição renal; poliúria;

xi) lesão subaguda moderada a grave bilateral dos nervos femoral, tibial e peronial comum, e com atingimento sensitivo-motor preferencial dos seus ramos, mas mais distais nos membros inferiores;

xii) fraqueza muscular global; ambos os pés pendentes; ausência de sensibilidade a partir da região maleolar até aos dedos no pé direito, bem como na face dorsal do pé esquerdo e nos dedos;

xiii) hemorragia subconjuntival e colonização por Stenotrophomonas maltophilia.

Ora, impunha-se ao 2.º réu a obrigação de informar a autora dos eventuais riscos e complicações da intervenção cirúrgica a que ia ser sujeita, nos termos do facto provado 53 a), por se tratar do conteúdo mínimo de risco que aquela intervenção envolvia, com vista a que a autora pudesse, de forma consciente e segura, tomar a decisão de se submeter ao referido tratamento médico.

Efectivamente, os factos informativos constantes do facto provado 53 a) são o núcleo de informação mínimo que deveria ter sido prestado à autora, pois integram os riscos genéricos daquela intervenção, que contem associados os citados riscos à sua execução.

Seguindo o entendimento sufragado no já citado Ac. do STJ de 08-09-202038, igualmente se defende a inversão do ónus da prova do nexo de causalidade do dever de informação.

Temos, com efeito, como acertado este raciocínio do citado aresto: O facto de os deveres de informação do médico – e/ou da instituição de saúde - terem em vista esclarecer o paciente, de modo a permitir-lhe adotar uma decisão adequada aos seus interesses, afigura-se relevante para a aceitação de uma inversão do ónus da prova em matéria de causalidade. Perante a violação desses deveres e a ocorrência de danos que estes deveres têm em vista prevenir, deve admitir-se uma inversão do ónus da prova de um comportamento conforme à informação – causalidade preenchedora. Tendo a consagração dos deveres de informação como escopo permitir a regular formação da vontade do paciente, uma vez demonstrada a omissão ou a deficiência da informação prestada perante os danos sofridos, deverá presumir-se que a omissão ou a deficiência da informação foi causa da decisão do paciente; que da lesão do bem jurídico protegido – o exercício do poder de autodeterminação sobre o próprio corpo e sobre os serviços de saúde, a correta formação da vontade – resultaram os danos patrimoniais e não patrimoniais concretamente sofridos pelo paciente.(…)

Presume-se, portanto, que a vontade individual do paciente foi determinada pela irregularidade da informação, ou seja, o nexo causal entre a falta ou deficiência da informação e a decisão do paciente, e que essa vontade teria sido diferente caso a informação houvesse sido corretamente prestada.

Do explanado se conclui que, in casu, teve lugar a violação ilícita e culposa – sendo esta também presumida, nos termos do art. 799.º do CC – dos deveres de informação, bem como o nexo causal entre o dever de informação para o consentimento, presumindo-se que caso a autora tivesse sido devidamente esclarecida das complicações previstas no facto provado 53 a), não teria consentido a sua realização, cfr. art. 563.º do CC.

Tal qual decidido no citado Ac. do STJ de 08-09-2020, uma vez que a intervenção cirúrgica levada a cabo pelo 2.º réu não foi validamente consentida, uma vez que a autora não foi devida e adequadamente informada e esclarecida acerca dos riscos gerais daquela intervenção (facto provado 53 a)), constitui esta uma ofensa ao seu direito à integridade física por falta de justificação, conforme resulta dos arts. 81.º e 340.º do CC e do art. 157.º do CP.

Impunha-se, assim – quer ao 2.º réu, quer à 1.ª ré – , o dever de esclarecer e de obter o consentimento da autora com vista a garantir a salvaguarda dos bens jurídicos da autodeterminação e liberdade pessoal bem como da integridade física e psíquica do paciente.

É verdade que, em termos naturalísticos, não é a falta de informação nos termos provados no facto 53 a) que provocou a ruptura do canal excretor da autora, durante a primeira intervenção cirúrgica a que foi sujeita, e os demais danos que constam do elenco dos factos provados.

Como também é certo não constar como facto provado que a autora só aceitou submeter-se à intervenção porque não foi devidamente informada quanto aos respectivos riscos, porque, se tivesse sido, não a teria aceitado.

Porém, tal não impede que a autora venha a ser ressarcida pelo concreto dano consistente na perda da oportunidade de decidir correr o risco da lesão do nervo e das suas consequências; perda de oportunidade que, em si mesma, é um dano causado pela falta de informação devida, em abstracto susceptível de ser indemnizado, e cuja protecção tem como sustentação material o direito à integridade física e ao livre desenvolvimento da personalidade (artigos 25º, nº 1 e 26º, nº 1 da Constituição e artigo 70º, nº 1 do Código Civil). No seu conteúdo inclui-se, nomeadamente, o poder do titular de decidir em que agressões à sua integridade física consente, assim afastando a ilicitude das intervenções consentidas (cfr. nº 2 do artigo 70º e artigo 81º do Código Civil)39.

Mostra-se, assim, preenchido o nexo de causalidade adequada, previsto no art. 563.º do CC, e também o nexo causal naturalístico, porquanto a violação deste dever de informação determina que as rés sejam responsabilizadas pelos danos decorrentes da intervenção, devendo compensar a autora quer dos danos patrimoniais quer dos não patrimoniais que advieram daquela intervenção arbitrária e não consentida40, porque não esclarecida.

3. Do alegado erro de direito na determinação/extensão dos danos

No que tange a esta questão – colocada a título subsidiário, para a hipótese de improcedência das questões antecedentes – alegam os réus que nem todas as lesões que a autora padeceu se devem à ruptura do aparelho excretor, designadamente as sequelas constantes do facto provado 29 resultam do processo inflamatório e de cicatrização ulteriormente desenvolvidos, sem relação directa com a actuação do 2.º réu.

Desta forma, sustentam os RR que a fixação da indemnização não deverá ter em consideração as lesões decorrentes dos tratamentos que a autora teve de realizar, devendo, em consequência, o acórdão revogado nesta parte, ou, caso assim se não entenda, deverá a indemnização ser reduzida e fixadas tendo em conta dos danos que tiveram causa efectiva e directa na ruptura do aparelho excretor.

Discorreu desta forma o acórdão recorrido a propósito do nexo de causalidade:

“Como é sabido, no âmbito da responsabilidade civil, em qualquer das suas modalidades, a lei portuguesa consagra a teoria da causalidade adequada (art. 563º do CC).

No caso em apreço, provou se que os efeitos da rutura do canal excretor descritos na al. b) do ponto 53 factos provados -, nunca tinham sido observados na sua ocorrência simultânea e com a gravidade que atingiu a autora, nem pela equipa clínica da ré que executou a intervenção, nem pelos médicos intensivistas do Hospital ... que assistiram a autora.

A Drª EE, médica intensivista relatou que não é habitual um doente reagir daquela forma, que apelidou de “catastrófica”.

Para a teoria da causalidade adequada, na vertente negativa, que é a seguida no nosso direito, o facto que atuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem concorrido decisivamente circunstâncias anormais, excecionais, que intercederam no caso concreto.

Esta vertente negativa da causalidade adequada não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser direta e imediata, pelo que admite não só a concorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não, como ainda a causalidade indireta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que diretamente suscite o dano.

Tem sido entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que o artigo 563.º do Código Civil consagra a doutrina da causalidade adequada na sua formulação negativa, que não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser direta e imediata. Admite se, assim, em termos de imputação do facto à conduta, não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não, como ainda a causalidade indireta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que diretamente suscite o dano.

É causa jurídica de um dano no paciente a conduta (culposa) do médico, que segundo um juízo a posteriori formulado se revela idónea para a produção de tal resultado (Álvaro Cunha Rodrigues, Reflexões em torno da responsabilidade civil dos médicos, in Revista da Faculdade de Direito da UCP 191 198).

Encontra-se devidamente provado no facto 25, que as lesões descritas na matéria factual foram sofridas pela autora ocorrem em consequência do quadro clínico descrito no facto 15 (o líquido que invadiu o abdómen provocou aumento da pressão intra-abdominal, gerando uma síndrome de compartimento abdominal (SCA), a qual veio a causar um quadro de coagulação intravascular disseminada (CID)), ou dos adequados tratamentos das lesões dele decorrentes para a autora.

Do exposto resulta que na fixação de indemnização deverão ser considerados também as lesões decorrentes dos adequados tratamentos das lesões decorrentes da primeira cirurgia”41.

Atente-se nos seguintes factos provados (pontos 25 a 30 e 32):

25 - Em consequência do quadro clínico descrito no ponto 15 – factos provados – ou dos tratamentos das lesões dele decorrentes, a autora, até 22 de setembro de 2021:

(….)

26 – Em consequência do quadro clínico descrito no ponto 15 – factos provados – ou dos adequados tratamentos das lesões dele decorrentes, a autora:

(….)

27 – Em consequência do quadro clínico descrito no ponto 15 – factos provados – ou dos tratamentos das lesões dele decorrentes adequados, a autora …

(….)

28Em consequência do quadro clínico descrito no ponto 15 – factos provados – ou dos adequados tratamentos das lesões dele decorrentes, a autora necessita permanentemente de usar uma bengala, como auxiliar de marcha

29Em consequência do quadro clínico descrito no ponto 15 – factos provados – ou dos apropriados tratamentos das lesões dele decorrentes, a autora, em 22 de setembro de 2021, apresenta:

(….)

32 – Em consequência do quadro clínico descrito no ponto 15 – factos provados – ou dos adequados tratamentos das lesões dele decorrentes, a autora:

(…)”.

Assim se vê, apoditicamente, que os danos se encontram numa relação alternativa de causalidade, pois ou advém directamente do quadro clínico resultante da intervenção cirúrgica a que autora foi sujeita, ou advém directamente dos tratamentos a que a autora foi sujeita por força do quadro clínico resultante da intervenção cirúrgica.

Assim sendo, não merece, nesta parte, qualquer reparo o acórdão recorrido, pois verifica-se existir um nexo causal entre as lesões e sequelas que a autora apresenta e a falta de informação que a levou a submeter-se à referida intervenção, uma vez que os tratamentos a que foi sujeita resultaram também directamente daquela intervenção e do quadro clínico que daí adveio - o líquido que invadiu o abdómen provocou aumento da pressão intra abdominal, gerando uma síndrome de compartimento abdominal (SCA), a qual veio a causar um quadro de coagulação intravascular disseminada (CID)).

Daqui resulta que também deverão ser consideradas as lesões que a autora sofreu decorrentes dos adequados tratamentos das lesões a que foi sujeita, por força do quadro clínico que adveio da primeira intervenção cirúrgica que sofreu.

4. Do alegado erro de direito no cálculo da indemnização pelo dano da incapacidade funcional permanente/défice funcional permanente

Sobre esta questão recorrem quer a autora, quer os réus, quer a interveniente Ageas.

A autora entende que a indemnização arbitrada a título de “dano biológico” – assim denomina o dano sob apreciação – (no montante de € 90 000,00) é insuficiente porquanto a autora ficou a padecer de uma IPP para o trabalho de 73% (facto provado 37), o que na realidade constitui uma incapacidade total para o seu trabalho habitual, em face das condicionantes que a autora enfrenta para o exercício da sua actividade profissional, tanto mais que, em 28-03-2019, a autor doi aposentada por invalidez pela CGA. Ficou, igualmente, afectada nas actividades da vida diária num grau 37 em 100 tendo ficado com diversas sequelas graves. Para cálculo desta indemnização, o acórdão recorrido teve em consideração o salário que a autora auferia à data dos factos, no montante de € 532,08, sendo então o SMN no montante de € 505,00, mas que em 2022 tal SMN já ascendia a € 705,00, pelo que não pode ser esse o valor a ter em consideração para os cálculos.

Os réus argumentam: que a indemnização arbitrada é desproporcional e excessiva, pois, de acordo com o relatório pericial de dano corporal as sequelas que a autora apresenta ainda são compatíveis com o exercício da actividade habitual, necessitando tão só de adaptação do posto de trabalho, pelo que não está impedida de exercer a actividade profissional habitual; e que o acórdão recorrido, nos cálculos que efectuou, não tomou em consideração a pensão por invalidez que a autora recebeu e vai continuar a receber da CGA (factos provados 38 e 40).

A interveniente também não se conforma com o valor da indemnização fixada pelo aludido dano, sustentando a sua redução a € 50 000,00, com base em equidade, pois a autora não pode beneficiar de um rendimento por invalidez e de indemnização por perda (total) da capacidade de ganho.


*


Importa, assim, determinar se o quantum indemnizatório arbitrado à autora pelo acórdão recorrido se mostra ajustado à factualidade provada e aos montantes que usualmente vêm sendo arbitrados nos nossos tribunais, bem como aferir da cumulação desta indemnização com a pensão de invalidez que lhe foi atribuída.

Conforme já decidido no Ac. do STJ de 21-04-202242, também relatado pelo aqui relator (e subscrito pela Srª Conselheira também aqui adjunta), acerca da natureza do dano da incapacidade funcional permanente/défice funcional permanente (que vem sendo também designado por “dano biológico”), (…) o dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como pode ser compensado a título de dano moral; tanto pode ter consequências patrimoniais como não patrimoniais. Ou seja, depende da situação concreta sob análise, a qual terá de ser apreciada casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida, e por si só, uma perda da capacidade de ganho ou se se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, sem prejuízo do natural agravamento inerente ao decorrer da idade. Tem a natureza de perda ‘in natura’ que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar43.

(…)

Assim, é entendimento pacífico que mesmo as pequenas incapacidades ainda quando não impliquem directamente uma redução da capacidade de ganho, constituem sempre um dano patrimonial indemnizável (seja de natureza patrimonial, seja como dano não patrimonial – ou, se quisermos, classificado naquele tertium genus), dada a inferioridade em que o lesado se encontra na sua condição física, quanto à resistência e capacidade de esforço.

Com efeito, uma incapacidade permanente parcial não se esgota na incapacidade para o trabalho, constituindo em princípio um dano funcional, mas sempre, pelo menos, um dano em si mesmo que perturba a vida da relação e o bem-estar do lesado ao longo da vida. Pelo que é de considerar autonomamente esse dano, distinto do referido dano patrimonial, não se diluindo no dano não patrimonial, na vertente do tradicional pretium doloris ou do dano estético.

O lesado não pode ser objecto de uma visão redutora e economicista do homo faber44. A incapacidade permanente (geral) de que está afectada a vítima constitui, nesta perspectiva, um dano em si mesmo, cingindo-se à sua dimensão anátomo-funcional.

A incapacidade permanente geral (IPG) corresponde a um estado deficitário de natureza anatómica-funcional ou psicosensorial, com carácter definitivo e com impacto nos gestos e movimentos próprios da vida corrente comuns a todas as pessoas. Pode ser valorada em diversos graus de percentagem, tendo como padrão máximo o índice 100. Esse défice funcional pode ter ou não reflexo directo na capacidade profissional originando uma concreta perda de capacidade de ganho”.

E no que tange àquela alegada cumulação da indemnização por perda de capacidade de ganho com o recebimento da pensão de invalidez que lhe foi atribuída pela segurança social, o Acórdão do STJ de 11-11-2010, Revista n.º 270/04.5TBOFR.C1.S145, por interpretação do DL 187/07, de 10-05, concluiu que “não são cumuláveis na esfera patrimonial do lesado a indemnização por perda de capacidade de ganho e o recebimento da pensão de invalidez que lhe foi atribuída pela segurança social com base no mesmo facto determinante da incapacidade”. Porém, atendendo ao disposto nos seus arts. 6.º e 7.º, cuja redação do diploma legal actual, DL 16-A/2021, de 25-05, se mantém idêntica, este regime apenas se aplica à indemnização por perda de capacidade de ganho, e não à totalidade do dano da incapacidade funcional permanente/défice funcional permanente biológico, sendo que a consequência pelo arbitramento desta indemnização é o não pagamento da prestação em causa (pensão de invalidez) até que o somatório das pensões a que o beneficiário teria direito, se não houvesse a responsabilidade prioritária do terceiro, atinja o valor da indemnização arbitrada por perda de capacidade de ganho.

Acresce que se impõe à Segurança Social, se tiver adiantado o pagamento da pensão de invalidez – nomeadamente, no período temporal anterior a ter-se apurado judicialmente o valor da indemnização devida pela privação da capacidade de ganho do lesado – o direito de exigir o reembolso das quantias efectivamente satisfeitas ao lesado.

Não apresenta, assim, qualquer fundamento a pretensão da interveniente de ver diminuído o quantum indemnizatório arbitrado à autora pelo dano da incapacidade funcional permanente/défice funcional permanente com base neste fundamento.


*


No acórdão recorrido alcançou-se desta forma o montante de € 90 000,00 a título de indemnização pelo dano aqui em apreciação (afectação da Autora na sua integridade física e psíquica):

Na situação em apreço, pondera se que a autora tinha 43 anos na data do acidente, a esperança de vida nas mulheres será até aos 83 anos e a idade de reforma aos 66 anos e que ficou definitivamente afetada na sua integridade física e psíquica, com repercussão nas suas atividades diária, familiar e sociais num grau de 37, numa escala de 100. Pondera se ainda a remuneração que era auferida pela autora.

Tendo por referência o seguinte cálculo, critério que servirá apenas de índice auxiliar para a aplicação de um juízo de equidade como ponto de partida (€ 538,00 x 14 meses = 7.532,00 x 33 anos de vida útil (contados do ano 2022) = 248.556 euros x 37% = 91.965,72 euros.

Entendemos assim, que à autora, que ficou definitivamente afetada na sua integridade física e psíquica, com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo familiares e sociais, num grau 37, numa escala até 100, que embora seja compatível com o exercício da profissão habitual que venha a exercer, implicará, contudo, esforços suplementares, condicionando lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades exercício profissional e de escolha de profissão, ficando com limitações que são de molde a influir negativamente e de sobremaneira na sua produtividade, sendo ainda tais limitações suscetíveis de reduzir o leque de possibilidades de profissões a exercer, e de se traduzir em maior onerosidade no desempenho das tarefas pessoais, e ficou definitivamente afetada na sua atividade desportiva, de lazer e de convívio social, num grau 2, numa escala até 7, como justa e adequada arbitrar uma indemnização a título de dano biológico fixada em € 90.000,00 euros.

No caso, devemos ponderar que a autora, à data da primeira intervenção cirúrgica, tinha 43 anos de idade, exercia a actividade profissional de assistente operacional (administrativa) no Município de ..., auferindo como retribuição mensal base o valor de € 532,08, catorze vezes por ano, acrescido de um subsídio de refeição no valor diário de € 4,27 por cada dia de trabalho prestado, não tendo mais retomada a sua actividade laboral, passando a estar de baixa médica.

A autora, em virtude daquela intervenção, ficou definitivamente afectada na sua integridade física e psíquica, com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo familiares e sociais, num grau 37, numa escala até 100, que apesar de compatível com o exercício da sua profissão habitual, implicará esforços acrescidos com a adaptação do local de trabalho.

Também ficou definitivamente afectada na sua atividade desportiva, de lazer e de convívio social, num grau 2, numa escala até 7, estando, igualmente, limitada no desempenho das tarefas pessoais. Necessita permanentemente de usar uma bengala, como auxiliar da marcha, ficou com cicatrizes em diversas partes do corpo, ainda necessita de efectuar mais duas cirurgias, para além daquelas a que já foi submetida, não sendo estas susceptíveis de reduzir os graus de afectação de que padece.

E, em 23-01-2019, foi considerado que a autora é portadora de uma incapacidade permanente global de 73%, sendo que, em 28-03-2019, foi aposentada por invalidez, pela CGA.

Ora, não perdendo de vista que o, aqui sob apreciação, dano da incapacidade funcional permanente/défice funcional permanente é distinto do dano não patrimonial previsto no art. 496.º do CC, e que se reconduz à dor e sofrimento da pessoa que se sente e ficará diminuída para o resto da vida, tal como se operou no acórdão recorrido, devem tais danos ser indemnizados de forma autónoma.

O lesado não pode ser objecto de uma visão redutora e economicista do homo faber46. A incapacidade permanente (geral) de que está afectada a vítima constitui, nesta perspectiva, um dano em si mesmo, cingindo-se à sua dimensão anátomo-funcional.

Para quantificarmos o designado dano da incapacidade funcional permanente/défice funcional permanente devemos recorrer a critérios de equidade, nos termos do art. 566.º, n.º 3, do CC, uma vez que não se torna possível determinar o valor exacto do dano da autora, lançando mão, de igual modo, nos termos do art. 8.º, n.º 3, do CC, dos critérios jurisprudenciais vigentes e aplicados em situações análogas ou semelhantes.

Em termos de equidade, recorremos novamente ao Ac. do STJ de 21-04-2022 (como dito, também relatado pelo ora relator): (…) Nas palavras sábias de Pires de Lima e Antunes Varela47, a equidade é a justiça do caso concreto. Julgar pela equidade é procurar a justiça do caso concreto “limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal”48. Ou, como diz ANA PRATA49, “julgar segundo a equidade significa dar a um conflito a solução que parece mais justa, atendendo apenas às características da situação e sem recurso à lei eventualmente aplicável. A equidade tem, consequentemente, conteúdo indeterminado, variável de acordo com as concepções da justiça dominantes em cada sociedade e em cada momento histórico”.

Do que se trata, portanto, é de encontrar a solução mais equilibrada no contexto da prova disponível.

(…)

Como é sabido, o controlo da fixação equitativa da indemnização é admitido, no recurso de revista, por este Supremo Tribunal de Justiça, cabendo-lhe averiguar “se estavam preenchidos os pressupostos normativos do recurso à equidade; se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida; se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados; e se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados”50.

Ora, o ac. recorrido arbitrou o montante indemnizatório pelo défice funcional permanente da Autora com recurso à equidade, como é aconselhado pela jurisprudência dominante neste Supremo.

Porém, não cremos que tivesse tido a preocupação de seguir os padrões indemnizatórios seguidos por essa jurisprudência, segundo um critério actualístico e evolutivo, de modo a não abalar critérios minimamente uniformes e, em última análise, o princípio da igualdade na aplicação do Direito (imperativo, aliás, constitucional)51. E se refere ter tido em consideração as particularidades e especificidades do caso concreto, não cremos que tais especificidades justificassem a escassa indemnização arbitrada, tendo em consideração a gravidade que os factos claramente ostentam.

A determinação de indemnizações pelo dano da incapacidade funcional permanente/défice funcional permanente de que fica a padecer o lesado, obedece, portanto, a juízos de equidade, sendo que, como bem se observa no Ac. deste Tribunal de 2/6/2016, na revista nº 3987/10.1TBVFR.P1.S1, relatado por Tomé Gomes, «caberá a este tribunal sindicar os limites de discricionariedade das instâncias, no recurso à equidade, mormente na busca de uniformização dos critérios jurisprudenciais, de modo a garantir o respeito pelo princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, nos termos proclamados no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição e conforme o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do CC».


*


Na determinação do seu quantum indemnizatório, ter-se-ão «em consideração os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, face ao que dispõe o art. 8°, n° 3, do CC, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso concreto».52.

A título de exemplo note-se os seguintes arestos:

- o Ac. do STJ de 12-03-2015, Revista n.º 1988/05.0TBOVR.P1.S153, no qual a lesada, com 20 anos e a auferir € 500,00 mensais, também ficou a padecer de uma incapacidade permanente de 73 em 100, e em que foi arbitrada uma indemnização de € 280 000,00 pelo dano patrimonial futuro;

- o Ac. do STJ de 23-03-2017, Revista n.º 296/07.7TBMCN.P1.S154, no qual a lesada tinha 48 anos de idade, ficou totalmente incapacitada para o desempenho da sua actividade profissional, auferindo cerca de € 199,20, tendo-lhe sido arbitrada uma indemnização de € 86 054,40, pelo dano patrimonial decorrente da incapacidade sofrida pela autora;

- o Ac. do STJ de 17-10-2019, Revista n.º 683/11.6TBPDL.L1.S255, em que a lesada tinha 33 anos de idade, auferia cerca de € 1407,45 mensais, ficou com uma IPP de 53% com sequelas impeditivas da sua actividade profissional habitual, foi arbitrada uma indemnização no montante de € 250 000,00, sem autonomização do dano da incapacidade funcional permanente na vertente patrimonial;

- o Ac. do STJ de 23-10-2018, Revista n.º 902/14.7TBVCT.G1.S156, no qual o lesado com 54 anos de idade, ficou com uma IPP de 72%, com sequelas incompatíveis com a actividade profissional, tendo-lhe sido arbitrada uma indemnização no montante de € 350 000,00 referente à perda de capacidade de ganho.

Não pode olvidar-se, porém, que a resolução do diferendo não dispensa a análise de todos os elementos objectivos proporcionados pela matéria de facto apurada, apreciados sob o prisma da equidade e à luz das regras da experiência e tendo em consideração os valores que vêm sendo atribuídos em casos semelhantes por este Supremo Tribunal de Justiça57. Mas sempre (mesmo sempre) tendo em conta as especificidades do caso concreto, em especial a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado.

Note-se, ainda, que a jurisprudência actual é unânime em considerar, para ponto de partida do quantum indemnizatório a título de dano da incapacidade funcional permanente, não a vida activa, mas a esperança média de vida, sendo que esta se cifra, no caso das mulheres já bem acima dos 80 anos de idade58.

Por outro lado, mesmo aceitando que, actualizado ao ano de 2022, a Autora ainda teria a esperança de vida útil de 33 anos referida no acórdão recorrido, não é, porém, aceitável que tendo como referencial aquele ano, lhe fosse considerado, para efeitos de cálculo, o salário que a mesma auferia em 2015.

É que, se a Autora à data dos factos auferia o salário de € 532,08 (facto 35) - sendo nesse ano, o salário mínimo de € 505,00 - não poderá deixar de se considerar que, mesmo partindo da hipótese de que a sua evolução profissional não a teria levado a auferir mais do que o salário mínimo nacional – o que é muito pouco provável, pois certamente subiria de escalão com o decurso do tempo de antiguidade no c argo que exercia – , no ano de 2022 o mesmo salário mínimo já ascendia a € 705,00, no subsequente ano de 2023 ascendia a € 760,00 e no presente ano de 2024 tal salário já está fixado no montante de € 820,00 – ou seja, já quase do dobro que a Relação considerou para a determinação do montante indemnizatório arbitrado!

A que a cresce que – mesmo abstraindo do próprio aumento do salário mínimo nacional – não é inaceitável que a Autora, ao longo dos 33 anos de vida útil considerados pelo Tribunal, continuasse a auferir € 538,00, porquanto o seu salário, ainda que por referência ao mínimo nacional, sempre teria uma evolução anual crescente, havendo, assim, que introduzir um fator de crescimento salarial.

Ou seja, mesmo aceitando o critério seguido pelo tribunal recorrido, mas, tendo agora presente o salário mínimo do ano de 2023, o resultado obtido já seria de € 125.977,60 em 2023 e € 131.675,60 computando a indemnização no presente ano de 2023.

E não se olvide, também, que as elevadas taxas de inflação que se têm verificado, rapidamente erodem o valor real do capital que venha agora a receber – donde ser pouco ou nada relevante argumentar que se estará a desconsiderar o facto de a Autora receber antecipadamente o capital.


*


Face a todo o explanado, ponderando toda a factualidade apurada e sem perder de vista a apontada necessidade duma possível uniformização de critérios valorativos neste domínio, mas sempre sem olvidar a necessidade de evolução e actualização dos montantes e critérios indemnizatórios e sua adaptação às especificidades do caso concreto – veja-se que a Autora sofreu danos extensos e extremamente graves na sua condição física já supra descritos, ficando definitivamente afectada naquela sua integridade física e psíquica, com acentuada e definitiva repercussão nas actividades da sua via diária, incluindo familiares e sociais, tendo-lhe, para tal, sido fixada uma incapacidade em 73 pontos numa escala de 100 (o que vai implicar esforços suplementares, condicionando-lhe, de forma assaz relevante e substancial, as possibilidades exercício profissional e de escolha de profissão, ficando com limitações que são de molde a influir negativamente e de sobremaneira na sua produtividade, sendo ainda tais limitações susceptíveis de reduzir o leque de possibilidades de profissões a exercer, e de se traduzir em muito maior onerosidade no desempenho das tarefas pessoais, tendo, ainda, ficado definitivamente afetada na sua atividade desportiva, de lazer e de convívio social, num grau 2, numa escala até 7) – , cremos ser equitativo e justo fixar a indemnização a título do dano da incapacidade funcional permanente/défice funcional permanente no montante peticionado pela Autora, de €165.000,00 (cento e sessenta e cinco mil euros) – quantia que, pelo que supra ficou dito, não apenas não é exagerada, como até parece até claramente parcimoniosa.

Uma coisa é certa: a Autora ficou a padecer, de acordo com a TNI, de uma deficiência que representa, a título definitivo, uma incapacidade permanente global de 73% (facto 37). Pelo que razão tem a Autora ao observar que é muito redutor e injusto considerar para efeitos de desvalorização, os 37 pontos de afectação da integridade físico-psíquica a que o Tribunal atendeu.

E como refere a Autora, se partirmos do salário mínimo nacional vigente no ano de referência (2022), e tendo em conta os mesmos critérios de cálculo utilizados pelo Tribunal a quo, mas multiplicando, agora, pela taxa de incapacidade de 73%, obteríamos o resultado de € 237.768,30.

Assim se fixa em €165.000,00 (cento e sessenta e cinco mil euros) a indemnização a arbitrar à autora pelo dano da incapacidade funcional permanente.

5. Do alegado erro de direito no cálculo da indemnização a título de danos não patrimoniais

Neste segmento, a autora alega que a quantia a arbitrar a título de danos não patrimoniais deverá ser fixada no montante de € 140 000,00 e não nos € 100 000,00 arbitrados pelo acórdão recorrido.

Por seu lado, a interveniente acessória, por entender que a indemnização por danos não patrimoniais foi excessiva, pugna pela sua redução para os € 50 000,00.

Os danos não patrimoniais têm assento legal no art. 496.º, n.º 1 do CC, sendo fixados com recurso à equidade, nos termos do n.º 4 deste normativo, sendo apenas atendíveis aqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.

Também aqui nos socorremos do citado Ac. do STJ de 21-04-2022, Revista n.º 96/18.9T8PVZ.P1.S159, relatado pelo ora relator.

Escreveu-se ali:

«Em causa estão, agora, prejuízos que não atingem em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. Ofendem bens de carácter imaterial, desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. A ofensa objectiva desses bens tem em regra um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral.

Os danos não patrimoniais podem consistir em sofrimento ou dor, física ou moral, provocados por ofensas à integridade física ou moral duma pessoa, podendo concretizar-se, por exemplo, em dores físicas, desgostos por perda de capacidades físicas ou intelectuais, vexames, sentimentos de vergonha ou desgosto decorrentes de má imagem perante outrem, estados de angústia, etc., reflectindo, mais ou menos, melhor ou pior, manifestações de perturbações emocionais.

(…)

Dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação”60.

(…)

A avaliação da sua gravidade tem de aferir-se segundo um padrão objectivo, e não à luz de factores subjectivos61, sendo, nessa linha, orientação consolidada na jurisprudência, “com algum apoio na lei”, que as simples contrariedades ou incómodos apresentam “um nível de gravidade objectiva insuficiente para os efeitos do n.º 1 do art. 496.º”62.

(…)

Resulta do exposto que o juiz, para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos danos não patrimoniais, em cumprimento da prescrição legal que o manda julgar de harmonia com a equidade, deverá atender aos factores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada. Tudo com o objectivo de, após a adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofreu.

Assim se compreende que a actividade do juiz no domínio do julgamento à luz da equidade63, não obstante se veja enformada por uma importante componente subjectiva, não se reconduza ao puro arbítrio. Sendo que para o cálculo do respectivo montante, ponderará, entre outros factores, o grau de culpa do autor da lesão, as condições económicas deste e do lesado, as flutuações da moeda6465.

Não deve ser descurada a Doutrina e a Jurisprudência que vêm soprando sempre novos ventos de justiça sobre este campo indemnizatório, nomeadamente, o anunciado sentimento de que “a indemnização ou compensação deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista”66».

Não está em discussão a gravidade dos danos não patrimoniais sofridos pela Autora em consequência das intervenções médicas a que foi sujeita, descritas nos autos (uma simples leitura dos factos assentes revela, de forma ostensiva, a sua gravidade), mas apenas o montante pelo qual devem ser indemnizados/compensados.

Não sendo possível a sua reparação/restauração (natural), o seu ressarcimento só por via da indemnização/compensação em dinheiro poderá ocorrer (ut artº. 566º, nº. 1 CC).

Disso mesmo já em tempos idos dava conta MOTA PINTO67 : “os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis: não podem ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano e compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização. Não se trata, portanto, de atribuir ao lesado um "preço de dor" ou um "preço de sangue", mas de lhe proporcionar uma satisfação em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir mesmo interesses de ordem refinadamente ideal.”.

A lei, porém, não fornece critérios normativos concretos para determinação/fixação do seu quantum indemnizatório, tendo o legislador recorrido para tal à equidade (cfr. artºs. 496º, nº. 4, e 494º, 566º, nº. 3, e 4º CC), sendo entendimento pacífico que se deverá atender, para o efeito, nomeadamente, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, devendo a indemnização arbitrada ser proporcional à gravidade do dano e tomando em conta na sua fixação todas as regras da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, e sem perder de vista a peculiaridade de que se reveste o caso concreto68.

Como bem observa MARIA VELOSO69, nesse cálculo a natureza e a intensidade das lesões devem servir como “factor-base da ponderação”.

Nesta matéria, e por concordamos plenamente com os argumentos expendidos no acórdão recorrido, transcreve-se e adere-se ao seguinte excurso sobre os danos não patrimoniais:

“Digamos que neste particular o “calvário” sofrido pela autora, desde que foi submetida á intervenção cirúrgica do dia 14 de Outubro de 2015, não é fácil de resumir e ainda não se encontra terminado.

Provou-se que em consequência do quadro clínico descrito no ponto 15 factos provados ou dos adequados tratamentos das lesões dele decorrentes, a autora necessita permanentemente de usar uma bengala como auxiliar da marcha e:

a) correu risco de vida;

b) esteve entubada e com sonda nasogástrica, ventilada e a fazer hemodiálise durante vários dias;

c) teve que utilizar, durante cerca de um ano, ortóteses nas pernas, causando-lhe dor e desconforto;

d) até meados de dezembro de 2015, esteve incapaz de andar, altura em que passou a deambular com auxílio de andarilho;

e) até março de 2017, data da cirurgia de reconstrução do transito intestinal, manteve a utilização de uma bolsa para coleção das suas fezes;

f) sentiu-se muito desconfortável com o saco de colostomia, que tinha que regularmente ser mudado, e para o que, inicialmente, necessitava da ajuda de terceiros;

g) experimenta especiais dificuldades em subir ou descer escadas, bem como em realizar trefas domésticas mais pesadas ou que envolvam o transporte de objetos com as duas mãos;

h) não consegue apoiar, por completo, a planta dos pés e sente dor e desconforto com a marcha, que realiza com o auxílio de uma bengala;

i) tornou-se uma pessoa ansiosa, irritável e revoltada, o que não era anteriormente;

j) deixou de fazer caminhadas, trabalhar no quintal e dançar, atividades que, com regularidade, anteriormente fazia e das quais retirava bem estar físico e psíquico;

k) deixou de poder conduzir viaturas não especialmente adaptadas à sua atual condição física;

l) deixou de conviver normal e regularmente com os seus colegas de trabalho;

m) temeu pela sua vida e pelo futuro das suas filhas menores, com 5 e 13 anos de idade;

n) ficou privada de se relacionar sexualmente com o seu marido, durante vários meses, sentindo se constrangida a despir se à sua frente, quer quando usava saco de colostomia, quer ulteriormente, em razão das sequelas físicas, com prejuízo da harmonia conjugal e da sua gratificação pessoal;

o) por usar um saco de colostomia, enquanto o usou, bem como, atentas as suas demais limitações físicas e cicatrizes, sentiu-se e sente-se diminuída, com perda de autoestima e vergonha da sua situação, reduzindo a sua convivência social e a sua exposição em locais públicos;

p) por sentir vergonha das sequelas físicas de que ficou a padecer, cobre o corpo com vestuário, mesmo no verão e na praia;

q) deixou de poder usar saltos alto, o que anteriormente fazia, devendo agora usar caçado com palmilhas adaptadas;

r) sofreu fortes dores físicas, continuando a sofrer de dores e de desconforto regular;

s) sente-se triste, desgostosa, afetada na sua feminilidade, amargurada, revoltada, deprimida e com perda do gosto pela vida.

Até 14 de outubro de 2015, a autora era uma pessoa alegre, dinâmica e extrovertida, prezava e tinha hábitos de convívio social e familiar regulares.

Sofreu uma afetação da sua aparência (referidas na imagem estética), num grau 5, numa escala de 7.

A este respeito as inúmeras cicatrizes visíveis no corpo da autora mencionadas nas alíneas c), d), e), f), g), i), j), k), l) e p), do facto 29, são bem demonstrativas do sofrimento da autora, desde Outubro de 2015 até à data.

Sofreu dor quantificável num grau 6, numa escala até 7 (quantum doloris); Nesta dor há que considerar que a autora sofreu risco de vida e que para o tratamento adequado das lesões em consequência do ocorrido na primeira cirurgia foi submetida a uma outra cirurgia ainda nas instalações da Ré no dia 14.10.2015 (laparotomia para drenagem de liquido abdominal) e a mais 15 cirurgias, que foram efetuadas no Hospital... nas seguintes datas: 15.10.2015; 15.10.2015; 7.10.2015; 17.10.2015; 18.10.2015; 18.10.2015, 22.10.2015, 22.10.2015, 22.10.2015, 18.1.2916, 23.4.202016, 20.3.2017, 5.7.2017, 8.1.2020, 25.9.2020 e 15.2.2020, encontrando se programadas ainda mais duas cirurgias.

A autora compareceu a 100 consultas de especialidade discriminadas na alínea h) do 24. E realizou 30 exames complementares e de diagnóstico. Fez fisioterapia até Julho de 2022, sendo que até abril de 2018 era 3 vezes por semana e passou a ser duas vezes de semana.

Trata-se de sofrimento prolongado que se prolongou durante muito tempo (sete anos, sem que se possa dizer que esteja terminado) com repercussões definitivas na vida da autora.

Como circunstâncias concretas do caso a ponderar nos termos do art. 496.º nº4 do C.Civil, pondera se que após a rutura do canal excretor foram tomadas as decisões adequadas que a gravidade da situação impunha, nomeadamente a transferência da autora para uma unidade hospital com serviço de Cuidados Intensivos, o que permitiu que autora em falência total de órgãos tivesse logrado sobreviver e a atitude meritória do Dr. BB na colaboração que prestou aos médicos do Hospital... e no acompanhamento da doente que fez, tendo demonstrado preocupação pelo seu estado de saúde.

Deste modo, ponderando o exposto, fixa-se a compensação pelo dano não patrimonial global (dores, dano estético) entende-se ser justa e adequada a indemnização pelos danos não patrimoniais no valor de 100.000,00 euros.”.

Em termos comparativos, salientamos os seguintes acórdãos do STJ, a fim de aferir se o montante arbitrado se mostra consentâneo com a nossa jurisprudência aplicada em casos semelhantes:

- de 06-02-2024, Revista n.º 21244/17.0T8PRT.P1.S170, lesado com 23 anos de idade, com um quantum doloris de 6 em 7, um período de consolidação médico-legal de dois anos e meio, foi fixada a indemnização por danos não patrimoniais em € 175 000,00;

- de 08-09-2020, Revista n.º 148/14.4TVLSB.L1.S171, foi fixada uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 140 000,00, numa acção de responsabilidade médica por violação do direito ao consentimento informado, em que a autora também teve um quantum doloris de grau 6, numa escala de 7, com complicações pós-operatórias com taxas de mortalidade significativas, várias cicatrizes e perturbação persistente de humor, entre outros;

- de 02-12-2020, Revista n.º 359/10.1TVLSB.L1.S172, na qual foi arbitrada uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 150 000,00, numa acção de responsabilidade médica por violação do direito ao consentimento informado, em que a autora ficou desfigurada no rosto em virtude de intervenção estética, tendo sofrido uma diminuição permanente para o exercício da sua atividade profissional, com um quantum doloris semelhante;

- de 07-03-2017, Revista n.º 6669/11.3TBVNG.S173, indemnização por dano não patrimonial fixada em € 120 000,00, em acção de responsabilidade médica por violação de leges artis, mas em que não foi pedida qualquer indemnização pelo dano patrimonial.

Ora, da análise destes arestos em contraponto com a factualidade atinente aos danos não patrimoniais e bem assim, conforme se fez referência no acórdão recorrido, ao comportamento do 2.º réu no auxílio à autora após a intervenção cirúrgica, considerando os montantes fixados nestes arestos – e sem perder de vista que (como, aliás, ressalta dos arestos acabados de citar) este mais alto tribunal vem (e, a nosso ver, bem), nos últimos tempos, grassando numa espiral crescente no que tange aos montantes indemnizatórios a atribuir a este título, compensando condignamente tais lesões não patrimoniais, dessa forma se afastando da tendência miserabilista que anteriormente vinha imperando – , consideramos que se mostra ajustado o montante indemnizatório arbitrado, tendo o acórdão recorrido ponderado correctamente as regras aplicáveis e fundado a sua decisão em critérios razoáveis, com respeito, também, pelos critérios de igualdade e de proporcionalidade, devendo ser mantida a indemnização arbitrada, por se nos afigurar a justa e adequada.


*


Atento todo o explanado, entende-se que o acórdão deverá ser parcialmente revogado, julgando-se parcialmente procedente o recurso de revista interposto pela Autora, condenando-se os réus solidariamente a pagar à autora o montante de € 165 000,00 (cento e sessenta e cinco mil euros) pelo dano da incapacidade funcional permanente/défice funcional permanente, mantendo-se quanto ao demais o acórdão recorrido.

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IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conceder parcial provimento à revista interposta pela Autora AA e julgar improcedentes as revistas interpostas pelos RR FUNDAÇÃO ENSINO E CULTURA FERNANDO PESSOA e BB e pela interveniente AGEAS PORTUGAL – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., em função do que:

I. Se altera o decidido quanto à indemnização (de €90.000,00) arbitrada à Autora, pelo acórdão recorrido, a título de dano da incapacidade funcional permanente/défice funcional permanente, fixando-se a mesma nos peticionados €165.000,00 (cento e sessenta e cinco mil euros).

No mais se mantendo o decidido no acórdão recorrido.


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DAS CUSTAS:

I. Do recurso de revista:

1.a. As custas dos recursos interpostos pelos réus e interveniente serão por eles suportadas, dado terem decaído totalmente;

1.b. As custas do recurso de revista interposto pela autora serão suportadas por Autora e recorridos na proporção do respectivo decaimento.

2. Da acção:

Serão as custas suportadas por Autora e recorridos na proporção do respectivo decaimento.

Lisboa, 14 de Março de 2024

Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)

Afonso Henriques (Juiz Conselheiro 1º adjunto)

Ana Paula Lobo (Juíza Conselheira 2º Adjunto)

______


1. In Recursos em Processo Civil, 6.ª Ed, Atualizada, 2020, Almedina, p. 107.

  Cfr. neste sentido o Ac. do STJ 24-10-2019, Revista n.º 1152/15.0T8VFR.P1.S1 – disponível em www.dgsi.pt.

2. In Os incidentes da instância, 11ª edição, pag. 114.

3. In Blog do IPPC, Jurisprudência 2019 (135), disponível em https://blogippc.blogspot.com/2019/12/jurisprudencia-2019-135.html.

4. disponível em www.dgsi.pt.

5. Cfr. neste sentido os Acs. do STJ de 18-01-2022 (Revista n.º 19473/17.6T8LSB.L1.S1), de 14-12-2021 (Revista n.º 711/10.2TVPRT.P1.S1) e de 02-12-2020 (Revista n.º 359/10.1TVLSB.L1.S1) – todos disponíveis em www.dgsi .pt.

6. Cfr. neste sentido os seguintes Acs. do STJ de 02-12-2020, Revista n.º 359/10.1TVLSB.L1.S1; de 22-03-2018, Revista n.º 7053/12.7TBVNG.P1.S1; de 07-03-2017, Revista n.º 6669/11.3TBVNG.S1; de 28-01-2016, Revista n.º 136/12.5TVLSB.L1.S1; de 01-10-2015, Revista n.º 2104/05.4TBPVZ.P.S1; de 02-06-2015, Revista n.º 1263/06.3TVPRT.P1.S1; de 15-12-2011, Revista n.º 209/06.3TVPRT.P1.S1; de 17/12/2009, Revista n.º 544/09.9YFLSB; de 19-06-2001, Revista n.º 01A1008 - todos estes disponíveis em www.dgsi.pt – ; e de 18-02-2020, Revista n.º 1178/14.1TBFLG.P1.S2, este último disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:1178.14.1TBFLG.P1.S2/

7. Texto integral disponível em www.dgsi.pt.

8. Texto integral igualmente disponível em www.dgsi.pt, em que se concluiu que (…) II - Quer se esteja perante responsabilidade contratual, quer se esteja perante responsabilidade extracontratual, o programa prestacional do médico não é diferente, uma vez que em ambas o médico se compromete a empregar os seus esforços, a utilizar o seu saber e as técnicas que a ciência coloca à sua disposição, respeitando as leges artis, em ordem a alcançar a recuperação da saúde do doente; o que torna a ilicitude contratual e a ilicitude extracontratual, nos casos de responsabilidade médica, muito próximas e leva a que um mesmo comportamento lesivo de um médico possa fundar, simultaneamente, uma responsabilidade de natureza contratual e extracontratual. III - Provando-se que, numa intervenção cirúrgica (laparoscopia) para remoção dum adenocarcinoma do cólon/reto, foi seccionado o uréter esquerdo do doente, o que veio a exigir a realização duma nefrostomia (colocação dum dreno, para que a urina fosse expelida para o exterior, por um saquinho), provou-se o ato (ilicitude) – corte do uréter esquerdo – que veio a originar o dano (nefrostomia definitiva), ato esse que constituiu um defeito da prestação médica contratada com a clínica e realizada pelo médico. (…)

9. In Ilicitude e Culpa na Responsabilidade Médica, Materiais para o Direito da Saúde n.º 1, 2019, Centro de Direito Biomédico, FDUC, p. 31 e ss..

10. In A Responsabilidade Civil do Médico, Reflexões sobre a noção da perda de chance e a tutela do doente lesado, Centro de Direito Biomédico, Coimbra Editora 2008, FDUC, pp. 56-69.

11. In Reflexões em torno da responsabilidade civil dos médicos, Direito e Justiça, Vol. XIV, Tomo 3, 2000, pp. 186 e ss..

12. Cfr. neste sentido o Ac. do STJ de 09-03-2022, Revista n.º 33796/15.5T8LSB.L1.S1.

13. Cfr, ainda, neste sentido, os Acs. do STJ de 24/10/2019, Revista n.º 3192/14.8TBBRG.G1.S1, e de 14-12-2021, Revista n.º 711/10.2TVPRT.P1.S1 – ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

14. Ac. STJ, de 11/7/06, proc. 06A1503 ITIJ - entre muitos outros que poderíamos citar.

15. Disponível em www.dgsi.pt.

16. Disponível em www.dgsi.pt.

17. Disponível em www.dgsi.pt.

18. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, “Os Contratos Civis de Prestação de Serviço Médico, in “Direito da Saúde e Bioética”, AAFDL, 1996, pg. 117.

19. Disponível em www.dgsi.pt.

20. In obra citada, pp. 112 e ss..

21. La responsabilidade penal del médico, Madrid, 2003.

22. Revista n.º 21966/15.0T8PRT.P2.S1, com texto integral disponível em www,dgsi.pt.

23. A Negligência Médica Hospitalar na Perspectiva Jurídico-Penal, Estudo sobre a responsabilidade criminal médico-hospitalar, Almedina, 2013, pág. 41-42.

24. Regulamento n.o 14/2009, da Ordem dos Médicos, Diário da República n.o 8, II Série, de 11 de Janeiro de 2009.

25. - Artigo 31.º (Princípio geral) «O médico que aceite o encargo ou tenha o dever de atender um doente obriga-se à prestação dos melhores cuidados ao seu alcance, agindo sempre com correcção e delicadeza, no exclusivo intuito de promover ou restituir a saúde, conservar a vida e a sua qualidade, suavizar os sofrimentos, nomeadamente nos doentes sem esperança de cura ou em fase terminal, no pleno respeito pela dignidade do ser humano.».

26. - Artigo 33.º (Condições de exercício) «1. O médico deve exercer a sua profissão em condições que não prejudiquem a qualidade dos seus serviços e a especificidade da sua acção, não aceitando situações de interferência externa que lhe cerceiem a liberdade de fazer juízos clínicos e éticos e de actuar em conformidade com as leges artis. (…)».

27. - ÁLVARO DA CUNHA GOMES RODRIGUES, A Negligência Médica Hospitalar na Perspectiva Jurídico-Penal, Estudo sobre a responsabilidade criminal médico-hospitalar, Almedina, 2013, pág. 154.

28. Risco e negligência na prática clínica, Revista do Ministério Público, 130, Abril/Junho 2012, págs. 89/90.

29. Assim, ainda, a Revista n.º 3800/07, da 2ª Secção do STJ.

30. Cfr. entre outros os Acs. do STJ de 26-11-2020, Revista n.º 21966/15.0T8PRT.P2.S1 e de 14-12-2021, Revista n.º 711/10.2TVPRT.P1.S1 – ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

31. Revista n.º 148/14.4TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.

32. Cfr. ANDRÉ GONÇALO DIAS PEREIRA, Direitos dos pacientes e responsabilidade médica, Coimbra, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2012, pp.325, 351; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Novembro de 2017, Proc. n.º 23592/11.4T2SNT.L1, disponível em www.dgsi.pt, de 22 de Março de 2018, Proc. n.º 7053/12.7TBVNG.P1.S1 e de 24 de Outubro de 2019, Proc. n.º 3192/14.8TBBRG.G1.S1 – todos disponíveis em www.dgsi.pt.

33. Cfr. ANDRÉ GONÇALO DIAS PEREIRA, Direitos dos pacientes e responsabilidade médica, Coimbra, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2012, pp.387-390; ANDRÉ GONÇALO DIAS PEREIRA André Gonçalo Dias Pereira, Responsabilidade médica e consentimento informado. Ónus da prova e nexo e causalidade; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de junho de 2015, disponível em http://www.dgsi.pt.

34. In O consentimento informado para o ato médico no ordenamento jurídico português (elementos para o estudo da manifestação da vontade do paciente), número 3, Centro de Direito Biomédico, Coimbra Editora, 2001, p. 243.

35. In O ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica, Direito da Saúde e Bioética, edição da AAFDL.

36. Texto integral disponível em http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f80b5c5850afdfb780257d6d003027bf.

37. Relatora Maria clara Sottomayor, disponível in www.dgsi.pt.

38. Revista n.º 148/14.4TVLSB.L1.S1 - texto integral disponível em www.dgsi.pt.

39. Cfr. neste sentido o Ac. do STJ de 02-11-2017, Revista n.º 23592/11.4T2SNT.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.

40. Cfr. neste sentido, igualmente, o citado aresto do STJ de 08-09-2020 e bem assim ANDRÉ GONÇALO DIAS PEREIRA, Direitos dos pacientes e responsabilidade médica, FDUC, 2012, p.406.

41. Os destaques são nossos.

42. Revista n.º 96/18.9T8PVZ.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.

43. Ver Ac. do STJ de 27/10/2009, in http://www.dgsi.pt.

44. O homem artífice.

45. Disponível em www.dgsi.pt.

46. O homem artífice.

47. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Noc. Fundamentais Dir. Civil, 6.ª ed., 104, nota 2.

48. Cfr. DARIO MARTINS DE ALMEIDA, Manual de Ac. De Viação, 1980, pp ­103/104.

49. Dicionário Jurídico – 4ª ed.- 2005-499.

50. Ac.S.T.J. 14/1/2021, pº 644/12.8TBCTX.L1.S1.

51. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem defendido que o recurso à equidade “não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso. O não afastamento, pela sindicância do juízo equitativo, da necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade, ilustra a tendencial uniformização de critérios na fixação judicial dos montantes indemnizatórios, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto – Cf. Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de maio de 2019 (Maria dos Prazeres Beleza), proc. n.º 2476/16.5T8BRG.G1.S2; de 8 de junho de 2017 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), Proc. n.º 2104/05.4TBPVZ.P1.S2 e ainda acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de dezembro de 2017 proc. n.º 559/10.4TBVCT.G1.S1; de 28 de janeiro de 2016, proc. n º 7793/09.8T2SNT.L1.S1; de 6 de abril de 2015, proc. n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para os acórdãos de 28 de outubro de 2010, proc. n.º 272/06.7TBMTR.P1.S1, e de 5 de novembro de 2009, proc. n.º 381-2002.S1m estes in www.dgsi.pt.

52. Ac. do STJ, de 15.04.2009, Raul Borges, Processo n° 08P3704, in www.dgsi.pt.

53. Texto integral disponível em PDF.

54. disponível em www.dgsi.pt.

55. Disponível em www.dgsi.pt.

56. Disponível em www.dgsi.pt.

57. V.g. Acs. do STJ, de 29-10-20, 13585/19, de 26-1-17, 1862/13 e de 10-1-17, 536/16, em www.dgsi.pt.

58. Exemplificativamente, veja-se Ac. STJ de 05.05.2020, Procº 30/11.7TBSTR.E1.S1; STJ de 12.07.2018, Procº 1842/15.8T8STR.E1.S1; Ac. da RG de 30.05.2019, Procº 1760/16.2T8VCT.G1; da RC de 22.01.2019, Procº 342/17.6T8CBRC1, todos em www.dgsi.pt.

59. Disponível em www.dgsi.pt.

60. Cfr. o Ac. do STJ de 4.3.2008, Proc. 08A164, in www.dgsi.pt.

61. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 9.ª ed., p. 628.

62. Cfr. Ac. do STJ de 12.10.1973, BMJ, 230.º, p. 107.

63. Para a pergunta sobre em que consiste a equidade “não há resposta fácil nem unívoca”, mas parece possível dizer “que a decisão segundo a equidade (…) pode conferir peso a quaisquer argumentos sem se preocupar com a sua autoridade e relevância face às aludidas fontes (do sistema). É campo ilimitado do 'material', do 'razoável', do 'justo', do 'natural'”. Cfr. Manuel A. Carneiro da Frada, “A equidade ou a 'justiça com coração' – A propósito da decisão arbitral segundo a equidade”, in: Forjar o Direito, Coimbra, Almedina, 2015, p. 656 e pp. 675-676 (interpolação nossa).

64. Cfr. artigo 494.º.

65. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., 1987, p. 501.

66. Ac. STJ de 25‑7‑2002, in CJ cit., p. 134

67. Teoria Geral do Direito Civil, 3ª. Ed., pág. 15.

68. Cfr, designadamente, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in Código Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., revista e actualizada, págs. 473/474, e Acs. do STJ de 17/12/2019, proc. 2224/17.2T8BRG.G1.S1, de 17/12/2019, proc. 480/1.TBMMV.C1.S2, de 02/12/2013, proc. 1110/07.9TVLSB.L1.S1, e de 02/06/2016, proc. 6244/13.8TBVNG.P1.S1, disponíveis in dgsi.pt.

69. Danos não patrimoniais, Comemorações dos 35 anos do Código Civil, Vol. III, Direito Das Obrigações, pág. 542.

70. Disponível em www.dgsi.pt.

71. Disponível em www.dgsi.pt.

72. Disponível em www.dgsi.pt.

73. Disponível em www.dgsi.pt.