Parecer do Conselho Consultivo da PGR |
Nº Convencional: | PGRP00000235 |
Parecer: | P000211990 |
Nº do Documento: | PPA19900510002100 |
Descritores: | AUTARQUIA LOCAL ACÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO PESSOA COLECTIVA AUTONOMIA LOCAL REPRESENTAÇÃO EM JUIZO PATROCINIO JUDICIARIO MINISTERIO PUBLICO COMPETENCIA LEGITIMIDADE LEGALIDADE DEMOCRATICA |
Livro: | 00 |
Pedido: | 03/20/1990 |
Data de Distribuição: | 03/29/1990 |
Relator: | SALVADOR DA COSTA |
Sessões: | 01 |
Data da Votação: | 05/10/1990 |
Tipo de Votação: | UNANIMIDADE |
Sigla do Departamento 1: | PGR |
Entidades do Departamento 1: | PROCURADOR-GERAL DA REPUBLICA |
Serviços do Departamento 1: | INSPECÇÃO-GERAL DA ADMINISTRAÇÃO DO TERRITORIO |
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Privacidade: | [03] |
Data do Jornal Oficial: | 000000 |
Indicação 2: | ASSESSOR: MEIRIM |
Área Temática: | DIR JUDIC * ORG COMP TRIB / DIR ADM * ADM PUBL. |
Ref. Pareceres: | P001691980 P002241979 P000081979 |
Legislação: | ETAF ART9 N1 N2 ART51 N1 G ART69 N1.; LOMP86 ART1 ART3 N1 ART5 N1 A B N2 N4 A.; CADM40 ART368 ART369.; LAL84 ART27 N1 E ART51 N1 F.; CPC61 ART32.; CONST76 ART221 N1 ART239 ART240 N1 ART243 ART9 B ART202 B ART203 ART272.; L 87/89 DE 1989/09/09 ART2. LFL87 ART1 N1 N3.; CCIV66 ART7 N2.; LTC82 ART70 ART72.; DL 341/83 DE 1983/07/21 ART34 ART35 ART40 ART42 N2. |
Direito Comunitário: | ![]() |
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Conclusões: | 1 - A prossecução pelo Ministerio Publico em juizo do interesse das autarquias locais depende de lei que lhe atribua tal competencia; 2 - Ao Ministerio Publico compete, em regra, sob solicitação dos orgãos proprios das autarquias locais, representar (assistencia tecnico-juridica) estas em juizo; 3 - O Ministerio Publico e, porem, titular da acção executiva contra os titulares dos orgãos das autarquias locais a que se reporta o artigo 42, n 2, do Decreto-Lei n 341/83, de 21 de Julho; 4 - O accionamento judicial pelo Ministerio Publico em defesa da legalidade democratica ou do interesse publico depende da existencia de lei que defina e concretize aquele poder-dever processual; 5 - O Ministerio Publico não e titular de "acção supletiva" destinada a fazer valer em juizo os direitos subjectivos das autarquias locais lesados seja pelos titulares dos proprios orgãos seja por outrem. |
Texto Integral: | Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República I A Inspecção-Geral de Administração do Território diligenciou, em 8 de Maio de 1989, junto do delegado do procurador da República do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, na sequência de inquérito‚ por ela realizado ao município de Vila Viçosa, a fim de por ele ser intentada Acção de indemnização a favor daquela autarquia contra Pande - Sociedade de Construção, SA com fundamento no incumprimento de um contrato de empreitada, entre ambas celebrado, relativo à construção de uma rede de esgotos. Aquele magistrado afirmou não lhe competir o referido accionamento, invocando em síntese: - as autarquias locais são representadas em juízo por órgãos próprios; - a competência do Ministério Público para representar as autarquias locais em juízo traduz-se no mero patrocino judiciário; - O patrocino judiciário das autarquias locais pelo Ministério Público depende de solicitação dos respectivos órgãos; - O Ministério Público não ‚ competente para instaurar a pretendida acção porque o município de Vila Viçosa lho não solicitou. A Inspecção-Geral de Administração do Território expôs então a V. Ex., o entendimento de que, se os órgãos das autarquias locais não promoverem as acções destinadas a fazer valer os seus direitos, deverá fazê-lo o Ministério Público, ao abrigo do estatuído nos artigos 221º da Constituição da República Portuguesa, 1º da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro e 368º do Código Administrativo, no exercício de "acção supletiva" própria, afirmando, a título de fundamentação que se sintetiza, o seguinte: - O Ministério Público prossegue a defesa da legalidade democrática e a realização do interesse público; - Os titulares dos órgãos das autarquias locais não podem dispor ilegalmente do património destas; - A intervenção do Ministério Público no interesse das autarquias não se esgota na representação„o voluntário através do patrocínio judiciário; - O entendimento contrário ‚ susceptível de implicar a irresponsabilidade dos titulares dos órgãos,os das autarquias pelos danos por eles causados no património destas. V. Ex. acolheu a sugestão da Inspecção-Geral da Administração do Território no sentido da elaboração de parecer sobre a questão suscitada e cumpre emiti-lo. II A obrigação cujo incumprimento a Inspecção-Geral de Administração do Território imputa a Pande - Sociedade de Construção„o, SA decorre de um contrato administrativo de empreitada de obras públicas, cujo conhecimento compete ao tribunal administrativo de círculo (artigos 9º, nºs 1 e 2 e 51º, nº 1, g) do Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril). O objecto do parecer pretendido pela entidade exponente circunscreve-se … questão de saber se o Ministério Público tem ou não legitimidade e competência para propor ou seguir acções que tenham por fim fazer valer direitos das autarquias locais no caso de os seus órgãos representativos não promoverem, por si, as próprias acções, designadamente quando sejam os próprios titulares desses órgãosos autores desses factos danosos. A questão que nos ‚ posta extravasa, pois, em relação a problemática da competência de accionamento pelo Ministério Público que a mencionada hipótese de incumprimento comporta. Não está em causa o poder-dever do Ministério Público quanto ao exercício da Acção penal por factos penalmente ilícitos e culposos "lato sensu" praticados contra o património das autarquias locais pelos titulares dos respectivos órgãos ou por outrem, nem relativamente … interposição de recurso de decisão judicial no âmbito do contencioso administrativo ou fora dele. A questão apreciada, pois, a de saber se o Ministério Público ‚ ou não titular de um direito de "Acção supletiva" para fazer valer em juízo cível, "lato sensu", os direitos subjectivos das autarquias locais lesados pelos titulares dos respectivos órgãos ou por outrem. Tal problemática demarca-se, pois, daqueloutra relativa à natureza, pressupostos e âmbito de representação das autarquias locais em juízo pelo Ministério Público, que por mais de uma vez foi objecto de apreciação por este corpo consultivo (1. Mas a natureza próxima de ambas as referidas questões sugere a conveniência de que à última se fala, no limite do necessário, uma ou outra referencia. III 1. A resposta à questão enunciada tem forçosamente de ser encontrada à luz das normas legais relativas à competência de accionamento em juízo pelo Ministério Público. A vigente Constituição da República Portuguesa estabelece sobre o nº 1 do artigo 221º: "Ao Ministério Público compete representar o Estado, exercer a Acção penal, defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar" (2. A Lei Orgânica do Ministério Público (nº 47/86, de 15 de Outubro) prescreve, por seu turno, no artigo 1º, de harmonia com o referido normativo constitucional: "O Ministério Público ‚ o órgão do Estado encarregado de, nos termos do presente diploma, representar o Estado, exercer a Acção penal e defender a legalidade democrática e os interesses postos por lei a seu cargo" (3(4. O Ministério Público é, pois, um órgão do Estado. O conceito "Estado" é susceptível de significar, além do mais, a comunidade de cidadãos politicamente organizada ou a pessoa colectiva pública que, no seio daquela comunidade e sob a ‚égide do Governo, desenvolve a actividade administrativa (5. A expressão "Estado" prevista nos artigos 221º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa e 1º da Lei nº 47/86 ‚ utilizada no sentido indicado em segundo lugar, isto no de Estado-Administração (6. Tal expressão abrange as autarquias locais. O Ministério Público representa organicamente em juízo o Estado-Administração, mas não representa, a esse título, as autarquias, que são representadas por quem a lei designar (artigos 20º, nº 1 e 22º, nº 1 do Código de Processo Civil). As autarquias locais (freguesia, município e região administrativa) são pessoas colectivas territoriais, dotadas de órgãos representativos, património e finanças próprios, que visam a prossecução dos interesses das respectivas populares (artigos 237º, nº 2, 238º, nºs 1 e 2, 240º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa) (7. A concretização das funções do Ministério Público, genericamente delineadas no referido artigo 1º da Lei nº 47/86, consta do seu artigo 3º, nos termos seguintes: "1- Compete especialmente ao Ministério Público: a) Representar o Estado, as regiões autónomas, as autarquias locais, os incapazes, os incertos e os ausentes em parte incerta, nos termos do artigo 5º; b) Exercer a Acção penal; c) Exercer o patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias na defesa dos seus direitos de carácter social; d) Defender a independência dos tribunais, na área das suas atribuições, e velar para que a função jurisdicional se exerça em conformidade com a Constituição e as leis; e) Promover a execução das decisões dos tribunais para que tenha legitimidade; f) Dirigir a investigação criminal, ainda quando realizada por outras entidades; g) Promover e coordenar acções de prevenção da criminalidade; h) Fiscalizar a constitucionalidade dos actos normativos; i) Intervir nos processos de falência e de insolvência e em todos os que envolvam interesse publico; j) Exercer funções consultivas, nos termos da lei; l) Fiscalizar os órgãos de polícia criminal; m) Fiscalizar o serviço dos funcionários de justiça; n) Recorrer sempre que a decisão seja efeito de conluio das partes no sentido de fraudar a lei ou tenha sido proferida com violação de lei expressa; o) Exercer as demais funções conferidas por lei. 2- A competência referida na alínea d) do número anterior inclui a obrigatoriedade de recurso para o Tribunal Constitucional nos casos e termos da Lei Orgânica deste Tribunal". 2. O artigo 3º, nº 1, a) da Lei nº 47/86 ‚ complementado, no que concerne, além do mais, ao regime de intervenção do Ministério Público em representação das autarquias locais, pelo artigo 5º daquela Lei que, sob a epígrafe, "intervenção principal e acessória", estabelece: "1- O Ministério Público tem intervenção principal nos processos: b) Quando representa as autarquias locais; f) Nos demais casos em que a lei lhe atribui competência para intervir nessa qualidade. 2- Em caso de representação de autarquia local a intervenção principal cessa quando for constituído mandatário próprio. 3- ............................................... 4- O Ministério Público intervem nos processos acessoriamente: a) Quando, não se verificando nenhum dos casos do nº 1, sejam interessados na causa ... as autarquias locais ...;" O artigo 368º do Código Administrativo estatui, por seu turno, quanto ao que releva para este parecer, o seguinte: "O Ministério Público junto dos tribunais judiciais ‚ competente para propor ou seguir, como parte principal, as acções que tenham por fim: 1 - Fazer valer quaisquer direitos dos corpos administrativos" (8. Os transcritos artigos 5º, nº 1, b) da Lei nº 47/86 e 368º, nº 1 do Código Administrativo prescrevem assim, além do mais, que "o Ministério Público tem intervenção principal quando ... representa as autarquias locais", "e propõe ou segue as acções como parte principal", respectivamente. Ao conceito de parte principal contrapõe-se o de parte acessória. "Parte principal ‚ aquele que pede em seu próprio nome a actuação de uma vontade de lei e aquele frente ao qual ela ‚ pedida" (9. "Partes acessórias os portadores de certos interesses conexos com os interesses em causa e que a lei admite a impulsionarem o processo numa posição subordinada à das partes principais" (10. O Ministério Público não é, em regra, "parte processual". Ele exerce, ao intervir em juízo nos termos do artigo 5º, nºs 1 e 4º, da Lei nº 47/86 ali a função de representação aqui a de fiscalização e assistência, no primeiro caso como parte principal e no segundo como parte acessória (11. 3. A representação orgânica das pessoas colectivas em juízo ‚ realidade diversa da mera representação judicial a título de patrocínio, isto é, de assistência por profissionais do foro (advogados, advogados estagiários, solicitadores) na condução e orientação técnico-juridica do processo, com vista à pratica corrente dos diversos actos processuais a que se reportam os artigos 32º e seguintes do Código de Processo Civil (12. O "conjunto de poderes funcionais que a lei confere aos órgão de pessoa colectiva pública com vista à prossecução das atribuições desta" ‚ o que ‚ designado por competência (13. Compete à junta de freguesia e à câmara municipal "instaurar pleitos e defender-se neles, desistir ou transigir ..."(artigos 27º, nº 1, e) e 51º, nº 1, f), da Lei nº 100/84, de 29 de Março, alterada pela Lei nº 25/85, de 12 de Agosto). A referida competência da câmara municipal considera-se tacitamente delegada no respectivo presidente (artigo 52º, nº 1, da Lei nº 100/84). A representação orgânica em juízo da freguesia e do município cabe ao presidente respectivo (artigos 28º, nº 1 e 53º, a), da lei nº 100/84). A intervenção do Ministério Público em juízo a título principal, nos termos dos artigos 3º, nº 1 a) e 5º, nº 1, b) da Lei nº 47/86, em representação das autarquias locais, de que não é órgão, consubstancia-se forçosamente no mero patrocínio judiciário moldado embora … exigência própria do respectivo estatuto de defensor da legalidade e do interesse publico. 4. "Elemento fundamental do conceito de autarquia ‚ a existência de vontade própria que livremente se determina" e que se traduz "no livre desenvolvimento de actividade dentro da esfera de Acção determinada por lei" (14. As autarquias locais gozam, com efeito, de autonomia administrativa ("capacidade de praticar actos unilaterais de autoridade pública definitivos e potencialmente executórios") e financeira ("capacidade de organizar livremente o orçamento anual e de aplicar as receitas cobradas à realização das despesas decididas por autoridade própria) que podem exercer em plena liberdade de decisão e com exclusão de qualquer dever de obediência às ordens ou instruções de quem quer que seja, incluindo as do Governo" sem prejuízo embora do controlo deste com vista à garantia do respeito pela legalidade (artigos 239º, 240º, nº 1, 243º, nºs 1 e 3 da Constituição da República, 15º, nº 1 e), i), 27º, nº 1, a), 39º, nºs 1 h) e 2 b), 51º, nº 1, h) da Lei nº 100/84, de 29 de Março e 1º, nºs 1 e 3, da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro, e 2º da Lei nº 87/89, de 9 de Setembro) (15. As autarquias locais gozam, pois, de autonomia dispositiva - "disciplina dos interesses próprios em relação aos interesses dos outros (autonomia dispositiva de relação)" (16. O referido principio de autonomia que envolve o funcionamento das autarquias locais, constitucionalmente consagrado, actuado pelas Leis das Finanças Locais e das Autarquias Locais - nºs 100/84, de 29 de Março, e 1/87, de 6 de Janeiro-, não se coaduna, em regra, com a intervenção do Ministério Público na posição de titular de Acção judicial destinada a fazer valer, à revelia dos órgão das autarquias, os direitos subjectivos de natureza patrimonial daquelas (17. O conteúdo normativo do artigo 368º, nº 1 do Código Administrativo só era susceptível de ser entendido, face aos aludidos princípios da autonomia e descentralização administrativa derivados, além do mais, da Constituição da República Portuguesa, no sentido de o Ministério Público ser competente, se os órgãos autárquicos respectivos lhe solicitassem, (mandato impróprio) para operar a representação (assistência técnico-juridica) das autarquias locais com vista a fazer valer os respectivos direitos (18. O artigo 368º, nº 1 do Código Administrativo não prevê, pois, uma "Acção supletiva" em relação aos órgãos próprios das autarquias locais, da titularidade do Ministério Público (19. 5. O entendimento adverso do sentido do referido conteúdo normativo suscita a questão de saber se ele terá ou não , face ao estatuído no artigo 3º nº 1, b), da Lei nº 47/86, que estabelece, de um modo geral, sobre a competência do Ministério Público no âmbito da representação em juízo (representação /patrocínio) das autarquias locais, sido objecto de revogação. A competência do Ministério Público relativamente à representação /patrocínio em juízo das autarquias locais foi admitida, pelo menos até‚ ao início da vigência da Lei nº 47/86, cujo artigo 3º, nº 1, b), a prevê expressamente, com base nos artigos 368º, nº 1, do Código Administrativo, 184º nº 1, l), 185º, nº 1, f) do Estatuto Judiciário rio, 5º, nº 1, b) e g) da Lei nº 39/78 (20. Mas, importa considerar que "se uma nova lei regula todo um instituto jurídico ..., os preceitos da lei anterior ficam revogados sem necessidade de demonstração de incompatibilidade de cada um deles com a nova lei" (21. O normativo do artigo 368º, nº 1, do Código Administrativo integrava-se, apesar da respectiva dispersão ou extravagancia, no estatuto do Ministério Público. A Lei nº 47/86 regulou, de novo, o estatuto do Ministério Público em termos de abrangência da situação prevista no referido artigo 368º, nº 1 do Código Administrativo. Deve, por isso, entender-se que esta última disposição legal foi objecto de revogação global ou por substituição pela Lei nº 47/86 (artigo 7º nº 2 do Código Civil). Urge agora determinar se o segmento normativo da parte final dos artigos 221º, nº 1, da Constituição e 1º da Lei Orgânica do Ministério Público, relativo à "defesa da legalidade democrática e aos interesses postos por lei a seu cargo" comporta ou não a referida "Acção supletiva" do Ministério Público. Qual ‚ o significado do conceito "legalidade democrática"? Cotejando o texto constitucional constatam-se, para além do disposto no artigo 221º, nº 1, as seguintes referencias àquele conceito: "Artigo 3º ................................................. 2. O Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade democrática. 3. A validade das leis e dos demais actos do Estado, das regiões autónomas e do poder local depende da sua conformidade com a Constituição ". "Artigo 9º São tarefas fundamentais do Estado .................................................. b) Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático". "Artigo 202º Compete ao Governo, no exercício das funções administrativas. ................................................. f) Defender a legalidade democrática; "Artigo 205º ................................................. 2. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação de legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados". "Artigo 272º 1. A polícia tem por função defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos". A relativa vaguidade do mencionado conceito gera natural dificuldade de determinação da sua compreensão. Vários autores têm manifestado a sua opinião a tal propósito. Vejamos em que termos. "A legalidade em que se vai fundar a actividade do Estado tem de ser democrática. Não se introduz ... apenas uma indicação relativa ao mecanismo de elaboração da lei, mas uma exigência relativa ao próprio conteúdo da lei. Introduz-se, obviamente, na legalidade produzida pelos detentores do poder um decisivo elemento crítico com vista a neutralizar o absolutismo da lei" (22. "A República Portuguesa ‚ um Estado submetido à Constituição e que se funda na legalidade democrática. Daqui decorre o princípio da conformidade de todos os actos do poder político com a Constituição sem o que não são válidos. A legalidade democrática e, assim, antes de mais, constitucionalidade" (23. "A legalidade democrática é aquela que delimita a actuação dos órgãos de um Estado cujo povo ‚ o titular da soberania e a exerce segundo regras jurídicas, por forma organizada que inclui o concurso de partidos políticos e o respeito dos princípios de democracia política" (24. "Os actos normativos emanados dos órgãos com competência legislativa têm de adequar-se aos preceitos e princípios constitucionais, isto têm de observar uma conformidade intrínseca com a Constituição, sob pena de inconstitucionalidade" (25. "O poder de agir em defesa da legalidade democrática exerce-o o Ministério Público no campo reservado do órgão de soberania Tribunal" (26. A matriz da legalidade democrática é o texto constitucional elaborado com base na vontade popular, que define a República Portuguesa como Estado "baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democrática e no respeito e garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais" (artigos 1º e 2º da Constituição da República Portuguesa). A legalidade democrática consubstancia-se, "grosso modo", no quadro normativo integrado pela lei constitucional e pelos outros actos normativos que com aquela materialmente se conformem, e desenvolve-se numa prática ou actuação permanente vinculante não só de todos os órgãos e agentes do Estado como também dos cidadãos individualmente considerados. É pois indubitável que o Ministério Público deve pautar a Acção que desenvolve com respeito pela legalidade democrática. Mas isso não significa que lhe assista, em regra, legitimidade/competência para intervir judicialmente como parte principal sempre que se lhe afigure a violação daquela legalidade. O accionamento pelo Ministério Público em defesa da legalidade democrática ou do interesse publico depende, com efeito, da existência de quadro legal que o "determine e dimensione" (27. A defesa pelo Ministério Público da legalidade democrática consubstancia-se, de harmonia com o estatuído nos artigos 3º, nº 1, d), h) e n) e 2, e 5º da Lei nº 47/86, 70º e 72º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na verificação sobre se a função jurisdicional ‚ ou não exercida de acordo com a Constituição e a lei ordinária, recorrendo da decisão judicial violadora de lei expressa e na fiscalização da constitucionalidade dos actos normativos, suscitando a intervenção do Tribunal Constitucional (28. A intervenção processual do Ministério Público em juízo circunscreve-se aos casos previstos no artigo 5º da Lei nº 47/86, que não contempla a "Acção supletiva" em apreço baseada na violação da legalidade democrática ou na obrigação de defesa de outro interesse público. A "Acção supletiva" do Ministério Público delineada pela Inspecção-Geral da Administração do Território à luz dos princípios da defesa da legalidade democrática e do interesse público não está, pois, legalmente consagrada. 6. A inexistência da referida "Acção supletiva" do Ministério Público afectará irremediavelmente a possibilidade de as autarquias locais fazerem valer em juízo os seus direitos subjectivos violados por terceiros ou pelos titulares dos respectivos órgão no caso de estes a tal não diligenciarem? Importa considerar a este propósito a Acção popular supletiva, a perda do mandato dos titulares dos órgão autárquicos, a dissolução de tais órgão e a fiscalização da execução orçamental autárquica pelo Tribunal de Contas. Vejamos, de "per se", cada uma das referidas situações. O artigo 369º do Código Administrativo, no próximio e parágrafo 1º, permite que "Qualquer contribuinte, no gozo dos seus direitos civis e políticos", intente em nome e no interesse das autarquias locais em que tiver domicílio há mais de dois anos", quando elas não hajam proposto em três meses posteriores à entrega de exposição sobre o direito a fazer valer e dos meios probatórios disponíveis, "as acções judiciais necessárias para manter, reaver bens ou direitos do corpo administrativo que hajam sido usurpados ou de qualquer modos lesados". Ao Governo, pelos Ministros das Finanças e do Planeamento e da Administração do Território, através de serviços inspectivos, por meio de inquérito e sindicância, compete fiscalizar a organização e funcionamento dos órgão das autarquias locais - tutela inspectiva (artigos 243º da Constituição da República Portuguesa, 1º, 2º, 3º, 5º e 6º da Lei nº 87/89, de 9 de Setembro). A prática de ilegalidades no âmbito da gestão autárquica ‚ susceptível de determinar, conforme os casos, a perda de mandato de titulares dos órgãos autárquicos individualmente considerados, até‚ mesmo por acção do Ministério Público, ou a dissolução dos próprios órgão, e a nomeação de uma comissão administrativa (artigos 8º, 9º, 10º, 11º, 13º da Lei nº 87/89). A referida situação de perda de mandato ou de dissolução dos órgão autárquicos ‚ susceptível de impulsionar, por iniciativa dos novos titulares dos órgão autárquicos ou dos membros de comissão administrativa autárquica, a dinâmica de accionamento em juízo, anteriormente postergada, com vista à salvaguarda dos direitos subjectivos das autarquias lesadas. O Tribunal de Contas julga as contas das autarquias locais que movimentem anualmente importâncias globais superiores a 250 vezes o salário mínimo nacional dos trabalhadores de indústria (artigos 34º, 35º e 40º do Decreto-Lei nº 341/83, de 21 de Julho, e 25º, nºs 2 e 3, da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro). Os titulares dos órgão autárquicos que hajam utilizado indevidamente as dotações orçamentais podem vir a ser condenados pelo Tribunal de Contas a restituir às autarquias os valores indevidamente despendidos (artigos 40º, 41º e 42º, nº 1, do Decreto-Lei nº 341/83). O Ministério Público tem legitimidade, ao abrigo do estatuído nos artigos 1º "in fine", 3º, nº 1, e) e o) da Lei nº 47/86 e 42º, nº 2, do Decreto-Lei nº 341/83, para instaurar a acção executiva (não "supletiva") a fim de fazer entrar nos cofres das autarquias locais as referidas quantias pelas quais os titulares dos seus órgão ou agentes hajam sido responsabilizados pelo Tribunal de Contas. Os mencionados instrumentos processuais permitem a conclusão de que a inexistência da "acção supletiva" pretendida pela entidade exponente na titularidade do Ministério Público não afecta irremediavelmente a possibilidade de as autarquias locais fazerem valer em juízo os direitos subjectivos violados pelos titulares dos respectivos órgão ou por outrem. Conclusão: IV Em face do exposto formulam-se as seguintes conclusões: 1ª- A prossecução pelo Ministério Público em juízo do interesse das autarquias locais depende de lei que lhe atribua tal competência; 2ª- Ao Ministério Público compete, em regra, sob solicitação dos órgãos próprios das autarquias locais, representar (assistência técnico-jurídica) estas em juízo; 3ª- O Ministério Público é, porém, titular da acção executiva contra os titulares dos órgãos das autarquias locais a que se reporta o artigo 42º, nº 2, do Decreto-Lei nº 341/83, de 21 de Julho; 4ª- O accionamento judicial pelo Ministério Público em defesa da legalidade democrática ou do interesse público depende da existência de lei que defina e concretize aquele poder-dever processual; 5ª- O Ministério Público não ‚ titular de "acção supletiva" destinada a fazer valer em juízo os direitos subjectivos das autarquias locais lesados seja pelos titulares dos próprios órgãos seja por outrem. _____________________________________________ (1 Parecer nº 169/80, de 12 de Fevereiro de 1981, publicado no Boletim do Ministério da Justiça nº 308, p g. 46. (2 As Leis Constitucionais nºs 1/82, de 30 de Setembro e 1/89, de 8 de Julho, que alteraram a Constituição da República Portuguesa de 1976, não afectaram o normativo mencionado que constava, anteriormente à referida Lei nº 1/89, do artigo 224º, nº 1. (3 O texto do artigo 91º, nº 1, da Lei Orgânica dos Tribunais (nº 38/87, de 23 de Dezembro) não diverge significativamente do transcrito. Apenas nele ocorre a omissão da expressão "nos termos do presente diploma" e a inserção, com o mesmo posicionamento textual, de "nos tribunais". (4 O artigo 69º, nº 1 do Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), estatui: "Compete ao Ministério Público defender a legalidade e promover a realização do interesse publico". (5 FREITAS DO AMARAL, "Lições de Direito Administrativo", 1983/84, p g. 18 e C. LAVAGNA, "Instituzioni di Diritto Publico", IV edizione, 1979, p g. 60). (6 Cfr. BESSA PACHECO e SIMAS SANTOS, "Representação do Estado pelo Ministério Público", "Revista do Ministério Público, ano 1, volume 2º. (7 A região administrativa ainda não foi, concretamente, instituída. Até lá subsistirá, a divisão distrital (artigo 291º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa). (8 Corpos administrativos são órgãos da pessoa colectiva de direito público. A lei actual é, ao expressar a freguesia, o município e a região administrativa através do conceito de autarquia local, mais rigorosa e precisa. (9 CHIOVENDA, "Institutiones de Derecho Procesal Civil", tradução em língua espanhola, vol. II, pág. 264. (10 MANUEL DE ANDRADE, "Lições de Processo Civil", pág. 366. (11 Parecer da Procuradoria-Geral da República nº 224/79, de 24 de Abril de 1980, publicado no Diário da República, II Série, de 10 de Outubro de 1980. (12 CASTRO MENDES, "Lições de Direito Processual Civil ao 4º ano de 1969/70", edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1970, vol. II, p g. 87. (13 FREITAS DO AMARAL, obra citada, vol. II, pág. 28. (14 ANTÓNIO PEDROSA PIRES DE LIMA, "Dicionário Jurídico da Administração Pública", pág. 597. (15 FREITAS DO AMARAL, obra citada, vol. I, pág. 612. (16 MÁRIO EMÍLIO BIGOTE CHORO, "Dicionário" citado, pág. 608. (17 Leis nºs 79/77, de 25 de Outubro, e 1/79 de 2 de Janeiro, que actuaram o primitivo texto constitucional quanto ao estatuto das autarquias e das finanças locais, sucederam as referidas Leis nºs 100/84 e 1/87, respectivamente. (18 Cfr., neste sentido, o Parecer deste órgão consultivo nº 169/80, de 12 de Fevereiro de 1981, homologado por despacho do Ministro da Administração Interna de 6 de Março de 1981, publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Agosto de 1981. (19 Cfr., em sentido contrário, JOSÉ PAIXÃO, JORGE SEIA e CARLOS CADILHA, "Código Administrativo Anotado", 3ª edição, pág. 181. (20 Parecer da Procuradoria-Geral da República nº 169/80, de 14 de Maio de 1981, publicado no Diário da República, II Serie, de 18 de Agosto de 1981. A Lei Orgânica do Ministério Público nº 39/78, de 5 de Julho não previa expressamente, mesmo no domínio da alteração ao seu artigo 5º pelo Decreto-Lei nº 264-C/81, de 3 de Setembro, (rectificado no Diário da República, I Serie, nº 237, de 15 de Outubro de 1981, a representaçãopelo Ministério Público das autarquias locais. (21 OLIVEIRA ASCENSÃO, "Introdução ao Estudo do Direito", págs. 259 a 261. (22 Discurso de um deputado à Assembleia Constituinte, Diário da Assembleia Constituinte, nº 29, de 9 de Agosto de 1975, págs. 737 e seguintes. (23 JORGE MIRANDA, "Direito Constitucional", pág. 259. (24 SÉRVULO CORREIA, "Estudos sobre a Constituição ", 3º vol., pág. 669. (25 GOMES CANOTILHO, "Direito Constitucional", pág. 259. (26 DIMAS DE LACERDA, Comunicação ao I Congresso Nacional do Ministério Público sobre "O Ministério Público no Contencioso da AdministraçãoCentral", o Ministério Público Numa Sociedade Democrática - Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, pág. 151. (27 Acordão do Tribunal Constitucional de 17 de Outubro de 1985, publicado no Diário da República, II Serie, de 10 de Janeiro de 1986. (28 Neste sentido, o Parecer deste corpo consultivo nº 8/79, de 17 de Maio de 1979, não publicado. |