Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
89/18.6YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: AUDIÊNCIA PRÉVIA
ANTIGUIDADE
ACTO ADMINISTRATIVO
ATO ADMINISTRATIVO
NULIDADE
ANULABILIDADE
FUNDAMENTAÇÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
PROCESSO ADMINISTRATIVO
DECISÃO FINAL
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
RECURSO CONTENCIOSO
JUIZ
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE CONTENCIOSO
Decisão: JULGA A IMPUGNAÇÃO PROCEDENTE E NÃO TOMA CONHECIMENTO DO SEGUNDO PEDIDO
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO – ACTIVIDADE ADMINISTRATIVA / ACTO ADMINISTRATIVO / VALIDADE DO ACTO ADMINISTRATIVO / CONDIÇÃO, TERMO OU MODO / DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO / RECLAMAÇÃO E RECURSOS ADMINISTRATIVOS / RECLAMAÇÃO / EFEITOS DA RECLAMAÇÃO.
DIREITO CONSTITUCIONAL – ORGANIZAÇÃO DO PODER POLÍTICO / ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA / ESTRUTURA DA ADMINISTRAÇÃO.
Doutrina:
- Fernando Gonçalves, Manuel João Alves, Victor Manuel Freitas Vieira, Rui Miguel Gonçalves, Bruno Correia e Mariana Violante Gonçalves, Novo Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado, 5.ª ed., Almedina, Almedina, 2017, p. 324;
- Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Vol. III, Lisboa, 1989, p. 25, 26, 189, 197 e 198;
- Luís Cabral de Moncada, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3.ª ed., Quid Iuris, Lisboa, 2019, p. 397 e 398,
- Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 156, 158, 306 a 308.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGOS 121.º, N.º 1, 124.º, N.º 2 E 163.º, N.ºS 1 E 5.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 267.º, N.º 5.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 28-02-2018, PROCESSO N.º 81/17.8YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 16-05-2018, PROCESSO N.º 76/17.1YFLSB.


-*-


ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

- DE 22-01-2014, PROCESSO N.º 0441/13;
- DE 26-09-2018, PROCESSO N.º 1506/17.8, AMBOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. Tendo o demandante sido confrontado – pela primeira vez após acórdão proferido por este Supremo Tribunal em processo anterior, que declarou a caducidade de anterior procedimento administrativo que fixara a antiguidade do ora demandante – com o despacho do Vice-Presidente do CSM, em novo procedimento administrativo, fixando a sua antiguidade para efeitos do movimento judicial ordinário de 2018, forçoso é concluir que: (i) Antes da decisão do Vice-Presidente do CSM, neste novo procedimento administrativo, não foi respeitada a exigência de audiência prévia do interessado, nos termos do nº 1 do art. 121º do CPA; (ii) Na decisão do Vice-Presidente do CSM não foi cumprida a exigência de fundamentação para a dispensa da audiência prévia, como impõe o nº 2 do art. 124º do CPA.

II. Da factualidade provada conclui-se também que, no procedimento administrativo decisório de 2º grau (a reclamação), o Plenário do CSM se limitou a apreciar a questão da alegada violação do direito de audiência prévia, considerando não existir tal violação por entender não ser a decisão reclamada uma decisão final; na mesma deliberação, o Plenário, escudando-se em não estar em causa uma decisão final, também não emitiu qualquer decisão sobre a fixação da antiguidade do ora demandante para efeitos de movimento judicial ordinário de 2018.

III. Não se pode acompanhar o entendimento de que o despacho do Vice-Presidente do CSM não configura uma “decisão final”, na medida em que nele se toma uma decisão concreta e dirigida ao reclamante, ora demandante, decisão que se repercute pessoal, directa e imediatamente na sua esfera jurídica para o fim visado, a saber, o movimento judicial ordinário de 2018.

IV. Deste modo, conclui-se que foi preparada e tomada uma decisão final para efeitos do movimento judicial ordinário de 2018 sem que o interessado tivesse tido possibilidade de contraditar as várias questões suscitadas relevantes para a mesma decisão, e sem constar qualquer fundamentação para a dispensa dessa possibilidade.

V. Relativamente ao problema de saber se a consequência do vício será a nulidade ou a anulabilidade do acto administrativo, e ainda que existam divergências doutrinais a este respeito, adere-se à orientação da jurisprudência mais recente, tanto do STJ como do STA, segundo a qual a omissão da audiência prévia constitui uma formalidade legal conducente à anulabilidade da decisão administrativa.

VI. Não se verificando qualquer das hipóteses que determinam o aproveitamento do acto anulável previstas no nº 5 do art. 163º do CPA, temos que, ao não reconhecer a violação do direito de audiência prévia do ora demandante, a deliberação impugnada não respeitou a estatuição do artigo 121º do CPA, incorrendo, pois, em vício de violação de lei, o que determina a sua anulabilidade, nos termos do nº 1 do artigo 163º do CPA.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório

1. AA, Juíz ..., vem impugnar a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM) de 30 de Outubro de 2018, que deliberou pela improcedência da reclamação relativa ao despacho do Vice-Presidente do CSM, datado de 7 de Junho de 2018, que decidiu descontar na antiguidade do demandante o período compreendido entre … e … para efeitos do movimento judicial ordinário de 20….

         Alega que tanto a deliberação como o despacho padecem das seguintes invalidades:
a) Violação do princípio da audiência prévia;
b) Violação do caso julgado formado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 16/05/2018, proferido no âmbito do processo nº 76/11….;
c) Violação da norma do artigo 156º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) por atribuição ilegal de eficácia retroactiva;
d) Violação de lei (artigo 281º, nº 3 da Lei de Trabalho em Funções Públicas (LTFP));
e) Violação do princípio da tutela da confiança.

Conclui o demandante pedindo que a deliberação impugnada e o despacho do Vice-Presidente do CSM sejam declarados nulos ou anulados por serem ilegais.

Pede ainda que seja declarado que o período de tempo em causa na referida deliberação e no referido despacho não possa ser objecto de novo procedimento administrativo, devendo a sua antiguidade ser contada em conformidade.

2. O CSM deduziu resposta a sustentar, no que respeita às invalidades invocadas, o seguinte:

- Não ocorre violação do direito à audiência prévia porque o demandante já se pronunciou anteriormente sobre a questão da sua antiguidade, no procedimento nº …, tendo tido conhecimento exaustivo do denso caminho adoptado pelo CSM, com prolação de diversos pareceres e adopção final de duas deliberações do Plenário (naquele e no actual procedimento);

- Não padece a deliberação impugnada de vício de violação do caso julgado uma vez que o Acórdão do STJ de 16/5/2018, invocado para tanto, se limitou a declarar a anulação da deliberação com fundamento na caducidade do procedimento administrativo anterior;

- Não padece a deliberação impugnada de vício de atribuição ilegal de eficácia retroactiva porque o demandante confunde a retroactividade da decisão administrativa com a definição, por acto administrativo, do tratamento de uma questão, de direito e de facto, que se prolonga ao longo do tempo;

- Não padece a deliberação impugnada de vício de violação de lei por, conforme exaustivamente alega, a decisão de fixação da antiguidade ser a mais adequada ao cumprimento da legislação aplicável;

- Não padece a deliberação impugnada de vício de violação do princípio da tutela da confiança porque não existiu, por parte do demandado, qualquer conduta que produzisse no demandante a confiança de que não seria decidida a perda de antiguidade no período em causa.

Conclui pela improcedência da impugnação deduzida.

3. Posteriormente, o demandante apresentou alegações em que reitera, no essencial, os fundamentos e a argumentação inicialmente invocados, terminando nos seguintes termos:

“1) Face quer às deliberações antecedentes à ora impugnada, quer face ao caso julgado que determinou, entre outras, oficiosamente a caducidade do procedimento de fixação da antiguidade do A., ao contrario do que sucedeu, impõe-se que, ao abrigo do princípio da tutela jurisdicional efetiva, sob pena de sua violação (e sem prejuízo das invalidades que se verificam quanto à deliberação ora impugnada que determinam, pelo menos, a sua anulação) se fixe, de uma vez por todas, a antiguidade do A.;

2) A douta deliberação do CSM, de 30 de outubro de 2018, que deliberou pela improcedência da reclamação datada de 09.07.2018, do despacho do Exmo. Senhor Vice-Presidente de CSM de 07 de junho de 2018, padece de invalidades várias e, por isso, deve ser pelo menos anulada. Vejamos:

3) Primeiro viola o princípio da audiência prévia, porque como resulta da evidência dos factos, de acordo com o disposto no artigo 121° do CPA, conjugado com o artigo 124° do CPA, é totalmente claro e sem margem para quaisquer dúvidas de que in casu não estamos perante um caso de dispensa de audiência prévia, pelo que a mesma deveria ter sido realizada, tal como a isso impõe o princípio constitucional da participação dos interessados, que consagra um verdadeiro direito subjetivo procedimental ao A;

4) Trata-se de um verdadeiro direito subjetivo procedimental que visa acima de tudo permitir que os interessados possam contribuir para a boa decisão administrativa, razão pela qual, no caso, ao não ter sido realizada a audiência prévia, o R, não formou a sua decisão [a]través do mais cabal esclarecimento dos factos e do conhecimento da sua posição jurídica perante eles, deforma a conduzir a uma decisão mais acertada e justa;

5) Deste modo, não só por manifesta violação dos princípios de direito referidos, mas também porque em causa não está um ato vinculado, no caso sub judice não há lugar a aplicação do princípio do aproveitamento dos atos administrativos que possa não determinar a anulação da deliberação impugnada por violação do princípio da audiência prévia;

6) Segundo, viola o caso julgado: o douto Acórdão de 16.05.2018, proferido por este Tribunal, não obstante ter anulado a deliberação do CSM de 06.06.2017 que descontou na antiguidade do ora A. o período que mediou entre 15.12.2014 e 14.05.2018, com base na caducidade do procedimento administrativo, não deixou de se pronunciar sobre a questão da antiguidade propriamente dita, como resulta evidente nomeadamente a fls. 14 a 17;

7) Sobre a questão do desconto da antiguidade foi referido, designadamente que o disposto no artigo 74º, alínea a), do EMJ deve ser interpretado de acordo com o disposto nos artigos 280º a 283º da LTFP;

8) Ora, a decisão em crise faz precisamente o contrário, isto é, baseia-se única e exclusivamente no disposto no artigo 74º do EMJ, não fazendo qualquer referência ao disposto nos artigos 280º a 283º da LTFP e nem sequer classifica o que entende por "licença de longa duração";

9) Isto é, a decisão ora impugnada decide em sentido contrário ao vertido no douto Acórdão de 16.05.2018, razão pela qual há, assim, violação do caso julgado o que determina a sua nulidade;

10) Terceiro, viola o disposto no artigo 156º do CPA por atribuição ilegal de eficácia retroativa;

11) O certo é que não está em causa nenhuma das situações previstas no nº 1 do artigo 156º do CPA, nem no seu nº 2.

12) Logo, a atribuição de eficácia retroativa à deliberação impugnada é ilegal e também acarreta a sua invalidade;

13) Quarto, viola o disposto no artigo 281º, nº 3, da LTFP, na medida em que, violando o caso julgado, como dito adrede, o R. "fez letra morta" do referido por este Tribunal e decidiu aplicar ao A. o desconto na antiguidade do período de tempo em que o mesmo exerceu funções como magistrado (primeiro como juiz na primeira instância e após no …) em organismo internacional, …., devidamente autorizado para o efeito;

14) Ora, de acordo com o estipulado no artigo 281°, nº 3, da LTFP o exercício de funções em organismo internacional confere ao A. o direito à contagem desse tempo para efeitos de antiguidade - o que não sucedeu, pelo que a deliberação impugnada viola a lei o que acarreta a sua anulação;

15) Quinto, a deliberação impugnada viola, ainda, o princípio da tutela da confiança na medida em que, por um lado, a deliberação impugnada foi tomada em absoluto desrespeito pelo caso julgado, e com aplicação de efeitos retroativos legalmente proibidos;

16) Por outro lado, o CSM publicou as listas de antiguidade relativas aos anos de 20… e 20…, em ambas aparecendo o A. sem qualquer perda de antiguidade resultante das funções que vem exercendo como juiz em organismo internacional (primeiro no … e, desde dezembro de 20…, no …) e na de 20… mesmo depois retificada por despacho do Seu Vice-Presidente de 21.11.2016 (ou seja, 5 meses e meio depois da pronúncia do A., quando o prazo estabelecido para elaboração do projeto de deliberação é de 30 dias, nos termos do artigo 30º do Regulamento Interno do CSM);

17) E por outro lado, ainda, o CSM sabe que as Licenças em causa foram concedidas para o exercício de funções em organismo internacional, cujo interesse público foi declarado, e que por isso o A. tem direito à contagem do tempo para efeitos de antiguidade, nos termos dos artigos 283º, nºs 1, alínea b), e 3, 281º, nº 3, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas - nesse sentido pode ver-se o parecer de 08.06.2016 do hoje Exmo. Senhor Juiz Secretário do CSM.”

4. Por sua vez, o CSM também apresentou alegações em que retomou, no essencial, os fundamentos e argumentos anteriormente invocados.

5. Por fim, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer de fls. 170-176, no qual se pronuncia no sentido da improcedência da presente acção de impugnação.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Factos provados relevantes para a decisão

1. Por deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 6 de Junho de 2017 foi determinado o desconto na antiguidade do aqui recorrente Juíz ... AA do período que mediou entre … e ….

2 - De tal deliberação o recorrente AA interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça o qual por acórdão transitado em julgado em 1 de Junho de 2018, no âmbito do processo n.º 76/17.l…. julgou procedente o recurso interposto declarando a anulação da deliberação indicada em 1. com fundamento na caducidade do procedimento administrativo.

3. Em 6 de Junho de 2018 foi elaborada informação pela Divisão dos Serviços de Quadro e Movimentos Judiciais deste Conselho Superior da Magistratura com o seguinte teor:

“Na sequência de decisão judicial proferida no âmbito do Processo n° 76/17…. que correu termos na secção de contencioso do Supremo Tribunal de Justiça e que transitou em julgado no passado dia 1 de junho de 2018, foi declarada anulada a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 6 de Junho de 2017 no qual se concluiu pelo desconto da antiguidade do Exmo. Senhor Juíz ... Dr. AA entre …, período em que se encontrou a gozar uma licença sem remuneração com fundamento na caducidade do procedimento administrativo, vd. artigo 128.º n.º 6 do CPA.

0 Supremo Tribunal de Justiça com o referido acórdão veio declarar a anulação do procedimento que culminou com a deliberação de 6 de junho de 2017 tendo por base a caducidade desse mesmo procedimento não se debruçando sobre o mérito da questão de fundo, ou seja, a definição da antiguidade do Juíz ... Dr. AA.

A definição desta antiguidade é absolutamente relevante para efeitos de graduação do referido magistrado no âmbito do movimento judicial ordinário de 2018 ao qual concorreu em virtude do terminus da sua licença sem remuneração a 28 de junho de 2018.

Os juízes concorrentes aos movimentos judiciais são graduados para este efeito com base na sua antiguidade e mérito sendo que aquela antiguidade é aferida com base na última lista de antiguidade aprovada. 

A última lista de antiguidade aprovada é reportada a 31 de Dezembro de 2017, data em que o Juíz ... Dr. AA ainda se encontrava no gozo de licença sem remuneração razão pela qual não faz parte integrante dessa ordenação.

Assim sendo, é necessário que, em novo procedimento, se defina a antiguidade do Juíz ... Dr. AA, para efeitos de graduação no processamento ao movimento judicial ordinário de 2018, ou seja, é necessário identificar qual a sua antiguidade e suposta posição à data e na lista reportada a 31 de Dezembro de 2017. 

Considerando que nos termos do artigo 74° a) do EMJ o tempo de gozo das licenças de longa duração não conta para efeitos de antiguidade.

Considerando a deliberação tomada na Sessão Plenária do CSM, de 26 de Abril de 2016, onde ficou assente que não deverão ser contabilizados para efeitos de antiguidade, os tempos de gozo de licenças sem remuneração, independentemente [d]a sua finalidade, cuja duração seja igual ou superior a um ano. 

Considerando que o Juíz ... Dr. AA se encontra em gozo de licença sem remuneração de longa duração com finalidades genéricas, no período compreendido entre … e …..

Deverá este período de tempo ser descontado na sua antiguidade e assim ser integrado na ordenação da lista de antiguidade reportada a ... com a antiguidade na carreira e categoria que detinha a 14 de Dezembro, ou seja, … anos, … meses e … dias.

Fica assim posicionado apenas para efeito do movimento judicial ordinário 2018 entre o número de ordem … BB com a antiguidade na carreira e categoria de 20 anos, 3 - meses e 28 dias e o número de ordem … - CC com a antiguidade na carreira e categoria de 20 anos, 3 meses e 1 dia.

À consideração superior.”

4 - Em 6 de Junho de 2018 foi proferido despacho de concordância com a informação pelo Exmo Senhor Juiz Secretário do Conselho Superior da Magistratura e determinado por este que fosse o procedimento apresentado ao Exmo Senhor Vice-Presidente do mesmo Conselho para apreciação e eventual decisão.

5 - Em 7 de Junho de 2018 o Exmo Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura proferiu o seguinte despacho: “Concordo, procedendo-se em conformidade”.

6 - Tal despacho e informação subjacente ao mesmo foi enviada ao ora Reclamante em 11 de Junho de 2018.

7 - Em 10 de Julho de 2018 o ora Reclamante deduziu no Conselho Superior da Magistratura Reclamação, alegando, em síntese, que a decisão reclamada padece de invalidade por não ter ocorrido audiência prévia.

8 - No Plenário do CSM de 30-10-2018 foi deliberado por unanimidade considerar improcedente a reclamação apresentada pelo Recorrente, com a seguinte fundamentação de direito:

“III - Insurge-se o ora Reclamante do despacho do Exmo. Senhor Vice-Presidente deste Conselho Superior da Magistratura que, em concordância com a informação prestada pela Divisão dos Serviços de Quadro e Movimentos Judiciais, determinou que aquele apenas para efeito do movimento judicial ordinário de … ficasse posicionado entre o número de ordem … e o número de ordem … por considerar que o mesmo padece de invalidade dado não ter sido antecedido da sua audição prévia.

Consagra o artigo 267°, n°5, da Constituição da República Portuguesa, o direito «à participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disseram respeito». Na perspectiva de Jorge Miranda e Rui Medeiros «um dos aspectos mais relevantes da norma constitucional é a imposição ao legislador de que as decisões administrativas sejam tomadas com a participação dos destinatários e de outros sujeitos directamente interessados. Constitui um corolário da ideia, também presente no n° 1 deste artigo, de que num Estado de Direito Democrático os cidadãos não podem ser reduzidos ao estatuto de meros destinatários passivos das actuações de administração omnisciente e omnipotente. Por isso, ressalvados os casos de impossibilidade ou de inutilidade dessa participação, será inconstitucional a norma que não preveja uma fase pré-decisória em que seja dada ao interessado a oportunidade de se pronunciar, fundadamente, sobre o conteúdo projectado para a decisão».

Como resultado dessa obrigação constitucional e também daquela outra vertida no artigo 268° da Constituição da República Portuguesa, o legislador ordinário, ao editar o Código de Procedimento Administrativo, no seu artigo 100°, n° 1, estabeleceu a obrigação dos interessados a serem «ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta».

A doutrina e jurisprudência têm entendido, em geral, o direito de audiência como uma formalidade essencial e que essa prerrogativa de defesa comporta «a vertente proibitiva da decisão-surpresa».

Ora, não é este o caso, pois, não estamos perante uma decisão final. Com efeito, e tal como resulta da factualidade supra elencada a mesma refere-se ao posicionamento do ora Reclamante apenas para efeitos de processamento do movimento judicial ordinário de … de molde a permitir, designadamente, a integração do mesmo em tal movimento.

Não se trata, frisa-se, de uma decisão que estabelece de modo definitivo o posicionamento do ora Reclamante na lista de antiguidade e por conseguinte uma decisão atinente à definição da sua antiguidade.

Ademais e, ainda, que por mero exercício académico se sustentasse o contrário, a eventual declaração de nulidade ou de anulabilidade não surtiria o efeito desejado pelo ora Reclamante mas apenas a obrigação de proporcionar o direito de audição.

A decisão reclamada não é final, não define a antiguidade do ora Reclamante tendo o seu limite de aplicação ao movimento judicial ordinário de … de molde a permitir o processamento de tal movimento e a integração daquele no mesmo.

Assim, inexiste a invalidade invocada e, consequentemente, inexiste motivo para a presente reclamação proceder.”

III – Fundamentação

1. Violação do princípio da audiência prévia

1.1. Invoca o demandante que a deliberação impugnada desrespeita o princípio da audiência prévia dos interessados, uma vez que, em momento algum, lhe foi dada oportunidade de se pronunciar no procedimento administrativo no qual foi decidido fixar a sua antiguidade para efeitos do movimento judicial ordinário de ….

         O direito à audição dos interessados, previamente à tomada de decisões administrativas susceptíveis de afectar os seus interesses, funda-se no princípio constitucional da participação dos cidadãos, consagrado no nº 5 do artigo 267º da Constituição da República Portuguesa:

“O processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito”.

O princípio da participação tem também tradução, ao nível da lei ordinária, no artigo 12º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), na redacção do Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de Janeiro, preceito no qual se dispõe:

“Os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objeto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes digam respeito, designadamente através da respetiva audiência nos termos do presente Código.”

Em consonância com as normas anteriores, o direito de audiência prévia está consagrado e regulado nos artigos 121º a 125º do mesmo Código. Prescreve o artigo 121º:

“1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 124.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.

2 - No exercício do direito de audiência, os interessados podem pronunciar-se sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos.

3 - A realização da audiência suspende a contagem de prazos em todos os procedimentos administrativos.”

        Sobre este direito afirma Fernando Gonçalves: “A audiência prévia do interessado permite o exercício do contraditório, verdadeiro pilar do estado de Direito Democrático e da concepção político-constitucional das relações entre a administração e o cidadão, consubstanciando a concretização do princípio da participação plasmada no art. 267.º, n.ºs 1 e 5, da CRP. O administrado é ouvido antes de ser proferida a decisão, devendo ser-lhe concedida a efectiva possibilidade não apenas de ter uma participação activa como [de] os seus argumentos ser[em] tidos em conta na ponderação que leva à decisão a proferir pela administração.” (Fernando Gonçalves/ Manuel João Alves/ Victor Manuel Freitas Vieira/ Rui Miguel Gonçalves/ Bruno Correia/ Mariana Violante Gonçalves, inNovo Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado”, 5.ª ed., Almedina, Almedina, 2017, pág. 324, em anotação ao artigo 121.º do CPA).

         Importa ter também em conta o regime do artigo 124º do CPA, relativo à dispensa de audiência prévia, cuja aplicação é ressalvada pelo citado nº 1 do artigo 121º:

“1 - O responsável pela direção do procedimento pode não proceder à audiência dos interessados quando:
a) A decisão seja urgente;
b) Os interessados tenham solicitado o adiamento a que se refere o n.º 2 do artigo anterior e, por facto imputável a eles, não tenha sido possível fixar-se nova data nos termos do n.º 3 do mesmo artigo;
c) Seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão;
d) O número de interessados a ouvir seja de tal forma elevado que a audiência se torne impraticável, devendo nesse caso proceder-se a consulta pública, quando possível, pela forma mais adequada;
e) Os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas;
f) Os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão inteiramente favorável aos interessados.

2 - Nas situações previstas no número anterior, a decisão final deve indicar as razões da não realização da audiência.”

         Acerca da dispensa da audiência prévia, afirma Luís Cabral de Moncada o seguinte: “Agora a audiência existe sempre, salvo nos casos em que a lei dá a administração o poder discricionário de a dispensar. Daqui resulta que a omissão da audiência é sempre violação de uma formalidade essencial do acto, a não ser que tenha sido dispensada mediante uma decisão administrativa que deve ser obviamente fundamentada a e notificada e está sujeita a impugnação graciosa e contenciosa. A obrigação de audiência existe sempre. Pode é ser dispensada mas o título adequado para tal dispensa é sempre um acto administrativo de dispensa sujeito ao regime geral que lhe cabe. Se a obrigação de convocar a audiência deixou de ser inexistente é porque existe. Se existe deve constar de um acto administrativo de dispensa a notificar ao interessado. A dispensa é, aliás, ela própria, um acto administrativo sujeito ao respectivo regime geral. E não se diga que aqui a dispensa é legal pelo que não carece de acto administrativo expresso a notificar ao interessado pois se assim fosse o dever de convocar a audiência prévia não existira e a antiga fórmula é que estava bem”. (Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3.ª ed., Quid Iuris, Lisboa, 2019, pág. 397).

        Mais à frente, conclui o mesmo autor, acerca do dever de fundamentação previsto no nº 2 do artigo 124º do CPA: “Importa evidenciar que no caso da dispensa da audiência a Administração está obrigada fundamentar na decisão final a dispensa de que já previamente notificara a interessado. A fundamentação da dispensa faz-se na decisão final como se diz no n.º 2, e não na decisão que o notifica da dispensa, por razões de simplicidade procedimental e de informalidade. (…) No entanto, o n.º 2 do artigo exige a indicação ao interessado na decisão final das razões da não realização da audiência e a norma não comporta, tomada à letra, excepções.” (cit., pág. 398).

1.2. Procurando aplicar o direito enunciado ao caso dos autos, temos que, da factualidade dada como assente, resulta que o demandante não foi ouvido no procedimento administrativo antes de, por despacho do Vice-Presidente do CSM de 7 de Junho de 2018, ter sido fixada a sua antiguidade para efeitos do movimento judicial ordinário de 2018, nem tampouco lhe foi dado conhecimento prévio do sentido provável desse mesmo despacho.

Deste modo, deve reconhecer-se ter sido o demandante confrontado pela primeira vez após o Acórdão de 16/05/2018, proferido por este Supremo Tribunal no processo nº 76/17.1YFLSB (que declarou a caducidade de anterior procedimento administrativo que fixara a antiguidade do ora demandante) com o despacho do Vice-Presidente do CSM, datado de 7 de Junho de 2018, fixando a sua antiguidade para efeitos do movimento judicial ordinário de 2018, movimento ao qual o demandante iria concorrer uma vez que terminara o gozo da sua licença sem remuneração.

Forçoso é, assim, concluir que:
(i) Antes da decisão do Vice-Presidente do CSM no novo procedimento administrativo não foi respeitada a exigência de audiência prévia do interessado, nos termos do nº 1 do artigo 121º do CPA;
(ii) Na decisão do Vice-Presidente do CSM não foi cumprida a exigência de fundamentação para a dispensa da audiência prévia, como impõe o nº 2 do artigo 124º do CPA.

1.3. Perante a decisão constante do despacho do Vice-Presidente de 7 de Junho de 2018, o ora demandante socorreu-se do único meio de impugnação de que dispunha, a reclamação para o Plenário do CSM, conforme previsto no artigo 166º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ). Fê-lo, alegando apenas o desrespeito pelo direito de audiência prévia em relação à decisão do Vice-Presidente do CSM.

        Em resposta a esta reclamação, o Plenário aprovou a deliberação ora impugnada, declarando não existir violação do direito de audiência prévia por não estar em causa uma decisão final. Recordem-se os termos exactos da deliberação:

“Ora, não é este o caso, pois, não estamos perante uma decisão final. Com efeito, e tal como resulta da factualidade supra elencada a mesma refere-se ao posicionamento do ora Reclamante apenas para efeitos de processamento do movimento judicial ordinário de 2018 de molde a permitir, designadamente, a integração do mesmo em tal movimento.

Não se trata, frisa-se, de uma decisão que estabelece de modo definitivo o posicionamento do ora Reclamante na lista de antiguidade e por conseguinte uma decisão atinente à definição da sua antiguidade.

Ademais e, ainda, que por mero exercício académico se sustentasse o contrário, a eventual declaração de nulidade ou de anulabilidade não surtiria o efeito desejado pelo ora Reclamante mas apenas a obrigação de proporcionar o direito de audição.

À decisão reclamada não é final, não define a antiguidade do ora Reclamante tendo o seu limite de aplicação ao movimento judicial ordinário de 2018 de molde a permitir o processamento de tal movimento e a integração daquele no mesmo.”

        Constata-se, pois, que a deliberação impugnada entendeu não ser a decisão do Vice-Presidente (de 07/06/2018) uma “decisão final”, na medida em que a mesma não definiu, de modo definitivo, a antiguidade do ora demandante, tendo o seu limite de aplicação ao movimento judicial ordinário de 2018, a fim de permitir o processamento desse movimento e a integração do demandante no mesmo; e, que, precisamente em razão da falta de definitividade da mesma decisão, não dispunha/dispõe o ora demandante do direito a audiência prévia.

         Quid iuris?

        Antes de mais, afigura-se não se poder acompanhar o entendimento de que o despacho do Vice-Presidente do CSM não configura uma “decisão final”, na medida em que nele se toma uma decisão concreta e dirigida ao reclamante, ora demandante, decisão que se repercute pessoal, directa e imediatamente na sua esfera jurídica para o fim visado, a saber, o movimento judicial ordinário de 2018.

Na verdade, o despacho do Vice-Presidente do CSM foi proferido sobre informação (de 06/06/2018) da Divisão dos Serviços de Quadro e Movimentos Judiciais do CSM na qual se declara que, em consequência da anulação do procedimento administrativo anterior por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, “é necessário que, em novo procedimento, se defina a antiguidade do Juíz ... Dr. AA, para efeitos de graduação no processamento ao movimento judicial ordinário de 2018, ou seja, é necessário identificar qual a sua antiguidade e suposta posição à data e na lista reportada a 31 de Dezembro de 2017.”

Nestes termos, ainda que a definição da antiguidade pela decisão do Vice-Presidente, objecto de reclamação para o Plenário, se limite a produzir efeitos quanto ao movimento judicial ordinário de 2018, para este fim constitui indubitavelmente uma decisão final, na medida em que os efeitos dela decorrentes se repercutem necessária, directa e imediatamente na esfera jurídica do reclamante, ora impugnante.

Procurando densificar o conceito de decisão final e, consequentemente, delimitar a legitimidade do interessado, recorde-se a explicação de Mário Aroso de Almeida: “Com efeito, como o acto administrativo tem em vista a tomada de uma decisão concreta, é natural que nele se constituam como interessados os titulares de direitos ou interesses individuais passíveis de serem afectados pela decisão a tomar.” (Teoria Geral do Direito Administrativo, 5ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, pág. 156) Assim, “podem ser interessados no procedimento os titulares de direitos, interesses legalmente protegidos, deveres, encargos, ónus ou sujeições que possam ser conformados pelas decisões que nesse procedimento forem ou possam ser tomadas (…)” (cit., pág. 158).

Ocorre afectação dos interesses do ora demandante pela decisão do Vice-Presidente, objecto da reclamação apreciada e decidida pela deliberação ora impugnada, uma vez que, ainda que apenas para efeitos da sua graduação no movimento judicial ordinário de 2018, a sua antiguidade (reportada a 31/12/2017), foi efectivamente fixada.

E tendo-o sido, reconhece-se que, se o ora impugnante não utilizasse o meio gracioso ao seu dispor (a reclamação prevista no artigo 166º do EMJ), a decisão do Vice-Presidente do CSM tornar-se-ia definitiva e não impugnável, ficando fixada a antiguidade do demandante, reportada à data de …, em … anos, … meses e … dias, para efeitos do movimento judicial ordinário de 2018.

1.4. Aqui chegados, importa ponderar se, tendo a deliberação impugnada considerado que a decisão reclamada não revestia a natureza de decisão final, assumiu que a própria deliberação seria a decisão final, tendo o direito de audiência prévia do interessado sido assegurado mediante a própria reclamação por este apresentada.

         Para compreender a conveniência de considerar a questão sob este prisma, há que ter em conta a distinção entre procedimento administrativo decisório de 1º e de 2º grau.

        Segundo a lição de Freitas do Amaral: O procedimento decisório de 1.º grau é o procedimento administrativo tendente à prática de um acto primário, contemplando várias fases: fase inicial, de instrução, da audiência dos interessados, da preparação da decisão, fase da decisão e fase complementar” (Direito Administrativo, Vol. III, Lisboa, 1989, pág. 189). “Na fase da decisão o procedimento encaminha-se para o seu acto principal: a decisão final. Ela cabe ao órgão competente para decisão. De um modo geral, aplicam-se à decisão final do procedimento as regras de direito administrativo que disciplinam por forma genérica o regulamento, o acto administrativo ou o contrato administrativo, conforme for o caso” (cit., págs.197-198); enquanto O procedimento decisório de 2.º grau, são as garantias administrativas dos particulares – “garantias impugnatórias” – isto é, meios de impugnação de actos administrativos perante autoridades da própria administração pública. As garantias impugnatórias são aquelas em que perante um acto administrativo já praticado, os particulares são admitidos por lei a impugnar esse acto, isto é, a atacá-lo com determinados fundamentos. As principais espécies de garantias impugnatórias são: as reclamações, o recurso hierárquico (próprio e impróprio) e o recurso tutelar” (Direito Administrativo, Vol. IV, Lisboa, 1988, págs. 25-26).

Aplicando estes ensinamentos ao caso sub judice, temos que a decisão final para efeitos do procedimento administrativo de 1º grau foi a decisão do Vice-Presidente do CSM de 07/06/2018, uma vez que, analisado o procedimento que consta da factualidade provada, verificamos que a decisão do Vice-Presidente do CSM fixou a antiguidade do demandante para efeitos de movimento ordinário judicial de 2018.

E temos que a deliberação do Plenário do CSM, que apreciou a reclamação do ora demandante, pôs termo ao procedimento administrativo de 2º grau. Fê-lo, porém, pronunciando-se apenas sobre o objecto da reclamação (violação do direito de audiência prévia), sem, no entanto, chamar a si a competência para decidir da questão da fixação da antiguidade do reclamante, ora demandante, para efeitos do movimento ordinário de 2018, pois o conteúdo da deliberação impugnada termina afirmando o seguinte:

“A decisão reclamada não é final, não define a antiguidade do ora Reclamante tendo o seu limite de aplicação ao movimento judicial ordinário de 2018 de molde a permitir o processamento de tal movimento e a integração daquele no mesmo.

Assim, inexiste a invalidade invocada e, consequentemente, inexiste motivo para a presente reclamação proceder.”

Explicitemos.

Nos termos do artigo 167º-A do EMJ, “A reclamação suspende a execução da decisão e devolve ao Plenário do Conselho a competência para decidir definitivamente”.

Porém, no caso concreto, o Plenário do CSM apenas conheceu do alegado vício de que a decisão do Vice-Presidente poderia padecer, não tendo chamado a si a competência para decidir definitivamente a questão da fixação da antiguidade para efeitos do movimento judicial ordinário de 2018, entendendo que a decisão em causa não reveste a natureza de uma decisão final.

A partir do conteúdo da deliberação impugnada infere-se que existirá um procedimento administrativo, a correr os seus termos, para fixação, para todos os fins, da antiguidade do demandante, pelo que o procedimento administrativo em causa na presente lide será um procedimento circunscrito ao movimento judicial ordinário de 2018, caducando os seus efeitos após a realização do referido movimento judicial.

Reafirme-se que, diversamente do que alega o demandado, e como se concluiu supra, no ponto anterior do presente acórdão, se considera que a decisão do Vice-Presidente de 07/06/2018, que fixou a antiguidade para efeitos do movimento judicial ordinário de 2018, ainda que eventualmente intercalar em relação a um outro procedimento administrativo, deve ser tida como decisão final relativamente ao fim visado – o movimento judicial ordinário de 2018 – na medida em que o movimento judicial de 2018 ocorreu e o ora demandante ficou posicionado, para esse efeito, “entre o número de ordem … – BB com a antiguidade na carreira e categoria de … anos, … meses e … dias e o número de ordem … – CC com a antiguidade na carreira e categoria de … anos, … meses e 1 dia”, tendo sido colocado no «TJ Comarca … > …. > Juiz … (29)”[1]

         De qualquer forma, para a resolução do problema que aqui nos ocupa – saber se deliberação impugnada será a decisão final e se, consequentemente, o direito de audiência prévia do demandado terá sido assegurado através da reclamação:
(i) Reitera-se que em momento algum a deliberação impugnada assume que a decisão final corresponde à própria deliberação;
(ii) O direito de audiência prévia não foi assegurado através da reclamação porque o ora demandante, na reclamação apresentada, apenas suscitou a questão da violação do direito de audiência prévia, não tendo contraposto as suas razões de facto e de direito quanto ao conteúdo da decisão do Vice-Presidente do CSM.

Conclui-se, assim, que o Vice-Presidente do CSM, no âmbito de um procedimento de 1º grau, proferiu uma decisão sem que o interessado fosse notificado para exercer o direito de se pronunciar sobre todas as questões com interesse para a mesma decisão, em matéria de facto e de direito, não tendo justificado os motivos devido aos quais dispensou a audição do interessado.

Conclui-se também que, no procedimento de 2º grau (a reclamação), o Plenário do CSM se limitou a apreciar a questão da alegada violação do direito de audiência prévia, considerando não existir tal violação por a decisão reclamada não ser uma decisão final. Na mesma deliberação, o Plenário, escudando-se em não estar em causa uma decisão final, também não emitiu qualquer decisão sobre a fixação da antiguidade do ora demandante para efeitos de movimento judicial ordinário de 2018.

Deste modo, forçoso é concluir que foi preparada e tomada uma decisão final para efeitos do movimento judicial ordinário de 2018 sem que o interessado tivesse tido possibilidade de contraditar as várias questões suscitadas relevantes para a mesma decisão, e sem constar qualquer fundamentação para a dispensa dessa possibilidade.

1.5. Importa assinalar que não se ignora que, antes do procedimento administrativo ora em causa, houve um procedimento administrativo anterior que fixou a antiguidade do ora demandante e que veio a ser objecto de impugnação contenciosa no âmbito do processo nº 76/17….. Porém, tendo o Acórdão de 16/05/2018 da Secção de Contencioso deste Supremo Tribunal declarado a caducidade desse procedimento, veio o CSM a dar início a novo procedimento administrativo; sendo que, conforme resulta destes autos, no âmbito deste novo procedimento está também em causa a apreciação dos efeitos do caso julgado do decidido no sobredito acórdão deste Supremo Tribunal.

         Assim sendo, estamos perante um novo procedimento e uma nova decisão, com novas questões de facto e de direito, para as quais o demandante não foi notificado para se pronunciar antes de tomada a decisão final.

1.5. Conclui-se, assim, que no procedimento administrativo em causa se verificou violação do direito de audiência prévia do ora demandante, designadamente das normas dos artigos 121º e 124º, ambos do CPA.

2. Efeitos da violação do direito de audiência prévia

2.1. Tendo-se concluído que não foi respeitada a exigência do artigo 121º do CPA, suscita-se o problema de saber se a consequência do vício será a nulidade ou a anulabilidade do acto administrativo.

        Ainda que existam divergências doutrinais a este respeito, certo é que a orientação da jurisprudência mais recente, tanto deste Supremo Tribunal como do Supremo Tribunal Administrativo, é no sentido de que a omissão da audiência prévia constitui uma formalidade legal conducente à anulabilidade da decisão administrativa. Refiram-se, a título exemplificativo, as seguintes decisões judiciais:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/02/2018 (processo n.º 81/17.8YFLSB), in www.dgsi.pt, no qual se afirma:
“A doutrina divide-se quanto a esta questão, sendo a jurisprudência dominante, ainda que no domínio do anterior CPA (art. 100º, nº 1), no sentido da anulabilidade.
Para Freitas do Amaral a preterição da audiência prévia dos interessados num procedimento administrativo quando não tenha sido nem esteja dispensada constitui um vício de forma conducente à anulabilidade.
Já para Luiz S. Cabral de Mancada a omissão da audiência prévia afeta decisivamente o conteúdo fundamental do ato administrativo e gera a sua invalidade com a consequente nulidade e não anulabilidade.
Para os defensores da nulidade o direito de audiência prévia é um direito fundamental com consagração constitucional no art. 267.º da CRP e transposto para o art. 12.º do CPA.
Pese embora a imposição constitucional de a Administração Publica ser estruturada de forma a “assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva", não se nos afigura líquido que o direito de audição prévia deva ser encarado como um direito fundamental.
Efetivamente o direito de audição prévia e mesmo o direito mais lato de participação na gestão ou na formação das decisões da administração não se encontra previsto na Parte I, da CRP, dedicada aos direitos e deveres fundamentais.
Trata-se antes da concretização do modelo de administração participada estabelecido no art. 267.º da CRP, sendo certo que essa positivação poderia ser consagrada de outra forma e não necessariamente pela audiência prévia.
O regime regra de invalidade dos atas administrativos é, como dispõe o art. 163° do CP A, o da anulabilidade e apenas será o da nulidade nos casos em que a lei preveja essa sanção (art. 161°, nº 1).
O CPA elenca os atos nulos no seu art. 161°, n.º 2, pese embora o faça de forma não exaustiva, como resulta do advérbio ”designadamente".
É certo que na al. d) se estabelece que são nulos "[O]s actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental".
Mas, como referimos, entendemos que o direito de audiência prévia, qua tale, não constitui um direito fundamental com consagração constitucional. Por conseguinte, a sua inobservância pela administração não toma o ato nulo mas anulável.
No caso, como dissemos, antes do despacho de indeferimento proferido pelo Sr. Vice-Presidente do CSM, não foi observado o disposto no art. 121° do CPA. Mas mesmo que se considerasse que a audiência prévia deveria ter tido lugar, a inobservância, todavia, não seria suscetível de ferir o ato de nulidade mas de anulabilidade.”


- Acórdão do STA de 26/09/2018 (processo nº 1506/17.8), in www.dgsi.pt, no qual se formulou a seguinte conclusão:
“I - A falta de audiência prévia à liquidação, quando não seja legalmente dispensada, constitui preterição de formalidade essencial, conducente, em regra, à anulabilidade do acto (cfr. art. 135.º do CPA antigo, a que corresponde o n.º 1 do art. 163.º do actual CPA).”

        Aderindo a esta orientação jurisprudencial e aplicando-a ao caso sub judice, conclui-se pela anulabilidade do acto administrativo em causa, sendo aplicável o regime geral da anulabilidade previsto no artigo 163º do CPA. Em especial, torna-se necessário ponderar a aplicação do mecanismo de aproveitamento do acto administrativo, regulado no nº 5 do referido preceito nos seguintes termos:

“Não se produz o efeito anulatório quando:

a) O conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível;

b) O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via;

c) Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.”

O pressuposto comum subjacente às três hipóteses de paralisação dos efeitos anulatórios, delimitadas nas normas das alíneas transcritas, é o de que o acto a anular seria, posterior e subsequentemente, substituído por acto com o mesmo conteúdo. Nas palavras do Acórdão do STA de 22 de Janeiro de 2014 (proferido no processo nº 0441/13), consultável em www.dgsi.pt, “porque a audiência dos interessados se destina essencialmente a permitir a sua participação nas decisões que lhes digam respeito, contribuindo para o cabal esclarecimento dos factos e uma mais adequada e justa decisão, a omissão dessa audição constitui preterição de uma formalidade legal conducente à anulabilidade dessa decisão, a menos que seja manifesto que a decisão viciada só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve em concreto.” [sublinhado nosso]

         Cumpre, assim, apreciar se se impõe a não produção do efeito anulatório da deliberação impugnada, em função de cada uma das situações previstas no nº 5 do art. 163º do CPA.

2.2. Consideremos a hipótese prevista na alínea a) do nº 5 do artigo 163º do CPA: não produção do efeito anulatório quando “O conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível”.

        No Acórdão de 16/05/2018, proferido no processo nº 76/17.1YFLSB (que declarou a caducidade de anterior procedimento administrativo que fixara a antiguidade do ora demandante), pronunciou-se já este Supremo Tribunal no sentido de que, numa deliberação do CSM que fixe a antiguidade em caso de licença de longa duração, não está em causa um acto vinculado relativamente ao qual apenas se possa identificar uma única solução como legalmente prevista.

Acresce que, no caso dos autos, o conteúdo do acto anulável (a deliberação) se traduz, como vimos, no entendimento de que a decisão do Vice-Presidente do CSM não é uma decisão final pelo que não confere direito a audiência prévia do interessado. Porém, conforme se apreciou supra, entendemos, diversamente, que, para o fim do movimento judicial ordinário de 2018, aquela decisão de fixação de antiguidade é efectivamente uma decisão final. 

Nesta medida, o conteúdo do acto anulável (a deliberação) podia ser outro, designadamente a qualificação como decisão final, com o consequente reconhecimento do direito à audiência prévia.

Assim, o acto em causa (a deliberação) não é um acto de conteúdo vinculado nem a apreciação do caso concreto permite identificar apenas a solução seguida como legalmente possível. 

Pelo contrário, entendemos que a solução legalmente adequada passaria por considerar que a decisão reclamada se tratava de uma decisão final para o fim visado (o movimento judicial ordinário de 2018) que, por o ser, afectava a esfera jurídica do ora demandante; e que, consequentemente, tinha este o direito de se pronunciar sobre o sentido provável da decisão antes de mesma ser tomada.

Conclui-se, pois, não ser aplicável a alínea a) do nº 5 do artigo 163º do CPA, uma vez que o acto, ao ser anulado, não poderá ser praticado com o mesmo conteúdo.

2.3. Passemos a considerar a situação prevista na alínea b) do nº 5 do artigo 163º do CPA: não produção do efeito anulatório quando “O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via”.

         A propósito desta norma, afirma Mário Aroso de Almeida: “A previsão da alínea b) tem em vista o tipo de situações que a jurisprudência tradicionalmente reconduz à chamada degradação das formalidades essenciais em não essenciais: situações que, ao contrário do que acontece nas outras duas alíneas, dizem exclusivamente respeito a violações de regras de forma e de procedimento, em razão da instrumentalidade desse regras. Com efeito, como a observância das regras formais e procedimentais não é um fim em si mesmo, pode suceder que, nas concretas circunstâncias do caso, seja possível afirmar que, apesar da sua inobservância, foi assegurado o objectivo visado pela lei ao impô-las, em termos que não justificam a anulação do acto praticado. (…) o que se exige é que os valores protegidos pela norma procedimental ou formal violada tenham sido assegurados por outro via, de modo a poder afirmar-se que a ilegalidade cometida não teve qualquer efeito sobre a substância da decisão, pelo que não se justifica que tenha relevância invalidante em relação a ela.” (Teoria Geral do Direito Administrativo, cit., págs. 306-307).

No caso sub judice, entende-se que o fim visado pela exigência procedimental e formal preterida (direito de audiência prévia, previsto no artigo 121º do CPA) não foi alcançado por outra via.

Vejamos porquê.

No âmbito do procedimento de fixação de antiguidade para efeitos do movimento judicial de 2018 que aqui está em causa, não teve o demandante oportunidade de se pronunciar, antes de ser preparada e tomada a decisão, acerca de todas as questões relevantes para a mesma, seja quanto à matéria de facto seja quanto à matéria de direito.

É certo que, relativamente à questão dos critérios de fixação de antiguidade, o demandante se havia pronunciado no âmbito do procedimento administrativo que deu origem ao processo nº 76/17…., que correu termos nesta Secção do Contencioso. Contudo, para além de ter sido declarada a caducidade desse procedimento administrativo, no âmbito do novo procedimento suscitam-se outras questões sobre as quais o demandante tinha o direito a ser ouvido e a invocar as suas razões e argumentos. Com efeito, no novo procedimento não está apenas em causa a questão dos critérios de fixação da antiguidade, mas também a questão do alcance do caso julgado do Acórdão de 16/05/2018, proferido no indicado processo nº 76/17.1…, assim como a natureza intercalar ou definitiva da fixação da sua antiguidade.

Importa ainda recordar que, em momento algum, a deliberação impugnada assume que a decisão final é a própria deliberação nem que o direito de audiência prévia foi assegurado através da reclamação (como sucedeu, por exemplo no caso apreciado no supra referido Acórdão do STJ de 28/02/2018 (processo nº 81/17.8YFLSN) em que se considerou que a finalidade do direito de audiência prévia (omitido) fora alcançada pela via da reclamação apresentada, uma vez que, naquele processo, na dita reclamação a interessada se pronunciara e contrapusera as suas razões invalidantes do despacho do Vice-Presidente, vindo o Plenário do CSM a pronunciar-se sobre cada uma das questões suscitadas e emitindo uma decisão definitiva sobre o mérito da decisão reclamada.

Efectivamente, no caso dos autos, o direito de audiência prévia não foi assegurado através da reclamação porque o ora demandante, na reclamação apresentada ao Plenário do CSM, apenas invocou a violação do direito de audiência prévia, não contrapondo as suas razões de facto e de direito quanto ao teor da decisão do Vice-Presidente do CSM, pelo que o fim visado com o direito de audiência prévia não foi por esse meio atingido.

Nem se diga que, em sede de reclamação, devia o ora demandante ter apresentado tal contraposição de razões de facto e de direito. A questão de saber se o reclamante que invoca a preterição do direito de audição se encontra adstrito ao dever de, na mesma reclamação, se pronunciar sobre as questões acerca das quais era necessário dar-lhe oportunidade de se pronunciar, foi tratada – em termos essencialmente válidos para o caso ora em apreço – no Acórdão do STA de 26/09/2018 (processo nº 1506/17.8BALSB), in www.dgsi.pt:

“Como judiciosamente observam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA (Ob. e loc. cit.), «Poderá também considerar-se convalidado o acto primário que enferme de vício de violação do direito de audição se o interessado veio a utilizar meios de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) e neles acabou por ter oportunidade de se pronunciar sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau. Em situações deste tipo, quer o acto primário tenha sido mantido quer tenha sido revogado e substituído pelo acto de segundo grau, a decisão administrativa final acaba por ser o acto de segundo grau, pelo que deverá ser em relação a este acto que deverá aferir-se se o contribuinte teve ou não oportunidade de participar na sua formação. Porém, se a reclamação graciosa e o recurso hierárquico são facultativos e o interessado impugna contenciosamente o acto primário, não ocorrerá qualquer convalidação, subsistindo o vício de preterição do direito de audição, se o acto primário enfermava dele. Isto é, não é apenas por o interessado ter a possibilidade de impugnar administrativamente o acto primário, mas apenas quando tenha deduzido efectivamente uma impugnação e nela se tenha pronunciado sobre as questões sobre as quais era necessário dar-lhe oportunidade de se pronunciar, que se pode considerar convalidado o acto, por ter sido atingida, antes de ser concluída a actividade administrativa, a finalidade visada por lei com a concessão daquele direito»”. [sublinhado nosso]

Assim, não tendo o demandante tido oportunidade de se pronunciar previamente sobre todas as questões relevantes para a decisão que fixou a sua antiguidade para efeitos do movimento judicial ordinário de 2018, nem se tendo efectivamente pronunciado sobre tais questões em sede de reclamação para o Plenário do CSM, conclui-se pela não aplicação da alínea b) do nº 5 do artigo 163º do CPA, uma vez que o fim visado pela exigência procedimental preterida não foi alcançado por outra via.

2.4. Considere-se, por fim, a situação prevista na alínea c) do nº 5 do artigo 163º do CPA: não produção do efeito anulatório quando “Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.”

Sobre esta norma, afirma Mário Aroso de Almeida: “A al. c) pressupõe, portanto que o acto não tinha de ser praticado com aquele conteúdo, pelo que podia ter sido praticado com outro conteúdo – nesta perspectiva se compreendendo a autonomia da respectiva previsão em relação à da alínea a) - e, nesse pressuposto, exige, para que a anulabilidade do acto seja afastada, que, as concretas circunstancias do caso, “se comprove, sem margem para dúvidas”, que o acto teria sido praticado com o mesmo conteúdo, mesmo que a ilegalidade não tivesse ocorrido”. (Teoria Geral do Direito Administrativo, cit., págs. 307-308).

Trata-se, afinal, de realizar um juízo de prognose póstuma de acordo com o qual, se conclui que, caso o demandante tivesse sido ouvido sobre todas as questões relevantes para a decisão a tomar, a deliberação do Plenário do CSM seria tomada com o mesmo conteúdo; no caso dos autos, um juízo de que a deliberação sempre seria no sentido de considerar que a decisão do Vice-Presidente não é uma “decisão final” pelo que não confere direito à audiência prévia do interessado.

Antes de mais, assinale-se ser certo que, no procedimento administrativo que deu origem ao processo nº 76/17.1YFLSB, o Plenário do CSM assumiu posição quanto aos critérios aferidores para a contagem de antiguidade do ora demandante. Fê-lo, porém, antes da prolação do acórdão proferido por este Supremo Tribunal no âmbito do referido processo, desconhecendo-se posição expressa do Plenário do CSM sobre tais critérios após os efeitos do caso julgado do mesmo acórdão.

Assim sendo, perante a incorrecção dos pressupostos da deliberação impugnada – uma vez que a decisão reclamada tem a natureza de decisão final quanto à fixação da antiguidade do ora demandante para efeitos do movimento judicial ordinário de 2018 – não pode dar-se como comprovado, sem margem para dúvidas, que a deliberação seria a mesma se a preterição da formalidade essencial não tivesse ocorrido.

Por último, diga-se ainda que não pode efectuar-se um juízo de prognose póstuma do conteúdo do acto a praticar pelo Plenário do CSM tendo por base a posição assumida pelo CSM na contestação apresentada na presente lide.

Na verdade, e como resulta do relatório do presente acórdão:
- Sendo certo que o demandante, no seu requerimento inicial (para além da invocação da preterição do direito de audiência prévia e da ofensa do caso julgado), vem sindicar o mérito dos critérios de definição da sua antiguidade adoptados no despacho do Vice-Presidente;
- Sendo certo também que o demandado vem, na resposta apresentada, defender os seus argumentos quanto a todas as questões, designadamente quanto aos critérios para a fixação da antiguidade do demandante (sendo que, assinale-se, em momento algum invoca que não se tratava de uma decisão final, apresentando antes como justificação para a ausência de audiência prévia, o facto de o demandante ter prévio conhecimento da posição do CSM sobre a matéria no âmbito do anterior procedimento administrativo);
- Verifica-se que – e esta consideração é essencial – em ponto algum da decisão administrativa ora impugnada (a deliberação) foram convocados os argumentos utilizados em sede de contestação.

Ora, a doutrina e a jurisprudência são unânimes em considerar irrelevantes as justificações a posteriori (maxime, em processos judiciais) que procurem remediar o esquecimento atempado ou a pura preterição de formalidades essenciais, como é a audiência do interessado.

A propósito da irrelevância das justificações a posteriori, invocadas pelo demandado, sempre se dirá ainda que o pressuposto de dispensa da audiência, designadamente aquele a que se refere a alínea e) do n.º 1 do art. 124º do CPA (possibilidade de dispensa da audiência quando “Os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas”), apenas estará preenchido quando a pronúncia anterior do interessado respeite a todas as questões relevantes para decisão final, o que não se verificou no caso.  

         Conclui-se, assim, pela não aplicação da alínea c) do nº 5 do artigo 163º do CPA, por não se comprovar, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem a preterição da formalidade da audiência prévia do interessado, a deliberação teria sido tomada com o mesmo conteúdo.

2.5. Pelo que fica exposto, entende-se que não se verifica qualquer das hipóteses que determinam o aproveitamento do acto anulável.

3. Temos que, ao não reconhecer a violação do direito de audiência prévia do ora demandante, a deliberação impugnada não respeitou a estatuição do artigo 121º do CPA, incorrendo, pois, em vício de violação de lei, o que determina a sua anulabilidade, nos termos do nº 1 do artigo 163º do CPA.

4. Quanto às demais questões suscitadas pelo demandante, tenha-se presente que, no procedimento administrativo de 2º grau (a reclamação), o Plenário do CSM se limitou a apreciar o vício de violação do direito de audiência prévia, considerando não existir tal violação por a decisão reclamada não ser uma decisão final. Na mesma deliberação, o Plenário do CSM, escudando-se em não estar em causa uma decisão final, não emitiu qualquer decisão sobre a fixação da antiguidade do reclamante para efeitos do movimento judicial ordinário de 2018.

Assim sendo, os demais vícios invocados pelo demandante não se reportam à deliberação do Plenário do CSM, mas antes à decisão do Vice-Presidente de 07/06/2018, a qual, nos termos dos artigos 165º e 168º, nº 1, do EMJ, não pode ser objecto da presente acção de impugnação pelo que deles se não conhece; e, consequentemente, não se conhece também do pedido do demandante de que seja declarado que o período de tempo em causa na deliberação impugnada e no despacho do Vice-Presidente do CSM de 07/06/2019 não possa ser objecto de novo procedimento administrativo, assim como de que seja determinado que a sua antiguidade seja contada em conformidade.

IV - Decisão

Pelo exposto, acorda-se em:
a) Julgar a impugnação procedente, anulando-se a deliberação impugnada;
b) Não se tomar conhecimento do pedido de que seja declarado que o período de tempo em causa na deliberação impugnada e no despacho do Vice-Presidente do CSM de 07/06/2019 não possa ser objecto de novo procedimento administrativo, assim como de que seja determinado que a sua antiguidade seja contada em conformidade.

Lisboa, 24 de Outubro de 2019

Maria da Graça Trigo (Relatora)

Manuel Augusto Matos

Chambel Mourisco

Helena Moniz

Graça Amaral

Oliveira Abreu

Pedro de Lima Gonçalves

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Presidente da Secção)

_______________________
[1] Cfr.
https://www.csm.org.pt/wp-content/uploads/2018/07/2018-07-03-mjo2018-VERS%C3%83O-CONSOLIDADA-PARAPLEN%C3%81RIO.pdf.