Parecer do Conselho Consultivo da PGR |
Nº Convencional: | PGRP00003249 |
Parecer: | P000072013 |
Nº do Documento: | PPA1007201300700 |
Descritores: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA INFORMAÇÃO FISCAL SEGREDO FISCAL ACESSO A DOCUMENTOS ACESSO A DADOS DADOS PESSOAIS PROTECÇÃO DE DADOS PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO INSTITUCIONAL PRINCÍPIO DA ADMINISTRAÇÃO ABERTA RESERVA DA INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA E FAMILIAR ACUMULAÇÃO DE FUNÇÕES AUTORIZAÇÃO PROCESSO DISCIPLINAR COMPETÊNCIA OBRIGATORIEDADE DE DENÚNCIA PRINCÍPIO IN DUBIO PRO LIBERTATE PROVA NULIDADE PROIBIÇÃO DE VALORAÇÃO DA PROVA RESPONSABILIDADE CRIMINAL RESPONSABILIDADE CONTRA-ORDENACIONAL RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR |
Livro: | 00 |
Numero Oficio: | 136 |
Data Oficio: | 04/09/2013 |
Pedido: | 04/09/2013 |
Data de Distribuição: | 04/12/2013 |
Relator: | FERNANDO BENTO |
Sessões: | 02 |
Data da Votação: | 07/10/2013 |
Tipo de Votação: | UNANIMIDADE |
Sigla do Departamento 1: | MF |
Entidades do Departamento 1: | SECRETÁRIO DE ESTADO DOS ASSUNTOS FISCAIS |
Posição 1: | HOMOLOGADO |
Data da Posição 1: | 09/29/2015 |
Privacidade: | [01] |
Data do Jornal Oficial: | 16-10-2015 |
Nº do Jornal Oficial: | 203 |
Nº da Página do Jornal Oficial: | 29821 |
Indicação 2: | ASSESSOR: SUSANA PIRES |
Texto Integral: | Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Excelência: Pelo Despacho n.º 135/2013-XIX, de 19 de março de 2013, determinou Vossa Excelência que a Autoridade Tributária e Aduaneira remetesse com caráter de urgência à Procuradoria-Geral da República pedido a solicitar a clarificação de algumas questões suscitadas no âmbito do processo n.º 2012/70/C3/1020, «por referência ao tema da utilização de informação fiscal para fins não fiscais, nomeadamente no que diz respeito à acessibilidade de dados fiscais, à validade da prova recolhida por este meio e eventuais implicações criminais decorrentes da utilização desta informação». Cumpre, pois, emitir tal parecer, ao abrigo do disposto no artigo 37.º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público[1]. I O pedido de parecer, formulado no ofício n.º 136, de 9 de abril de 2013, do Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira[2], incide concretamente «sobre a possibilidade de derrogação do dever geral de confidencialidade prescrito no artigo 64.º da Lei Geral Tributária para efeitos de promoção do impulso processual disciplinar relativamente a funcionários da Autoridade Tributária e Aduaneira». Em anexo a tal ofício foi remetida cópia do parecer n.º 47/2013, de 21 de março de 2013, elaborado na Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso da referida Autoridade, sobre o qual foi, pelo Diretor de Serviços em substituição, elaborado o parecer seguinte: «As questões apresentadas neste parecer são da maior importância para todos quantos no seio da AT exercem competências na área disciplinar, em especial o seu Diretor-Geral, mas também esta direção de serviços, por ser a unidade orgânica à qual está consignada a instrução dos respetivos processos. Numa formulação breve do que vem melhor desenvolvido no parecer, interpelam-se as seguintes questões: 1. Poderá a informação recolhida pela AT no curso de procedimentos de natureza tributária e pertencente à esfera de proteção do dever de confidencialidade fiscal, prescrito no artigo 64.º da LGT, ser escrutinada pela própria AT para identificar eventuais condutas dos seus trabalhadores suscetíveis de censura disciplinar, por exemplo, acumulações de funções ilícitas ou não autorizadas? 2. Caso os órgãos com competência disciplinar da AT se deparem, por aquela via ou fortuitamente no âmbito de um qualquer procedimento tributário, com indícios de condutas passíveis da ação disciplinar, poderá esta ser desencadeada com base nos indícios assim recolhidos? 3. Poderá tal informação ser incorporada na instrução de processos disciplinares ou de inquérito como prova dos factos? 4. Seria a prova assim obtida sustentável em Tribunal ou, pelo contrário, seria ilícita por resultar de eventual violação da esfera de proteção de dever de confidencialidade ou segredo? 5. Os responsáveis pela promoção, instrução e decisão disciplinar, fundamentadas em informação sobre a qual recai dever de confidencialidade, ficariam resguardados de responsabilidade disciplinar e criminal, atentas, designadamente, as criminalizações contidas no artigo 91.º do RGIT e no artigo 195.º do CP? 6. Como articular as limitações aqui enunciadas com o disposto no artigo 29.º, n.º 3, da Lei n.º 12-A/2008, que comina com a cessação da comissão de serviço os titulares de cargos dirigentes que se abstiverem de verificar da existência de situações de acumulação de funções não autorizadas? Considerando, por um lado, a obrigação e a determinação da AT em identificar e perseguir as situações de acumulações de funções ilícitas ou não autorizadas e, por outro, as limitações legais que decorrem do estatuto de confidencialidade da informação em causa (recorde-se que o Estatuto Disciplinar não incorpora, pelo menos de forma explícita, qualquer norma derrogatória do dever de confidencialidade, na esteira do que prescrevem as alíneas do n.º 2 do artigo 64.º), a resposta às questões supra poderia sinalizar a margem de intervenção da AT em tais situações. Nestes termos, dada a delicadeza jurídica da matéria e a sua especial relevância para a AT, põe-se à consideração superior um eventual pedido de parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.» Tal parecer mereceu a concordância do Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, que por despacho de 21 de março de 2013, e em execução do Despacho de Vossa Excelência n.º 135/2013-XIX, determinou que, sobre as questões suscitadas, se solicitasse parecer à Procuradoria-Geral da República. II 1. O Governo é o órgão de condução da política geral do país e o órgão superior da administração pública, competindo-lhe, no exercício de funções administrativas, fazer executar o Orçamento do Estado, dirigir os serviços e a atividade da administração direta do Estado e praticar todos os atos exigidos pela lei respeitantes aos funcionários e agentes do Estado [artigos 182.º, 183.º, n.º 1, e 199.º, alíneas b), d) e e), da Constituição da República Portuguesa – CRP). A orgânica do XIX Governo Constitucional foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º 86-A/2011, de 12 de julho[3]. Nos termos do artigo 11.º, n.º 1, deste diploma, o Ministério das Finanças é o departamento governamental que tem por missão definir e conduzir a política financeira do Estado e as políticas para a Administração Pública. A Lei Orgânica do Ministério das Finanças foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º 117/2011, de 15 de dezembro[4]. Tal Ministério prossegue as suas atribuições através de serviços integrados na administração direta do Estado, de organismos integrados na administração indireta do Estado, e de entidades integradas no setor empresarial do Estado (artigo 3.º da Lei Orgânica). Entre os serviços centrais deste Ministério, integrando a administração direta do Estado, encontra-se a Autoridade Tributária e Aduaneira [artigo 4.º, alínea f)], cuja missão e atribuições são definidas no artigo 14.º do mesmo diploma, competindo-lhe, designadamente, assegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, sobre o património e sobre o consumo, dos direitos aduaneiros e demais tributos que lhe incumbe administrar, bem como exercer a ação de inspeção tributária e a ação de justiça tributária. 2. A orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de dezembro[5]. De acordo com o disposto no artigo 12.º, n.º 1, deste diploma, a AT sucedeu nas atribuições da Direção-Geral dos Impostos, da Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo e da Direção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros. A estrutura nuclear da AT e as competências das respetivas unidades orgânicas foram estabelecidas pela Portaria n.º 320-A/2011, de 30 de dezembro A mesma estrutura-se em serviços centrais (direções de serviços, Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros e Unidade dos Grandes Contribuintes) e serviços desconcentrados (direções de finanças e alfândegas). A organização dos serviços centrais da AT vem regulada no artigo 2.º da portaria, cuja redação é a seguinte: «Artigo 2.º 1 — Os serviços centrais da AT integram as seguintes unidades orgânicas nucleares:Organização dos serviços centrais a) Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares; b) Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas; c) Direção de Serviços de Relações Internacionais; d) Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis; e) Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, do Imposto Único de Circulação e das Contribuições Especiais; f) Direção de Serviços de Avaliações; g) Direção de Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado; h) Direção de Serviços dos Impostos Especiais de Consumo e do Imposto sobre Veículos; i) Direção de Serviços de Tributação Aduaneira; j) Direção de Serviços de Regulação Aduaneira; k) Direção de Serviços de Licenciamento; l) Direção de Serviços Técnicos, Análises e Laboratório; m) Direção de Serviços de Registo de Contribuintes; n) Direção de Serviços de Cobrança; o) Direção de Serviços de Reembolsos; p) Direção de Serviços de Contabilidade e Controlo; q) Direção de Serviços de Planeamento e Coordenação da Inspeção Tributária; r) Direção de Serviços Antifraude Aduaneira; s) Direção de Serviços de Investigação da Fraude e de Ações Especiais; t) Direção de Serviços de Justiça Tributária; u) Direção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários; v) Direção de Serviços de Gestão de Recursos Humanos; w) Direção de Serviços de Formação; x) Direção de Serviços de Gestão de Recursos Financeiros; y) Direção de Serviços de Instalações e Equipamentos; z) Direção de Serviços de Planeamento e Controlo de Gestão; aa) Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros; bb) Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso; cc) Direção de Serviços de Auditoria Interna; dd) Direção de Serviços de Cooperação e Relações Institucionais; ee) Direção de Serviços de Comunicação e Apoio ao Contribuinte; ff) Unidade dos Grandes Contribuintes. 2 — Aos dirigentes dos serviços centrais cumpre gerir, a nível nacional, as áreas de resultado cuja responsabilidade lhes esteja cometida, incluindo a tomada de medidas e o prosseguimento das ações tendentes à uniformização de procedimentos nos serviços desconcentrados.» Conforme estatuído no artigo 35.º, n.º 1, da mesma portaria, os serviços desconcentrados da AT integram, a nível regional, as direções de finanças e as alfândegas, e a nível local, os serviços de finanças, as delegações e os postos aduaneiros. À Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares compete a execução dos procedimentos relativos à gestão do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), incumbindo-lhe, designadamente, liquidar ou efetuar o controlo da liquidação, detetar situações de falta de declaração ou de omissões nela verificadas e emitir as correspondentes liquidações, bem como apreciar recursos hierárquicos e procedimentos de revisão oficiosa de atos tributários (artigo 3.º). A Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso assegura o acompanhamento de processos de contencioso administrativo, tributário e aduaneiro, elabora pareceres e presta apoio técnico-jurídico na preparação de diplomas legais e consultoria jurídica em matérias conexas com a atividade administrativa e tributária, incumbindo-lhe, entre outras atribuições, instruir processos disciplinares, de inquérito e de sindicância (artigo 30.º). 3. No exercício das suas funções, os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público, tal como é definido, nos termos da lei, pelos órgãos competentes da Administração (artigo 269.º, n.º 1, da CRP). Não é permitida a acumulação de empregos ou cargos públicos, salvo nos casos expressamente admitidos na lei, determinando esta, de igual modo, as incompatibilidades entre o exercício de empregos ou cargos públicos e o de outras atividades (n.os 4 e 5 do mesmo artigo). À AT, enquanto serviço enquadrado na administração direta do Estado, e aos trabalhadores que nela exercem funções públicas, independentemente da modalidade de vinculação e de constituição da relação jurídica de emprego público, é aplicável a Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro[6], diploma que estabeleceu os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas. O Capítulo II do Título I deste diploma, sob a epígrafe de Garantias de imparcialidade, regula, nos artigos 26.º a 30.º, o regime de incompatibilidades. Em regra, as funções públicas são exercidas em regime de exclusividade (artigo 26.º). A acumulação com outras funções públicas ou privadas poderá, excecionalmente, ter lugar nas situações expressamente previstas nos artigos 27.º[7] e 28.º[8]. Em qualquer dos casos, a acumulação de funções depende de prévia autorização da entidade competente (artigo 29.º, n.º 1[9]). Nos termos do artigo 29.º, n.º 2, do mesmo diploma, o interessado deverá, para obtenção de tal autorização prévia, apresentar requerimento do qual conste a indicação: a) Do local do exercício da função ou atividade a acumular; b) Do horário em que ela se deve exercer; c) Da remuneração a auferir, quando seja o caso; d) Da natureza autónoma ou subordinada do trabalho a desenvolver e do respetivo conteúdo; e) Das razões por que o requerente entende que a acumulação, conforme os casos, é de manifesto interesse público ou não incorre no previsto nas alíneas a) e d) do n.º 4 do artigo anterior; f) Das razões por que o requerente entende não existir conflito com as funções desempenhadas, designadamente por a função a acumular não revestir as características referidas nos n.os 2 e 3 e na alínea c) do n.º 4 do artigo 28.º; g) Do compromisso de cessação imediata da função ou atividade acumulada no caso de ocorrência superveniente de conflito. Por força do disposto no n.º 3 do mesmo artigo, compete aos titulares de cargos dirigentes, sob pena de cessação da comissão de serviço, nos termos do respetivo estatuto[10], verificar da existência de situações de acumulação de funções não autorizadas, bem como fiscalizar, em geral, a estrita observância das garantias de imparcialidade no desempenho de funções públicas. 4. O Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro[11], é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas na administração direta do Estado, independentemente da modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respetivas funções (artigos 1.º, n.º 1, e 2.º, n.º 1). Considera-se infração disciplinar, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, desse Estatuto, o comportamento do trabalhador, por ação ou omissão, ainda que meramente culposo, que viole deveres gerais ou especiais inerentes à função que exerce. Todos os trabalhadores são disciplinarmente responsáveis perante os seus superiores hierárquicos (artigo 4.º, n.º 1). O superior hierárquico que tome conhecimento de que o trabalhador seu subordinado praticou uma infração disciplinar deve proceder disciplinarmente contra o mesmo, ainda que não seja competente para punir (artigo 29.º, n.º 1), competindo ao membro do Governo respetivo a instauração de procedimento disciplinar contra os dirigentes máximos dos órgãos ou serviços (n.º 2 do mesmo artigo). A pena de cessação da comissão de serviço é aplicável, a título principal, aos titulares de cargos dirigentes e equiparados que não procedam disciplinarmente contra os trabalhadores seus subordinados pelas infrações de que tenham conhecimento [artigo 19.º, n.º 1, alínea a)]. A aplicação da pena de repreensão escrita é da competência de todos os superiores hierárquicos em relação aos seus subordinados. A aplicação das restantes penas é da competência do dirigente máximo do órgão ou serviço, competindo ao membro do Governo respetivo a aplicação de qualquer pena aos dirigentes máximos dos órgãos ou serviços (artigo 14.º, n.os 1 a 3). Estatui-se no artigo 17.º, alínea c), do Estatuto que a pena de suspensão é aplicável aos trabalhadores que atuem com grave negligência ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais e àqueles cujos comportamentos atentem gravemente contra a dignidade e o prestígio da função, nomeadamente quando «exerçam funções em acumulação, sem autorização ou apesar de não autorizados ou, ainda, quando a autorização tenha sido concedida com base em informações ou elementos, por eles fornecidos, que se revelem falsos ou incompletos». III 1. Estabelece-se no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa que a todos é reconhecido o direito à reserva da intimidade da vida privada. No n.º 2 do mesmo artigo estatui-se que a lei estabelecerá garantias efetivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias. A tutela constitucional da reserva da intimidade da vida privada estende-se a vários outros preceitos constitucionais. Assim, no artigo 34.º, institui-se o princípio da inviolabilidade do domicílio, da correspondência, das telecomunicações e de outros meios de comunicação privada. E no artigo 35.º preceitua-se a proibição do acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excecionais previstos na lei, quer se trate de dados contidos em ficheiros informatizados, quer em ficheiros manuais (n.os 4 e 5). Dispõe-se, por outro lado, no artigo 268.º, n.º 2, da CRP que os cidadãos têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas. 2. Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 16.º, n.º 2, da CRP). Resulta desta Declaração Universal[12] que «ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência» e que «contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei» (artigo 12.º). Estabelece-se, por outro lado, no artigo 8.º da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais[13], que «qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência» (n.º 1), e que «não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infrações penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros» (n.º 2). Conforme estatuído no artigo 18.º da mesma Convenção, as restrições feitas nos termos da mesma aos direitos e liberdades só podem ser aplicadas para os fins para que foram previstas. 3. A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia[14] estabelece que todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar (artigo 7.º), e direito à proteção dos dados de caráter pessoal que lhes digam respeito, devendo esses dados ser objeto de um tratamento leal, para fins específicos e com o consentimento da pessoa interessada ou com outro fundamento legítimo previsto por lei (artigo 8.º, n.os 1 e 2). 4. Através da Resolução da Assembleia da República n.º 23/93, de 9 de julho, foi aprovada, para ratificação, a Convenção para a Proteção das Pessoas relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Caráter Pessoal[15]. Tal instrumento, como resulta do respetivo artigo 1.º, destina-se a garantir, no território de cada Parte, a todas as pessoas singulares, seja qual for a sua nacionalidade ou residência, o respeito pelos seus direitos e liberdades fundamentais, e especialmente pelo seu direito à vida privada, face ao tratamento automatizado[16] dos dados de caráter pessoal[17] que lhes digam respeito. Nos termos do artigo 5.º, alíneas a) e b), da Convenção, os dados de caráter pessoal que sejam objeto de um tratamento automatizado devem ser obtidos e tratados de forma leal e lícita, e registados para finalidades determinadas e legítimas, não podendo ser utilizados de modo incompatível com essas finalidades. Nos termos consignados no artigo 9.º do mesmo instrumento, as disposições constantes do artigo 5.º apenas poderão ser derrogadas quando tal derrogação, prevista pela lei da Parte, constitua medida necessária numa sociedade democrática: a) Para proteção da segurança do Estado, da segurança pública, dos interesses monetários do Estado ou para repressão das infrações penais; b) Para proteção do titular dos dados e dos direitos e liberdades de outrem. 5. A Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, veio estabelecer, a nível comunitário, vários princípios relativamente à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados nos Estados Membros. Como decorre do respetivo artigo 1.º, n.º 1, os Estados Membros deverão assegurar, em conformidade com a diretiva, a proteção das liberdades e dos direitos fundamentais das pessoas singulares, nomeadamente do direito à vida privada, no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais[18]. O artigo 6.º da diretiva determina, de igual forma, que os dados pessoais serão objeto de um tratamento leal e lícito, e recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, e que não serão posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades, incumbindo ao responsável pelo tratamento assegurar a observância de tais princípios. Consigna-se no artigo 13.º, n.º 1, da diretiva que os Estados Membros podem tomar medidas legislativas destinadas a restringir o alcance das obrigações e direitos referidos no n.º 1 do artigo 6.º sempre que tal restrição constitua uma medida necessária à proteção: a) Da segurança do Estado; b) Da defesa; c) Da segurança pública; d) Da prevenção, investigação, deteção e repressão de infrações penais e de violações da deontologia das profissões regulamentadas[19]; e) De um interesse económico ou financeiro importante de um Estado-membro ou da União Europeia, incluindo nos domínios monetário, orçamental ou fiscal; f) De missões de controlo, de inspeção ou de regulamentação associadas, ainda que ocasionalmente, ao exercício da autoridade pública, nos casos referidos nas alíneas c), d) e e); g) Da pessoa em causa ou dos direitos e liberdades de outrem. 6. A Lei n.º 67/98, de 26 de outubro[20], transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Diretiva n.º 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento dos dados pessoais e à livre circulação desses dados. Abarcando no seu âmbito de aplicação quer o tratamento de dados pessoais por meios total ou parcialmente automatizados, quer por meios não automatizados, bem como o de dados pessoais contidos em ficheiros manuais ou a estes destinados (artigo 4.º, n.º 1), o diploma, consignando o princípio geral de que o tratamento de dados pessoais se deve processar de forma transparente e no estrito respeito pela reserva da vida privada, bem como pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais (artigo 2.º), estatui no seu artigo 5.º, n.º 1, alíneas a) e b), que os dados pessoais devem ser tratados de forma lícita e com respeito pelo princípio da boa fé, e recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, não podendo ser posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades. Nos termos do artigo 17.º, n.º 1, deste diploma, os responsáveis do tratamento de dados pessoais, bem como as pessoas que, no exercício das suas funções, tenham conhecimento dos dados pessoais tratados, ficam obrigados a sigilo profissional, mesmo após o termo das suas funções. A existência do dever de sigilo não exclui, todavia, o dever do fornecimento das informações obrigatórias, nos termos legais (n.º 3 do mesmo artigo). Compete à Comissão Nacional de Proteção de Dados «autorizar excecionalmente a utilização de dados pessoais para finalidades não determinantes da recolha, com respeito pelos princípios definidos no artigo 5.º» [artigo 23.º, n.º 1, alínea c), e 28.º, n.º 1, alínea d)], nos casos em que tal utilização não esteja expressamente autorizada em diploma legal (artigo 28.º, n.º 2). 7. A Lei n.º 46/2007, de 24 de agosto, regula o acesso aos documentos administrativos e a sua reutilização. Dando concretização ao princípio da administração aberta, consagrado no artigo 268.º, n.º 2, da Constituição, estabelece tal diploma que o acesso e a reutilização dos documentos administrativos são assegurados de acordo com os princípios da publicidade, da transparência, da igualdade, da justiça e da imparcialidade (artigo 1.º). Nos termos do artigo 5.º da referida Lei, todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos[21], o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo. Nos termos do artigo 6.º, estão sujeitos a restrições de acesso os documentos que contenham informações cujo conhecimento seja avaliado como podendo pôr em risco ou causar dano à segurança interna e externa do Estado, o acesso a documentos referentes a matérias em segredo de justiça, regulado por legislação própria, o acesso aos documentos administrativos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos, que pode ser diferido até à tomada de decisão, ao arquivamento do processo ou ao decurso de um ano após a sua elaboração, bem como o acesso aos inquéritos e sindicâncias, que só pode ter lugar após o decurso do prazo para eventual procedimento disciplinar (n.os 1 a 4). Estão ainda sujeitos a restrições de acesso os documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa, salvo se o interessado estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar interesse direto, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade (n.º 6) Tratando-se de documentos nominativos[22], um terceiro só tem direito de aceder aos mesmos se estiver munido de autorização escrita da pessoa a quem os dados digam respeito ou demonstrar interesse direto, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade (n.º 5). Em qualquer caso, os documentos administrativos sujeitos a restrições de acesso devem ser objeto de comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada (n.º 7). 8. Em matéria de procedimento administrativo, estabelece-se no artigo 62.º do Código do Procedimento Administrativo que os interessados têm o direito de consultar o processo que não contenha documentos classificados ou que revelem segredo comercial ou industrial ou segredo relativo à propriedade literária, artística ou científica (n.º 1). Tal direito abrange os documentos nominativos relativos a terceiros desde que excluídos dados pessoais que não sejam públicos, nos termos legais (n.º 2). Esse direito é, nos termos do artigo 64.º, n.º 1, do mesmo Código, extensivo a quaisquer pessoas que provem ter interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretendam. 9. A Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro[23], estabelece, no seu artigo 64.º, em termos gerais, o regime do segredo fiscal. É a seguinte a redação atual desse artigo[24]: «Artigo 64.º 1 – Os dirigentes, funcionários e agentes da administração tributária estão obrigados a guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado. Confidencialidade 2 – O dever de sigilo cessa em caso de: a) Autorização do contribuinte para a revelação da sua situação tributária; b) Cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes; c) Assistência mútua e cooperação da administração tributária com as administrações tributárias de outros países resultante de convenções internacionais a que o Estado Português esteja vinculado, sempre que estiver prevista reciprocidade; d) Colaboração com a justiça nos termos do Código de Processo Civil e Código de Processo Penal. 3 – O dever de confidencialidade comunica-se a quem quer que, ao abrigo do número anterior, obtenha elementos protegidos pelo segredo fiscal, nos mesmos termos do sigilo da administração tributária. 4 – O dever de confidencialidade não prejudica o acesso do sujeito passivo aos dados sobre a situação tributária de outros sujeitos passivos que sejam comprovadamente necessários à fundamentação da reclamação, recurso ou impugnação judicial, desde que expurgados de quaisquer elementos suscetíveis de identificar a pessoa ou pessoas a que dizem respeito. 5 – Não contende com o dever de confidencialidade: a) A divulgação de listas de contribuintes cuja situação tributária não se encontre regularizada, designadamente listas hierarquizadas em função do montante em dívida, desde que já tenha decorrido qualquer dos prazos legalmente previstos para a prestação de garantia ou tenha sido decidida a sua dispensa; b) A publicação de rendimentos declarados ou apurados por categorias de rendimentos, contribuintes, setores de atividades ou outras, de acordo com listas que a administração tributária deve organizar anualmente a fim de assegurar a transparência e publicidade. 6 – Considera-se como situação tributária regularizada, para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, o pagamento integral de quaisquer tributos, a inexistência de situações de mora ou a sua regularização em conformidade com as disposições e planos previstos no Código de Procedimento e de Processo Tributário e demais legislação em vigor.» O Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de dezembro[25], que aprovou o Regulamento da Inspeção Tributária, estabelece no seu artigo 22.º que o procedimento da inspeção tributária é sigiloso, devendo os funcionários que nele intervenham guardar rigoroso sigilo sobre os factos relativos à situação tributária do sujeito passivo ou de quaisquer entidades e outros elementos de natureza pessoal ou confidencial de que tenham conhecimento no exercício ou por causa das suas funções, sem prejuízo dos deveres legais de comunicação a outras entidades públicas dos factos apurados na inspeção tributária. Nos termos do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro[26], os responsáveis pelo tratamento de dados pessoais recolhidos para efeitos de atribuição do número fiscal de contribuinte, bem como todas as pessoas que, no exercício das suas funções, tomem conhecimento daqueles dados, ficam estritamente vinculados ao dever de sigilo fiscal e profissional, mesmo após o termo das suas funções. O Decreto-Lei n.º 363/78, de 28 de novembro, que reestruturou a Direção-Geral das Contribuições e Impostos, estabeleceu no seu artigo 30.º, n.º 1, alínea c), que além dos deveres gerais inerentes a todos os trabalhadores da função pública, devem os funcionários da Direção-Geral guardar sigilo profissional, não podendo, nomeadamente, revelar quaisquer elementos sobre a situação profissional e os rendimentos dos contribuintes. Nos termos do artigo 35.º, n.º 1, alínea f), do mesmo diploma, aos funcionários afetos à atividade de informações fiscais é vedado darem conhecimento, por qualquer forma e mesmo aos seus superiores hierárquicos, das situações de facto postas pelos contribuintes ou de quaisquer elementos que sirvam para a liquidação das respetivas contribuições gerais do Estado ou para o levantamento contra aqueles de autos de transgressão[27]. 10. Pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho, foi aprovado o Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT)[28]. No respetivo artigo 91.º vem prevista e punida a violação dolosa de segredo fiscal ou da segurança social: «Artigo 91.º 1 – Quem, sem justa causa e sem consentimento de quem de direito, dolosamente revelar ou se aproveitar do conhecimento do segredo fiscal ou da situação contributiva perante a segurança social de que tenha conhecimento no exercício das suas funções ou por causa delas é punido com prisão até um ano ou multa até 240 dias. Violação de segredo 2 – O funcionário que, sem estar devidamente autorizado, revele segredo de que teve conhecimento ou que lhe foi confiado no exercício das suas funções ou por causa delas com a intenção de obter para si ou para outrem um benefício ilegítimo ou de causar prejuízo ao interesse público, ao sistema de segurança social ou a terceiros é punido com prisão até três anos ou multa até 360 dias. 3 – A pena prevista no número anterior é aplicável ao funcionário que revele segredo de que teve conhecimento ou que lhe foi confiado no exercício das suas funções ou por causa delas, obtido através da derrogação do sigilo bancário ou outro dever legal de sigilo.» No artigo 115.º do mesmo diploma prevê-se e pune-se a violação de segredo fiscal na forma negligente, nos termos seguintes: «A revelação ou aproveitamento de segredo fiscal de que se tenha conhecimento no exercício das respetivas funções ou por causa delas, quando devidos a negligência, é punível com coima de (euro) 75 a (euro) 1500»[29]. IV 1. Efetuada a recensão dos diplomas e preceitos essenciais que regulam as matérias a que a consulta se reporta, passar-se-á seguidamente a abordar o respetivo enquadramento, tendo em vista responder às questões concretamente colocadas. A questão fulcral, cuja solução influirá decisivamente na resposta a dar às demais, consiste em saber se a informação recolhida pela AT no âmbito de procedimentos de natureza tributária pode ser utilizada para efeitos de procedimento disciplinar contra trabalhadores ao seu serviço por motivo de acumulação de funções ilícita ou não autorizada, acumulação essa que poderá eventualmente ser detetada através da consulta das declarações de rendimentos e outros documentos apresentados para efeitos de liquidação e cobrança do correspondente imposto (imposto sobre o rendimento das pessoas singulares – IRS). A eventualidade de utilização de informação recolhida no decurso de procedimentos de natureza tributária para efeitos disciplinares é problematizada na consulta em dois circunstancialismos específicos: – Por um lado, importa aferir da possibilidade genérica de a AT escrutinar a informação fiscal atinente aos contribuintes que nela exercem funções públicas, tendo como objetivo, para efeitos disciplinares, descobrir eventuais situações de acumulações de funções ilícitas ou não autorizadas; – Por outro, haverá que esclarecer se, quando um órgão com competência disciplinar no âmbito da AT se depare fortuitamente, no decurso de um procedimento de natureza tributária, com indícios de uma tal infração disciplinar praticada por um seu funcionário, pode com base neles desencadear a correspondente ação disciplinar. Em qualquer dos casos, não estará em causa averiguar a prática de eventuais infrações disciplinares por parte dos funcionários da AT na tramitação dos procedimentos tributários em que intervierem, uma vez que tal matéria não se encontra coberta pelo segredo fiscal. O objeto da consulta respeita a informações que a AT recolhe relativamente aos seus trabalhadores, enquanto meros cidadãos contribuintes, pretendendo esclarecer-se se tais informações, constantes das declarações de rendimentos que periodicamente são apresentadas à AT para efeitos de liquidação do imposto sobre o rendimento (IRS), podem ser acedidas e utilizadas para efeitos disciplinares contra os mesmos, no caso de documentarem um exercício cumulado de funções no circunstancialismo referido. 2. Resulta do artigo 64.º, n.º 1, da LGT que os dirigentes, funcionários e agentes da administração tributária estão obrigados a guardar sigilo sobre os dados recolhidos acerca da situação tributária dos contribuintes e sobre os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente quando decorrentes do sigilo profissional ou de qualquer outro dever de segredo legalmente regulado. O dever de guardar sigilo ou segredo implica, no plano ontológico, a existência de determinado facto ou conjunto de factos apenas conhecido de um círculo determinado e, em princípio, restrito de pessoas e que, segundo a vontade expressa ou presumida da pessoa a quem respeita (portador do segredo), deve, em nome de um interesse legítimo ou razoável, permanecer sob reserva[30]. O segredo fiscal, como modalidade de segredo profissional, é um instrumento jurídico privilegiado de garantia do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar constitucionalmente consagrado[31] (artigo 26.º, n.os 1 e 2, da CRP). A reserva da intimidade da vida privada e familiar comporta, por um lado, o direito de impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e, por outro, o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem[32]. Como acentuam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, não é fácil demarcar a linha divisória entre o campo da vida privada e familiar que goza de reserva de intimidade e o domínio mais ou menos aberto à publicidade[33]. Para tais Autores, mais do que distinguir entre uma esfera pessoal íntima (absolutamente protegida) e uma esfera privada simples (apenas relativamente protegida) «o âmbito normativo do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e familiar deverá delimitar-se (…) com base num conceito de “vida privada” que tenha em conta a referência civilizacional sob três aspetos: (1) o respeito dos comportamentos; (2) o respeito do anonimato; (3) o respeito da vida em relação». Como refere Rabindranath V. A. Capelo de Sousa, «a dignidade da natureza de cada homem, enquanto sujeito pensante dotado de liberdade e capaz de responsabilidade, outorga-lhe autonomia não apenas física mas também moral, particularmente na condução da sua vida, na autoatribuição de fins a si mesmo, na eleição, criação e assunção da sua escala de valores, na prática dos seus atos, na reavaliação dos mesmos e na recondução do seu comportamento», a qual «pressupõe nomeadamente que cada homem possua uma esfera privada onde possa recolher-se («right to be alone»), pensar-se a si mesmo, avaliar a sua conduta, retemperar as suas forças e superar as suas fraquezas, esfera essa que os demais sob pena de ilicitude não devem violar»[34]. Segundo o mesmo Autor, a tutela desta esfera privada tem um âmbito geral, não se limitando a proteger áreas circunscritas e típicas de reserva como as decorrentes em primeira linha do direito penal, abrangendo «não só o respeito da intimidade da vida privada, em particular a intimidade da vida pessoal, familiar, doméstica, sentimental e sexual e inclusivamente os respetivos acontecimentos e trajetórias, mas ainda o respeito de outras camadas intermédias e periféricas da vida privada, como as reservas do domicílio e de lugares adjacentes, da correspondência e de outros meios de comunicação privada, dos dados pessoais informatizáveis, dos lazeres, dos rendimentos patrimoniais e de demais elementos privados da atividade profissional e económica, bem como (…) a própria reserva sobre a individualidade privada do homem no seu ser para si mesmo, v. g., sobre o seu direito a estar só e sobre os carateres de acesso privado do seu corpo, da sua saúde, da sua sensibilidade e da sua estrutura intelectiva e volitiva»[35]. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem vindo, de igual forma, a perfilhar uma noção ampla de vida privada, sublinhando que seria muito restritivo limitá-la a um círculo íntimo onde cada um pode fruir a vida pessoal à sua maneira e esconde-la inteiramente do mundo exterior a esse círculo. O respeito da vida privada engloba, numa certa medida, o direito para o indivíduo de criar e desenvolver relações com os seus semelhantes, incluindo as suas atividades profissionais ou comerciais e os seus interesses materiais[36]. Também o Tribunal Constitucional vem entendendo que a fórmula «reserva sobre a intimidade da vida privada» utilizada no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição não pode ser interpretada no sentido de circunscrever o domínio de proteção a uma certa parte da vida privada – a vida íntima, como núcleo central da vida privada. Como refere o mesmo Tribunal: «No plano constitucional, esta interpretação no sentido de que toda a vida privada é objeto de reserva obtém um claro apoio no disposto no artigo 12.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Aí se proclama que “ninguém sofrerá intromissão na sua vida privada (…)”, sem qualquer especificação restritiva. Ora, nos termos do n.º 2 do artigo 16.º da Constituição da República, “os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem”»[37]. Em sentido análogo se tem pronunciado este Conselho Consultivo, sustentando «não haver razões para restringir o campo da vida privada (que goza da reserva de intimidade estabelecida no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição da República) à esfera pessoal íntima»[38]. A tutela constitucional genérica da reserva da vida privada não impede, todavia, como sublinha o Tribunal Constitucional, a possibilidade e a justificação do «estabelecimento de graduações diferenciadoras entre zonas da vida privada, consoante a sua maior ou menor ligação aos atributos constitutivos da personalidade», o que «tem reflexos de regime, sobretudo no que diz respeito ao apuramento da gravidade da lesão e dos seus efeitos danosos, para fixação de montantes indemnizatórios e para a realização adequada da tarefa de ponderação com outros interesses constitucionalmente protegidos»[39]. Como a tal propósito refere Rabindranath Capelo de Sousa[40]: «Desde logo, é menor a intensidade da tutela nos casos em que a vida privada dos indivíduos é adjacente à esfera pública dos mesmos, nomeadamente, quando o indivíduo se movimenta em lugares públicos, como estradas, restaurantes, praias, cerimónias públicas, recintos culturais (teatro, cinema, ópera, etc.) ou desportivos, mas em que a privacidade da sua vida impõe mesmo aí uma certa reserva. Depois, podem considerar-se zonas intermédias de resguardo, já mais sensíveis e interditas à publicidade, os elementos privados da atividade profissional e económica. Mas é sobretudo na intimidade da vida familiar, doméstica, sentimental e sexual e no ser do homem para si mesmo que reside uma maior eficácia da reserva, originando um crivo muito mais apertado de eventuais causas de justificação da ilicitude nas ofensas de tais bens». Também Manuel da Costa Andrade, sustentando que a lei penal portuguesa presta homenagem à chamada teoria dos três graus ou das três esferas, cuja primeira formulação terá ficado a dever-se ao Tribunal Constitucional Federal alemão, aponta para a existência, para além de uma extremada área de publicidade, de uma esfera de intimidade, em princípio inviolável e consequentemente avessa ao princípio geral da ponderação de interesses, e de uma esfera da privacidade stricto sensu, cuja densidade e extensão são influenciadas pelo estatuto do portador concreto, suscetível de ponderação para efeitos de justificação, nomeadamente a título de prossecução de interesses legítimos[41]. 3. Este Conselho já teve o ensejo, em diversos pareceres, de abordar a problemática do segredo fiscal, procurando delimitar-lhe os contornos[42]. O princípio da confidencialidade dos dados relativos à situação tributária dos contribuintes, atualmente consagrado no artigo 64.º da Lei Geral Tributária, encontrava-se anteriormente enunciado no artigo 17.º, alínea b), do Código de Processo Tributário[43]. No que concretamente respeita à delimitação do conceito «situação tributária dos contribuintes» utilizado neste último preceito legal, referiu-se no parecer n.º 20/94[44]: «8.3. Convirá, antes de abordar as questões concretas, precisar o objeto da confidencialidade consagrado na norma em causa. A confidencialidade em questão refere-se, como vimos, aos dados relativos à situação tributária dos contribuintes. Trata-se, pois, como atrás se disse, de “dados” (informações, elementos) que refletem, explicitam de alguma forma a situação patrimonial dos cidadãos na parte e medida em que interessam ao fisco e que, com tal finalidade, constam do(s) respetivo(s) processo(s) tributário(s), fornecidos, na sua grande parte, pelo(s) próprio(s) contribuinte(s). São dados que exprimem a capacidade contributiva: os bens, as atividades, as receitas, os rendimentos, as despesas, os encargos, em suma, tudo o que reflita ou se prenda com a matéria coletável em causa em cada processo, tudo o que interesse à situação tributária do contribuinte. Ou seja, dados que, preenchendo a relação tributária, interessam sobremaneira à definição e cômputo da obrigação tributária. Mas, como se sabe, nem todos os dados assim definidos são objeto da confidencialidade fixada na referida disposição. Para além dos dados constantes do(s) processo(s) tributário(s) que não tenham as características apontadas – por não refletirem a situação tributária do contribuinte –, há ainda que excluir da confidencialidade os dados constantes desse(s) processo(s) que tenham natureza pública, isto é, quando sejam livremente cognoscíveis por recurso a outras vias jurídico-institucionais, como sejam o registo predial, comercial, civil, etc.». Subsumindo os dados em causa, relativos à situação tributária dos contribuintes, à previsão do artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República, por pertencerem à sua esfera privada, merecedora de reserva, o parecer refere, nas suas primeiras quatro conclusões, o seguinte: «1 – A expressão “dados relativos à situação tributária dos contribuintes”, constante da alínea d) do artigo 17.º do Código de Processo Tributário, abrange, na sua previsão, quaisquer informações, quaisquer elementos informatizados ou não que reflitam de alguma forma a situação patrimonial dos sujeitos passivos da obrigação de imposto, sejam pessoas singulares, ou pessoas coletivas, comerciantes e não comerciantes; 2 – A “confidencialidade” protegida na disposição referida na conclusão anterior não abrange os dados que tenham natureza pública, por serem livremente cognoscíveis por recurso a outras vias jurídico-institucionais, como sejam, v. g., os registos predial, comercial e civil; 3 – A quebra da “confidencialidade” prevista na referida disposição legal depende da existência de norma que, sobrepondo-se-lhe, afaste o regime ali consagrado; 4 – Assim, os órgãos e agentes da Administração Pública não têm acesso aos dados confidenciais previstos na referida disposição legal, salvo quando exista norma especial de que resulte o dever de prestar tal colaboração;(…)». O conceito de dados relativos à situação tributária dos contribuintes, com a compreensão que lhe foi dada nesse parecer, tem continuado a ser aceite por este Conselho, como sucedeu no parecer n.º 67/96, de 20 de março de 1997[45], e 62/2004, de 14 de julho de 2004[46]. Presentemente, e de acordo com o disposto no artigo 64.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, o segredo fiscal abrange, para além dos dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes, os elementos de natureza pessoal obtidos no decurso do procedimento, designadamente os abrangidos por outros deveres de segredo, profissional ou outro. Como referem Carlos Pamplona Corte-Real, Jorge Bacelar Gouveia e Joaquim Pedro Cardoso da Costa [47], haverá, para delimitação do âmbito do segredo fiscal, que «fazer a conjugação do princípio da confidencialidade fiscal com a proteção legal dos dados ditos pessoais, buscando no recurso à noção de capacidade contributiva e de personificação dos dados o critério delimitador do objeto do sigilo fiscal». Quando «se pretenda conhecer as diversas origens do rendimento de um certo contribuinte; ou se pretender, ainda que com menor alcance informativo, saber os rendimentos declarados por um dado sujeito passivo no âmbito de uma das categorias do IRS; ou ainda se se solicitar uma indicação relativa a todos os prédios detidos por um contribuinte, estar-se-á perante situações de caráter reservado, por consequência abrangidas pelo princípio da confidencialidade fiscal». Na palavra de Sofia Tomé d’Alte, todos os elementos reveladores da capacidade contributiva são necessariamente sigilosos, podendo desde logo destacar-se os seguintes: as informações relativas aos rendimentos percebidos pelo contribuinte, bem como as deduções e despesas que entende por bem efetuar, os bens móveis ou imóveis que possui, bem como a própria declaração de rendimentos que entrega na repartição de finanças competente[48]. 4. A nossa lei constitucional contém, como acima se expôs, diversas disposições estabelecendo garantias para tutela do direito à reserva da vida privada. Numa disposição de natureza precetiva, dirigida ao legislador ordinário, a Constituição determina que «a lei estabelecerá garantias efetivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias» (artigo 26.º, n.º 2). O estabelecimento de uma imposição legiferante desta natureza, vinculando o legislador, constitui uma garantia de que o Estado não só não poderá violar o direito à reserva da vida privada e familiar, como estará obrigado a instituir mecanismos que impeçam tal violação, seja por entidades públicas ou privadas[49]. Entre essas garantias contam-se os diversos regimes de segredo legalmente instituídos e o quadro legal de sanções penais, administrativas e civis instituído para a respetiva violação. Em matéria de dados pessoais, a tutela constitucional direta é mais intensa. Remetendo embora para a lei a definição do conceito de dados pessoais, a Constituição impõe que sejam definidas por lei as condições do seu tratamento, conexão, transmissão e utilização, proibindo expressamente o acesso a dados pessoais de terceiros, constantes de ficheiros informáticos ou manuais, salvo nos casos excecionais previstos na lei (artigo 35.º, n.os 2, 4 e 7). Por outro lado, a informática só poderá ser utilizada para tratamento de dados referentes à vida privada caso exista consentimento expresso do titular ou autorização prevista na lei, ou se se tratar do processamento de dados estatísticos não individualmente identificáveis (artigo 35.º, n.º 3). Todos os cidadãos têm o direito de acesso aos dados informatizados (ou constantes de ficheiros manuais) que lhes digam respeito, podendo exigir a sua retificação e atualização, e o direito de conhecer a finalidade a que se destinam, nos termos da lei (n.os 1 e 7 do mesmo artigo). O direito de conhecer a finalidade a que se destinam os dados pessoais recolhidos em tais ficheiros, informáticos ou manuais, exige, na palavra de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira[50], uma proteção clara quanto ao «desvio dos fins» a que se destinam essas informações: «Daí as exigências jurídico-constitucionais relativas às finalidades das informações: (1) legitimidade; (2) determinabilidade; (3) explicitação; (4) adequação e proporcionalidade; (5) exatidão e atualidade; (6) limitação temporal. Todos estes requisitos permitem o controlo dos fins, impedindo-se, designadamente, que haja tratamento de dados relativos a finalidades não legítimas ou não especificadas, excessivas relativamente a estas mesmas finalidades ou que tenham como referência dados inexatos ou desatualizados ou, ainda, mantidos por lapsos temporais injustificados (…)». 5. O direito à reserva da intimidade da vida privada não é um direito absoluto e ilimitado. Uma vez delimitado, por via interpretativa, o respetivo âmbito de proteção constitucional, o mesmo pode sofrer restrições operadas por lei nos casos expressamente previstos na Constituição (artigo 18.º, n.º 2, da CRP). As leis restritivas, devendo limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, têm de revestir caráter geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo dos preceitos constitucionais (artigo 18.º, n.os 2 e 3, da CRP). Existem, para além das restrições legislativas constitucionalmente previstas, espaços de conflito (situações de colisão de direitos ou de conflito entre direitos e outros valores constitucionalmente tutelados) que reclamam resolução, seja através de leis ordinárias harmonizadoras, seja mediante o estabelecimento de critérios de solução de conflitos em casos concretos por aplicação direta das normas constitucionais ou por aplicação de cláusulas gerais ou de conceitos indeterminados legalmente utilizados[51]. A tais leis harmonizadoras serão, com as devidas adaptações, aplicáveis as condições constitucionais de restrição legislativa consignadas no artigo 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição[52], designadamente nas vertentes da sujeição aos princípios da proporcionalidade, da não retroatividade, da generalidade e da abstração. 6. O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza, sendo os impostos que o integram criados por lei, a qual determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (artigo 103.º, n.os 1 e 2, da CRP). Os objetivos constitucionalmente estatuídos ao sistema fiscal nacional – satisfação de necessidades financeiras públicas e repartição justa dos rendimentos e da riqueza – implicam a criação, por lei, de impostos. A criação dos impostos passa, não apenas, pela determinação legal da respetiva incidência e taxa, mas também pela instituição de um determinado número de obrigações acessórias dos sujeitos passivos, que implicam, designadamente, a apresentação de declarações, a exibição de documentos fiscalmente relevantes e a prestação de informações (artigo 31.º, n.º 2, da LGT), no quadro de um princípio de colaboração recíproca entre a Administração Tributária e os contribuintes [artigo 59.º, n.os 1 e 2, alínea c), da mesma Lei]. A prossecução dos referidos objetivos constitucionais, obrigando os contribuintes a facultar à administração tributária informações relativas a factos abrangidos pela reserva da vida privada, conflitua com o direito a tal reserva que a Constituição lhes garante. Para solução de tal conflito, emitiu o legislador ordinário diversos preceitos harmonizadores que importa ter presentes. 7. Cingindo-nos à infração disciplinar especificamente visada na consulta – a acumulação de funções ilícita ou não autorizada –, já se referiu que os trabalhadores da AT, à semelhança dos demais trabalhadores que exercem funções públicas, só podem acumular as funções públicas com funções privadas, em regime de trabalho autónomo ou subordinado, se para tanto forem autorizados (artigo 29.º da Lei n.º 12-A/2008). Caso exerçam em acumulação funções públicas e funções privadas, em regime de trabalho subordinado ou de trabalho autónomo, o respetivo rendimento, em qualquer dos casos, é tributado em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – IRS [artigos 1.º, 2.º, n.º 1, alíneas a) e c), e 3.º, n.º 1, alínea b), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares[53]]. Nos termos do artigo 57.º do mesmo Código, os sujeitos passivos devem apresentar anualmente uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior e a outros elementos informativos relevantes para a sua concreta situação tributária, devendo ser-lhe juntos, fazendo dela parte integrante, os anexos e outros documentos que sejam mencionados no referido modelo. Sempre que as declarações não forem consideradas claras ou nelas se verifiquem faltas ou omissões, a AT notifica os sujeitos passivos ou os seus representantes para, por escrito, e no prazo que lhes for fixado, prestarem os esclarecimentos indispensáveis (n.º 5 do mesmo artigo). Conforme preceituado no artigo 112.º do mesmo Código, antes de iniciar alguma atividade suscetível de produzir rendimentos da categoria B (caso do trabalhador autónomo), deve o sujeito passivo apresentar a respetiva declaração de início num serviço de finanças, em impresso de modelo oficial ou mediante transmissão eletrónica de dados (n.os 1 e 7). Havendo lugar a retenção do imposto na fonte, as quantias retidas devem ser entregues à AT até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas, mediante apresentação de impressos de modelo legalmente aprovado, que identificam os sujeitos passivos respetivos (artigos 98.º e 107.º). Por outro lado, as entidades devedoras de rendimentos que estejam obrigadas a efetuar a retenção, total ou parcial, do imposto estão obrigadas a entregar à AT uma declaração de modelo oficial, referente aos rendimentos pagos ou colocados à disposição e respetivas retenções de imposto, de contribuições obrigatórias para regimes de proteção social e subsistemas legais de saúde, bem como de quotizações sindicais, até ao final do mês de fevereiro de cada ano, relativamente aos rendimentos do ano anterior [artigo 119.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código]. 8. A consagração legal da obrigação, por parte dos contribuintes e de outros substitutos tributários[54], de facultarem à AT informações relativas à atividade profissional, aos rendimentos auferidos e a outros elementos relativos à situação patrimonial dos cidadãos, permitindo aos trabalhadores ao serviço de tal entidade invadirem a respetiva esfera da privacidade, foi contrabalançada pelo legislador mediante consagração do dever de segredo fiscal e de normas sancionatórias para a respetiva violação. O princípio da proporcionalidade aplicável às leis restritivas ou harmonizadoras pelo artigo 18.º, n.º 2, da Constituição impõe que o acesso à informação reservada fornecida pelos cidadãos seja proporcionado apenas aos trabalhadores da Administração Tributária funcionalmente conexionados com os procedimentos tributários respetivos, com a consequente proibição de comunicação da mesma informação a pessoas estranhas a essa função jurídico-tributária. Esse princípio impõe limites ao legislador ordinário, relacionados, por um lado, com o universo das pessoas que poderão aceder a tais informações e, por outro, com as finalidades com que a informação é acedida e utilizada. Como resulta da Portaria n.º 320-A/2011, a AT apresenta uma estrutura extremamente complexa, compreendendo, nos respetivos serviços centrais, 32 unidades orgânicas nucleares (artigo 2.º), e ainda serviços desconcentrados, regionais e locais (artigo 35.º), onde trabalham vários milhares de funcionários. O facto de o artigo 64.º, n.º 1, da LGT estabelecer que os dirigentes, funcionários e agentes da administração tributária estão obrigados a guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributária e sobre os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento relativamente aos contribuintes não constitui norma que habilite a generalidade dos trabalhadores da referida entidade, integrados nos respetivos serviços centrais e desconcentrados, a aceder a toda e qualquer informação confidencial constante das respetivas bases de dados e ficheiros. Como refere Manuel da Costa Andrade, o segredo só se mantém enquanto for apenas conhecido das pessoas para tal funcionalmente legitimadas, dentro do âmbito da competência dos agentes envolvidos. Se a informação for revelada a pessoas que, embora integradas na mesma organização, não tenham competência funcional para lhe aceder, a revelação será típica, ainda que tais pessoas estejam igualmente obrigadas a sigilo profissional[55]. A invasão da área da privacidade dos contribuintes por parte de pessoas sem competência para intervirem nos procedimentos tributários a que a informação fiscal legalmente se destinou, sem expressa previsão legal que o autorize, será, consequentemente, abusiva. Daí que, nos termos dos artigos 14.º e 15.º da Lei n.º 67/98, o responsável pelo tratamento dos dados pessoais (em princípio o dirigente máximo do serviço) esteja juridicamente vinculado a pôr em prática as medidas técnicas e organizativas adequadas para os proteger contra o acesso não autorizado, impedindo o acesso de pessoa não autorizada às instalações utilizadas para o tratamento desses dados, impedindo que os suportes de dados possam ser lidos, copiados, alterados ou retirados por pessoa não autorizada, impedindo que sistemas de tratamento automatizados de dados possam ser utilizados por pessoas não autorizadas através de instalações de transmissão de dados e garantindo que as pessoas autorizadas só possam ter acesso aos dados abrangidos pela autorização. E que, no quadro das interconexões de dados entre a AT e outras entidades públicas legalmente previstas, só as pessoas devidamente credenciadas possam aceder aos mesmos, mediante atribuição de código de utilizador e de palavra-passe ou mediante utilização de certificado digital qualificado (artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 92/2004, de 20 de abril, e 6.º do Decreto-Lei n.º 309/2007, de 7 de setembro). Este Conselho, como acima se expôs, tem sustentado reiteradamente que a possibilidade de quebra do segredo fiscal depende da existência de norma expressa que a preveja, e que os órgãos e agentes da Administração Pública não têm acesso aos dados abrangidos pelo sigilo fiscal, salvo quando exista norma especial de que resulte o dever de prestar tal colaboração[56]. A proibição de acesso às informações cobertas pelo segredo fiscal, salvo se existir lei que expressamente o permita, aplicando-se aos órgãos e agentes exteriores à AT, deve considerar-se igualmente aplicável, pelas razões acima referidas, aos órgãos e agentes integrados nas estruturas orgânicas desta Autoridade que funcionalmente não tenham competência para aceder aos procedimentos para os quais foram recolhidas. 9. Com a consagração do regime do segredo fiscal, restringe-se, pois, no n.º 1 do artigo 64.º da LGT o acesso aos dados recolhidos sobre a situação tributária ou relativos a elementos de natureza pessoal dos contribuintes aos trabalhadores da AT funcionalmente conexionados com os procedimentos tributários correspondentes. Tendo, todavia, em consideração a existência de outros direitos e valores constitucionais colidentes ou conflituantes com o direito à reserva da vida privada dos contribuintes, efetuou o legislador no mesmo artigo a regulação da matéria, permitindo, em diversas situações, a cessação do segredo fiscal. Assim, no n.º 2 do artigo, para além dos casos em que a autorização do contribuinte faz cessar o dever de segredo [alínea a)], estabelece-se que o dever de sigilo cessa em caso de: - Cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes – alínea b); - Assistência mútua e cooperação da administração tributária com as administrações tributárias de outros países resultante de convenções internacionais a que o Estado português esteja vinculado, sempre que estiver prevista reciprocidade – alínea c); - Colaboração com a justiça nos termos do Código de Processo Civil e Código de Processo Penal – alínea d). 9.1. A primeira das situações em que se prevê a possibilidade de quebra do segredo fiscal diz respeito à cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes. Trata-se, pois, de uma norma autorizadora em branco, que pressupõe, para a respetiva aplicação, a existência de outras normas legais que especificamente prevejam a obrigação, por parte da Administração Tributária, de fornecimento, no quadro da cooperação entre entidades públicas, de informações abrangidas pelo segredo fiscal. Em face desse preceito, e na falta de expressa previsão legal, as estruturas orgânicas da AT não poderão facultar dados de natureza sigilosa a quaisquer organismos públicos[57], não havendo, neste caso, que distinguir, pelas razões que acima se aduziram, entre organismos internos ou exteriores à mesma Autoridade. 9.1.1. É o que sucede, designadamente, com o Decreto-Lei n.º 92/2004, de 20 de abril, o qual, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, estabeleceu a forma, extensão e limites da interconexão de dados entre os serviços da administração fiscal e as instituições da segurança social. Conforme referido no artigo 1.º de tal diploma, o mesmo regula a forma, extensão e limites da interconexão a efetivar entre os serviços da administração fiscal e as instituições da segurança social no domínio do acesso e tratamento da informação de natureza tributária e contributiva relevante para assegurar o controlo do cumprimento das obrigações fiscais e contributivas, garantindo a atribuição rigorosa das prestações sociais e a concessão de benefícios fiscais, bem como promovendo a eficácia na prevenção e combate à fraude e evasão fiscal e contributiva no âmbito das respetivas competências Nos termos dos artigos 2.º e 3.º, os serviços da administração fiscal e as instituições da segurança social coordenam as suas ações nas respetivas áreas de intervenção e trocam entre si as informações necessárias à prossecução das finalidades referidas no artigo 1º, relativamente às seguintes categorias de dados relativas às pessoas singulares e coletivas: cadastro e identificação; tributos fiscais ou parafiscais, designadamente as contribuições e quotizações para a segurança social; rendimentos e despesas; património imobiliário e mobiliário e obrigações acessórias, designadamente início, reinício, alteração, suspensão e cessação da atividade. Nos termos do artigo 3.º, n.º 2, admite-se que outras categorias de dados possam ser objeto de interconexão mediante autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados. Conforme estabelecido no artigo 5.º, n.º 2, é vedada a utilização dos dados para qualquer fim diverso do fixado no artigo 1.º, e, nos termos do artigo 9.º, as entidades responsáveis pelo tratamento dos dados, bem como todas as pessoas que, no exercício das suas funções, tenham conhecimento dos dados pessoais tratados ao abrigo do diploma, ficam de igual modo obrigadas aos deveres de sigilo e confidencialidade, mesmo após a cessação das respetivas funções. 9.1.2. Outro caso de cooperação entre a Administração Tributária e outras entidades públicas legalmente previsto é o regulado pelo Decreto-Lei n.º 309/2007, de 7 de setembro, que, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, estabeleceu a forma, extensão e limites da interconexão de dados entre diversos serviços e organismos da Administração Pública e introduziu medidas de simplificação de procedimentos e de desburocratização no âmbito da Caixa Geral de Aposentações. Como decorre do artigo 1.º deste diploma, o mesmo regula a forma, extensão e limites do relacionamento de dados no domínio do acesso e do tratamento da informação necessária para assegurar, no âmbito dos sistemas de proteção social da Administração Pública por ele abrangidos, o controlo do cumprimento das obrigações contributivas, a atribuição rigorosa das prestações sociais, a eficácia na prevenção e no combate à fraude e evasão e o apuramento de indicadores quantitativos de apoio à gestão de recursos humanos, incluindo informação relativa à integração de pessoas com deficiência na Administração Pública, bem como introduz medidas de desburocratização no âmbito do regime da Caixa Geral de Aposentações. Nos termos do artigo 2.º do diploma, os dados a relacionar no respetivo âmbito de aplicação constam das seguintes bases de dados: a) Subscritores, pensionistas e outros beneficiários da CGA; b) Beneficiários da Direção-Geral de Proteção Social aos Funcionários e Agentes da Administração Pública (ADSE); c) Beneficiários da Assistência na Doença aos Militares das Forças Armadas (ADM); d) Beneficiários dos Serviços Sociais do Ministério da Justiça, sedeada na Secretaria-Geral do Ministério da Justiça (SGMJ); e) Beneficiários da Assistência na Doença ao Pessoal ao Serviço da Guarda Nacional Republicana e da Polícia de Segurança Pública (SAD da GNR e da PSP); f) Funcionários públicos, agentes administrativos e restante pessoal da Administração Pública da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP); g) Identificação de contribuintes fiscais e rendimentos declarados no âmbito dos impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e das pessoas coletivas, da Direção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros (DGITA); h) Identificação e registo civil, residência e registos predial, comercial, de pessoas coletivas e de veículos, sedeadas no Instituto dos Registos e do Notariado, I. P. (IRN, I. P.); i) Contribuintes e beneficiários do sistema de segurança social, sedeadas no Instituto de Informática, I. P. (II, I. P.), do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social; j) Matrícula, frequência e aproveitamento escolar e de estabelecimentos de ensino não públicos legalizados, sedeadas no Gabinete Coordenador do Sistema de Informação do Ministério da Educação (MISI). Nos termos do artigo 3.º do diploma, são suscetíveis de interconexão as seguintes categorias de dados relativas às pessoas singulares e coletivas: Identificação e cadastro contributivo, das bases de dados da CGA, da ADSE, da ADM, da SGMJ, da SAD da GNR e da PSP, da DGITA e do II, I. P.; nacionalidade, residência e estado civil, das bases de dados do IRN, I. P.; benefícios sociais, das bases de dados da CGA, da ADSE, da ADM, da SGMJ, da SAD da GNR e da PSP e do II, I. P.; vínculo laboral com a Administração Pública, das base de dados da DGAEP e do II, I. P.; rendimentos declarados no âmbito dos impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e das pessoas coletivas, da base de dados da DGITA; património imobiliário e mobiliário sujeito a registo, das bases de dados do IRN, I. P.; situação escolar dos alunos, relativamente à frequência e aproveitamento, e teor do registo dos estabelecimentos de ensino não públicos legalizados, das bases de dados do MISI e obrigações acessórias, designadamente o início, o reinício, a alteração, a suspensão e cessação da atividade, das bases de dados da DGITA, do II, I. P., e do MISI. Conforme estatuído nos artigos 3.º, n.º 2, alíneas a) e b), e 6.º, n.º 1, alínea b), os dados relativos a rendimentos declarados no âmbito dos impostos sobre o rendimento das pessoas singulares destinam-se exclusivamente à prossecução das finalidades de controlo do cumprimento das obrigações relacionadas com cotizações, contribuições das entidades empregadoras e encargos com pensões, e a possibilitar a atribuição rigorosa das prestações sociais, não podendo, em nenhuma circunstância, ser utilizados para fins diversos, ficando as entidades responsáveis pelo tratamento dos dados, bem como todas as pessoas que, no exercício das suas funções, tenham conhecimento dos dados pessoais tratados ao abrigo do diploma, de igual modo, nos termos do artigo 11.º, obrigadas aos deveres de sigilo e confidencialidade, mesmo após a cessação daquelas funções. 9.1.3. Outra previsão legal de cooperação é a que resulta presentemente do n.º 10 do artigo 89.º-A da LGT[58]. Tal artigo, com a epígrafe «Manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados», estabelece no seu n.º 1[59] que há lugar a avaliação indireta da matéria coletável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 ou quando o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela. Verificadas as situações previstas no n.º 1 desse artigo, bem como na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º[60], cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efetuada (n.º 3[61]). Quando o sujeito passivo não faça tal prova, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, no ano em causa, e no caso das alíneas a) e b) do n.º 2, nos três anos seguintes, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o rendimento padrão apurado nos termos da tabela constante do n.º 4 do mesmo artigo[62]. Estatui-se no n.º 10 que a decisão de avaliação da matéria coletável com recurso ao método indireto, após tornar-se definitiva, deve ser comunicada pelo diretor de finanças ao Ministério Público e, tratando-se de funcionário ou titular de cargo sob tutela de entidade pública, também à tutela destes para efeitos de averiguações no âmbito da respetiva competência. 9.2 Outra das situações de cessação possível do segredo fiscal respeita aos casos de assistência mútua e cooperação da administração tributária com as administrações tributárias de outros países resultante de convenções internacionais a que o Estado português esteja vinculado, sempre que estiver prevista reciprocidade. Trata-se de situações que, por não apresentarem afinidade alguma com o objeto do parecer, não carecem de qualquer análise ou aprofundamento. 9.3 A outra das situações previstas no n.º 2 do artigo 64.º da LGT em que se prevê a possibilidade de quebra do segredo fiscal reporta-se à colaboração com a justiça nos termos do Código de Processo Civil e do Código de Processo Penal. 9.3.1. Em matéria de processo civil, estabelece-se no artigo 244.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que quando seja impossível a realização da citação, por o citando estar ausente em parte incerta, a secretaria diligencia obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, designadamente, mediante prévio despacho judicial, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direção-Geral dos Impostos e da Direção-Geral de Viação e, quando o juiz o considere absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital, junto das autoridades policiais. Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, estão obrigados a fornecer prontamente ao tribunal os elementos de que dispuserem sobre a residência, o local de trabalho ou a sede dos citandos quaisquer serviços que tenham averbado tais dados. Estabelece-se, por outro lado, no artigo 519.º-A do mesmo Código que «a simples confidencialidade de dados que se encontrem na disponibilidade de serviços administrativos, em suporte manual ou informático, e que se refiram à identificação, à residência, à profissão e entidade empregadora ou que permitam o apuramento da situação patrimonial de alguma das partes em causa pendente, não obsta a que o juiz da causa, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, possa, em despacho fundamentado, determinar a prestação de informações ao tribunal, quando as considere essenciais ao regular andamento do processo ou à justa composição do litígio». Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, «as informações obtidas (…) serão estritamente utilizadas na medida indispensável à realização dos fins que determinaram a sua requisição, não podendo ser injustificadamente divulgadas nem constituir objeto de ficheiro de informações nominativas». Estabelece-se, ademais, no artigo 833.º-A, n.º 2, do mesmo Código que «a realização da penhora é precedida de diligências prévias que o agente de execução considere úteis à identificação ou localização de bens penhoráveis, procedendo este, sempre que necessário e sem necessidade de qualquer autorização judicial, à consulta, nas bases de dados da administração tributária, da segurança social, das conservatórias do registo predial, comercial e automóvel e de outros registos ou arquivos semelhantes, de todas as informações sobre a identificação do executado junto desses serviços e sobre a identificação e a localização dos seus bens»[63]. 9.3.2. Em matéria de processo penal, dispõe-se no artigo 136.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP) que os funcionários não podem ser inquiridos sobre factos que constituam segredo e de que tiverem tido conhecimento no exercício das suas funções. Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias e se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento (artigo 135.º, n.º 2). Não se verificando a ilegitimidade da escusa, o tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de proteção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento (artigo 135.º, n.º 3). Análogo regime é aplicável relativamente à apresentação à autoridade judiciária de documentos abrangidos pelo dever de segredo, conforme decorre do artigo 182.º do mesmo Código. Outros diplomas legais regulando matérias de processo penal conexas com determinadas categorias de crimes estabelecem, de igual forma, regimes de quebra de segredo fiscal. É o caso do artigo 60.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro[64], nos termos do qual podem ser pedidas informações e solicitada a apresentação de documentos respeitantes a bens, depósitos ou quaisquer outros valores pertencentes a indivíduos suspeitos ou arguidos da prática de crimes previstos nos artigos 21.º a 23.º, 25.º e 28.º, com vista à sua apreensão e perda para o Estado, não podendo a prestação de tais informações ou a apresentação dos documentos, quer se encontrem em suporte manual ou informático, ser recusados por quaisquer entidades, públicas ou privadas, nomeadamente pelas instituições bancárias, financeiras ou equiparadas, por sociedades civis ou comerciais, bem como por quaisquer repartições de registo ou fiscais, desde que o pedido, formulado pela autoridade judiciária competente, se mostre individualizado e suficientemente concretizado. O mesmo sucede com o artigo 2.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro[65], onde se prescreve que nas fases de inquérito, instrução e julgamento de processos relativos aos crimes previstos no artigo 1.º, o segredo profissional dos membros dos órgãos sociais das instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições de pagamento, dos seus empregados e de pessoas que a elas prestem serviço, bem como o segredo dos funcionários da administração fiscal, cedem, se houver razões para crer que as respetivas informações têm interesse para a descoberta da verdade (n.º 1). A obrigação da prestação das informações ou da apresentação dos documentos depende unicamente de ordem da autoridade judiciária titular da direção do processo, em despacho fundamentado (n.º 2). 9.4 O princípio da confidencialidade dos dados relativos à situação tributária dos contribuintes não constitui, por outro lado, obstáculo à sua revelação ao tribunal, nos processos de natureza tributária, conforme decorre dos artigos 13.º, n.º 2, 110.º, n.º 2, e 208.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário[66]. 10. As informações prestadas pelos contribuintes e pelos substitutos tributários à Administração Fiscal tendo em vista a liquidação e cobrança dos impostos e de outros tributos revestem, em regra, formato eletrónico ou documental, ou são registadas pela mesma Administração em suportes dessa natureza. Trata-se, em qualquer dos casos, de informação que a Administração Tributária se verá obrigada a manter em formato de ficheiro, informático ou manual, sob pena de se colocar na impossibilidade prática de a utilizar. É, na verdade, inconcebível que a Administração Tributária recolha documentação relativa aos contribuintes e a amontoe anarquicamente numa qualquer dependência, sem a ordenar, através de elementos identificadores dos contribuintes a que respeita (designadamente pelo número de identificação fiscal), para a poder localizar de forma expedita sempre que tal se revele necessário. A tal realidade já haviam aludido os pareceres deste Conselho n.os 20/94 e 67/96, a que acima se fez referência, sendo a mesma de igual modo sublinhada pela doutrina[67]. Quer se trate de informação armazenada em bases de dados informáticas, acessível por meios automatizados, quer se trate de documentação arquivada em suporte de outra natureza, designadamente em papel, e ordenada sequencialmente com base em dados de natureza pessoal de forma a possibilitar o acesso expedito ao processo de cada contribuinte, estar-se-á perante ficheiros de dados pessoais, regulados pela Lei n.º 67/98, de 26 de outubro. Tal informação beneficia, para além da proteção decorrente das normas relativas ao segredo fiscal, da normação específica relativa aos ficheiros de dados pessoais, nos planos do direito constitucional, do direito comunitário, do direito internacional e do direito ordinário. Como se referiu, a Constituição impõe que as condições para o tratamento, conexão, transmissão e utilização dos dados pessoais integrados em tais ficheiros constem expressamente da lei, e proíbe o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excecionais legalmente previstos (artigo 35.º, n.os 2, 4 e 7). A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia estabelece que os dados pessoais devem ser objeto de um tratamento leal, para fins específicos, com o consentimento da pessoa interessada ou com outro fundamento legítimo, desde que previsto por lei (artigo 8.º, n.º 2). A Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais estabelece, no seu artigo 8.º, que não pode haver ingerência da autoridade pública na vida privada e familiar das pessoas exceto quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infrações penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros. Nos termos do seu artigo 18.º, as restrições admitidas só podem ser aplicadas para os fins para que foram previstas. A Convenção para a Proteção das Pessoas relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Caráter Pessoal veio estabelecer, relativamente a tal tratamento, que os dados devem ser obtidos e tratados de forma leal e lícita, e registados para finalidades determinadas e legítimas, não podendo ser utilizados de modo incompatível com essas finalidades, apenas podendo ser utilizadas para finalidades diversas, desde que legalmente previstas, para proteção da segurança do Estado, da segurança pública, dos interesses monetários do Estado ou para repressão das infrações penais, bem como para proteção do titular dos dados e dos direitos e liberdades de outrem [artigos 1.º, 5.º, alíneas a) e b), e 9.º]. A Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, veio estabelecer, em matéria de tratamento de dados pessoais, que estes deverão ser objeto de um tratamento leal e lícito e recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, não podendo ser posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades, salvo se tal constituir medida necessária e legalmente estabelecida com vista à proteção da segurança do Estado, da defesa, da segurança pública, da prevenção, investigação, deteção e repressão de infrações penais e de violações da deontologia das profissões regulamentadas, de um interesse económico ou financeiro importante de um Estado-membro ou da União Europeia, incluindo nos domínios monetário, orçamental ou fiscal, de missões de controlo, de inspeção ou de regulamentação associadas, ainda que ocasionalmente, ao exercício da autoridade pública, ou de proteção de pessoa em causa ou dos direitos e liberdades de outrem (artigos 6.º e 13.º, n.º 1). Tais princípios foram contemplados na Lei n.º 67/98, de 26 de outubro, a qual, obedecendo à estatuição decorrente do artigo 35.º, n.º 7, da Constituição, abarcou no seu âmbito de aplicação quer o tratamento de dados pessoais por meios total ou parcialmente automatizados, quer por meios não automatizados, bem como o de dados pessoais contidos em ficheiros manuais ou a estes destinados (artigo 4.º, n.º 1). Conforme estabelecido no seu artigo 5.º, n.º 1, alíneas a) e b), os dados pessoais devem ser tratados de forma lícita e com respeito pelo princípio da boa fé, devendo ser recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, não podendo ser posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades. A Comissão Nacional de Proteção de Dados poderá, nos termos do artigo 23.º, n.º 1, alínea c), autorizar excecionalmente a utilização de dados pessoais para finalidades não determinantes da recolha, devendo, nesse âmbito, respeitar os princípios definidos no artigo 5.º, e não ultrapassar os limites consignados nos artigos 8.º e 18.º da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, no artigo 9.º, n.º 2, da Convenção para a Proteção das Pessoas relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Caráter Pessoal, e no artigo 13.º, n.º 1, da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995. 11. Estabelecendo-se no artigo 268.º, n.º 2, da Constituição o princípio do arquivo aberto ou da administração aberta, decorre do mesmo para os cidadãos o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos. O mesmo preceito constitucional, todavia, ao consignar tal direito, fá-lo «sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas». O legislador constitucional prevê, assim, expressamente a possibilidade de fixação por lei de restrições ao referido direito de acesso, para tutela do direito à intimidade das pessoas. Como refere Mário Aroso de Almeida[68], «o direito à reserva da intimidade da vida privada constitui um valor que, de modo imediato, decorre do próprio princípio da dignidade humana (…)», o qual, «entre outras consequências, implica, para o Estado, o dever de assegurar a cada cidadão uma esfera intocável de privacidade, protegida da curiosidade alheia», pelo que se compreende «a expressa previsão da ressalva no próprio preceito constitucional, que remete para a necessidade de excluir o direito de acesso a documentos que contenham dados pessoais não públicos». Segundo o mesmo Autor, «a lei concretiza esta restrição, limitando ao próprio, ou a terceiro que demonstre interesse direto, pessoal e legítimo, o acesso aos documentos que qualifica como nominativos, por conterem apreciações ou juízos de valor sobre pessoa singular identificada ou identificável, ou outras informações abrangidas pela reserva da intimidade da vida privada». É o que resulta do disposto no artigo 6.º, n.º 5, da Lei n.º 46/2007, e dos artigos 64.º e 65.º do Código do Procedimento Administrativo. O cidadão, para poder aceder a tais dados nominativos, deverá invocar e demonstrar ter um interesse direto, pessoal e legítimo conexo com o que constitui ou constituiu o objeto do procedimento[69] suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade para prevalecer sobre o direito à reserva da vida privada do titular daqueles dados. 12. O Estatuto Disciplinar dos trabalhadores que exercem funções públicas não contempla qualquer autorização de acesso, por parte da entidade instrutora ou decisora, a elementos sujeitos a segredo fiscal ou a qualquer outro segredo profissional. Tal Estatuto dispõe, no seu artigo 36.º, que «nos casos omissos, o instrutor pode adotar as providências que se afigurem convenientes para a descoberta da verdade, em conformidade com os princípios gerais do processo penal». Esse preceito torna aplicáveis ao procedimento disciplinar, com as devidas adaptações, os princípios gerais do processo penal relativos à prova, designadamente o princípio da legalidade (artigo 125.º do CPP), o princípio da livre apreciação (artigo 127.º) e o regime atinente aos métodos proibidos de prova (artigo 126.º). Segundo o princípio da legalidade, são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei. O princípio da livre apreciação da prova estatui que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. O regime relativo aos métodos proibidos de prova prescreve que são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coação ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas, bem como, ressalvados os casos previstos na lei, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular. Não decorre, portanto, do artigo 36.º do Estatuto Disciplinar a extensão ao procedimento disciplinar do regime legal da quebra do segredo profissional especificamente previsto no CPP para a investigação das infrações penais (artigos 135.º, n.º 3, e 136.º, n.º 2). Com efeito, o CPP visa a investigação e o julgamento de infrações de natureza penal, conceito este que não abrange as infrações de natureza administrativa, e designadamente as de natureza disciplinar ou o ilícito de mera ordenação social[70]. Como refere Figueiredo Dias[71], o ilícito disciplinar não é simplesmente um minus mas verdadeiramente um aliud relativamente ao ilícito penal, distinguindo-se deste por ser um ilícito interno, exclusivamente virado para o serviço, que se constitui mesmo que não ocorra um abalo da autoridade estadual ou da Administração, esgotando a sua função e finalidade no asseguramento da funcionalidade, da integridade e da confiança do serviço público[72]. Também o ilícito de mera ordenação social se distingue, no plano material, do ilícito penal[73]. No correspondente processo, regulado no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro[74], expressamente se consigna a não permissão de utilização de provas que impliquem a violação de segredo profissional, e ainda das que colidam com a reserva da vida privada, a não ser com o consentimento de quem de direito (artigo 42.º)[75]. Ora, as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, para além de terem obrigatoriamente que ser consentidas pela própria Constituição, devem obedecer a pressupostos e apresentar características de natureza marcadamente delimitadora. Embora tal não resulte expressamente do texto constitucional, as leis restritivas, atenta a sua natureza excecional e em função do princípio da reserva de lei formal, têm de apresentar um suficiente grau de determinação, bem como uma densificação adequada a não permitir espaços significativos de regulação ou de decisão[76]. Deverão, nomeadamente, designar expressamente os direitos que visam restringir, por referência aos preceitos ou princípios constitucionais em que repousam[77]. Na dúvida, os direitos devem prevalecer sempre sobre as restrições (princípio in dubio pro libertate), devendo as leis restritivas ser interpretadas, senão restritivamente, pelo menos sem recurso à interpretação extensiva e à analogia[78]. Para além disso, as restrições deverão ater-se exclusivamente aos fins para que legalmente foram estabelecidas[79], sendo inadmissível qualquer desvio na sua concreta aplicação que não tenha expressa previsão normativa. Não decorre, pois, do artigo 36.º do Estatuto Disciplinar a permissão legal para que a AT, para efeitos de procedimento disciplinar contra trabalhadores ao seu serviço, aceda a informações abrangidas pelo segredo fiscal. 13. A pretensão de rastreio das informações relativas à situação tributária dos trabalhadores ao serviço da AT, recolhidas no âmbito dos procedimentos relativos à liquidação e pagamento do respetivo imposto sobre o rendimento, com a finalidade de detetar eventuais infrações disciplinares relativas a acumulação ilícita ou não autorizada de funções, implicaria a invasão da área de privacidade do respetivo agregado familiar (trabalhador público, respetivo cônjuge e dependentes não autónomos), protegida pelo segredo fiscal, numa dupla perspetiva. Por um lado, relativamente aos trabalhadores que não tivessem incorrido na prática da referida infração fiscal (que se presume corresponda à esmagadora maioria), o rastreio das informações relativas à situação tributária do respetivo agregado familiar incidiria na íntegra sobre dados que nada têm a ver com a acumulação de funções em causa. O acesso aos dados sob segredo serviria, assim e apenas, para comprovar que tais trabalhadores não haviam praticado qualquer ilícito disciplinar na vertente referida. No que respeita aos casos em que a infração disciplinar se viesse a constatar, o rastreio tenderia também a estender-se para além das informações que tivessem estritamente a ver com a ocorrência da aludida acumulação de funções. Para além de tal rastreio possibilitar o acesso a toda a informação relativa à situação tributária do trabalhador público, ainda que não atinente aos rendimentos especificamente profissionais, o mesmo abarcaria de igual modo informações relativas aos rendimentos do agregado familiar no seu conjunto, que nada têm a ver com a infração disciplinar visada. Tratando-se de uma declaração de rendimentos unitária por agregado familiar, tal invasão tornar-se-ia praticamente inevitável. Do excurso que acima se efetuou, constata-se que nem da Lei Geral Tributária, nem da Lei n.º 67/98, nem da Lei n.º 46/2007 ou do Código do Procedimento Administrativo, nem do Estatuto Disciplinar, interpretados no confronto com os artigos 18.º, 26.º e 35.º da Constituição e dentro das balizas estabelecidas pelos instrumentos de direito comunitário e de direito internacional que nesta matéria os enquadram, resulta qualquer disposição que autorize a AT a escrutinar a informação recolhida relativamente aos seus trabalhadores enquanto contribuintes e abrangida pelo referido segredo, designadamente a constante das respetivas declarações de rendimento e correspondentes anexos, para efeito de deteção de eventuais infrações disciplinares relativas a acumulação ilícita ou não autorizada de funções. Não existe, por outro lado, em qualquer outro diploma disposição legal que autorize um tal escrutínio, para o efeito visado. A existência de uma disposição dessa natureza que exclusivamente se destinasse a restringir, no âmbito do segredo fiscal, o direito à reserva da vida privada de uma categoria restrita de trabalhadores públicos (trabalhadores da AT) suscitaria, aliás, problemas de compatibilidade com a Constituição, já que discriminaria negativamente essa categoria de trabalhadores perante os demais trabalhadores da função pública, relativamente aos quais a problemática do exercício de funções em regime de acumulação se coloca em termos análogos. V 1. Haverá, todavia, que analisar a outra questão concretamente colocada na consulta relacionada com o conhecimento fortuito, no decurso de um procedimento tributário, por parte de um órgão com competência disciplinar, de informações que indiciem prática da referida infração disciplinar por parte de um trabalhador ao serviço da AT. Poderá tal informação ser utilizada como notícia da infração disciplinar, instaurando-se com base nela o correspondente processo disciplinar, onde ficará incorporada para prova da infração? Não se estará, neste caso, a aceder ex novo à informação fiscal com a finalidade de detetar eventuais infrações disciplinares praticadas pelos trabalhadores ao seu serviço. É no decurso do procedimento tributário que o órgão com competência disciplinar, atuando no quadro da respetiva competência funcional, se depara fortuitamente com a referida informação, tomando conhecimento de que o contribuinte respetivo é um trabalhador da AT que exerce ou exerceu em acumulação atividade profissional privada ilícita ou sem autorização. Conforme decorre do artigo 29.º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar, é competente para instaurar ou mandar instaurar procedimento disciplinar contra os respetivos subordinados qualquer superior hierárquico, ainda que não seja competente para punir. O procedimento disciplinar é obrigatório para o superior hierárquico relativamente às infrações de que tenha conhecimento e que hajam sido praticadas pelos seus subordinados. Estabelece-se, com efeito, no artigo 19.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Estatuto que a pena de cessação da comissão de serviço é aplicável, a título principal, aos titulares de cargos dirigentes e equiparados que não procedam disciplinarmente contra os trabalhadores seus subordinados pelas infrações de que tenham conhecimento. Prevê-se no mesmo artigo a aplicação de igual pena aos titulares de cargos dirigentes e equiparados que não participem criminalmente infração disciplinar de que tenham conhecimento no exercício das suas funções, que revista caráter penal [alínea b) do n.º 1]. Como se referiu, a infração disciplinar decorrente da acumulação ilícita ou não autorizada de funções é punível com a pena de suspensão, para cuja aplicação é obrigatória a instauração de processo disciplinar [artigos 17.º, alínea c), e 28.º do Estatuto Disciplinar]. Competente para instruir o processo disciplinar, no âmbito da AT, é a Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso [artigo 30.º, n.º 2, alínea h), da Portaria n.º 320-A/2011]. Pretende-se, assim, saber se o superior hierárquico poderá, com base na referida informação, determinar a instauração de processo disciplinar contra o subordinado por motivo do referido exercício ilícito ou não autorizado de funções em regime de acumulação, comunicando-a à Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso, onde tal processo deverá ser instruído. 2. A obrigatoriedade de denúncia por parte dos funcionários quanto aos crimes públicos de que tomarem conhecimento no exercício das suas funções e por causa delas decorre do artigo 242.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Tal obrigatoriedade, todavia, como a doutrina vem sustentando[80], e este Conselho tem sublinhado[81], tem que ser harmonizada com o dever de segredo profissional, sempre que este se mostre presente, considerando-se que a justiça penal na vertente repressiva não terá que prevalecer, por princípio, sobre o dever de segredo, e que haverá que efetuar, em concreto, uma adequada ponderação norteada pelo princípio da prevalência do interesse preponderante, de acordo com o critério definido no artigo 135.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. Na vertente preventiva, e sempre que a violação do segredo puder evitar a prática de um crime projetado, haverá que equacionar a questão no contexto da ponderação de interesses do direito de necessidade[82]. Tal harmonização e ponderação terá que ser efetuada, de igual forma, e por maioria de razão, no âmbito do direito meramente disciplinar. Embora, como sublinha Figueiredo Dias, o direito disciplinar, conjuntamente com as respetivas sanções, conforme o domínio que, de um ponto de vista teorético, mais se aproxima do direito penal e das penas criminais[83], o ilícito que tem por objecto distingue-se do ilícito penal, como se referiu, não só por ser um aliud, mas também por ser um minus[84]. Trata-se de um ilícito de menor relevo comunitário, de impacto intra-organizacional, que esgota a sua função e finalidade no asseguramento da funcionalidade, da integridade e da confiança do serviço público e que não pressupõe, para a respectiva consumação, a ocorrência de um abalo da autoridade estadual ou da Administração. Na ponderação referida, vem a doutrina sublinhando que a justiça penal na vertente repressiva só deverá prevalecer sobre o dever de segredo quando esteja em causa criminalidade grave[85]. Se reportada à repressão de infracções meramente disciplinares, tal ponderação deverá, consequentemente, apontar para a prevalência, por princípio, do dever de segredo. 3. Sucede, por outro lado, e conforme se acentuou supra, que as informações prestadas pelos contribuintes tendo em vista a liquidação e cobrança dos impostos e de outros tributos revestem, em regra, formato eletrónico ou documental, passando a integrar ficheiros de dados pessoais, informáticos ou manuais, no âmbito da AT. Tal informação beneficia, para além da proteção decorrente das normas relativas ao segredo fiscal, da normação específica relativa aos ficheiros de dados pessoais, nos planos do direito constitucional, do direito comunitário, do direito internacional e do direito ordinário. Nessa medida, encontra-se também abrangida pelo segredo profissional consignado no artigo 17.º da Lei n.º 67/98, de 26 de outubro. Os dados pessoais devem ser objecto de um tratamento leal e para fins específicos, só podendo ser utilizados para finalidades não determinantes da recolha se tal estiver legalmente previsto. Tal imposição de previsão legal expressa da possibilidade de desvio da informação relativa a dados pessoais para fins diversos dos que determinaram a recolha resulta, conjugadamente, do artigo 35.º da Constituição da República Portuguesa, do artigo 8.º, n.º 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, do artigo 8.º da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, dos artigos 1.º, 5.º e 9.º da Convenção para a Proteção das Pessoas relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Caráter Pessoal e dos artigos 6.º e 13.º da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995. Obedecendo a tais coordenadas, a Lei n.º 67/98, de 26 de outubro, estabelece no seu artigo 5.º, n.º 1, alíneas a) e b), que os dados pessoais devem ser tratados de forma lícita e com respeito pelo princípio da boa fé, devendo ser recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, não podendo ser posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades. Conforme decorre dos artigos 23.º, n.º 1, alínea c), e 28.º, n.os 1, alínea d), e 2 desse diploma, os dados pessoais recolhidos para efeitos tributários só poderão ser utilizados para outras finalidades se existir diploma legal que o permita ou autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados. A Comissão Nacional de Proteção de Dados poderá, com efeito, nos termos do artigo 23.º, n.º 1, alínea c), autorizar excecionalmente a utilização de dados pessoais para finalidades não determinantes da recolha, quando a autorização não decorrer directa e expressamente da lei. Todavia, essa autorização está sujeita a duas ordens de limites. Por um lado, deve respeitar os princípios definidos no artigo 5.º do mesmo diploma, não podendo, designadamente, ser concedida se o tratamento dos dados para finalidade diversa se revelar incompatível com as finalidades que determinaram a recolha. Por outro, terá que obedecer aos limites consignados no artigo 9.º, n.º 2, da Convenção para a Proteção das Pessoas relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Caráter Pessoal, e no artigo 13.º, n.º 1, da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995. O primeiro dos preceitos autoriza excecionalmente um tal desvio de fins quando constitua medida necessária para a «proteção da segurança do Estado, da segurança pública, dos interesses monetários do Estado ou para a repressão de infracções penais» e para a «protecção do titular dos dados e dos direitos e liberdades de outrem». O último permite o mesmo desvio de fins sempre que tal restrição constitua «uma medida necessária à proteção: a) Da segurança do Estado; b) Da defesa; c) Da segurança pública; d) Da prevenção, investigação, deteção e repressão de infrações penais e de violações da deontologia das profissões regulamentadas; e) De um interesse económico ou financeiro importante de um Estado-membro ou da União Europeia, incluindo nos domínios monetário, orçamental ou fiscal; f) De missões de controlo, de inspeção ou de regulamentação associadas, ainda que ocasionalmente, ao exercício da autoridade pública, nos casos referidos nas alíneas c), d) e e); g) Da pessoa em causa ou dos direitos e liberdades de outrem». Sucede que a utilização de dados pessoais recolhidos para fins tributários para efeitos de instauração de processo disciplinar relativo a infracção consistente no exercício ilícito ou não autorizado de funções em regime de acumulação não se enquadra dentro dos limites normativos referidos nos preceitos citados. Não pode, pois, a Comissão Nacional de Protecção de Dados conceder autorização para que tal desvio de fins possa vir a ter lugar. 4. Decorre do exposto que, caso um órgão com competência disciplinar no âmbito da Autoridade Tributária e Aduaneira se depare fortuitamente no decurso de um procedimento tributário com indícios de acumulação de funções ilícita ou não autorizada por parte de um trabalhador ao serviço da mesma entidade, não poderá instaurar com base em tais indícios o referido processo disciplinar. A instauração, com base nesses indícios, do processo disciplinar, sem o consentimento do titular do direito, contende com o disposto nos artigos 32.º, n.º 8, da Constituição, e 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, aplicáveis ex vi do disposto no artigo 36.º do Estatuto Disciplinar, o que determina a nulidade da prova correspondente e a proibição da respectiva valoração Tal conduta poderá, de acordo com as circunstâncias do caso, implicar responsabilidade criminal ou contraordenacional, bem como responsabilidade disciplinar, tendo em consideração o disposto nos artigos 91.º, n.º 1, e 115.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, nos artigos 43.º, n.º 1, alínea c), e 47.º da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, e no artigo 18.º, n.º 1, alínea i), do Estatuto Disciplinar. VI Em face do exposto, extraem-se as seguintes conclusões: 1.ª – Os trabalhadores da Autoridade Tributária e Aduaneira só podem acumular o exercício da respetiva função com outras funções públicas ou com outras funções ou atividades privadas se obtiverem a autorização prevista no artigo 29.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro; 2.ª – O exercício de funções em acumulação sem tal autorização constitui infração disciplinar [artigo 17.º, alínea c), do Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro]; 3.ª – O superior hierárquico que tome conhecimento de que um trabalhador seu subordinado praticou uma tal infração deve proceder disciplinarmente contra o mesmo, ainda que não seja competente para punir (artigo 29.º, n.º 1, do mesmo Estatuto); 4.ª – Os dirigentes e demais trabalhadores ao serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira estão obrigados a guardar sigilo quanto aos dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e aos elementos de natureza pessoal que obtenham nos procedimentos tributários, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado (artigo 64.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária); 5.ª – Tal dever de sigilo só cessa em caso de autorização do contribuinte ou nos casos expressamente previstos na lei ou em convenção internacional a que o Estado Português esteja vinculado (n.º 2 do mesmo artigo); 6.ª – Não existe no nosso ordenamento jurídico qualquer disposição que autorize a Autoridade Tributária e Aduaneira a escrutinar as informações recolhidas relativamente aos seus trabalhadores enquanto contribuintes e abrangidas pelo segredo fiscal, designadamente as constantes das declarações de rendimentos do respetivo agregado familiar e correspondentes anexos, para efeito de deteção de eventuais infrações disciplinares relativas a acumulação ilícita ou não autorizada de funções; 7.ª – As informações recolhidas sobre a situação tributária dos contribuintes, integradas nos ficheiros informáticos ou manuais da Autoridade Tributária e Aduaneira, constituem, por outro lado, dados pessoais para efeitos do disposto na Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro; 8.ª – Nessa medida, encontram-se também abrangidas pelo segredo profissional consignado no artigo 17.º desse diploma; 9.ª – Tais dados pessoais só poderão ser utilizados para outras finalidades se existir diploma legal que o permita ou autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados [artigos 23.º, n.º 1, alínea c), e 28.º, n.os 1, alínea d), e n.º 2 da mesma Lei]; 10.ª – A autorização para utilização dos dados pessoais para finalidade não determinante da recolha não pode, porém, ultrapassar os limites materiais definidos no artigo 9.º da Convenção para a Protecção das Pessoas relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Carácter Pessoal e no artigo 13.º da Directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995; 11.ª – A utilização desses dados pessoais para efeitos de instauração do processo disciplinar referido na conclusão 3.ª não se enquadra dentro dos limites normativos referidos na antecedente conclusão; 12.ª - Caso um órgão com competência disciplinar no âmbito da Autoridade Tributária e Aduaneira se depare fortuitamente no decurso de um procedimento tributário com informações que se enquadrem nas conclusões 4.ª e 6.ª e que indiciem uma acumulação de funções ilícita ou não autorizada por parte de um trabalhador ao serviço da mesma entidade, não poderá, consequentemente, instaurar com base nelas o referido processo disciplinar; 13.ª – A instauração, com base nessas informações, do referido processo disciplinar, sem o consentimento do titular do direito, contende com o disposto nos artigos 32.º, n.º 8, da Constituição, e 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, aplicáveis ex vi do disposto no artigo 36.º do Estatuto Disciplinar, o que determina a nulidade da prova correspondente e a proibição da respectiva valoração; 14.ª – Tal conduta poderá, de acordo com as circunstâncias do caso, implicar responsabilidade criminal ou contraordenacional, bem como responsabilidade disciplinar, tendo em consideração o disposto nos artigos 91.º, n.º 1, e 115.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, nos artigos 43.º, n.º 1, alínea c), e 47.º da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, e no artigo 18.º, n.º 1, alínea i), do Estatuto Disciplinar. ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 10 DE JULHO DE 2013. Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha – Fernando Bento (Relator) – Maria Manuela Flores Ferreira – Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita – Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão – Maria de Fátima da Graça Carvalho – Manuel Pereira Augusto de Matos. [1] Aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de outubro, republicado pela Lei n.º 60/98, de 27 de agosto, e posteriormente objeto de várias alterações, a última das quais introduzida pela Lei n.º 9/2011, de 12 de abril. [2] O ofício deu entrada na Procuradoria-Geral da República em 9 de abril de 2013, tendo sido objeto de distribuição em 13 do mesmo mês. [3] Diploma retificado pela Declaração de Retificação n.º 29/2011, de 2 de setembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.os 246/2012, de 13 de novembro, 29/2013, de 21 de fevereiro, e 60/2013, de 9 de maio. [4] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 200/2012, de 27 de agosto. [5] Diploma alterado pelo Decreto-Lei n.º 142/2012, de 11 de julho, e pelo Decreto-Lei n.º 6/2013, de 17 de janeiro. [6] Este diploma foi retificado pela Declaração de Retificação n.º 22-A/2008, de 24 de abril, e alterado pelas Leis n.os 64-A/2008, de 31 de dezembro, 3-B/2010, de 28 de abril, 34/2010, de 2 de setembro, 55-A/2010, de 31 de dezembro, 64-B/2011, de 30 de dezembro, 66/2012, de 31 de dezembro, 66-B/2012, de 31 de dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 47/2013, de 5 de abril. [7] O artigo 27.º da Lei n º 12-A/2008, na redação que lhe foi introduzida pela Lei n.º 66/2012, de 31 de dezembro, tem a redação seguinte: «Artigo 27.º 1 – O exercício de funções pode ser acumulado com o de outras funções públicas quando estas não sejam remuneradas e haja na acumulação manifesto interesse público. Acumulação com outras funções públicas 2 – Sendo remuneradas e havendo manifesto interesse público na acumulação, o exercício de funções apenas pode ser acumulado com o de outras funções públicas nos seguintes casos: a) Revogada; b) Revogada; c) Participação em comissões ou grupos de trabalho; d) Participação em conselhos consultivos e em comissões de fiscalização ou outros órgãos colegiais, neste caso para fiscalização ou controlo de dinheiros públicos; e) Revogada; f) Atividades docentes ou de investigação de duração não superior à fixada em despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da Administração Pública e da educação e que, sem prejuízo do cumprimento da duração semanal do trabalho, não se sobreponha em mais de um quarto ao horário inerente à função principal; g) Realização de conferências, palestras, ações de formação de curta duração e outras atividades de idêntica natureza.» [8] O artigo 28.º da Lei n.º 12-A/2008, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 34/2010, de 2 de setembro, tem a redação seguinte: «Artigo 28.º 1 – Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o exercício de funções não pode ser acumulado com o de funções ou atividades privadas. Acumulação com funções privadas 2 – A título remunerado ou não, em regime de trabalho autónomo ou subordinado, podem ser acumuladas, pelo trabalhador ou por interposta pessoa, funções ou atividades privadas desde que as mesmas não sejam concorrentes ou similares com as funções públicas desempenhadas e que com estas sejam conflituantes. 3 – Consideram-se concorrentes ou similares com as funções públicas desempenhadas e que com estas sejam conflituantes as funções ou atividades que, tendo conteúdo idêntico ao das funções públicas desempenhadas, sejam desenvolvidas de forma permanente ou habitual e se dirijam ao mesmo círculo de destinatários. 4 – A título remunerado ou não, em regime de trabalho autónomo ou subordinado, podem ainda ser acumuladas, pelo trabalhador ou por interposta pessoa, funções ou atividades privadas que: a) Não sejam legalmente consideradas incompatíveis com as funções públicas; b) Não sejam desenvolvidas em horário sobreposto, ainda que parcialmente, ao das funções públicas; c) Não comprometam a isenção e a imparcialidade exigidas pelo desempenho das funções públicas; d) Não provoquem algum prejuízo para o interesse público ou para os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.» [9] Na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 34/2010, de 2 de setembro. [10] O estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado consta da Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, alterada pelas Leis n.os 51/2005, de 30 de agosto, 64-A/2008, de 31 de dezembro, 3-B/2010, de 28 de abril, e 64/2011, de 22 de dezembro. [11] Alterado, entretanto, pelo Decreto-Lei n.º 47/2013, de 5 de abril. [12] Publicada no Diário da República, I Série, n.º 57, de 9 de março de 1978. [13] Aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/78, de 13 de outubro. [14] Publicada no Jornal Oficial da União Europeia de 14 de dezembro de 2007 (C 303/4). [15] A Convenção foi ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 21/93, de 9 de setembro, tendo entrado em vigor para Portugal em 1 de janeiro de 1994 (Aviso n.º 227/93, de 5 de novembro). [16] Por «tratamento automatizado» compreendem-se as seguintes operações, efetuadas, no todo ou em parte, com a ajuda de processos automatizados: registo de dados, aplicação a esses dados de operações lógicas e ou aritméticas, bem como a sua modificação, supressão, extração ou difusão [artigo 2.º, alínea c)]. [17] Por «dados de caráter pessoal», para efeitos da Convenção, entende-se qualquer informação relativa a uma pessoa singular identificada ou suscetível de identificação [artigo 2.º, alínea a)]. [18] Por «tratamento de dados pessoais» para efeitos da diretiva, entende-se qualquer operação ou conjunto de operações efetuadas sobre dados pessoais, com ou sem meios automatizados, tais como a recolha, registo, organização, conservação, adaptação ou alteração, recuperação, consulta, utilização, comunicação por transmissão, difusão ou qualquer outra forma de colocação à disposição, com comparação ou interconexão, bem como o bloqueio, apagamento ou destruição [artigo 2.º, alínea b)], entendendo-se por «ficheiro de dados pessoais» qualquer conjunto estruturado de dados pessoais, acessível segundo critérios determinados, que seja centralizado, descentralizado ou repartido de modo funcional ou geográfico [alínea c) do mesmo artigo]. Por «dados pessoais», entende-se qualquer informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável, sendo considerado identificável todo aquele que possa ser identificado, direta ou indiretamente, nomeadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social [alínea a) do mesmo artigo]. [19] Nos termos do artigo 3.º da Diretiva 2005/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de setembro de 2005, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais, entende-se por "profissão regulamentada" a atividade ou o conjunto de atividades profissionais em que o acesso, o exercício ou uma das modalidades de exercício se encontram direta ou indiretamente subordinados, nos termos de disposições legislativas, regulamentares ou administrativas, à posse de determinadas qualificações profissionais; constitui, nomeadamente, uma modalidade de exercício o uso de um título profissional limitado por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas aos detentores de uma determinada qualificação profissional. A diretiva foi transposta para o nosso ordenamento jurídico pela Lei n.º 9/2009, de 4 de março. [20] Diploma retificado pela Declaração de Retificação n.º 22/98, de 13 de novembro. [21] Por «documento administrativo» entende-se qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo 4.º, ou detidos em seu nome [artigo 3.º, n.º 1, alínea a)]. [22] Por «documento nominativo» entende-se o documento administrativo que contenha, acerca de pessoa singular, identificada ou identificável, apreciação ou juízo de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada. [23] Este diploma foi sujeito a múltiplas alterações, a última das quais introduzida pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de junho. [24] Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 100/99, de 26 de julho, e pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro. [25] Diploma retificado pela Declaração de Retificação n.º 7-A/99, de 15 de fevereiro, e alterado pelas Leis n.os 32-B/2002, de 30 de dezembro, 50/2005, de 30 de agosto, e 53-A/2006, de 29 de dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 6/2013, de 17 de janeiro. [26] Diploma que, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, procedeu à sistematização e harmonização da legislação referente ao Número de Identificação Fiscal. [27] Embora múltiplos preceitos deste diploma tenham sido expressamente revogados pela Lei n.º 50/2005, de 30 de agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 408/93, de 14 de dezembro, os preceitos referidos não foram objeto dessa revogação. [28] Este diploma foi objeto de múltiplas alterações, a última das quais introduzida pelo Decreto-Lei n.º 6/2013, de 17 de janeiro. [29] O preceito tem a redação introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro. [30] Manuel da Costa Andrade, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pp. 738-739 e 778; Augusto Silva Dias, “O Novo Direito Penal Fiscal Não Aduaneiro (Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de janeiro) – Considerações Dogmáticas e Político-Criminais”, Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, Volume II, Coimbra Editora, 1999, pp. 279-280. [31] J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, p. 468. [32] Ibidem, p. 467. [33] Ob. cit., p. 468. [34] O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995, p. 317. [35] Ob. cit., pp. 317-325. [36] Ireneu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 4.ª Edição, Wolters Kluwer – Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pp.232-233; Jorge de Jesus Ferreira Alves, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada e Protocolos Adicionais Anotados (Doutrina e Jurisprudência), Legis Editora, Porto, 2008, pp. 185-186; Carlos Ruiz Miguel, El Derecho a la Protección de la Vida Privada en la Jurisprudencia del Tribunal Europeo de Derechos Humanos, Cuadernos Civitas, Editorial Civitas, Madrid, 1994, p. 34. [37] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 442/2007, de 14 de agosto. [38] Cfr. Pareceres n.os 95/87, de 10 de maio de 1990 (publicado no Diário da República, II Série, n.º 289, de 17 de dezembro de 1990), 20/94, de 9 de fevereiro de 1995 (publicado na coletânea de Pareceres da PGR, Volume VII, pp. 109-180) e 67/96, de 20 de março de 1997 (publicado na coletânea de Pareceres da PGR, Volume VI, pp. 119-156). [39] Acórdão n.º 442/2007, de 14 de agosto. [40] Ob. cit., pp. 327-328. [41] Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pp. 729-730, 800-801; Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, 1992, pp. 94-100; Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal – Uma Perspetiva Jurídico-Criminal, Coimbra Editora, 1996, pp. 96-98. No mesmo sentido, Helena Moniz, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, p. 788. [42] Poderão citar-se, entre outros, os pareceres n.os 20/94, de 9 de fevereiro de 1995, 67/96, de 20 de março de 1997, 62/2004, de 14 de julho de 2004, e 25/2009, de 8 de outubro de 2009. [43] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de abril. [44] O parecer encontra-se publicado na coletânea de Pareceres da Procuradoria-Geral da República, Volume VII, 1998, pp. 109-180. [45] Publicado na coletânea de Pareceres da Procuradoria-Geral da República, Volume VI, 1997, pp. 119-156. [46] Parecer não publicado. [47] “Breves Reflexões em Matéria de Confidencialidade Fiscal”, Ciência e Técnica Fiscal, N.º 368, Outubro-Dezembro 1992, pp. 18 e 19. [48] “O Sigilo Fiscal: Um Direito da Administração Tributária e Uma Garantia dos Administrados”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2002, Volume XLIII – N.º 1, p. 494. [49] J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., p. 471. [50] Ob. cit., p. 553. [51] José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2007, pp. 321-330. [52] Ibidem, p. 290, nota 12. [53] O Código do IRS foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, e posteriormente sujeito a inúmeras alterações, a última das quais introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro. [54] A substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte, efetivando-se através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido (artigos 20.º da Lei Geral Tributária e 21.º do Código do IRS). [55] Comentário…, I, p. 779 e 783. Em sentido análogo, Augusto Silva Dias, loc. cit., p. 280. [56] Cfr., a título exemplificativo, os Pareceres n.os 20/1994, 67/1996 e 62/2004. [57] Carlos Pamplona Corte-Real, Jorge Bacelar Gouveia e Joaquim Pedro Cardoso da Costa, loc. cit., p. 40. [58] Na redação da Lei n.º 19/2008, de 21 de abril. [59] Na redação da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro. [60] Este preceito, na redação dada pela Lei n.º 94/2009, de 1 de setembro, reporta-se ao «acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados». [61] Na redação dada pela Lei n.º 94/2009, de 1 de setembro. [62] Na redação da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro. [63] Este preceito foi introduzido pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro. [64] Diploma que regula o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas. Sofreu múltiplas alterações, a última das quais introduzida pela Lei n.º 13/2012, de 26 de março. [65] Diploma que estabeleceu medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira. Foi retificado pela Declaração de Retificação n.º 5/2002, de 29 de janeiro, e alterado pela Lei n.º 19/2008, de 21 de abril, e pelo Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de outubro. [66] Vide, neste sentido, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 3.ª Edição, VISLIS Editores, Viseu, 2003, p. 327. [67] Carlos Pamplona Corte-Real, Jorge Bacelar Gouveia e Joaquim Pedro Cardoso da Costa, loc. cit., pp. 20 e 44; Sofia Tomé d’Alte, loc. cit., pp. 494-495. [68] In Jorge Miranda – Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, 2007, p. 604. [69] Sofia Tomé d’Alte, loc. cit., p. 504. [70] Sobre os atos administrativos de natureza punitiva em geral, englobando as sanções disciplinares e as sanções específicas do direito de mera ordenação social, vide Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2011, pp. 284-287. [71] Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2004, pp. 157-162. [72] Sobre a distinção e delimitação entre a infração penal e a infração disciplinar, vide Teresa Pizarro Beleza, Direito Penal, 1.º Volume, 2.ª Edição, AAFDL,1984, pp. 63-119; Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, Volume I, Editorial Verbo, 1997, pp. 129-134; Claus Roxin, Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Editorial Civitas, Madrid, 1997, pp. 73-75; Reinhart Maurach – Heinz Zipf, Derecho Penal, Parte General, Volume 1, Editorial Astrea, Buenos aires, 1994, pp. 12-17; Günther Jakobs, Derecho Penal, Parte General, 2.ª Edición, Marcial Pons, Madrid, 1997, pp. 69-75. [73] Sobre a distinção, cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 150-157. [74] Diploma alterado pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de outubro, pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro, pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de dezembro. [75] O que, como refere António Beça Pereira, deve interpretar-se como uma ponderação, pelo legislador, de que os interesses protegidos pela reserva da vida privada são superiores aos eventuais benefícios obtidos em favor da prova no âmbito do procedimento contraordenacional – Regime Geral das Contraordenações e Coimas, 2.ª Edição, Livraria almedina, Coimbra,1996, p. 78. [76] José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2007, pp. 312-313; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 1998, p. 1145; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 377. [77] Jorge Miranda, ob. cit., p. 376. [78] Jorge Miranda, ob. cit., p. 379; José Carlos Vieira de Andrade, ob. cit., p. 309; Manuel da Costa Andrade, “Violação de Domicílio e de Segredo de Correspondência ou Telecomunicações”, Ab Uno Ad Omnes, Coimbra Editora, 1998, p. 737, e Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, 1992, pp. 286-287. [79] Jorge Miranda, ob. cit., pp. 378-379. [80] Manuel da costa Andrade, Comentário Conimbricense…, Tomo I, pp. 793 e 795; Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 9.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1998, pp. 479-480. [81] Pareceres n.os 33/1959, de 11 de junho de 1959 (publicado no Diário do Governo, II Série, n.º 203, de 31 de agosto de 1959), 29/1995, de 6 de julho, e 30/1995, de 6 de novembro (não publicados). [82] Manuel da costa Andrade, Comentário…, p. 793. [83] Ob. cit., p. 157. [84] Em sentido análogo, Reinhart Maurach – Heinz Zipf, Derecho Penal – Parte General, Volume 1, Editorial Astrea, Buenos Aires, 1994, p.13; Günther Jakobs, Derecho Penal – Parte General, 2.ª Edición, Marcial Pons, Madrid, 1997, p. 72; Claus Roxin, Derecho Penal – Parte General, Tomo I, Editorial Civitas, Madrid, 1997, p. 74. [85] Manuel da Costa Andrade, Comentário Conimbricense…, Tomo I, pp. 739, 793, 796, 799; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª Edição, Universidade Católica Portuguesa, 2009, p. 364. |