Parecer do Conselho Consultivo da PGR |
Nº Convencional: | PGRP00000773 |
Parecer: | P000501995 |
Nº do Documento: | PPA19960627005000 |
Descritores: | DIRECTIVAS ISENÇÃO CERTIDÃO DOCUMENTO GRATUITO ACÇÃO PROCESSUAL INSUFICIÊNCIA DE MEIOS ECONÓMICOS APOIO JUDICIÁRIO ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA ACESSO À JUSTIÇA ACESSO AO DIREITO ACESSO AOS TRIBUNAIS CUSTAS EMOLUMENTOS TAXA DE JUSTIÇA IMPOSTO |
Livro: | 00 |
Pedido: | 07/17/1995 |
Data de Distribuição: | 09/19/1995 |
Relator: | LOURENÇO MARTINS |
Sessões: | 01 |
Data da Votação: | 06/27/1996 |
Tipo de Votação: | MAIORIA COM 2 DEC VOT |
Sigla do Departamento 1: | PGR |
Entidades do Departamento 1: | PROCURADOR-GERAL DA REPUBLICA |
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Privacidade: | [03] |
Data do Jornal Oficial: | 000000 |
Indicação 2: | ASSESSOR: TERESA ALMEIDA |
Área Temática: | DIR JUDIC / DIR PROC CIVIL / DIR CONST * DIR FUND. |
Ref. Pareceres: | P000781993 P000061994 P000851992 P001201983 P001031985 P000661986 P000211994 I009341980 |
Legislação: | CONST76 ART16 N2 ART20.; DUDH ART8.; PIDCP ART14.; CEDH ART6.; L 7/70 DE 1970/06/09 BASE-I; D 562/70 DE 1970/11/18 ART7 N2.; L 41/87 DE 1987/12/23 ART2.; DL 387-B/87 DE 1987/12/29 ART53.; DL 391/88 DE 1988/10/26 ART12 N2.; CCJ62 ART65 B ART120.; CRC95 ART299.; CNOT95 ART189.; CPADM91 ART11 N2.; LOMP86 ART34 D. |
Direito Comunitário: | ![]() |
Direito Internacional: | ![]() |
Direito Estrangeiro: | ![]() |
Jurisprudência: |
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Documentos Internacionais: | ![]() |
Ref. Complementar: | ![]() |
Conclusões: | 1- A isenção de impostos, emolumentos ou taxas pela passagem de certidões ou pela obtenção de quaisquer outros documentos, incluindo actos notariais ou de registo, a que se refere o artigo 53 do Decreto-Lei n 387-B/87, de 29 de Dezembro - regime de acesso ao direito e aos tribunais -, abrange não apenas as certidões e documentos que se destinam a instruir o pedido de apoio judiciário como também os que têm por finalidade a instrução do processo para o qual o apoio judiciário já foi concedido, e bem assim os necessários à prática dos actos que tornem eficaz a decisão nele proferida. 2- Perante alguma obscuridade e deficiência dos textos legais em causa justificar-se-á uma clarificação legislativa, a que sugere nos termos do artigo 34, alínea d), da Lei Orgânica do Ministério Público - Lei n 44/86, de 15 de Outubro. |
Texto Integral: | Senhor Procurador-Geral da República, Excelência: 1 1.1. A Provedoria de Justiça (1) deu conhecimento a V. Exª de que "predomina a interpretação segundo a qual os tribunais não aceitam, regra geral, a apresentação de certidões obtidas (ao abrigo do artigo 53º do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro (2)), para instrução dos respectivos processos judiciais, só as aceitando nos casos em que se destinam aquelas a instruir o próprio pedido de concessão de Apoio Judiciário, com claro esvaziamento do conteúdo útil do normativo apontado". Pergunta a Provedoria de Justiça sobre a eventual existência de "circulares, directivas, ordens ou instruções" dirigidas aos magistrados e agentes do Ministério Público sobre esta matéria. 1.2. Solicitada informação ao Gabinete de V. Exª, sobre o tema foi preparada resposta de um Senhor Assessor (3). Logo claramente se indicou a não existência de circulares ou directivas semelhantes sobre a matéria. No tocante à questão de fundo - saber se também são gratuitas as certidões emitidas para instrução de processo para o qual o apoio judiciário foi já concedido ou para actos decorrentes das decisões no mesmo proferidas - a resposta não se apresentou tão linear. Antes de dar conta das conclusões alcançadas na sobredita Informação convém, desde já, conhecer o texto do dispositivo em causa (o mencionado artigo 53º), que diz o seguinte: "1. Estão isentos de impostos, emolumentos e taxas os articulados, requerimentos, certidões e quaisquer outros documentos, incluindo actos notariais e de registo, para fins de apoio judiciário. 2. No incidente processual de apoio judiciário não são devidos preparos". Historiados os antecedentes do preceito e recordando que a Constituição da República não impõe a gratuitidade dos serviços de justiça, concluiu-se na Informação do Gabinete de V. Exª, sobre o cerne da questão: "............................................................................................... f) Não é uniforme o sentido e alcance a atribuir à expressão "para fins de apoio judiciário" enunciada no preceito referido..., extremando-se as posições em polos opostos: a que entende esgotar-se a gratuitidade na documentação a apresentar pelo requerente para obter o apoio e a que sustenta estender-se a gratuitidade para além dele, isto é, às certidões destinadas à instrução da causa que o tribunal foi chamado a decidir; g) O alcance das disposições do anterior regime jurídico sobre assistência judiciária, a análise dos trabalhos preparatórios que confluiram no actual sistema e as posições doutrinais e jurisprudenciais sobre a matéria parecem melhor harmonizar-se com a tese restritiva, o que não parece em oposição com o preceituado no artigo 20º da Constituição da República; ..................................................................................................." Todavia, considerando a implicação da regra constitucional de que ninguém deve ver-se impedido ou dificultado de fazer valer ou defender os seus direitos por motivos de insuficiência económica aponta-se, a terminar, para uma clarificação legislativa, "a não se reputarem suficientes as virtualidades dos meios institucionais para fixar a interpretação da lei em vigor" (4). A argumentação que apoia a solução defendida é a seguinte: - não sendo o custo da certidão um caso de taxa de justiça entraria no âmbito dos encargos (artigos 15º do Decreto-Lei nº 387-B/87 e 65º, alínea b), do Código das Custas Judiciais); - no entanto, só seriam abrangidas nos encargos, segundo esta última alínea - e, assim, dispensadas de pagamento para o beneficiário do apoio judiciário - as certidões requisitadas pelo tribunal, com exclusão das demais; - logo, só as certidões pedidas para obtenção do apoio judiciário estariam dispensadas de pagamento pelo requerente deste; - a doutrina conhecida (5) ia no mesmo sentido, com base no facto de não se ter aceite o que resultava claramente em sentido diferente dos trabalhos preparatórios, e também pelo que advém do nº 2 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 391/88, de 26 de Outubro (diploma regulamentador do Decreto-Lei nº 387-B/87), na medida em que admite que os causídicos nomeados para o apoio judiciário possam cobrar o valor das certidões aí previstas, o que não teria significado útil se tais certidões fossem passadas gratuitamente. Não deixa, porém, de se citar um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (6), proferido em reclamação para a conferência, no qual se concluiu de forma oposta. Apesar de o mencionado artigo 65º do CCJ se referir apenas às certidões que o tribunal tenha requisitado, o aresto aludido releva o disposto no artigo 120º do mesmo Código - onde se prevê a não entrega de certidões ou outros papéis a quem não esteja isento ou dispensado de custas -, para afirmar que a ressalva do preceito abrange, para aqueles a quem se concedeu apoio judiciário, não só as certidões que, em complemento da sentença, são necessárias à prática de actos que lhe dão eficácia, em particular no âmbito registral (v.g., divórcio, titularidade do direito de propriedade), como também "as certidões instrutórias...judiciais ou extra-judiciais, de outros autos - ou, como no caso sub judice, dos próprios autos, também necessárias para o andamento da acção". Por consequência, no artigo 53º do Decreto-Lei nº 387-B/87 está contida a isenção de impostos, emolumentos e taxas das certidões obtidas para fins de apoio judiciário e ainda as destinadas a "exercer o apoio judiciário". "Seria - diz-se nesse aresto - limitar injustificadamente o âmbito do preceito para os requerimentos e certidões necessários para se instruir a acção a propor". Considerou V. Exª, "pelo interesse e relevância das questões", de utilidade ouvir o Conselho Consultivo. Cumpre, assim, emitir parecer. 2 Dispõe o artigo 20º (7) da Constituição da República: "1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídica e ao patrocínio judiciário". Para que o cidadão possa exercer a via judiciária de acesso ao direito tem de começar por conhecer o próprio direito. O acesso ao direito abrange o direito à informação e à consulta jurídica, normalmente momentos prévios do acesso aos tribunais. Tarefa árdua no mundo actual, especialmente nos países com sistemas jurídicos acentuadamente regulamentadores, é a de conhecer o direito que rege determinada matéria, ainda que de importância fundamental para a vida de cada um (8). A essa dificuldade soma-se muitas vezes a insuficiência de meios económicos para o cidadão se socorrer dos tribunais sempre que não encontre outro remédio para resolver os litígios ou fazer valer as suas legítimas pretensões. O Estado Providência (Welfare-State) - segundo se diz em crise, menos de objectivos do que de métodos para os alcançar - ..."implique une société dans laquelle l'État est apelé à jouer un rôle considérable dans une Bconomie qui demeure essentiellement entre les mains des particuliers, et où l'État s'emploie à améliorer la condition économique et sociale de ceux qui sont désavantagés: pauvres, minorités variées, locataires, salariés ...(9). Não basta, porém, produzir leis e regulamentos em favor dos mais fracos - característica indiscutível do Estado-Providência -, é necessário que as disposições novas não se quedem em letra morta. E para isso não é suficiente dizer que cada um pode fazer valer os seus direitos - uma fórmula teórica - se não forem tomadas medidas concretas para incitar os desfavorecidos a exigir a aplicação das leis elaboradas em seu favor (10). Ainda segundo os mesmos Autores - com uma obra notável nesta matéria - a tentativa de tornar os direitos efectivos, ainda que sob os custos excessivos do Estado-Providência, passará pela garantia de um processo leal (due process) (11). Por outro lado, a tese da gratuitidade dos serviços de justiça - não determinada, aliás, pela Constituição portuguesa (12) -, apoiada no argumento técnico de que a Administração da Justiça se configura no Estado moderno como um verdadeiro serviço público e no argumento jurídico-político de que o pagamento das custas e honorários dos profissionais forenses imporia desigualdades na defesa dos direitos, derivados da diversa situação económica dos litigantes, não será de valia irrefutável. Com efeito, os serviços públicos podem ser concedidos "uti universi", nos quais o benefício produzido recai sobre a comunidade indiscriminadamente, ou "uti singuli", em que para além de um benefício geral que todo o serviço supõe, há um benefício específico dos usuários, pelo que é admissível a imposição de um pagamento como contrapartida do interesse satisfeito ou da prestação recebida (13). De qualquer modo, a carência de meios económicos impeditiva do acesso aos tribunais através da interposição da acção, isto é, da petição de aplicação do direito a uma situação concreta, não é constitucionalmente admissível. Nos textos internacionais a que Portugal se encontra vinculado encontra-se consagrado: - O direito ao "recurso efectivo para as jurisdições nacionais competentes contra os actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição e pela lei" - artigo 8º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (14); - O "direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial..." - artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada pela Lei nº 65/78, de 13 de Outubro (15). O acesso aos tribunais não se confina ao exercício do direito de acção mas implica o direito ao processo, ou seja, a uma tramitação da causa segundo regras que garantam a sua apreciação equitativa e imparcial, nas quais assume especial relevo o exercício do princípio do contraditório. Na perspectiva que ora nos interessa haverá que extrair, em sede geral, uma primeira aproximação: à luz do princípio da igualdade de direitos, a posição da parte que litiga com apoio estadual, por insuficiência de meios económicos, tanto carece desse apoio no início da lide, quando desencadeia a acção, como na pendência da mesma, como ainda quando visa tirar as consequências da decisão, em termos de actos complementares necessários a fazer vingar o seu direito (16). 3 Passemos, porém, ao direito ordinário vigente e seus antecedentes. 3.1. Dispunha a Base I da Lei nº 7/70, de 9 de Junho - hoje revogada: 1. A assistência judiciária compreende a dispensa, total ou parcial, de preparos e do próprio pagamento de custas, e bem assim o patrocínio oficioso. 2. De iguais benefícios goza o interessado para obter a assistência. 3.............................................................................................". Uma vez concedida a assistência, mantinha-se para efeitos de recurso, qualquer que fosse a decisão sobre o mérito da causa (Base VII, nº 3). O diploma regulamentador - Decreto nº 562/70, de 18 de Novembro -, ao referir-se ao modo de fazer prova da insuficiência económica do requerente da assistência judiciária - certidão da junta de freguesia ou da câmara municipal da sua residência habitual, certidão de que se encontrava a cargo da assistência pública - estipulava que tais certidões deviam mencionar expressamente que se destinavam a instruir um pedido daquele género (nº 2 do artigo 7º). Após afirmação de que as custas do incidente da assistência ficavam a cargo da parte vencida, salvo se não tivesse havido oposição, dizia o nº 2 do artigo 28º: "Os articulados, requerimentos e documentos necessários ao incidente são isentos de prévio pagamento de imposto do selo e não são nesse incidente exigidos preparos". É evidente que no termo "documentos" caberia a eventual emissão de certidões. 3.2. Através da Lei nº 41/87, de 23 de Dezembro, o Governo foi autorizado a aprovar um diploma que "assegurasse a todos os cidadãos o acesso ao direito e aos tribunais e demais legislação complementar...". Ao precisar o sentido e alcance da futura legislação, no artigo 2º afirma-se que se deve garantir "que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural ou por insuficiência de meios económicos, o acesso aos meios legalmente previstos para fazer valer ou defender os seus direitos". E no nº 2 do mesmo artigo 2º acrescentava-se (no que ora interessa): "A concretização do sistema de acesso ao direito e aos tribunais garantirá o enquadramento legal da informação jurídica, bem como dos esquemas de protecção jurídica, nas modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário, devendo respeitar as seguintes linhas de orientação fundamentais: a).............................................................................................. b)......................................................................................................................... c) Instituir - como mais amplas modalidades de apoio judiciário aplicável a todos os tribunais, qualquer que seja a forma de processo, bem como relativamente aos processos das contra-- ordenações - a dispensa total ou parcial de preparos e de pagamento de custas ou o seu diferimento, assim como a garantia de pagamento dos serviços de advogado ou solicitador; d) Prever que os esquemas de protecção abranjam as pessoas que demonstrarem não dispor de meios económicos bastantes para suportar os honorários das profissões forenses ... e para custear total ou parcialmente os encargos normais de meios de defesa de que careçam, estabelecendo-se nesse sentido as adequadas presunções de insuficiência económica.... e)......................................................................................................................... f) Garantir a justa remuneração dos serviços forenses prestados e o reembolso das despesas realizadas de acordo com tabelas fixadas g) Disciplinar o processo de obtenção do apoio judiciário, em termos que o facultem de forma célere, simplificada e por forma que os serviços prestados sejam qualificados e eficazes h)............................................................................................". 3.3. Abra-se um parêntesis , ainda que breve, para relembrar as acções preparatórias dos diplomas vigentes cujo impulso se ficou a dever especialmente ao então Ministro da Justiça do III Governo Constitucional, Dr. MÁRIO RAPOSO (17), dando sequência à Resolução (78-8) do Conselho da Europa sobre Assistência Judiciária e Consulta Jurídica. Os tópicos adiantados apontaram para o modelo seguinte: - não seria tolerável um esquema que, directa ou reflexamente, remetesse para uma socialização ou funcionalização, ainda que pontual, da advocacia; - não se poderia pensar numa transferência dos custos da protecção jurídica da colectividade para os profissionais do foro; - nenhum passo deveria ser dado sem a espontânea participação dos advogados e da Ordem que constitui o seu organismo institucional; - a remuneração a advogados e solicitadores haveria de ser canalizada pelos seus organismos institucionais e de segurança social não devendo acarretar uma relevante sobrecarga para o Estado. Poderíamos dizer, sem risco de erro, que as Comissões de Acesso ao Direito tentaram, na verdade, preservar duas ideias fulcrais: por um lado, a garantia de uma total independência na actuação dos profissionais do foro; por outro, terminar com o exercício "caritativo" do patrocínio - o recurso a "trabalho compulsivo" chegaram a chamar-lhe alguns advogados europeus -, através da fixação de remunerações adequadas conforme o trabalho realizado e o seu nível de tecnicidade , com a certeza de que seriam efectivamente pagas e não ficariam dependentes de cobranças futuras sobre o património das partes litigantes (18). 4 Procuremos acompanhar a gestação dos textos que de algum modo se ligam à matéria sob consulta nos anteprojecto e projecto da 1ª e 2ª Comissões, e na sua passagem pela Assembleia da República. 4.1. No anteprojecto da 1ª Comissão (1978), a "assistência jurídica" compreendia a prestação de serviço de consulta jurídica, de assistência judiciária e o patrocínio oficioso em processo penal (artigo 2º, nº1). De acordo com o artigo 9º, nº 1, estariam "isentos de imposto de selo, emolumentos e outras taxas os articulados, requerimentos, certidões e outros documentos, incluindo actos notariais e de registo, para fins de assistência jurídica". Segundo a previsão do artigo 17º - já no capítulo sobre a assistência judiciária - esta compreenderia "a dispensa, total ou parcial, de preparos e do prévio pagamento de custas e o patrocínio oficioso", podendo o juiz "ainda autorizar o pagamento total ou parcial de encargos que recaiam sobre o assistido e que considere justificados". De iguais benefícios gozava o interessado "para obter a assistência" (nº 2). Adiante - artigo 25º, nº 2 - dispunha-se que "os documentos destinados a instruir o pedido de assistência judiciária (seriam) passados gratuitamente, com menção expressa do fim a que se destin(avam)". A propósito das custas do próprio incidente da assistência, ficariam a cargo da parte vencida, salvo se não houvesse oposição - era o nº 1 do artigo 45º. E tal como o já aludido nº 2 do artigo 28º do Decreto nº 562/70, de 18 de Novembro, adiantava-se um nº 2 idêntico sobre a isenção de imposto de selo e não exigência de preparos quanto aos articulados, requerimentos e documentos necessários ao incidente (19). Seriam isentos de selo os requerimentos feitos pelo defensor oficioso nomeado - nº 2 do artigo 55º. 4.2. É sabido ter a 2ª Comissão (1986) trabalhado sobre o anteprojecto apresentado pela 1ª e também sobre as "alterações" referidas pela Ordem dos Advogados (20). Respigaremos da resposta da Ordem dos Advogados os elementos que mostrem pertinência para a questão em foco. No artigo 3º do Capítulo I (21) - Disposições gerais -, considera-se com direito à assistência jurídica aquele que prove a insuficiência de meios económicos para suportar os honorários devidos e "custear as despesas normais do pleito, total ou parcialmente". A resposta (anteprojecto) da Ordem dos Advogados aceita a versão do artigo 9º em que se isentam de impostos, emolumentos ou taxas, as "certidões e outros documentos" - apenas aditou "quaisquer outros" - para fins de assistência jurídica. Acrescentava, porém, no artigo equivalente (16º) ao artigo 19º do anteprojecto da 1ª Comissão, um número dizendo que a procedência da excepção de incompetência relativa do tribunal não bulia com a assistência concedida, posição que não resultava de forma clara do diposto no artigo 37º do anteprojecto (22). 4.3. Sobre o anteprojecto da 2ª Comissão, o então Ministro da Justiça, Dr. MÁRIO RAPOSO, redigiu uma proposta de lei, tomando em conta "algumas das sugestões" da Comissão (23), a qual acabou por ser convertida em pedido de autorização legislativa, e apresentada ao Parlamento pelo titular da pasta do Governo seguinte (24). Ao mesmo tempo foi debatido o projecto de lei nº 97/V (PCP), o qual resultava de outros projectos já apresentados em legislaturas anteriores (25). Não se colhem subsídios de interesse para a consulta, resultantes da passagem do pedido de autorização pela Assembleia da República, tendo ficado claro que se pretendia acabar com a concepção do acesso ao direito como um favor que o Estado prestava aos pobres, com os advogados a prestarem um serviço gratuito, ou de remuneração mais que problemática. Depunha-se esperança não só na substituição da anquilosada assistência judiciária pelo agora denominado apoio judiciário (e patrocínio), como também nas novas missões da informação jurídica ao cidadão e na consulta jurídica gratuita (26). 5 E assim somos chegados à análise do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, quase desmunidos, diga-se desde já, de elementos concretos sobre a questão sub judice. Passemos em revista o diploma na perspectiva ora em causa. 5.1.Recordado no preâmbulo que se dava execução ao artigo 20º da Constituição (após a revisão de 82) - o "direito aos direitos" - o artigo 1º, nº 1, afirma que o sistema "destina-se a promover que ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, de conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos". Sobre o âmbito do apoio judiciário (27) dispõe o artigo 15º, colocado no pórtico do Capítulo V, precisamente titulado de "Apoio judiciário": "1. O apoio judiciário compreende a dispensa, total ou parcial, de preparos e do pagamento de custas, ou o seu diferimento, assim como do pagamento dos serviços do advogado ou solicitador. 2. A dispensa de pagamento, pelo utente, dos serviços do advogado ou solicitador deve ser expressamente requerida". A manutenção do apoio judiciário, tendo havido declaração de incompetência relativa e de desapensação de processo, está contemplada no artigo 17º, nºs 3 e 4. No artigo 23º, nºs 4 e 5, afirma-se a obrigatoriedade de as entidades públicas e privadas prestarem, com carácter de urgência, informações requisitadas pelo tribunal sobre a situação económica do requerente de apoio judiciário, estipulando-se que os documentos destinados a instruir o pedido de apoio judiciário devem referir o fim a que se destinam. Já nas "Disposições gerais", encontra-se o artigo 53º, especialmente chamado à colação, e que ora se repete: "1. Estão isentos de impostos, emolumentos e taxas, os articulados, requerimentos, certidões e quaisquer outros documentos, incluindo actos notariais e de registo, para fins de apoio judiciário. 2. No incidente processual de apoio judiciário não são devidos preparos". As normas agora indicadas correspondem, sem qualquer alteração de relevo, às constantes da aludida Proposta de lei que saíra do Ministério da Justiça, o mesmo sucedendo com a que agora ainda se vai referir, a do artigo 54º, nº 1. Na hipótese de o requerente possuir, à data do pedido, ou ter adquirido no decurso da causa ou após esta finda, meios suficientes para pagar os honorários, despesas, custas, impostos, emolumentos, taxas e quaisquer outros encargos de que tenha sido isento, é instaurada acção para cobrança das respectivas importâncias. 5.2. Da regulamentação efectuada pelo Decreto-Lei nº 391/88, de 26 de Outubro, e que era imposta pelo artigo 56º do Decreto-Lei nº 387-B/87, apenas cumprirá destacar dois pontos. Por um lado, da leitura do preâmbulo, recolhem-se algumas afirmações incisivas. O apoio judiciário - segundo tais dizeres - "adquire...uma feição tendente a possibilitar a todos os cidadãos um claro e inequívoco direito de, em juízo, pugnarem pelos seus legítimos interesses". Tal desiderato obtém-se - acrescenta-se logo de seguida - "pela garantia, que agora é segura, de que a todos para quem o custo da lide - e seja ele qual for - não seja, total ou parcialmente, suportável pelos recursos económicos de que dispõem esses custos serão diminuídos ou até isentados" (sublinhado agora). Por outro lado, insere-se uma disposição que cumpre assinalar, atento o argumento que da mesma se extrai e adiante se salientará. Dispõe o artigo 12º - integrado no Capítulo II ("Regime financeiro") - sobre os honorários dos advogados e solicitadores, relativos aos serviços prestados e despesas realizadas, remetendo- se para os limites estabelecidos na tabela anexa ao diploma nela se fixando os quantitativos tendo em conta o tempo gasto, o volume e complexidade do trabalho produzido, os actos ou diligências realizadas, bem como o valor constante da nota de honorários apresentada. E acrescenta-se no nº 2: "Os valores previstos na tabela anexa incluem incidentes e procedimentos cautelares, meios processuais acessórios, pedidos de suspensão da eficácia do acto, consulta de documentos, passagem de certidões e quaisquer outras diligências ou actos que hajam de ter lugar no âmbito ou por causa dos processos correspondentes" (28). 6 6.1. Convirá recordar alguns conceitos relacionados com a dispensa de pagamento total ou parcial, concedida ao beneficiário do apoio judiciário: as custas e os preparos (artigo 15º do Decreto-Lei nº 387-B/87). As custas judiciais são as despesas que demandantes e demandados têm de fazer para a tramitação do processo, afora as remunerações com os seus advogados e solicitadores e as suas despesas pessoais. Diz-se no artigo 1º, nº 2, do Código das Custas Judiciais (Parte Cível) que as custas compreendem a taxa de justiça - designação que substituiu o incorrectamente chamado "imposto de justiça - e os encargos (29). Os encargos traduzem-se no pagamento de despesas adiantadas pelo tribunal, retribuições a pessoas que intervêm no processo acidentalmente, v.g., peritos, administradores de falências ou insolvências, indemnizações às testemunhas, despesas de transporte e ajudas de custo por certos actos ligados à administração da justiça, procuradoria (30) etc. Os preparos constituem as quantias que vão sendo exigidas às partes, a título de antecipação de custas, e que se dividem em iniciais, para despesas, e julgamento (artigo 96º do CCJ). Pode, porém, haver isenção de pagamento de tais quantias, de ordem pessoal - v.g., o Estado, o Ministério Público, os incapazes, certas instituições (artigo 3º do CCJ) - e de ordem processual, por exemplo, os inventários, em dados termos, as interdições e inabilitações (artigos 4º, 5º e 6º do CCJ). 6.2. Vejamos se, no Código das Custas Judiciais, se detectam alguns elementos de conexão com o apoio judiciário, e, particularmente, com o tema que nos ocupa. Pondo de lado a desactualizada referência ao valor da causa para efeito de custas, a que se refere a alínea v) do nº 1 do artigo 8º (31), e a menção constante do artigo 42º, nº 1, no sentido de os pedidos de apoio judiciário serem objecto de uma taxação reduzida (um quarto), bem como a referência expressa do artigo 96º, nº 2, de que não há preparos nos pedidos de apoio judiciário, apenas nos ficam duas normas em que importará atentar: a da alínea b) do artigo 65º e a do artigo 120º. Nessa alínea b), respeitante a encargos (Parte Cível), diz-se que abrangem os "pagamentos devidos a quaisquer entidades ou pessoas pelo custo de certidões, salvo as extraídas oficiosamente pelo tribunal, documentos, pareceres, plantas, outros elementos de informação ou de prova e serviços que o tribunal tenha requisitado". Dispõe-se, por seu turno, no artigo 120º que "não serão entregues a quem não esteja isento ou dispensado de pagamento de custas quaisquer certidões ou outros papéis sem o prévio pagamento do seu custo" (32). 7 7.1. É altura de retornar à questão, isto é, saber se, no apoio judiciário, a dispensa, total ou parcial, de pagamento de preparos, custas e serviços de advogado e/ou solicitador pode abranger - dizemos "pode" em virtude de se preverem casos de apenas dispensa parcial - o custo das certidões destinadas à instrução do processo e não apenas as destinadas ao pedido daquele apoio judiciário. A discussão vem centrada em torno do artigo 53º do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro. O preceito, que enferma de uma redacção algo ultrapassada - com o desaparecimento do imposto de selo nos processos -, inclui a par da isenção de "impostos", a de emolumentos e taxas. A expressão "emolumentos" reporta-se ao pagamento devido pela prestação de certos serviços em repartições públicas, apresentando, por vezes, uma conexão remuneratória com o próprio funcionário que os presta (33). Diz-se no artigo 299º do Código de Registo Civil (34) que pelos actos praticados nos serviços são cobrados emolumentos previstos nas tabelas, e demais encargos, salvo os casos de isenção (35). De modo semelhante se prescreve no Código do Notariado (36), ao afirmar-se no artigo 189º que são cobrados emolumentos tabelares pelos actos praticados nos cartórios, "salvo nos casos de gratuitidade, redução ou isenção previstos na lei". Mais se afirma - artigo 158º - que a requisição de certidões ou documentos análogos por autoridade ou serviço público são expedidos "sem dependência de pagamento da conta, neles se mencionando o fim a que se destinam". Afirmação genérica de que os documentos requisitados oficiosamente pelas autoridades ou repartições públicas não estão sujeitos a nenhum encargo é feita no artigo 191º, nº 1, mas logo se acrescenta que, se destinados a ser juntos a processos, levam aposta a conta e a menção de entrada em regra de custas, se as houver (nº 2). Uma primeira observação que ocorre ao intérprete tem a ver com a articulação de todo o sistema. É evidente a preocupação do legislador em efectuar as adaptações parcelares, em cada diploma autónomo, das regras que resultam da Lei Fundamental e da lei ordinária. Mau grado tal desiderato, o que é certo é que se torna muitas vezes difícil, perante a visão atomística de cada código ou diploma, encontrar a justa medida de articulação de princípios e ideias. O Código do Registo Civil - artigos 300º e 301º, citados na nota (34) - é disso exemplo. De acordo com o disposto no artigo 300º, estipula- se uma isenção de pagamento de emolumentos de certos actos de registo, documentos e certidões - "requeridas para quaisquer fins" - quando os indivíduos interessados provem, de forma taxativa, a sua insuficiência económica. Mas logo no artigo 301º se dispõe sobre certidões, a emitir gratuitamente, para certas finalidades, de modo restritivo, nomeadamente, para obter apoio judiciário ou para instruir somente certos processos. Importa dar coerência a todo o sistema, na medida adequada, logo a partir dos princípios que emanam da própria Constituição. 7.2. A única opinião conhecida sobre a questão em análise, para além do aresto citado, é a de SALVADOR DA COSTA (37), que passaremos a acompanhar em pormenor. Depois de referir os antecedentes do preceito - o nº 2 do artigo 28º do Decreto nº 562/70 e o artigo 9º do anteprojecto da 1ª Comissão (quase repetido pela 2ª Comissão) -, diz textualmente: "Já se suscitou a questão de saber se, à luz do nº 1 deste artigo, os beneficiários de apoio judiciário na modalidade de assistência judiciária (38) têm ou não "jus" à gratuitidade dos documentos necessários à instrução da causa respectiva e dos actos notariais e de registo porventura dela emergentes (sublinhado nosso). "O elemento histórico mais remoto do preceito é no sentido de que a isenção só se reportava ao selo dos documentos necessários à instrução do incidente da assistência judiciária. "A história do preceito consubstanciada na primeira fase dos trabalhos preparatórios registava, por um lado, a gratuitidade dos requerimentos e documentos necessários à assistência judiciária, e, por outro, das publicações, actos notariais e de registo necessários à defesa dos interesses da parte que dela beneficiou (39). "A expressão "para fins de apoio judiciário", constante do nº 1 do artigo (53º, entenda-se), parece significar "para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário". "Se o legislador pretendesse que o benefício do apoio judiciário na modalidade de assistência judiciária abrangesse a dispensa de pagamento dos documentos necessários à instrução da causa e dos actos notariais ou de registo por ela implicados, é razoável supor que incluiria a previsão no artigo 15º deste diploma ou expressaria claramente a solução na disposição em análise, com a clareza que resultava, para a solução preconizada, dos trabalhos preparatórios. "Propendemos, assim, a considerar que o nº 1 ... consagra a gratuitidade dos articulados, requerimentos e documentos, actos notariais e de registo concernentes ao incidente de apoio judiciário a que se reporta o nº 2. "Reforça, aliás, este entendimento o facto de o inquérito (40) ... inserir um quesito consubstanciador de idêntico conteúdo. "Esta solução é, de algum modo, confirmada pelo estatuído no nº 2 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 391/88, onde se prescreve que os valores previstos na tabela anexa a este último diploma incluem, além do mais, a passagem de certidões e quaisquer outras diligências ou actos que hajam de ter lugar no âmbito ou por causa dos processos correspondentes. "Resulta, pois, desta disposição que os causídicos nomeados no âmbito do apoio judiciário poderão ter necessidade de suportar o custo de documentos necessários à instrução da causa, e que a respectiva despesa é incluída, no quadro remuneratório, no âmbito da tabela anexa ao Decreto-Lei nº 391/88. "Ora, se o benefício do apoio judiciário ... abrangesse o custo dos documentos necessários à instrução da causa em vista da qual foi concedido, a previsão do nº 2 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 391/88 não teria significado útil". A transcrição foi longa mas afigurou-se conveniente para a melhor compreensão dos argumentos, os quais se podem resumir no seguinte: - o elemento histórico aponta no sentido da não gratuitidade das certidões (e outros documentos) necessários à instrução da causa na qual se litiga com apoio judiciário, e dela decorrentes; - o nº 2 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 391/88, ao prever a hipótese de o advogado do beneficiário de apoio judiciário pagar previamente o custo de certidões destinados ao processo, sendo depois reembolsado, reforça o entendimento da não gratuitidade. 7.3. Com o devido respeito, não partilhamos desta opinião. Desde logo, afiguram-se de grande fragilidade os argumentos invocados. Não tendo havido acesso a uma eventual versão intercalar do anteprojecto da 1ª Comissão em que se dissesse claramente que a "assistência judiciária" compreendia a dispensa de encargos relacionados com o processo para a qual fora requerida ou que certos documentos, publicações, actos notariais ou registos necessários à defesa dos interesses da parte eram gratuitos, resta-nos, no entanto, sem margem para dúvidas, o texto do artigo 17º do anteprojecto da 1ª Comissão (41), - v. supra, ponto 4.1.. Ora aí, numa redacção que se aproximava da Base I da Lei nº 7/70, parecia bastante claro que a "assistência judiciária" consignada no nº 1 respeitava ao processo e o nº 2 ao incidente de pedido de assistência ("De iguais benefícios goza o interessado para obter assistência"). Quando no actual artigo 15º do Decreto-Lei nº 387-B/87 se deixou cair norma equivalente a esse nº 2 do artigo 17º do anteprojecto é porque se julgou desnecessária. Por isso a Procuradoria-Geral da República (42) considerava que o nº 2 do artigo 49º do anteprojecto - equivalente ao nº 1 do artigo 53º, ora em debate , era desnecessário, a manter-se aquele nº 2 do artigo 17º. Dir-se-á pois que se os trabalhos preparatórios indiciam uma interpretação ela é a de sentido contrário. E, no tocante ao nº 2 do artigo 12º do diploma regulamentador da protecção jurídica? Não parece forçosa a interpretação preconizada por aquele Autor. Refere-se o mesmo preceito ao pagamento dos honorários e despesas realizados pelo advogado (incluindo o estagiário) ou solicitador. Desde logo, teria o seu quê de estranho colocar- se a cargo dos causídicos não apenas a prestação de serviços e dispêndio de gastos directos para os realizar - v.g., transportes, refeições, alojamento -, como ainda terem de antecipar o pagamento de certidões destinadas ao processo em que haviam sido nomeados para prestar apoio judiciário. E, repare-se, certidões que normalmente pagariam ao Estado - serviço públicos - e de cujo custo o Estado os iria depois reembolsar. A letra do preceito e o seu sentido parecem muito mais coerentes na interpretação que trate a passagem de certidões do mesmo modo que a consulta de documentos e "outras diligências ou actos que hajam de ter lugar no âmbito ou por causa dos processos correspondentes": o advogado ou solicitador são pagos pelo serviço prestado - tempo despendido, trabalho efectuado e despesas directas realizadas. Procurar obter uma certidão implica algo de semelhante à consulta de um documento, tempo gasto por vezes na consulta, pedido, deslocação, etc., despesas estas sim a que corresponde o pagamento tabelar (43) devido ao advogado ou solicitador, e não os emolumentos devidos pela certidão. 8 Busquemos, no entanto, uma conclusão não tanto pelo apagar dos elementos negativos, mas agora pela positiva. 8.1. No imperativo constitucional do artigo 20º - onde se consagra o princípio da igualdade material - a insuficiência de meios económicos não pode levar à denegação de justiça em defesa de direitos e interesses legítimos do cidadão. Na transposição do preceito para a realidade concreta não pode menosprezar-se ou colocar em segundo plano o direito ao processo uma vez iniciada a acção. Sendo sabido o peso do impulso das partes na dinâmica do processo (civil, pelo menos), seria criar- lhes indevidas dificuldades se, por razões económicas, não pudessem ou ficassem limitadas na junção de documentos, certidões ou outros meios de prova em defesa dos seus presumíveis direitos. Facilitava-se o desencadear do processo, mas retirava-se-lhes depois o apoio no seu decurso, o que seria completamente ilógico. Compreende-se, assim, que a Autorização Legislativa fale nas "mais amplas modalidades de apoio judiciário" e no custeamento dos "encargos normais" com os meios de defesa - artigo 2º, nº 2, alíneas c) e d) -, e que ao descer na densificação, o artigo 7º, nº 1, da lei ordinária aluda à extensão da protecção jurídica para as pessoas (singulares e colectivas) que demonstrem não dispor de meios económicos bastantes como a necessária para "custear, total ou parcialmente, os encargos normais de uma causa judicial". Coerentemente, o exórdio do diploma regulamentar refere-se ao "custo da lide - seja ele qual for ..." 8.2. O Código do Procedimento Administrativo, na versão originária do artigo 11º, consagrou o princípio do procedimento administrativo gratuito, podendo a Administração dispensar o pagamento das taxas ou despesas impostas por leis especiais (44). Na alteração do nº 2 daquele preceito, efectuada pelo Decreto-Lei nº 6/96, de 31 de Janeiro, passou a dizer-se: "Em caso de comprovada insuficiência económica, demonstrada nos termos da lei sobre o apoio judiciário, a Administração isentará, total ou parcialmente, o interessado do pagamento das taxas ou despesas referidas no número anterior". Trata-se aqui, de modo evidente, das taxas e despesas concernentes ao procedimento administrativo e não de qualquer incidente ou petição prévia do procedimento. Estaremos perante um lugar paralelo ou, pelo menos, uma indicação que comporta a interpretação que vimos defendendo. 8.3. A concluir-se pela interpretação restritiva cairíamos no absurdo de o regime anterior, o da Lei de 1970, proteger melhor neste ponto os interesses dos beneficiários da então designada "assistência judiciária" do que os do apoio judiciário, não obstante se ter introduzido na Constituição da República uma norma específica - e pioneira em termos de direito comparado. E isto mau grado todas as declarações de tom amplificativo, no intuito de serviços mais qualificados e eficazes para os utentes do apoio judiciário. Nem se justificará, porventura, invocar o conhecido brocardo "odiosa restringenda, favorabilia amplianda", ou seja, as disposições que asseguram direitos ou conferem protecção devem ser interpretadas de forma ampla. 8.4. Finalmente, não se considera poder retirar argumentos válidos, em sentido oposto, das normas dos artigos 65º, b) e 120º, do Código das Custas Judiciais (45 ). Antes pelo contrário. Esta última ressalva da não entrega de certidões por causa de falta de pagamento do seu custo aqueles que estejam isentos ou dispensados do pagamento de custas. Logo, se tal dispensa emana da concessão de apoio judiciário - artigo 15º do Decreto-Lei nº 387-B/87 - as certidões aí referidas, necessárias à prática de actos, especialmente de registo, consequentes da decisão, devem ser entregues gratuitamente. Quanto ao artigo 65º, b), da sua leitura conjugada com a concessão de apoio judiciário, resultará que as certidões isentas serão não apenas as extraídas oficiosamente pelo tribunal mas também as outras. Finalmente, não se alimente o receio de que se corre o risco de benefícios injustos já que, por força do disposto no artigo 37º, o apoio judiciário pode ser retirado logo que não se verifiquem os seus pressupostos. Ou então, caso se verifique que o requerente do apoio judiciário possuía à data do pedido ou adquiriu no decurso da causa ou após esta finda, meios suficientes para pagar os honorários e restantes despesas de cujo pagamento foi dispensado, será instaurada acção para cobrança das respectivas importâncias (artigo 54º). Sem embargo de tudo o que vem de dizer-se, não custa admitir que a solução a que se chega possa deixar algumas dúvidas, especialmente naqueles que atribuam um peso excessivo ao elemento gramatical em detrimento da razão de ser e da teleologia que vai beber aos interesses consagrados na própria Constituição. Por isso, uma clarificação legislativa mostrar-se- ia conveniente, porventura aproveitando-se da revisão em curso do Código das Custas Judiciais. 9 Do exposto se conclui: 1. A isenção de impostos, emolumentos ou taxas pela passagem de certidões ou pela obtenção de quaisquer outros documentos, incluindo actos notariais ou de registo, a que se refere o artigo 53º do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro - regime de acesso ao direito e aos tribunais -, abrange não apenas as certidões e documentos que se destinam a instruir o pedido de apoio judiciário, como também os que têm por finalidade a instrução do processo para o qual o apoio judiciário já foi concedido, e bem assim os necessários à prática dos actos que tornem eficaz a decisão neste proferida. 2. Perante alguma obscuridade e deficiência dos textos legais em causa justificar-se-á uma clarificação legislativa, o que se sugere nos termos do artigo 34º, alínea d), da Lei Orgânica do Ministério Público - Lei nº 44/86, de 15 de Outubro. (José Adriano Machado Souto de Moura) - Vencido. Muito embora a questão não esteja isenta de dúvidas, e possa defender-se que a solução consagrada pelo parecer facilita o acesso à justiça, propendo a considerar que, quando o artigo 53º do Decreto-Lei nº 387-B/87 se refere à isenção pela passagem de certidões, se circunscreve só o pedido de apoio judiciário. Parece-nos justificado que o legislador se tenha preocupado em referir a isenção de pagamento de certidões necessárias à instrução do pedido de apoio judiciário, separadamente das demais certidões que a causa revele como necessárias. Enquanto que aquelas terão sempre que ser obtidas, pelo simples facto de se pretender recorrer aos tribunais com apoio judiciário, as certidões para instrução do pedido da acção serão ou não necessárias consoante o próprio pedido, a matéria a provar, ou até consoante tenha havido ou não indeferimento liminar. A isenção de pagamento, a estas relativa estará dependente sempre, também, da concessão do apoio judiciário, ao contrário das primeiras, que em regra serão obtidas antes de tal decisão. Assim, a expressão "para fins de apoio judiciário" do artigo 53º referido tem o sentido para nós claro de "para fins de obtenção de apoio judiciário", e não, como parecer querer o parecer, para qualquer fim, num processo em que já tenha sido concedido apoio judiciário. Haveria que ponderar aliás o caso, de ainda não haver decisão sobre o apoio, e as certidões que interessam ao fundo da causa já terem tido que ser pedidas. O elemento literal, conjugado com o disposto no nº 2 do preceito que se refere ao incidente de apoio judiciário, leva-nos, à partida, a considerarmos estar- se, aqui, só no âmbito do pedido de apoio. Não se vê que o parecer apresente razões, suficientemente fortes para contrariar aquele sentido literal. Ora, a preocupação em salvaguardar a gratuitidade das certidões que não interessam propriamente ao pedido de apoio, estará atendida, a nosso ver, com o disposto nos artigos 11º e 12º do Decreto-Lei nº 391/88 de 26 de Outubro. Aí se incluem nos honorários dos advogados, advogados-estagiários e solicitadores, "as despesas que se revelem justificadas por eles realizadas devidamente discriminadas e comprovadas" (artigo 11º). E, pelo nº 2 do artigo 12º se fica a saber que os quantitativos a pagar incluem "passagem de certidões". Não nos parece que tal expressão possa significar, como resulta do parecer, o tempo gasto ou a deslocação necessária à obtenção da certidão. Até porque, se assim fosse, a cobertura da tradução económica daqueles tempo e trabalho já resultaria do nº 1 do preceito. Parece-nos assim que inexiste fundamento bastante para a interpretação extensiva do artigo 53º em foco, perfilhada pelo parecer. (Eduardo de Melo Lucas Coelho) – Vencido pelas razões apontadas no voto do meu Excelentíssimo Colega Dr. Souto de Moura. Na verdade, a tese sustentada no parecer, possa embora considerar-se brilhante no plano da política legislativa – mas não é esta a óptica decisiva com vista à satisfação da consulta -, não encontra, se bem vejo, apoio legal e suficiente. Basta pô-la à prova no terreno da realidade processual. Sendo o pedido de apoio judiciário formulado – em todas as suas modalidades, incluindo o patrocínio – nos articulados da acção, parece evidente que, no momento em que o autor, por exemplo, deve, em princípio (artigo 523º do Código de Processo Civil), apresentar uma certidão (v.g. do registo predial) destinada a comprovar certo facto alegado na petição, nenhuma decisão, sequer liminar, existe sobre aquele pedido de apoio. Que título e que fundamento permitiria, pois, ao serviço eminente da certidão passá-la gratuitamente ao mero candidato a um apoio judiciário que pode, aliás, vir a ser indeferido ou concedido apenas em parte? Detectam-se, portanto, necessidade de controlo e preocupações de segurança que deveria obter na lei resposta visível, se pretendesse considerar-se consagrada, de iure constituto, a solução que fez vencimento. |