Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
177/10.7TTBJA.E1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE SEGURANÇA
CAUSA JUSTIFICATIVA
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
DESCARACTERIZAÇÃO
Data do Acordão: 11/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO DO TRABALHO - PREVENÇÃO E REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO E DOENÇAS PROFISSIONAIS.
Doutrina:
- Abílio Neto, NLAT, 1.ª Edição, 2011, p. 60, anotação ao art. 14.º.
- Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Almedina, 2.ª edição, p. 61.
- Cruz de Carvalho, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 1980, p.41.
- Júlio Vieira Gomes, O Acidente de Trabalho, Coimbra Editora, p. 240.
- Pires de Lima e A. Varela, “Código Civil”, Anotado, I, 4.ª ed., pp. 489, 578-9.
Legislação Nacional:

CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 563.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGO 283.º, N.ºS 1 E 5, 284.º.
DECRETO-LEI N.º 142/99, DE 30/4, COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO DECRETO-LEI N.º 185/2007, DE 10 DE MAIO: - ARTIGO 6.º.
LEI N.º 98/2009, DE 4 DE SETEMBRO, QUE CONTÉM O REGIME DE REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO E DE DOENÇAS PROFISSIONAIS (NLAT): - ARTIGOS 8.º, N.º1, 14.º, N.º1, ALS. A) E B), N.º2, N.º3, 23.º, 47.º, N.º 1, ALS. H) E I), N.º 3, 48.º, N.ºS1 E 3, AL. D), 49.º, N.º 1, ALÍNEAS B) E C), 50.º, N.ºS 1 A 3, 53.º, 54.º, 67.º, N.º2, 68.º, 71.º, 72.º, 82.º, N.º2.
PORTARIA N.º 122/2012, DE 3 DE MAIO.
PORTARIA N.º 338/2013, DE 21 DE NOVEMBRO.
PORTARIA N.º 378-C/2013, DE 31 DE DEZEMBRO.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 24.5.2007, IN CJ/S.T.J., TOMO II/2007, PP. 82-85.
-DE 1.10.2008, PROCESSO N.º 1040/08.
-DE 7.5.2014, PROCESSO N.º 39/12.3T4AGD.C1.S1, CONSULTÁVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I – O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que (a) provier de acto ou omissão do sinistrado que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei, ou (b) que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.

II - A descaracterização do acidente (de trabalho) prevista na alínea a) do n.º 1 do art. 14.º da NLAT (Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro) exige a conjunção cumulativa dos seguintes requisitos: a existência, por um lado, de condições de segurança e o seu desrespeito por parte do destinatário/trabalhador; em actuação voluntária, embora não intencional, por acção ou omissão, e sem causa justificativa; por outro lado, impõe-se que o acidente seja consequência, em termos de causalidade adequada, dessa conduta.

III – A negligência grosseira, prevista na alínea b) da norma enquanto causa exclusiva descaracterizadora do acidente, preenche-se na assunção, pelo sinistrado, por acção ou omissão, de um comportamento temerário em alto e relevante grau, causalmente determinante da eclosão do evento infortunístico, considerando-se como tal a actuação perigosa, audaciosa e inútil, reprovada por um elementar sentido de prudência.

IV – Não descaracteriza o acidente a circunstância em que o sinistrado, inobservando embora a determinação do empregador (no sentido de não transpor os separadores de cimento que limitam o perímetro do estaleiro em que laborava e de não sair do local de trabalho sem conhecimento/autorização superior), tem como motivação/causa justificativa para a sua conduta a aquisição de água (fresca) para se dessedentar, num cenário em que a temperatura atmosférica ambiente atingiu os 31.º (6 de Agosto de 2010) e o A. estava a trabalhar debaixo de um sol intenso, inexistindo uma relação de causa-efeito entre o desrespeito daquelas regras de segurança e o acidente ocorrido, a seguir.

V – Embora negligente e incauta, não é de qualificar como negligência grosseira, na dilucidada dimensão, a actuação do sinistrado que, antes de iniciar a travessia da faixa de rodagem, olhou para a sua esquerda, e, depois de o agente da GNR no local ter mandado parar o trânsito que vinha dessa direcção, iniciou o atravessamento da via, em corrida, vindo a ser colhido por um veículo automóvel que circulava em sentido oposto.
Decisão Texto Integral:

   Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                                        I.

1.

Nos Autos epigrafados, com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado AA e responsáveis as co-RR. «BB, S.A.» e «CC, Ld.ª», entidades seguradora e patronal, respectivamente, todos devidamente identificados, frustrada a tentativa de conciliação, apresentou-se P.I. em que se pediu a condenação destas no pagamento, além do mais, da pensão anual e vitalícia no valor de € 10.785,14, acrescida de 10% da retribuição auferida por cada pessoa a cargo do A., de todas as despesas efectuadas por causa do acidente e de uma indemnização por danos não patrimoniais, tudo nos valores discriminados.

O A. alegou para o efeito, em síntese útil, que:

- Foi vítima de um acidente de trabalho a 6 de Agosto de 2010, quando trabalhava para a 2.ª R. como condutor-manobrador, durante o tempo e no local de trabalho;

- O acidente consistiu em ter sido atropelado ao efectuar o atravessamento da via intermunicipal L3, na …, por ter ido comprar uma garrafa de água fresca, uma vez que estava com sede devido a trabalhar debaixo de sol intenso;

- Usou todas as cautelas no atravessamento da via, mas ainda assim foi atropelado por um veículo ligeiro de passageiros, num local onde era proibido conduzir a mais de 50 kms./hora e onde se encontrava um agente da GNR para orientar o transito, tendo este dado ordem de paragem para que o A. atravessasse;

- O acidente ocorreu assim por excesso de velocidade e imperícia da condutora e também porque a R. patronal não procedeu a qualquer instalação de sistema de água potável, nem assegurou o seu fornecimento aos trabalhadores da obra, pelo que não havia outra alternativa que não fosse a de se deslocar à bomba de gasolina para adquiri-‑la;

- Aduz ainda que a R. patronal não colocou qualquer tipo de gradeamento na obra que impedisse o atravessamento da via, o que só aconteceu depois do acidente sofrido pelo A.

As co-RR. contestaram.

Condensada, instruída e julgada a causa, proferiu-se sentença, com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, o Tribunal julga como parcialmente improcedente a presente acção, por apenas parcialmente provada, e condena:

A- Ambas as rés a reconhecerem o acidente que sofreu o autor, nas circunstâncias de tempo e lugar acima descritas, como acidente de trabalho.

B- Absolve as rés dos demais pedidos formulados pelo autor porque o acidente se encontra descaracterizado e é insusceptível de ser reparado como acidente de trabalho.

C- Absolve a ré seguradora do pedido de reembolso formulado pelo Instituto de Segurança Social IP de Beja, por se tratar de acidente não reparável.

D- Determinar a cessação imediata do pagamento da pensão provisória determinada nos autos, uma vez que se encontram infirmados os pressupostos da sua atribuição – artigo 122.º, n.º 1, ‘in fine’, do Código do Processo do Trabalho.
Sem custas, uma vez que as mesmas correm pelo autor, que beneficia do pedido de apoio judiciário e o pedido de reembolso do IPSS é obrigatório e dependente do pedido efectuado pelo autor – artigo 446.º e seguintes do Código do Processo Civil.
Os encargos serão suportados pelo Instituto, tendo em conta o estabelecido no Regulamento das Custas Processuais.
            Valor da acção: o previsto no artigo 120.º do Código do Processo do Trabalho.
            Notifique e registe, devendo ser notificado também o FAT.»
           

2.

Reagiram o A. e a co-Ré Seguradora. Também o F.A.T.                                                         

Pelo Acórdão prolatado a fls. 934-955, deliberou-se:

A- Julgar improcedentes os recursos de apelação interpostos, quer pelo autor, AA, quer pelo Fundo de Acidentes de Trabalho.

B- Julgar procedente o recurso interposto pela ré BB S.A., revogando-se a alínea A) do dispositivo da sentença recorrida, ou seja, a parte em que aí se decide condenar «ambas as rés a reconhecerem o acidente que sofreu o autor, nas circunstâncias de tempo e lugar acima descritas, como acidente de trabalho»;

C- Alterar a redacção da alínea B) do dispositivo da sentença recorrida retirando-se a expressão “demais” que dela consta;

D- Manter, no mais, a sentença recorrida.

Custas a cargo dos apelantes AA, sem prejuízo, no entanto, do apoio judiciário de que beneficia, bem como do Fundo de Acidentes de Trabalho.

3.

É o A., ainda irresignado, que, vem interpor recurso de revista, alegando e concluindo assim:

1 - Vem interpor o presente recurso limitado às decisões, cita-se: (…) «A - Julgar improcedente o/s recurso/s de apelação interposto/s pelo Autor AA (...); B - Julgar procedente o recurso interposto pela ré BB SA, revogando-se a alínea A) do dispositivo da sentença recorrida, ou seja, a parte em que aí se decide condenar «ambas as rés a reconhecerem o acidente que sofreu o autor, nas circunstâncias de tempo e lugar acima descritas, como acidente de trabalho»;

2 - O douto acórdão, no nosso entender, cometeu um erro na interpretação e aplicação do Direito.

Senão vejamos.

3 - Não podemos aceitar que o acidente em causa tenha sido gerador de uma situação que levasse à descaracterização de acidente de trabalho.

4 - No caso do acórdão ora sob recurso ocorreu a descaracterização do acidente de trabalho em resultado de se ter entendido ter o sinistrado agido com negligência grosseira e por violação das regras de segurança impostas pela entidade patronal, o que, em síntese, é posto em causa pelo Recorrente.

5 - Entende-se que tais factos não são suficientes para concluir pela descaracterização do acidente, por não provar a negligência grosseira e/ou violação das regras de segurança.

6 - Ficaram provados os factos G), L), H), J), S), T), V), X), BB), CC), JJ), OO) e PP), constantes da sentença e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

7 - E, salvo sempre melhor opinião, tais factos não confirmam que o acidente em causa, que é simultaneamente de viação e de trabalho, tenha sido causado exclusivamente por negligência grosseira do sinistrado.

8 - Não se concorda que o acidente/viação/trabalho tenha, efectivamente, ocorrido exclusivamente por culpa do sinistrado, quando, salvo melhor entendimento, não há factos provados suficientes para tal.

9 - Na verdade, desde logo, não se nos afigura legítimo que o Mm.º Juiz deste processo tenha procedido ao julgamento sumário do próprio acidente/viação!

10 - Dos factos dados por provados no processo não resulta a velocidade certa a que circulava o veículo atropelante; quem/o quê deu causa ao acidente; responsabilidade objectiva.

11 - Não estando na posse de todos os elementos probatórios para poder julgar o acidente de viação.

12 - E, por outro lado, entende-se igualmente que não são legítimas as suas conclusões: desde logo porque afastou a possibilidade de a condutora do veículo atropelante ter (como tudo indica) co-responsabilidade na ocorrência do acidente, pois que…

13 - …O excesso de velocidade não se afere, apenas, relativamente aos limites da velocidade permitida: também incorre em excesso de velocidade, de um modo geral, quem não consegue imobilizar o veículo no espaço visível à sua frente!

14 - E, acresce que, salvo melhor entendimento, o critério que utilizou para concluir que a condutora do veículo atropelante não circulava em excesso de velocidade é muito falível, sendo certo que tal velocidade não pode ser controlada no local do acidente.

15 - Diz o acórdão recorrido, a fls. 38, que "também se provou que no local esta via de trânsito tem uma limitação de velocidade a 50 Km por hora, que entre o local de atropelamento do autor e o local de imobilização do referido veículo mediou uma distância de 8,70 metros, sendo que o tempo estava bom e o piso encontrava-se seco (cfr. as alíneas JJ, LL e OO).

16 - Concluindo-se no acórdão recorrido que o Autor/Apelante efectuou o atravessamento da via de trânsito de uma forma perfeitamente inopinada para a condutora do veículo atropelante, já que não obstante pela distância percorrida pelo veículo entre o local de atropelamento e o local da sua imobilização se poder concluir que aquele circulava dentro do limite de velocidade permitida para o local – entre os 40 a 50 Km/hora, de acordo com o site simulador de prevenção rodoviária.

17 - Salvo sempre o devido respeito, o critério supra utilizado para concluir que a condutora do veículo atropelante não circulava em excesso de velocidade é muito falível, relativo, baseando-se na probabilidade que pode dar um simulador de prevenção rodoviária.

18 - …Prova que teria de ser realizada em sede de audiência de julgamento, que nada diz a respeito.

19 - Certo é que a velocidade permitida para o local era de 50 Km/hora, circulando em excesso o veículo atropelante.

20 – Aliás, no testemunho do próprio gerente da Ré ‘C...’ admite-‑se em sede de audiência de julgamento que o veículo atropelante circulava em excesso de velocidade, a cerca de 90 Km/hora…

21 - …Comum na via de trânsito em causa, linha recta e com bom piso, potenciadora de excessos de velocidade pós (!) 50 Km/hora.

22 - Muito se poderia especular sobre o que terá efectiva e realmente desencadeado o acidente em causa.

23 - E mesmo que se tenha de entender que o sinistrado agiu negligentemente, certo é que, por um lado, é discutível se o fez com negligência grosseira e, essencialmente, se foi essa conduta que, em exclusivo, determinou o acidente.

24 - Pelo que, na dúvida, se entende que a Ré seguradora não fez, como era sua obrigação legal, a prova de tal exclusividade.

25 - O mesmo se diga da infracção às regras de segurança.

26 - É que se entende que se teria de demonstrar que as infracções às regras de segurança, infringidas pelo sinistrado, são as que lhe foram fixadas pela sua entidade empregadora ou pelo dono da obra.

27 - Ora, face ao entendimento que ficou fixado na sentença quanto à verificação do verdadeiro acidente de trabalho, entende-se, salvo melhor opinião, que a infracção às regras de segurança impostas no local de trabalho do sinistrado (designadamente, ter pulado as barreiras e ido adquirir água fora da obra), ainda assim, não foi causal do acidente em causa: O QUE CAUSOU O ACIDENTE FOI O ACIDENTE DE VIAÇÃO E SIMULTANEAMENTE ACIDENTE DE TRABALHO!

28 - Assim, deve proceder o recurso interposto pelo sinistrado, não se descaracterizando, por falta de prova disso, o acidente em causa.

DO RECURSO APRESENTADO PELA RÉ SEGURADORA (a fls. 733 e ss):

29 - Face ao dito supra a propósito do recurso do sinistrado, consequentemente entende-se que não assiste razão à Ré Seguradora, devendo ser revogado o acórdão na parte que decide pela "revogação da alínea A) do dispositivo da sentença recorrida, ou seja, na parte em que aí decide condenar ambas as rés a reconhecerem o acidente que sofreu o autor, nas circunstâncias de tempo e lugar acima descritas, como acidente de trabalho."

30 - Padece pois o acórdão recorrido do vício de errada interpretação e aplicação da lei, que resulta evidentemente da falta de prova da descaracterização do acidente em causa.

31 - O presente Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça pretende ver reapreciada a forma como a Veneranda Relação fez (ou não fez) a apreciação do acidente de viação para, como se pretende, podermos concluir pela concorrência de culpas acidente trabalho/viação/entidade patronal, não havendo negligência grosseira do acidentado.

32 - Ora, para estarmos perante uma situação de negligência grosseira é necessário, segundo o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, o seguinte:

" I - A negligência grosseira é aquela de que o agente se teria necessariamente de aperceber se tivesse agido com mediana inteligência e linear bom senso, actuando da forma que actuaria uma pessoa de normal inteligência, experiência e circunspecção.

33 - Entende ainda o Supremo Tribunal de Justiça que "III - Porém, o acidente de trabalho não se mostra descaracterizado se se concluir que existiu concorrência de culpas na sua produção." (Ac. de 9 de Novembro de 2011).

34 - Antes de mais, não podemos concluir que houve negligência grosseira do Autor, aqui Recorrente, no referido acidente, isto porque, conforme resulta da prova testemunhal supra referida, não existia no local passadeira para a passagem de via que o Autor, aqui Recorrente, devesse respeitar; acresce ainda o facto de o Autor, ora Recorrente, ter olhado para os lados, olhando e fazendo sinal ao agente de polícia no local, para o auxiliar na sua passagem.

35 - Logo, não podemos concluir que o Autor, ora recorrente, não tivesse agido com mediana inteligência e linear bom senso.

36 - O que efectivamente ocorreu foi um verdadeiro estado de necessidade derivado da violação das regras de higiene e segurança por parte da entidade empregadora, pois não tinha a sua disposição, num local próximo, um ponto de água e WC para o recorrente poder satisfazer as suas necessidades mais basilares, como hidratar-se quando estava a trabalhar debaixo do sol, em pleno Verão, com temperaturas à volta dos 31° graus, à sombra!

37 - No entanto, mesmo que se entenda que a actuação do Autor tenha sido negligente, a mesma não pode ser geradora de descaracterização de acidente de trabalho, pois a referida actuação derivou da ilegalidade produzida pela entidade empregadora, neste caso específico, da violação grave das regras de segurança e higiene do trabalho

38 - …Com concorrência de culpa do veículo atropelante. (Sublinhado no original).

39 - Este entendimento resulta da decisão do já referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça: "Porém, o acidente de trabalho não se mostra descaracterizado se se concluir que existiu concorrência de culpas na sua produção." (Ac. de 9 de Novembro de 2011).

40 - Do acidente de trabalho resultou para o Autor/Recorrente uma incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho com IPP de 98,50%, com 3 pessoas a seu cargo, duas delas menores de idade. Clama por Justiça.

Termina perorando que seja revogado o acórdão recorrido, por erro na interpretação e aplicação da lei e, por via disso, seja revogada a sentença da Mm.ª Juíza, com condenação das RR. a reconhecerem o acidente que sofreu o autor, nas circunstâncias de tempo e lugar acima descritas, como acidente de trabalho.

                                                                ____

A Recorrida Seguradora contra-alegou, sustentando, em síntese, que a reacção do A. mais não é do que uma desesperada e vã tentativa de lograr obter ganho de causa quando sabe não lhe assistir qualquer razão.

Em face dos factos que se mostram dados como provados nos presentes autos, factos esses que o Autor não põe em causa, não poderia ter sido outra a decisão proferida.

Com efeito, entre os demais factos assentes:

- A empresa ‘DD, Ld.ª’ havia contratado e garantido a presença junto a essa saída da obra de um militar da GNR, que, no dia do acidente, era o Cabo n.° …, do Posto da GNR da …, de nome EE;

  - Na obra existiam, pelo menos, três pontos de água potável e sanitários químicos;

- A zona da obra em causa, junto à via rodoviária por onde se efectuava o trânsito automóvel e se procedia à entrada e saída dos veículos que eram necessários na obra, encontrava-se delimitada por separadores "New Jersey", em cimento;

- A todos os trabalhadores da obra, incluindo o autor, foi ministrada formação sobre os riscos da obra;

- Os trabalhadores foram informados sobre a proibição de transpor os separadores da obra e indicações sobre a circulação dentro da obra e sobre os locais de entrada e saída da obra;

- E foram advertidos, incluindo o autor, que não lhes era permitido abandonar o local de trabalho;

- Foram informados dos pontos de água potável que poderiam ser utilizados pelas pessoas na obra;

- A máquina que o autor manobrava era um cilindro Bogam, equipado com cabine coberta para protecção da chuva e do sol e provido de um habitáculo com espaço para o trabalhador carregar consigo água para beber;

- A cerca de 300 metros do local onde o autor se encontrava a trabalhar, estava localizado um acesso de água potável e WC;

- O autor estava a trabalhar junto ao KM 1,700 do troço em execução.

- O autor deslocou-se à bomba da Galp para comprar uma garrafa de água;

  - Deslocou-se do local onde estava a trabalhar até ao local da obra em frente ao posto da GALP, que distava do local onde estava a trabalhar no dia do acidente, entre 300 a 400 metros, aí tendo imobilizado o equipamento que manobrava e apeou-se do mesmo;

  - Tudo sem dar conhecimento ou obter permissão do encarregado da obra ou do encarregado da segunda ré;

  - O acidente ocorreu num ponto que distava da área da obra onde o autor trabalhava entre 300 a 400 metros;

- Antes de iniciar a travessia de regresso, o autor olhou para a esquerda e depois do agente da GNR ter mandado parar o trânsito, que vinha dessa direcção, iniciou a travessia;

- O autor procedeu ao atravessamento da via em corrida;

 

 - A faixa de rodagem estava delimitada em relação à área da estação de serviço por "rails" metálicos de protecção com 0,70 m. de altura.

GG - A faixa de rodagem apresentava-se delimitada em relação à zona de trabalhos onde o sinistrado laborava por blocos de cimento alinhados em contínuo com a altura de O,85m.

Ora, remata, da factualidade dada como provada resulta a culpa exclusiva do trabalhador, ora Recorrente, pela ocorrência do sinistro, posto que se ausentou do seu local de trabalho, o que era expressamente proibido.

Não tinha, pois, o ora sinistrado qualquer motivo para sair das instalações da obra, muito menos sem ter sequer autorização para esse efeito, pelo que, conclui, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o Acórdão sob censura.

                                                                        __

Já neste Supremo Tribunal, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu conciso parecer no sentido de que a matéria de facto assente nas Instâncias não consente entendimento diferente do que foi encontrado na decisão recorrida.

A conclusão acertada, remata, é a de que o acidente se deveu a actuação grosseiramente negligente por banda do sinistrado, determinante, em exclusivo, da respectiva verificação, com a consequente improcedência do pedido.

Da sua notificação às partes não resultou qualquer reacção.

                                                                   ___

 4.

O ‘thema decidendum’.

Como flui das proposições conclusivas – por onde se afere e delimita o objecto da impugnação, por via de regra, inexistindo temáticas de que cumpra oficiosamente conhecer – é questão axial a de saber se o acidente dos Autos, havido como infortunístico, se mostra ou não descaracterizado.

                                                                     ____

Distribuiu-se oportunamente cópia do projecto de solução aos Exm.ºs Adjuntos, com vista à preparação da deliberação.

Cumpre ora conhecer.

                                                                      ___

                                                                       II.

                                                  Dos Fundamentos

1. - De Facto.

Vem assente das Instâncias a seguinte factualidade:
A- O sinistrado sofreu um acidente no dia 6 de Agosto de 2010, pelas 15 horas e 55 minutos, na via intermunicipal L3 – Estrada Nacional 377, …, concelho de Almada.
B- Nesse dia encontrava-se a trabalhar, em regime de contrato de trabalho subordinado, como condutor-manobrador de equipamentos industriais de nível 1, para a segunda ré, na obra denominada Auto-Estrada do Baixo Tejo.
C- Por documento, assinado a 12 de Abril de 2010, a segunda ré celebrou com o autor um contrato de trabalho a termo certo.
D- Na data do acidente, o sinistrado auferia a retribuição anual de € 598,56 x 14 meses + € 120,50 x 11 meses + € 343,28 x 11 meses.
E- A segunda ré tinha celebrado com a ré seguradora um contrato de seguro de acidentes de trabalho pelo qual tinha transferido a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho, pela remuneração acima referida, relativamente ao sinistrado, autor e requerente nestes autos.
F- A segunda ré – ‘CC-…, Ld.ª’, sociedade comercial por quotas – tem como objecto social o aluguer de máquinas, equipamentos para a construção e engenharia, construção civil e obras públicas, preparação de movimentação de terras para fins agrícolas e industriais, extracção de areias e comércio das mesmas.
G- No exercício da sua actividade, a 20 de Abril de 2010, contratou com a sociedade ‘FF, SA’, em regime de subempreitada, a execução da subempreitada de terraplanagens, da qual fazia parte a empreitada designada por Lote …, n.º … – …/... da subconcessão do Baixo Tejo.
H- A sociedade ‘FF, SA’ era subcontratada da ‘GG/ DD, SA’, empreitada geral de subconcessão do Baixo Tejo.
I- A segurança da obra estava a cargo do empreiteiro geral que tinha um plano específico de segurança com o n.º 09/01, para execução de trabalhos de terraplanagem, de acordo com o teor do documento n.º 4, junto com a contestação da segunda ré e que se dá como reproduzido.
J- A empresa ‘DD, Ld.ª’ havia contratado e garantido a presença junto a essa saída da obra de um militar da GNR, que no dia do acidente era o Cabo n.º 266, do Posto da GNR da …, de nome, EE.
K- Na obra não se encontrava instalada cantina.
L- Na obra existiam, pelo menos, três pontos de água potável e sanitários químicos.
M- A instalação de gradeamento a delimitar a zona da obra junto à via rodoviária, onde se efectuava o trânsito automóvel foi efectuada pela entidade executante da obra como medida adicional depois da eclosão do acidente em causa nos autos.
N-  A zona da obra em causa, junto à via rodoviária por onde se efectuava o trânsito automóvel e se procedia à entrada e saída dos veículos que eram necessários na obra, encontrava-se delimitada por separadores “New Jersey”, em cimento.
O- A todos os trabalhadores da obra, incluindo o autor, foi ministrada formação sobre os riscos da obra.
P-   Os trabalhadores foram informados sobre a proibição de transpor os separadores da obra e indicações sobre a circulação dentro da obra e sobre os locais de entrada e saída da obra.
Q- E foram advertidos, incluindo o autor, que não lhes era permitido abandonar o local de trabalho.
R- Foram informados dos pontos de água potável que poderiam ser utilizados pelas pessoas na obra.
S- Os trabalhadores da obra costumavam deslocar-se à bomba de gasolina supra referida para comprar garrafas de água para saciarem a sede.
T- No dia do acidente, 6 de Agosto de 2010, a temperatura atmosférica máxima foi de 31º C e o autor estava a trabalhar debaixo de sol intenso.
U-  A máquina que o autor manobrava era um cilindro ‘Bomag’, equipado com cabine coberta para protecção da chuva e do sol e provido de um habitáculo com espaço para o trabalhador carregar consigo água para beber.
V- A cerca de 300 metros do local onde o autor se encontrava a trabalhar, estava localizado um acesso de água potável e WC.
W- O autor estava a trabalhar junto ao KM 1,700 do troço em execução.
X-  O autor deslocou-se à bomba da Galp para comprar uma garrafa de água.
Y- Deslocou-se do local onde estava a trabalhar até ao local da obra em frente ao posto da GALP, que distava do local onde estava a trabalhar no dia do acidente, entre 300 a 400 metros, aí tendo imobilizado o equipamento que manobrava e apeou-se da mesma.
Z- Tudo sem dar conhecimento ou obter permissão do encarregado da obra ou do encarregado da segunda ré.
AA- O acidente ocorreu num ponto que distava da área da obra onde o autor trabalhava entre 300 a 400 metros.
BB-  Antes de iniciar a travessia de regresso, o autor olhou para a esquerda e depois do agente da GNR ter mandado parar o trânsito, que vinha dessa direcção, iniciou a travessia.
CC- O autor procedeu ao atravessamento da via em corrida.
DD-A Estrada Nacional n.º 377, ou via L3, é uma via com intenso tráfico.
EE- A faixa de rodagem tinha uma largura total de 5,90 metros.
FF-       A faixa de rodagem estava delimitada em relação à área da estação de serviço por "rails" metálicos de protecção com 0,70 m. de altura.
GG- A faixa de rodagem apresentava-se delimitada em relação à zona de trabalhos onde o sinistrado laborava por blocos de cimento alinhados em contínuo, com a altura de 0,85 m.
HH-Pouco antes de eclodir o acidente, o sinistrado tinha saído do estaleiro, onde se encontrava a trabalhar, atravessou a referida via, para se deslocar até ao lado oposto da mesma, a umas bombas de gasolina, e quando atravessava de volta para o estaleiro da obra, com uma garrafa de água de litro e meio na mão, foi atropelado por um veículo ligeiro de passageiros com a matrícula -JB.
II- Veículo que era conduzido por HH, que circulava na Via L3, na …, concelho de Almada, com o sentido de marcha ….
JJ- A referida via estava em obras de alargamento, tinha a respectiva sinalização e sinal proibindo a circulação de veículos a mais de 50 km por hora, bem como ultrapassagens e tem uma linha longitudinal contínua em toda a zona, marca M1, separadora dos sentidos de trânsito.
KK-Via que se encontrava à data em obras para alargamento, estando presente um agente da GNR, em serviço, para orientar o trânsito, requerido pela empresa ‘DD, …, SA’.
LL-    O tempo estava bom, encontrando-se o piso seco.
MM- O agente da GNR apercebeu-se que o sinistrado ia atravessar a estrada, de regresso à obra, pelo que mandou parar o trânsito no sentido ….
NN-Quando se preparava para mandar parar o trânsito no sentido oposto, já o sinistrado se encontrava, em passo de corrida, a atravessar a referida via e a condutora buzinava intensamente.
OO- Entre o local de atropelamento do autor e o local de imobilização do veículo medeia a distância de 8, 70 m.
PP-    O autor foi colhido pelo veículo, inicialmente na zona das pernas, seguidamente foi projectado de costas contra o pára-brisas e, por fim, projectado para frente do veículo, tendo caído no chão com a face direita e desamparado, à distância de 2,10 m do local em que o veículo se imobilizou.
QQ-Como consequência necessária do atropelamento, o sinistrado sofreu múltiplos ferimentos e deu, de imediato, entrada no Hospital Garcia da Horta, em Almada.
RR- Foi depois transferido para a Unidade de Cuidados Intensivos de Neurocirurgia do Hospital, onde foi induzido em coma, correndo perigo de vida.
SS-  Desse acidente, resultaram para o sinistrado as seguintes lesões: politraumatismo grave com perda de consciência.
TT-  À data da realização do primeiro exame médico, 25 de Fevereiro de 2011, ainda não lhe tinha sido dada alta clínica e apresentava as seguintes lesões: tetraplagia espástica, marcha impossível com perda de controlo de esfíncteres e afasia, múltiplas fracturas da calote craniana e base do crânio; extensas áreas de osteomalacia e outros aspectos sequelares pós-traumáticos com efeito retráctil; sinusupatia crónica.
UU- A 14 de Março de 2011, o autor encontrava-se ainda em fase de recuperação, internado no Hospital de Beja.
VV- O sinistrado é casado com II.
WW- O casal tem uma filha, de nome, JJ, nascida a … de … de 2010.
XX- E outra filha, nascida em .. de … de 2003, de nome KK.[1]
YY- Na data do acidente, o sinistrado tinha 35 anos de idade porque nasceu a 22 de Outubro de 1975.
ZZ- O Instituto da Segurança Social – Centro Distrital de Beja pagou ao autor, beneficiário nº …, o montante de € 3.618,50 (três mil seiscentos e dezoito euros e cinquenta cêntimos) referente ao período compreendido entre 7 de Agosto de 2010 a 25 de Setembro de 2011.
AAA- Quantia que foi paga a título de prestações por período de doença com afectação da capacidade para o trabalho, em consequência do acidente acima descrito.
BBB- Devido às lesões sofridas com o acidente, o autor sofreu dores intensas em todo o seu corpo durante vários meses.
CCC-  Dores que ainda persistem.
DDD-  O autor passa os dias deitado ou sentado numa cadeira de rodas.
EEE- O autor tem dificuldade em falar, não consegue escrever e usar de gestos e apresenta um discurso incoerente entremeado por momentos de discurso coerente com o que lhe é perguntado, usando muitas palavras em calão, sem motivo para tanto.
FFF-  Depende de terceiros para comer, efectuar a higiene pessoal, para se vestir e se despir.
GGG-   O sinistrado encontra-se afectado de uma incapacidade permanente absoluta para qualquer trabalho decorrente da sequela advinda das lesões sofridas no acidente e que se consubstancia em tetraplagia completa.
HHH-  O sinistrado sofreu de incapacidade temporária absoluta, com internamento, desde 6 de Agosto de 2013 a 20 de Maio de 2011, data da estabilização das lesões.
III-  A casa do autor não permite que ele aí se desloque com recurso à cadeira de rodas.
JJJ-  Na data do acidente, o autor vivia com a sua mulher e sua filha mais velha.
KKK- Todos viviam dos rendimentos do trabalho do autor.
LLL-  A mulher do autor encontra-se desempregada.
MMM-  Até à data da eclosão do acidente o autor gozava de plena saúde.
NNN-  Vivia uma vida feliz, em família.
OOO-  Desde a data do acidente, nos momentos de lucidez, o auto revela revolta e tristeza com a sua situação.
PPP- Ficou incapacitado de ter uma vida sexual activa com a sua mulher.
QQQ-   Devido ao acidente, e para dar apoio ao autor, a mulher deste gastou as quantias descritas, e em receitas médicas e óculos para o autor, o montante de € 484,51.
RRR- Foram pagas pela mulher do autor taxas moderadoras referentes a cuidados prestados nos hospitais e que se encontra a pagar o internamento do autor na unidade de cuidados continuados da Santa Casa da Misericórdia de Ferreira do Alentejo, onde o autor se encontra desde que teve alta no Centro de Medicina Física de Reabilitação do Sul.

                                                                          ___

A factualidade acima elencada, fixada pelo Tribunal da Relação, não vem posta em crise.

Não se vislumbrando qualquer das situações prevenidas no art. 682.º/3 do C.P.C., será com base nela que vamos dilucidar e resolver temática que constitui o objecto da presente Revista.

                                                                         ___

2.Os Factos e o Direito.

Conhecendo.

(Ante a temporalidade dos factos atinentes – como foi, aliás, observado – rege, no caso decidendo, a disciplina substantiva aprovada na sequência da previsão constante do art. 284.º do Código do Trabalho/2009, ou seja, na nova LAT[2], Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, que contém o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, em vigor desde 1.1.2010 e aplicável aos acidentes ocorridos após o início da sua vigência).

2.1 –

As Instâncias coincidiram no que concerne à questão nuclear: a descaracterização do acidente.

 O Acórdão ora sob censura – não obstante não ratificar o decidido quanto à condenação das RR. no reconhecimento de que o acidente reportado, foi, nas descritas circunstâncias de tempo e lugar, um acidente de trabalho[3], e apenas nisso dissentindo – manteve o juízo proclamado na sentença segundo o qual o acidente se encontra descaracterizado e é insusceptível de ser reparado como acidente de trabalho, com a consequente absolvição das RR. dos correspondentes pedidos…

…Consignando, em conformidade, no epílogo da respectiva fundamentação jurídica (fls. 952 v.º dos Autos/fls. 38 da peça processual):

’Mostram-se, pois, verificados os pressupostos descaracterizadores do acidente em causa como acidente de trabalho previstos na segunda parte da alínea a) e na alínea b), ambas do n.º 1 do art. 14.º da LAT em vigor, não merecendo censura a sentença recorrida ao haver concluído pela descaracterização do referido acidente e ao não conferir ao aqui A./apelante o direito a reparação pelos danos que o mesmo sofreu e que dele são emergentes.’

Tendo como referencial normativo de subsunção a hipótese legal plasmada no referido art. 14.º da NLAT, nas previsões que ao caso importam, a deliberação sub specie, reportando-se concretamente ao n.º 2 da norma, estribou a juízo alcançado nestas premissas fundamentantes (transcrição parcelar, em síntese):

“Não fora, pois, o manifesto desrespeito do autor/apelante em relação a regras de segurança que lhe haviam sido transmitidas pelo seu empregador ou pelo empreiteiro geral da obra onde laborava no dia do acidente (…) e, seguramente, não teria ocorrido o atropelamento de que acabou por ser vítima em 6 de Agosto de 2010.

Para mais quando também se pode concluir haver praticado tais factos com um objectivo perfeitamente injustificado de adquirir água em estabelecimento situado fora da zona da obra onde laborava (…).

(…)

Ora, esta matéria de facto, permite concluir que o autor/apelante efectuou o atravessamento da referida via de trânsito de uma forma perfeitamente inopinada para a condutora do veículo atropelante (…)

Ao assim proceder, assumiu o autor/apelante uma atitude temerária em alto e relevante grau, actuando com negligência grosseira, conduta que não se pode deixar de entender como motivadora, em exclusivo, da verificação do sinistro.(…).”

2.2 –

O recorrente, não se conformando com o assim ajuizado, vem contrapor, basicamente, que os factos assentes não são suficientes para concluir pela descaracterização do acidente, por não provarem a negligência grosseira e/ou a violação das regras de segurança, desenvolvendo o respectivo argumentário nos termos que se reavivam, em resumo:

- Os factos identificados (plasmados nos items G), L), H), J), S), T), V), X), BB), CC), JJ), OO) e PP) não confirmam que o acidente em causa, que é simultaneamente de viação e de trabalho, tenha sido exclusivamente causado por negligência grosseira do sinistrado;

- Não só não está provada a velocidade certa a que circulava o veículo atropelante, como o excesso de velocidade não se afere apenas relativamente aos limites da velocidade permitida, também incorrendo em excesso de velocidade quem, de um modo geral, não consegue imobilizar o veículo no espaço visível à sua frente;

- E o mesmo se diga quanto à infracção das regras de segurança por parte do sinistrado, porquanto entende este que, contrariamente ao ajuizado, não foi tal infracção (designadamente por ter pulado as barreiras e ido adquirir água fora da obra) causal do acidente…pois o que causou o acidente foi o acidente de viação e simultaneamente acidente de trabalho (sic, a fls. 994);

- Devendo proceder o recurso interposto ora pelo sinistrado, deve ser revogado o Acórdão na parte em que, acolhendo a impugnação deduzida pela Ré seguradora, decidiu pela ‘revogação da alínea A) do dispositivo da sentença recorrida, ou seja, a parte em que aí decide condenar ambas as rés a reconhecerem o acidente a sofreu o autor, nas circunstâncias de tempo e lugar acima descritas, como acidente de trabalho’;

- Como resulta da prova testemunhal supra produzida, não só não existia no local passadeira para peões que o sinistrado devesse respeitar, como este olhou para os lados, olhando e fazendo sinal ao agente de polícia no local, para o auxiliar na sua passagem, não se podendo concluir que o A. não tivesse agido com mediana inteligência e linear bom senso;

- O sinistrado foi impelido por um verdadeiro estado de necessidade, pois não tinha, num local próximo, um ponto de água e WC para satisfazer as suas necessidades mais basilares, como hidratar-se, quando estava a trabalhar debaixo do sol, em pleno Verão, com temperaturas à volta dos 31º, à sombra.

2.3 –

Reconhece-se o real melindre da problemática equacionada.

Ter-se-á ajuizado acertadamente?

Buscamos a resposta consentânea na análise e ponderação que ora encetamos.

Como se constata, relevaram na deliberação sub judicio duas factualizadas actuações do sinistrado, enquadradas, uma e outra, nas previsões normativas que enformam respectivamente as alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 14.º da NLAT.

Importará, pois, considerá-las de per si.

2.3.1 – O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente (…de trabalho, necessariamente, como tal havido, por definição, o que se verifique no local e no tempo de trabalho, ut art. 8.º/1 da NLAT) que provier de acto ou omissão do sinistrado que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador[4] ou previstas na lei – assim reza a hipótese legal estampada na predita alínea a)[5].

Destarte, havendo condições de segurança pré-estabelecidas que se mostrem violadas, é mister averiguar, por um lado, da sua adequação causal (o acidente tem de resultar, numa relação de causa-efeito, de acto ou omissão do sinistrado que configure afronta das condições de segurança existentes); por outro, há que indagar se o desrespeito das ditas condições de segurança assenta numa qualquer razão ou motivo que, no contexto, o possa justificar.

A violação, por acção ou omissão, há-de constituir-se numa actuação voluntária, subjectivamente grave,[6] relativamente à qual a eventual existência de causa justificativa, mais ou menos relevante segundo as circunstâncias, sempre poderá constituir atenuação atendível, se não mesmo  desculpar a violação.

No plano da causalidade importa saber, em concreto, se as circunstâncias de facto que integram a violação das condições de segurança estabelecidas pelo empregador foram a causa próxima do acidente.

[Lembramos, parenteticamente, em breve nota, que na indagação da relação de causa-efeito foi adoptada entre nós a teoria da causalidade adequada.

Como emerge do teor do art. 563.º do Cód. Civil, a fórmula nele usada deve interpretar-se[7] no sentido de que não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz, adequada desse efeito.

E, assim, considerados os contornos de facto, veremos, a essa luz, se o desrespeito, in casu, das preditas condições de segurança podem ser havidas, em abstracto, como causa ou condição necessária da verificação do dano/sinistro].

Concretizando.

Apreciada detidamente a conduta sujeita – adiantamo-lo desde já –, não logramos secundar, malgré tout, o juízo global alcançado na deliberação sob protesto.

Com efeito:

A zona da obra onde o A./sinistrado desenvolvia a sua actividade (junto a uma via rodoviária com trânsito automóvel por onde se fazia o acesso, entrada e saída, de veículos com destino ao perímetro dos trabalhos) encontrava‑se realmente delimitada em relação à faixa de rodagem, por separadores/blocos em cimento, alinhados em contínuo, com uma altura de 0,85m.

Vem factualmente demonstrado também que todos os trabalhadores da obra, incluído o A., receberam (in)formação sobre os riscos inerentes e sobre a proibição de transpor os ditos separadores, sendo igualmente advertidos de que não lhes era permitido abandonar o seu local de trabalho.

Assentamos, pois, que o empregador implementara, no local, (aquelas) condições de segurança relativamente aos potenciais riscos advenientes da rodovia anexa às obras em curso, informando, em tempo, os destinatários do objectivo e consequentes limitações decorrentes dessas medidas, não podendo invocar-se, pois, desconhecimento e/ou incompreensão quanto à sua existência e alcance – …hipótese que, aliás, o A., sequer insinuadamente, alguma vez equacionou.

Certo é que, pouco antes da eclosão do acidente reportado, o sinistrado saiu do estaleiro onde se encontrava a trabalhar, e deslocou-se à bomba da Galp, do outro lado da rodovia, para comprar uma garrafa de água (…fresca), tendo-se deslocado para o efeito do local onde estava a trabalhar até ao local da obra em frente do posto/bomba Galp, que distava daquele entre 300-400 metros, aí tendo imobilizado o equipamento que manobrava, do qual se apeou.

Tudo isto fez sem dar conhecimento ou obter permissão do encarregado responsável.

Conclui-se, assim, que o sinistrado desrespeitou, violando-as, as sobreditas condições de segurança e as correlativas prescrições do responsável (empregador/empreiteiro geral da obra).

Resta analisar se, no delineado contexto circunstancial – e quanto a este primeiro momento –, inobservando/violando as preditas condições de segurança, o sinistrado actuou sem (qualquer) causa justificativa…

…E verificar, depois, se o acidente, a seguir ocorrido, é consequência (directa e/ou imediata) dessa actuação.

Se, relativamente aos dois precedentes requisitos (dos quatro que a hipótese legal em fundo postula, como se disse acima, na nota 4) não dissentimos do entendimento ajuizado, já assim não pensamos quanto aos pontos ora equacionados, como brevemente explicitamos, na sequência.

A nosso ver, existiu, in casu, uma motivação para a opção do sinistrado, no factualizado contexto. Se é causa justificativa bastante, para o efeito, é o que vamos tentar surpreender.

Como bem se reteve, oportunamente, a R. – ao contrário do adrede aduzido pelo sinistrado, que inicialmente pretextou uma pretensa falta de cumprimento, por banda da R./empregadora, das regras de higiene e segurança no trabalho, maxime por indisponibilidade, em local próximo, de pontos de água e WC para satisfação das necessidades básicas, como fundamento de uma indemnização por danos não patrimoniais…pretensão que depois deixou cair – instalou, no perímetro da obra em execução, as condições mínimas relativas à satisfação de necessidades básicas dos seus trabalhadores: havia, na obra, pelo menos três pontos de água potável e sanitários químicos, de cuja existência e possibilidade de utilização foram todos informados.

Simplesmente – e não obstante –, os trabalhadores da obra costumavam deslocar-‑se à bomba de gasolina referida para comprar garrafas de água para saciarem a sede …o que o A., que estava a trabalhar debaixo de sol intenso, também fez no fatídico dia 6 de Agosto de 2010, por volta das 15:45 horas, dia em que a temperatura atmosférica máxima atingiu os 31º – vide items A, R, S, T, X da FF[8].

Perguntar-se-á então:

Sendo o acesso à água potável e o posto de abastecimento de combustíveis onde se adquiria a água (fresca) sensivelmente equidistantes do local onde o A. trabalhava, haveria motivo à vista, minimamente plausível, para, naquelas circunstâncias, desrespeitar a proibição de transpor os separadores da obra e abandonar momentaneamente o local de trabalho?

Sem embargo da eventual repercussão do abuso/infracção na esfera da axiologia disciplinar, afigura-se-nos que – …naquelas circunstâncias de contexto e para o específico efeito da previsão interpretanda – a violação em causa (transposição dos falados separadores da obra e abandono do local de trabalho) teve subjacente, como julgamos, uma motivação compreensível e, em tal medida, causa justificativa.

Basta ter presente, a nosso ver, a conjunção destas circunstâncias:

- Apesar de a máquina que o sinistrado tripulava estar equipada com uma cabine coberta para protecção da chuva e do sol, no dia do acidente, (6 de Agosto), a temperatura atmosférica era elevada (31º) e o A. estava a trabalhar debaixo de sol intenso;

- O ponto de água potável e WC distavam cerca de 300 metros do local onde o mesmo se encontrava então a trabalhar, havendo razão para crer, enquanto dado da experiência comum e do conhecimento geral, que a água aí acessível estivesse à temperatura ambiente;

- O A. facilmente se deslocaria até ao local da obra próximo/em frente do posto da Galp, sensivelmente à mesma distância daquele ponto de água, utilizando o cilindro que manobrava, como fez;

- Não havendo notícia sobre se o sinistrado já antes assim procedera ou não, o certo é que, como está assente, era frequente (…os trabalhadores da obra costumavam deslocar-se… ut item S da FF) os colegas de trabalho deslocar-se à bomba de gasolina referida para comprar garrafas de água…

Concluímos, em síntese ponderada, que – não se tratando propriamente de um verdadeiro estado de necessidade, como clama o recorrente – as circunstâncias analisadas consentem todavia o predito entendimento…

…Entendimento que resulta confortado pela acrescida circunstância de não se vislumbrar, à luz e nos termos da compreensão já antes dilucidada, uma relação de causalidade adequada entre essa actuação e a eclosão do acidente.

2.3.2 – Não operando esta sindicada conduta do sinistrado, enquanto factor de descaracterização do acidente, importa analisar, por fim, se a sua actuação, no momento seguinte, preenche a dimensão normativa da hipótese excludente da reparação prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 14.º da NLAT.

Vejamos.

O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.

Já no iter de volta ao perímetro fechado da obra – concretamente ao local onde deixara a máquina/cilindro com que trabalhava e em que se deslocara até ali – o sinistrado dispôs-se a fazer a travessia da faixa de rodagem, via com intenso tráfego, que, nesse segmento, se apresentava delimitada, em relação à área de serviço, por ‘rails’ metálicos de protecção com 0,70 m. de altura.

 Antes de iniciar a travessia o A. olhou para a esquerda (…na direcção do agente participante, que aí se encontrava a orientar o trânsito – cfr. fls. 13).

Apercebendo-se de que o sinistrado tinha intenção de atravessar a estrada, o agente da GNR mandou parar o trânsito (…mas apenas num sentido, …) e aquele encetou a marcha de regresso, com uma garrafa de 1,5 litros na mão, procedendo ao atravessamento da via, em corrida.

E foi então atropelado pelo identificado veículo ligeiro de passageiros, que circulava nesse momento no sentido ….

Em condições de (desejável) normalidade, o sinistrado deveria ter esperado na berma ou, no mínimo, ter-se detido, de modo firme, na linha divisória da faixa de rodagem (…não obstante a inexistência de separador físico e apesar da contida largura total da mesma), aguardando que o elemento da GNR ordenasse a paragem do trânsito no sentido oposto…mas quando este se preparava para o fazer, já o sinistrado se encontrava, em passo de corrida, a atravessar a via.

Precipitação evidente, descuido fatal.

Mas necessariamente negligência grosseira?

Tudo analisado e ponderando, ademais, os elementos documentais constantes dos Autos [v.g. o auto de participação do acidente e respectivo croquis, a fls. 12-15, bem como as fotos a fls. 33, 34, 36, 37 e 618, donde se vê que o agente regulador do trânsito estava a uma relativa distância do local onde o sinistrado efectuou a travessia], compaginados com a factualizada circunstância de o sinistrado, antes de iniciar a travessia de regresso, ter olhado para a esquerda – …só a iniciando depois de o agente da GNR ter mandado parar o trânsito que vinha dessa direcção, procedendo então ao atravessamento da via, em corrida –, à explicação desta instantânea atitude do A. (que até àquele instante fora atento e cuidadoso), não será indiferente a eventualidade deste não ter interpretado adequadamente a indicação do agente quanto à paragem momentânea do trânsito (…se apenas num ou simultaneamente em ambos os sentidos), condicionado que estaria, em termos da normal e devida ponderação do risco, pela urgência em retomar o seu local de trabalho, donde certamente se sentia afastado em transgressão às directivas patronais…

Por negligência grosseira entende-se, nos termos do conceito estabelecido no n.º 3 do art. 14.º, o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.

Em termos dogmáticos, doutrinais e jurisprudenciais estão sobejamente delineados, e são comummente aceites, os contornos da noção, que se têm aqui presentes como referencial de significação.

Sem embargo do reconhecimento de que não é isenta de dificuldades a densificação e operacionalização do conceito – como se dá conta, v.g., no recente Acórdão desta Secção, prolatado em 7-5-2014 na Revista n.º 39/12.3T4AGD.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt. – lembramos, em consonância, que naquela noção coincidem, sinteticamente, três requisitos: uma acção altamente perigosa, traduzida na infracção de um dever de cuidado especialmente exigente ante as circunstâncias de contexto; o resultado consequente, de verificação bem provável face à conduta assumida e, por fim, a especial reprovação ou censura reclamadas pela leviandade, descuido, irresponsabilidade e insensatez patenteadas.

Ponderadas todas as circunstâncias envolventes, é nosso convencimento o de que a conduta protagonizada, negligente embora, não constitui, contudo, no contexto, um comportamento temerário, gratuito e inútil, de uma imprudência inaudita, sem fundamento, e, por isso, de todo reprovável à luz do senso-comum e do elementar sentido de prudência, pressupostos no paradigma do homem médio/o ‘bom pai de família’, na consabida acepção ética ou deontológica do bonus cives[9].

Concluímos, pois, que, não provindo o acidente de culpa do sinistrado que deva qualificar-se como grosseira, na dimensão normativa postulada, o mesmo não deve considerar-se descaracterizado, deixando de interessar, por óbvias razões, a abordagem relativa à problemática da causa exclusiva/concausalidade.

Em suma:

Acolhendo-se, no essencial, as razões maiores que enformam as proposições conclusivas da motivação recursória, a deliberação sob censura, globalmente considerada, não pode prevalecer, como se anuncia, com as consequentes repercussões.

                                                              ___

2.4 – A reparação infortunística.

O trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho, sendo o empregador obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista para entidades legalmente autorizadas a realizar esse seguro – art. 283.º, n.ºs 1 e 5, do Código do Trabalho/2009.

A entidade empregadora da vítima celebrou oportunamente, com a Ré Seguradora, um contrato de seguro de acidentes de trabalho pelo qual transferiu para esta a sua responsabilidade emergente de sinistro laboral, pela remuneração relativa ao sinistrado, no montante anual de € 13.481,42 – alíneas D e E da FF.

É a R./Seguradora a responsável, pois, pelo pagamento das importâncias e prestações devidas, compreendendo o direito à reparação prestações em espécie e em dinheiro – art. 23.º da NLAT.

. - Em conformidade com o previsto nos arts. 48.º/1 e 3, d); 50.º, n.ºs 1 e 3; 71.º, n.º 6 e 72.º, n.º 3, (sempre da referida Lei), a indemnização por incapacidade temporária para o trabalho destina-se a compensar o sinistrado, durante um período de tempo limitado, pela perda ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho, tendo direito, como no caso (ITA), a uma indemnização diária igual a 70% da retribuição nos primeiros 12 meses e a 75% no período subsequente.

Essa indemnização é paga mensalmente, em relação a todos os dias, incluindo os de descanso e feriados, começando a vencer-se no dia seguinte ao do acidente.

Inclui aqui a parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal.

No caso sujeito está assente que o sinistrado/A. padeceu de ITA desde 7 de Agosto de 2010 (dia seguinte ao do acidente) até 20 de Maio de 2011 (data da consolidação das sequelas emergentes do acidente), perfazendo o total de 287 dias.

É-lhe devida, a esse título, a indemnização de € 7.525,14 [€ 598,56x14 meses+€ 120,50x11 meses+€ 348,28x11 meses:12 meses:30 diasx70%x287 dias].

                                                               ***

. - A pensão por incapacidade permanente e o subsídio por elevada incapacidade – art. 48.º/2 – são prestações destinadas a compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho, sendo a pensão por IPA para todo e qualquer trabalho, anual e vitalícia e correspondente a 80% da retribuição, acrescida de 10% desta por cada pessoa a cargo, até ao limite da retribuição.

Fixada em montante anual, começa a vencer-se no dia seguinte ao da alta do sinistrado e é paga, adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo ainda que, nos meses de Junho e Novembro, é pago 1/14 da pensão anual a título de subsídio de férias e de Natal – arts. 50.º/2, 71.º e 72.º, n.ºs 1 e 2.

In casu, o sinistrado está permanente e absolutamente incapacitado para todo e qualquer trabalho, tendo a seu cargo esposa e duas filhas menores – art. 49.º, n.º 1, alíneas b) e c).

Considerando a já falada retribuição anual que auferia, o sinistrado tem jus à pensão anual e vitalícia de € 13.481,42, desde 21 de Maio de 2011 (80%+20%, sendo que apenas relevam duas das três pessoas a cargo, porque assim atingido o limite daquela retribuição).

A pensão encontrada será actualizada nos termos seguintes, atenta a data a que se reporta a sua fixação e o momento presente, de acordo com o estatuído no art. 82.º/2 da NLAT, conjugado com o disposto no art. 6.º do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30/4, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de Maio, e referido às Portarias adiante identificadas.

Assim:

- A partir de 1 de Janeiro de 2012, de acordo com a Portaria n.º 122/2012, de 3 de Maio, para o valor de € 13.966,75 (€ 13.481,42x3,6%);

- A partir de 1 de Janeiro de 2013, de acordo com a Portaria n.º 338/2013, de 21 de Novembro, para o valor de € 14.371,79 (€ 13.966,75x2,9%);

- A partir de 1 de Janeiro de 2014, de acordo com a Portaria n.º 378-C/2013, de 31 de Dezembro, para o valor de € 14.429,28 (€ 14.371,79x0,4%).

  

Ao valor das pensões ora reconhecidas deve ser deduzido o valor entretanto já liquidado pelo F.A.T. ao sinistrado, a título de pensão provisória, bem como os valores pagos pela Segurança Social/ISS de Beja, reembolsos que a Ré efectuará a estas entidades.

                                                              ***

. - Estatui o art. 67.º/2 da NLAT que a IPA para todo e qualquer trabalho confere ao sinistrado o direito a um subsídio por situação de elevada incapacidade permanente igual a 12 vezes o valor de 1,1 IAS.

Considerada a IPA para todo e qualquer trabalho de que a vítima ficou a padecer, assiste-lhe o direito a tal benefício, subsídio no valor de € 5.533,70 [€ 419,22, valor do IAS, x 1,1 x 12], a ser liquidado de uma só vez, conforme prevê o art. 47.º/3.

                                                              ***

. – Peticionou o A. o pagamento da prestação suplementar para assistência a terceira pessoa, prevista, quanto ao modo e forma de pagamento, requisitos de atribuição e montante, nos arts. 47.º, n.º 1, h) e n.º 3, 53.º e 54.º.

Importa reter, quanto a esta prestação, as circunstâncias concretas em que se encontra a vítima: absolutamente incapaz para todo e qualquer trabalho, apresenta um quadro de tetraplegia completa, passando os dias deitado ou sentado numa cadeira de rodas, com dificuldades em falar, discurso incoerente, não conseguindo sequer escrever; depende de terceiros para se alimentar, fazer a higiene pessoal, vestir e despir, achando‑se actualmente internado, por via dessa dependência total, numa Unidade de Cuidados Continuados da Misericórdia de Ferreira do Alentejo – RRR da FF.

É-lhe devida, pois, desde 21.5.2011, a prestação suplementar mensal pedida, que se fixa no seu valor máximo – € 461,14[10] – atento o seu descrito grau de dependência, prestação cujo pagamento acompanha o pagamento da pensão anual e dos subsídios de férias e de Natal, como previsto no n.º 4 do art. 72.º.

                                                              ***

. – Peticionou ainda o A./sinistrado o pagamento de subsídio para readaptação de habitação, previsto na alínea i) do n.º 1 e n.º 3 do art. 47.º.

Esta prestação destina-se ao pagamento das despesas com a readaptação da habitação do sinistrado afectado com incapacidade permanente para o trabalho que dela necessite, em função da sua incapacidade, fixável nos termos estabelecidos no art. 68.º.

Ante o já descrito estado do sinistrado e da sua dependência, cuja mobilidade se mostra confinada à deslocação em cadeira de rodas, a necessidade de readaptação dos acessos da habitação é patente, devendo também proceder esta sua pretensão.

Confere-se-lhe, a esse título, a quantia única de € 5.533,70 [€ 419,22, valor do IAS, x1,1x12].

                                                              ***

. – Atento o disposto no art. 25.º, n.º 1, b) e o factualizado sob a alínea QQQ) da FF deve ainda ser paga ao A. a importância de € 484,51.

Sobre todos esses montantes acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das descritas prestações e até ao seu efectivo e integral embolso.

                                                              ___

                                                               III.

                                                    DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se conceder a Revista, revoga-se o Acórdão impugnado e, julgando a acção procedente, condena-se consequentemente a R. “BB, S.A.” a pagar ao A./sinistrado:

- A quantia de € 7.525,14 (sete mil quinhentos e vinte e cinco euros e catorze cêntimos), a título de indemnização pelo período de ITA (Incapacidade Temporária Absoluta), a que acrescem juros moratórios, à taxa legal;

- A pensão anual e vitalícia no valor inicial de € 13.481,42 (treze mil quatrocentos e oitenta e um euros e quarenta e dois cêntimos), com as actualizações subsequentes, acima discriminadas, no montante ora estabelecido de € 14.429,28 (catorze mil quatrocentos e vinte e nove euros e vinte e oito cêntimos), nela incluída a percentagem devida por pessoas a cargo, sobre todas acrescendo juros moratórios, à taxa legal;

- A quantia de € 5.533,70 (cinco mil quinhentos e trinta e três euros e setenta cêntimos), a título de subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, com juros moratórios, à taxa legal, devidos desde 21.5.2011 e até efectivo e integral pagamento;

- A prestação suplementar mensal de € 461,14 (quatrocentos e sessenta e um euros e catorze cêntimos), devida, desde 21.5.2011, por assistência de terceira pessoa, sobre a qual acrescem igualmente juros moratórios desde o vencimento de cada prestação e até inteiro embolso;

- A importância de € 5.533,70 (cinco mil quinhentos e trinta e três euros e setenta cêntimos), a título de subsídio para readaptação de habitação, a pagar de uma só vez;

- A pagar ainda ao sinistrado a quantia de € 484,51 (quatrocentos e oitenta e quatro euros e cinquenta e um cêntimos) por despesas com assistência medicamentosa.

                                                              **

- Fica a Ré ainda obrigada, como sobredito, a proceder ao reembolso ao ISS/Beja da importância de € 3.618,50, referente ao período compreendido entre 7 de Agosto de 2010 e 25 de Setembro de 2011 (alínea ZZ) dos factos provados), e também ao F.A.T das importâncias adiantadas a título de pensão provisória, valores a deduzir do montante das pensões ora conferidas.

                                                             

Custas pela recorrida, nas Instâncias e neste Supremo Tribunal.

                                                                          ___

Valor da causa: € 236.909,83 (art. 120.º/1 do C.P.T.).

Cumpra-se oportunamente o disposto no art. 137.º/1 do C.P.T.

                                             ****

(Anexa-se sumário).

Lisboa, 19 de Novembro de 2014

Fernandes da Silva (Relator)

Gonçalves Rocha

Leones Dantas

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[1] - Redacção alterada pela Relação, conforme decisão assumida infra.
[2] - Diploma a que pertencem as normas adiante citadas eventualmente sem outra menção.
[3] - Acolheu-se a tese que enformou o recurso da co-R. Seguradora, no assumido entendimento de que – pese embora a letra da Lei (n.º 1 do art. 14.º da NLAT) se preste à interpretação equívoca feita na sentença recorrida – não faz sentido concluir-se, perante a matéria de facto provada e o direito aplicável, pela verificação de um acidente de trabalho e, menos ainda, condenar-se as RR. a reconhecer o acidente como tal.
 Ainda assim, sempre se trata (sic) …de condenação perfeitamente inócua, já que, transitada a sentença que descaracteriza o acidente como acidente de trabalho, fica definitivamente afastada qualquer futura possibilidade de uma reparação dos danos sofridos pelo sinistrado…
[4] - As condições de segurança estabelecidas pelo empregador não se cingem (apenas) às estritamente demandadas pela natureza particular/específica da actividade desempenhada. Acolheu-se uma compreensão mais lata, como vem sendo sucessivamente assumido pelo legislador após a eliminação daquela exigência, antes prevista no n.º 2 do art. 2.º da Lei n.º 1942, etiologicamente explicada, como cremos, pelo propósito da prevenção alargada de potenciais perigos ou riscos conexos com a prestação do trabalho.
[5] - A previsão em causa pressupõe, como é pacífico, a verificação cumulativa de 4 requisitos: a existência de condições de segurança; a sua violação por parte da vítima; de modo voluntário e sem causa justificativa; e que o acidente seja consequência dessa actuação.
Cfr., v.g., Cruz de Carvalho, ‘Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais’, 1980, pg.41 e, por todos, v.g. o Acórdão deste Supremo Tribunal e Secção, de 1.10.2008, no Recurso n.º 1040/08, referido em anotação ao art. 14.º da NLAT, Abílio Neto, 1.ª Edição, 2011, pg. 60.
[6] - Apud Júlio Vieira Gomes, ‘O Acidente de Trabalho’, Coimbra Editora, pg. 240.
Uma espécie de culpa qualificada, nas palavras de Carlos Alegre, in ‘Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais’, Almedina, 2.ª edição, pg. 61.
[7] - Cfr. Pires de Lima/A. Varela, Cód. Civil Anotado, I, 4.ª ed., pgs. 578-9, citados v.g. no Acórdão deste Supremo Tribunal de 24.5.2007, in CJ/S.T.J., Tomo II/2007, pgs. 82-85.
[8] - FF= Fundamentação de Facto.
[9] - Apud Pires de Lima e A. Varela, Cód. Civil Anotado, I, pg. 489.
[10] - € 419,22 (IAS) x 1,1 = € 461,14.