Parecer do Conselho Consultivo da PGR |
| Nº Convencional: | PGRP00000411 |
| Parecer: | P000541991 |
| Nº do Documento: | PPA19911205005400 |
| Descritores: | SERVIÇOS MUNICIPALIZADOS FUNCIONARIO NOMEAÇÃO DELIBERAÇÃO NULIDADE INEXISTENCIA JURIDICA ANULABILIDADE CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO CAMARA MUNICIPAL HIERARQUIA PODER DE SUPERINTENDENCIA INTERESSE PUBLICO RECURSO HIERARQUICO DEFESA DA LEGALIDADE DEMOCRATICA RECURSO HIERARQUICO IMPROPRIO LEGITIMIDADE PROCESSUAL ACTO ADMINISTRATIVO RECURSO CONTENCIOSO MINISTERIO PUBLICO ACTO DEFINITIVO ACTO DEFINITIVO E EXECUTORIO |
| Livro: | 00 |
| Pedido: | 07/04/1991 |
| Data de Distribuição: | 07/11/1991 |
| Relator: | HENRIQUES GASPAR |
| Sessões: | 01 |
| Data da Votação: | 12/05/1991 |
| Tipo de Votação: | UNANIMIDADE |
| Sigla do Departamento 1: | PGR |
| Entidades do Departamento 1: | PROCURADOR-GERAL DA REPUBLICA |
| Privacidade: | [03] |
| Data do Jornal Oficial: | 000000 |
| Indicação 2: | ASSESSOR: MEIRIM |
| Área Temática: | DIR ADM * CONTENC ADM / DIR JUDIC * ORG COMP TRIB. |
| Ref. Pareceres: | P000901985 |
| Legislação: | CADM40 ART164 ART168 ART169 ART170 ART172 ART821.; LAL84 ART39 N2 G O ART51 N1 H O ART53 N2 A ART89 N3.; LFL87 ART4 N1 H ART12.; DL 247/87 DE 1987/06/17 ART63.; LPTA85 ART25 N1 ART28.; CONST76 ART268 N3.; ETAF84 ART26 N1 E F G H ART51 N1 A B C D.; DL 413/91 DE 1991/10/19.; RSTA57 ART46 N1. |
| Direito Comunitário: | |
| Direito Internacional: | |
| Direito Estrangeiro: | |
| Jurisprudência: | |
| Documentos Internacionais: | |
| Ref. Complementar: |
| Conclusões: | 1 - Os serviços municipalizados constituem serviços dos municipios estruturados segundo modelo empresarial, dotados de autonomia administrativa e financeira; 2 - Os serviços municipalizados são geridos por um conselho de administração, dotado de competencia propria, nos termos do artigo 170 do Codigo Administrativo, entre as quais as relativas ao recrutamento e gestão do respectivo pessoal; 3 - As deliberações do conselho de administração dos serviços municipalizados estão, nos termos do artigo 172 do Codigo Administrativo, sujeitas a recurso hierarquico, qualificavel como recurso hierarquico improprio, a interpor para o executivo do municipio, sem prejuizo do recurso contencioso que haja lugar da deliberação deste; 4 - As deliberações do conselho de administração dos serviços municipalizados sujeitas a recurso hierarquico improprio, embora tomadas no exercicio de competencias exclusivas previstas no artigo 170 do Codigo Administrativo, não constituem actos definitivos; 5 - O conselho de administração dos serviços muncipalizados não constitui, segundo a enumeração do artigo 51 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, um dos orgãos de cujos actos cabe recurso contencioso directo; 6 - Consequentemente, a abertura da via contenciosa relativamente a deliberação do conselho de administração dos serviços municipalizados, pressupõe a utilização previa do meio impugnatorio previsto no artigo 172 do Codigo Administrativo; 7 - O Ministerio Publico, no exercicio da função de verificação de legalidade objectiva, esta legitimado a intervir no recurso hierarquico necessario, na medida em que tal intervenção indispensavel a obtenção dos pressupostos exigidos (obtenção de acto definitivo) para a interposição de recurso contencioso de legalidade; 8 - O Ministerio Publico pode, assim, utilizar o meio previsto no artigo 172 do Codigo Administrativo, sem dependencia de prazo estando em causa deliberações nulas, sempre que não haja qualquer particular interessado na declaração de nulidade, ou quando um eventual interessado não actue pelo modo proprio. |
| Texto Integral: | SENHOR CONSELHEIRO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, EXCELÊNCIA: I 1. O Inspector-Geral da Administração do Território submeteu à apreciação de Vossa Excelência algumas implicações consequentes à posição de Magistrados do Ministério Público junto de Tribunais Administrativos de Círculo, em que sustentam a impossibilidade de impugnar contenciosamente nomeações de funcionários do quadro próprio dos Serviços Municipalizados, feridas de vícios geradores da sua nulidade ou inexistência jurídica. No exercício da tutela de inspecção que lhe compete executar sobre os órgãos representativos das autarquias locais e respectivos serviços, a Inspecção-Geral (1 tem detectado variadas situações de nomeação irregular de funcionários dos quadros dos Serviços Municipalizados, feridas de vícios geradores, por lei, de nulidade, ou até de inexistência jurídica, que têm vindo a produzir efeitos próprios de nomeações validamente feitas. Tais situações têm sido participadas ao Ministério Público junto dos Tribunais Administrativos de Círculo "a fim de serem interpostos os competentes recursos com vista à declaração de sua nulidade ou inexistência jurídica" (2 . 2. Alguns magistrados do Ministério Público (3 , porém, não têm interposto os referidos recursos, com fundamento em que os actos de nomeação, objecto de deliberação do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados, embora feridos de nulidade ou inexistência jurídica, não são verticalmente definitivos, havendo sempre recurso hierárquico para a respectiva Câmara, nos termos do artigo 172º do Código Administrativo. Não sendo, ou não tendo sido, interposto este recurso hierárquico, a utilização da via contenciosa, na opinião dos referidos magistrados, não é possível mesmo através do Ministério Público. 3. Tendo Vossa Excelência determinado a distribuição do assunto pelo Conselho Consultivo, cumpre emitir parecer. II 1. O Código Administrativo (artigo 164º) prevê que os municípios explorem, sob forma industrial e por sua conta de risco, determinados serviços públicos de interesse local que tenham por objecto uma série de actividades enumeradas na lei (4 . Estes serviços municipais, designados "serviços municipalizados", são aqueles a que a lei permite conferir organização autónoma adentro da administração municipal e cuja gestão é entregue a um conselho de administração privativo" (5 . A municipalização de tais serviços é da competência da assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal - artigo 39º, nº 2, alínea g), do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março. Os serviços municipalizados dispõem, nos termos da lei, de organização autónoma dentro da administração municipal (artigo 168º do Código Administrativo), traduzida em autonomia administrativa e financeira (6 . A gestão dos serviços municipalizados compete a um conselho de administração próprio (artigo 169º e 170º do Código Administrativo), nomeado pela câmara municipal, e composto por um número de membros cuja determinação é da competência da assembleia municipal - artigos 51º, nº 1, alínea o) e 39º, nº 2, alínea o) do Decreto-Lei nº 100/84. Os serviços municipalizados são dotados, igualmente, de um quadro próprio de pessoal, diverso do quadro de pessoal que integra os serviços municipais em sentido restrito (7 , cuja nomeação é da competência do respectivo conselho de administração. A autonomia financeira traduz-se na disponibilidade orçamental própria: os serviços municipalizados têm orçamento privativo, que será anexado ao orçamento municipal, inscrevendo-se neste os totais das suas receitas e despesas, sendo preparado e apresentado ao presidente da Câmara pelo conselho de administração - artigos 174º e 170º, nº 5 do Código Administrativo. Releva também, como índice de autonomia financeira, o poder de cobrar tarifas pela prestação de serviços ao público no âmbito da respectiva actividade. As tarifas, fixadas pela câmara municipal, não devem ser inferiores aos respectivos encargos provisionais de exploração e administração, acrescidas do montante necessário à reintegração do equipamento, sob pena de se inscrever obrigatoriamente como despesa o montante correspondente à indemnização compensatória - artigo 51º, nº 1, alínea h), do Decreto-Lei nº 100/84 (na redacção dada pela Lei nº 18/91, de 12 de Junho) e artigos 4º, nº 1, alínea h) e 12º da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro (8 . Os lucros líquidos de exploração dos serviços municipalizados pertencem ao município, que, por sua vez, deve cobrir as perdas que porventura resultem da exploração - artigo 174º, § 3º do Código Administrativo. 2. Face aos elementos referidos, considerando a organização, as finalidades, o regime de exploração, os serviços municipalizados devem ser qualificados como organizações do tipo empresarial, com estruturação autónoma dentro da administração municipal, sem disporem, todavia, de personalidade jurídica. A organização de tipo empresarial assimila os serviços municipalizados a verdadeiras empresas públicas municipais. Todavia, sem personalidade jurídica, integradas na pessoa colectiva 'município'. Não são, pois, considerados pela lei como empresas públicas, aplicando-se-lhes o regime próprio da administração municipal no que se refere ao pessoal, e estão sujeitos ao poder de superintendência do presidente da câmara - artigo 53º, nº 2, alínea a) do Decreto-Lei nº 100/84 (na redacção da Lei nº 18/91, de 12 de Junho). Tanto que, externamente, os serviços municipalizados são representados pelo presidente da câmara (9 . 3. O conselho de administração dos serviços municipalizados tem as competências fixadas no artigo 170º do Código Administrativo (10 . Nos termos do artigo 172º do Código Administrativo, das deliberações do conselho de administração dos serviços municipalizados há sempre recurso hierárquico para a respectiva câmara, sem prejuízo do recurso contencioso que da deliberação desta se possa interpor nos termos ordinários. Esta disciplina estabelece o quadro das relações entre o conselho de administração dos serviços municipalizados e o órgão executivo municipal no domínio da apreciação (rectius, da reapreciação) das deliberações daquele órgão. Traça, por esta via, a natureza das relações entre uns e outros, dentro do quadro de autonomia que aqueles serviços, como serviços autónomos, gozam dentro da administração municipal. A organização autónoma dos serviços municipalizados, resultante da própria lei e exigida pela natureza específica do objecto da respectiva actividade, cuja prossecução supõe uma estrutura empresarial, exclui uma relação de hierarquia, com modelo de organização administrativa, entre o município, ou o órgão executivo municipal e aqueles serviços autónomos. Uma das manifestações de autonomia consiste na existência de competência exclusiva para a prática de determinados actos. Nesta medida, o conselho de administração goza de competência exclusiva para a prática dos actos enumerados no âmbito de delimitação legal das suas competências fixada no referido artigo 170º do Código Administrativo (11 Relativamente às matérias contidas na enumeração legal, nenhum outro órgão dentro da organização municipal detém cumulativamente, competência para os praticar. Deste modo, os serviços municipalizados, através do seu órgão de gestão, não se integrando numa relação de hierarquia, estão, todavia, sujeitos à reapreciação dos actos que pratiquem, através do que a lei designa de recurso hierárquico (12 pelo órgão executivo municipal. Estão, pois, sujeitos ao poder de superintendência do executivo municipal. Entre as várias competências definidas para o conselho de administração dos serviços municipalizados, inclui-se a de contratar, assalariar, punir e dispensar do serviço o respectivo pessoal - artigo 170º, nº 3 do Código Administrativo (13 . Deste modo, integrando a autonomia administrativa dos serviços municipalizados, toda a gestão do respectivo pessoal, como o exercício do poder disciplinar, pertence ao respectivo conselho de administração . III 1. As deliberações do conselho de administração dos serviços municipalizados, sujeitas a impugnação através de recurso hierárquico directamente previsto na lei, constituem actos administrativos não definitivos. O acto administrativo define-se na doutrina como o acto jurídico unilateral praticado por um órgão da Administração, no exercício do poder administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto (14 . Os referidos actos relativos às nomeações, contratações (e, em geral, à gestão do pessoal) emanam de um um órgão de um serviço autónomo do município, são praticados no exercício dos respectivos poderes e competências, e visam a produção de efeitos jurídicos relativamente à situação funcional ou laboral dos indivíduos (particulares) a que respeitam. Assumem, além disso, a forma de deliberação, que são os actos administrativos que, contendo a solução e definição da situação jurídica em determinado caso, são praticados por órgãos colegiais (15 . Constituem actos administrativos e, como se disse, actos não definitivos. 2. O conceito de acto definitivo e executório é da maior importância no direito administrativo porque é nele que assenta a garantia de recurso contencioso. Com efeito, nos termos do artigo 268º, nº 3, da Constituição (e no artigo 25º, nº 1, da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais - Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho), é no acto administrativo definitivo e executório que assenta a garantia de recurso contencioso com fundamento em ilegalidade. O acto administrativo definitivo pode definir-se como aquele em que se manifestam três aspectos da definitividade: horizontal, vertical e material. A definitividade material (16 é a característica do acto administrativo que define situações jurídicas; o acto materialmente definitivo é o acto administrativo que, no exercício de poder administrativo, define a situação jurídica de um particular perante a Administração, ou desta perante aquele. A definitividade horizontal é a característica do acto administrativo que constitua a resolução final do procedimento administrativo; é a qualidade do acto que põe termo ao procedimento, a um incidente autónomo desse procedimento, ou ainda que exclui um interessado da continuação de um procedimento em curso. O acto verticalmente definitivo é aquele que é praticado por um órgão colocado de tal forma na hierarquia que a sua decisão constitui a última palavra da Administração activa; representa a resolução final da Administração no plano da hierarquia. A última palavra da Administração na resolução de determinada situação concreta é dada normalmente pelo superior hierárquico do órgão que praticou o acto e que pode confirmá-lo ou substituí-lo. Daí que o acto só seja verticalmente definitivo quando não esteja sujeito a recurso hierárquico necessário. A resposta à questão de saber se determinado acto é ou não verticalmente definitivo resulta da lei. Embora possam ser formuladas algumas regras gerais, é a lei que refere quais são os órgãos que têm capacidade para praticar actos verticalmente definitivos, isto é, actos que estão ou não sujeitos a recurso hierárquico necessário. Neste aspecto, são essencialmente relevantes as regras sobre a indicação - como pressuposto da competência dos tribunais administrativos - dos órgãos ou entidades cujos actos são susceptíveis de impugnação contenciosa. Com efeito, nos artigos 26º, nº 1, alíneas e) a h) e 51º, nº 1, alíneas a) a d) do Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - ETAF) enumeram-se uma série de órgãos cujos actos podem ser contenciosamente impugnados; algum acto praticado por um órgão da Administração, que não seja daqueles de cujos actos cabe recurso contencioso, não será, neste aspecto e para este efeito, verticalmente definitivo. Nestas hipóteses, a utilização de uma via impugnatória administrativa (o recurso hierárquico necessário, próprio ou impróprio) é imposta para a obtenção de um acto do qual se possa recorrer contenciosamente, isto é, para a abertura da via contenciosa. 3. Como se salientou, é da competência do conselho de administração dos Serviços Municipalizados a contratação, o assalariamento, o exercício do poder disciplinar e a dispensa do serviço do respectivo pessoal. Das deliberações do conselho de administração há sempre recurso hierárquico para a respectiva câmara municipal, sem prejuízo do recurso contencioso que da deliberação desta se possa interpor nos termos ordinários - artigo 172º do Código Administrativo. Significa isto, pois, como se referiu, que as deliberações do conselho de administração daqueles serviços autónomos dos municípios não constituem actos definitivos, pois não comungam da característica da tripla definitividade assinalada ao acto administrativo: não constituem a última palavra da Administração na definição da situação concreta. Na verdade, não só expressamente se prevê que de tais deliberações há sempre recurso hierárquico para a respectiva câmara, como apenas este órgão (e o presidente da câmara) - e não o conselho de administração dos serviços municipalizados - constitui, nos termos da enumeração categorial definitória das competências do contencioso administrativo, um órgão de cujos actos é admissível recurso contencioso de anulação - artigo 51º, nº 1, alínea c) do ETAF. 4. Consoante a natureza e gravidade do vício que o afecte, o acto administrativo pode ser nulo ou anulável. A nulidade constitui a forma mais grave de invalidade do acto administrativo. Ao regime jurídico da nulidade assinala a doutrina algumas características essenciais (17 . O acto nulo é totalmente ineficaz desde o início, não produzindo qualquer efeito; nenhuma relação jurídica se constitui, modifica ou extingue em virtude do acto nulo. Estando totalmente privado de eficácia, dele não resultam quaisquer poderes ou deveres. A nulidade é insanável, quer pelo decorrer do tempo, quer por ratificação, reforma, conversão ou aceitação; o acto nulo não pode transformar-se em acto válido. Um acto nulo pode ser impugnado a todo o tempo, sem dependência de qualquer prazo, tanto por via de acção - interposição de recurso contencioso perante o tribunal administrativo, como por via de excepção, como meio de defesa perante qualquer tribunal. O reconhecimento da existência de uma nulidade toma a forma de declaração de nulidade. Não se pode anular um acto nulo; se o acto está inquinado de vício que determine a nulidade, declara-se a nulidade do acto. Também qualquer autoridade administrativa pode a todo o tempo declarar a nulidade do acto. O regime da nulidade consta actualmente do artigo 88º do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março. Estabelece que a nulidade opera independentemente de declaração dos tribunais, sem dependência de prazo, por via de interposição de recurso contencioso ou de defesa em qualquer processo administrativo ou judicial. A gravidade dos vícios que determinam a nulidade transcende o puro interesse do particular que afecte e repercute-se sobre a ordem geral. Por isso que a nulidade possa ser declarada ex oficio pela própria Administração, ainda que a declaração não haja sido solicitada (18 . A anulabilidade, por seu lado, é decretada mediante sentença proferida em recurso contencioso, interposto por quem tiver interesse directo, pessoal e legítimo na anulação ou pelo Ministério Público - artigo 46º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, e nos prazos referidos no artigo 28º do Decreto-Lei nº 267/ /85, de 16 de Julho (LPTA). Decorrido o prazo sem que se tenha deduzido impugnação, fica sanado o vício - artigo 89º, nº 3, do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março (19 . IV 1. Os actos administrativos podem ser impugnados, com determinados fundamentos, perante autoridades da própria Administração. A impugnação dos actos administrativos perante autoridades da própria Administração, estruturalmente concebida como garantia dos particulares, efectiva-se através de vários modos (garantias impugnatórias, como modalidades de garantias graciosas), que FREITAS DO AMARAL (20 agrupa em quatro tipos principais: a reclamação, o recurso hierárquico, o recurso hierárquico impróprio e o recurso tutelar. Interessa particularmente considerar o recurso hierárquico (próprio e impróprio). O recurso hierárquico é "o meio de impugnação de um acto administrativo praticado por um órgão subalterno perante o respectivo superior hierárquico a fim de obter a revogação ou a substituição do acto recorrido (21 . Constitui um meio impugnatório constituído como garantia graciosa dos particulares, assente na hierarquia que funciona simultaneamente como sua condição, critério, fundamento e limite (22 . Na configuração normal este meio de impugnação graciosa apresenta uma estrutura tripartida: - o recorrente, que é, normalmente, o particular que interpõe o recurso, o recorrido, que é o órgão de cuja decisão se recorre, e a autoridade ad quem, que é o órgão superior da hierarquia para o qual se recorre. O recurso hierárquico tem por finalidade a reapreciação pelo órgão ad quem do acto administrativo impugnado para obter a revogação do acto e a sua substituição. 2. O recurso hierárquico pode classificar-se segundo várias espécies conforme a natureza do elemento de qualificação a que se atenda. Atendendo aos fundamentos, o recurso pode qualificar-se de legalidade, de mérito, ou misto. No recurso de legalidade, o fundamento invocado pelo recorrente consiste na ilegalidade do acto administrativo; no recurso de mérito, o interessado pode invocar a inconveniência do acto praticado, sendo o recurso misto quando se invoca simultaneamente a ilegalidade e a inconveniência do acto impugnado. Noutra classificação, o recurso hierárquico pode ser necessário ou facultativo. O recurso hierárquico necessário é aquele que é indispensável utilizar para se obter um acto do qual se pode recorrer contenciosamente. Como se referiu, os actos administrativos podem classificar-se como verticalmente definitivos quando praticados por entidades de cujos actos se pode recorrer directamente para o tribunal administrativo, e actos verticalmente não definitivos quando praticados por entidades de cujos actos não é admissível recurso contencioso directo. No caso de um acto praticado por um órgão subalterno (a menos que este detenha competência exclusiva) só o acto do superior hierárquico se apresenta susceptível de impugnação contenciosa. Por fim, importa atender a uma outra categoria de meios de impugnação graciosa, próxima da construção do recurso hierárquico: são chamados recursos hierárquicos impróprios. Esta espécie não constitui verdadeiramente uma categoria de recurso hierárquico propriamente dita, muito embora exista forte afinidade entre as duas categorias. Podem definir-se (23 como "os recursos administrativos mediante os quais se impugna um acto praticado por um órgão de certa pessoa colectiva pública perante outro órgão da mesma pessoa colectiva, que não sendo superior do primeiro exerça sobre ele poderes de supervisão". Característico desta figura é, assim, a previsão de impugnação administrativa (recurso administrativo) de um acto de um órgão de uma pessoa colectiva pública para outro órgão da mesma pessoa colectiva, sem que entre esses órgãos se configure uma relação de hierarquia. A lei prevê, em diversos domínios, semelhante modo de impugnação, de uma forma algo heterogénea, podendo, no entanto, afirmar-se um princípio geral a comandar as várias hipóteses de previsão. A figura do recurso hierárquico impróprio, de um modo geral, é a que se depara sempre que a lei permite o recurso gracioso dos actos de um órgão colegial para outro órgão administrativo (24 . Os recurso hierárquicos impróprios não constituem uma figura geral mas excepcional; só há recurso hierárquico impróprio quando a lei expressamente o prever (25 . 3. O recurso hierárquico (próprio ou impróprio) constitui, como se disse, um meio de impugnação graciosa de actos administrativos, e funciona como garantia de determinados interesses para cuja prossecução se encontra organizada. A indagação, consideração e determinação dos interesses cuja protecção visa este meio impugnatório, definirá a função do recurso hierárquico como predominantemente subjectiva ou predominantemente objectiva, consoante o relevo dos interesses que visa proteger: se os interesses dos particulares (direitos subjectivos e interesses legítimos dos particulares), se os interesses gerais (de legalidade, de correcção) da Administração. Na análise da função do recurso hierárquico trata-se, pois, de averiguar se constitui uma garantia da Administração, ou se é sobretudo uma garantia dos particulares. Sobre este aspecto não é unânime a doutrina. Alguns autores consideram este modo de impugnação como um meio de feição predominantemente subjectiva, um processo de interesse particular, que nasce da iniciativa de uma pessoa titular de direitos ou interesses diferentes da Administração e que pretende fazer valê-los em proveito próprio, cumprindo uma função garantística para os administrados; constituirá um plus e não um minus, como de facto sucederia se o particular pudesse ver diminuído o seu estatuto de recorrente (26 . Porém, outra doutrina assinala ao recurso hierárquico uma função mista predominantemente objectiva, mais de garantia da legalidade e dos interesses gerais da Administração do que da garantia dos direitos e interesses legítimos dos particulares (27 . A possibilidade de reformatio in pejus (a sorte do recorrente poder ficar agravada pela decisão que vier a ser proferida no recurso hierárquico), constitui o argumento decisivo para os defensores da tese da função predominantemente objectiva deste meio administrativo de impugnação (28 . Qualquer que seja, no entanto, o modo de entender as coisas - e a economia do parecer dispensa maior desenvolvimento e qualquer compromisso sobre a questão -, tanto uma como outras das posições da doutrina sobre a função do recurso hierárquico pressupõem a configuração do recurso administrativo desta espécie como uma figura processual de estrutura tripolar - o recorrente, a entidade recorrida e a autoridade ad quem, ao prever em que medida se devem conjugar os pressupostos processuais necessários - a legitimidade para o recorrente e a competência decisória quanto à entidade que deve decidir. 4. O problema da legitimidade na interposição do recurso hierárquico não apresenta no direito comparado solução unívoca (29 . Entre nós, nenhuma disposição genérica regulava a questão da legitimidade dos recorrentes no recurso hierárquico (30 . Admitia a doutrina (31 que seria de exigir o interesse no provimento do recurso e, consequentemente, que o recurso não poderia ser admitido não só na hipótese de falta de interesse originário, mas também na de aceitação, expressa ou tácita, do acto. O recurso hierárquico constitui no direito administrativo português um meio processual próprio, diverso de um simples direito de petição ou de denúncia (32 ; traduz o exercício de um direito que, em diverso da representação do caso, impõe e exige uma decisão (positiva ou negativa) da Administração. Como correspectivo de tal direito à decisão por parte do recorrente, tem de ser exigido o requisito do interesse como condição de legitimidade. Para recorrer hierarquicamente de um acto administrativo, o recorrente há-de, pois, ter interesse, ser titular de um interesse na anulação ou substituição de tal acto, isto é, no provimento do recurso, na satisfação da pretensão que se desencadeie como objecto do recurso. Há interesse (alguém é interessado) quando espera obter um benefício e se encontra em posição de o receber; interessado é aquele que espera e pode obter o benefício da revogação ou da reforma do acto (33 . No domínio da caracterização dos pressupostos processuais do recurso hierárquico, a legitimidade, aferida pelo interesse na revogação ou reforma do acto, não se configura, no que respeita aos particulares, de modo diverso no recurso administrativo e no recurso contencioso. O interesse que é condição da legitimidade do recorrente há-de, pois, ser um interesse directo, pessoal e legítimo - fórmula constante do artigo 46º, nº 1º do regulamento do STA. Segundo FREITAS DO AMARAL (34 , "o interesse diz-se directo quando o benefício resultante da anulação do acto recorrido tiver repercussão imediata no interessado", excluindo-se, pois, a existência de benefício mediato, eventual, ou meramente possível. "O interesse diz-se pessoal quando a repercussão da anulação do acto recorrido se projectar na própria esfera jurídica do interessado". Por fim, o interesse é legítimo "quando é protegido pela ordem jurídica como interesse do recorrente", excluindo-se, assim, os interesses reflexos ou difusos que não são protegidos pela ordem jurídica como interesses do recorrente. 5. O recurso hierárquico necessário está sujeito a prazos fixados na lei - ou especificamente, para cada tipo casuisticamente previsto, ou, quando não exista prazo particular estabelecido, no prazo de um mês, conforme o artigo 34º, alínea a) da LPTA: "a petição deve ser apresentada (...) no prazo de um mês se outro não for especialmente fixado". O prazo de interposição do recurso hierárquico necessário tem reflexos na sorte reservada ao recurso contencioso; se o prazo não for respeitado, o recurso contencioso que eventualmente venha a ser interposto do acto pelo qual o superior hierárquico (ou a entidade competente no caso de recurso hierárquico impróprio) decidir será extemporâneo e, consequentemente, rejeitado (35 . A extemporaneidade do recurso hierárquico necessário determina a extemporaneidade do recurso contencioso subsequente. Esta regra, naturalmente, vale apenas quanto à impugnação de actos anuláveis e como tal está construída. A impugnação de actos nulos, como é do regime de nulidade, não está dependente de qualquer prazo. V 1. As garantias contenciosas constituem a forma mais eficaz e elevada de garantia e defesa dos direitos dos administrados. O recurso contencioso inscreve-se mesmo como garantia com dignidade de afirmação constitucional - artigo 268º da Constituição. Pode definir-se o recurso contencioso como o meio de garantia que consiste na impugnação, feita perante o tribunal administrativo competente, de um acto administrativo (ou de um regulamento) ilegal, a fim de obter a respectiva anulação (36 . O recurso contencioso visa, pois, obter a anulação ou a declaração de nulidade de um acto administrativo, por fundamentos precisos (incompetência, ilegalidade, falta de fundamentação, desvio de poder) e, como função de garantia, pressupõe um impulso processual necessário desencadeado pelo interessado na anulação ou declaração de nulidade do acto - o recorrente. Na concretização do recurso contencioso de anulação releva a determinação da função desta garantia: saber se visa defender a legalidade, se visa defender os interesses legítimos dos particulares, ou se comporta uma função mista predominantemente objectiva ou subjectiva. A questão é complexa e discutida na doutrina. Sem compromisso sobre o problema, bastará referir que, no sistema nacional, o recurso contencioso de anulação realiza uma função marcadamente subjectiva quando interposto por particulares que sejam titulares de um interesse directo, pessoal e legítimo e apresenta uma feição caracterizadamente objectiva quando interposto pelo Ministério Público ou pelos titulares do direito de acção popular em defesa da legalidade (37 . 2. Veja-se, agora, a tradução na lei destas referências dogmáticas de ordem geral. A definição dos pressupostos processuais, designadamente a definição da legitimidade activa, releva neste ponto. Há, com efeito, três tipos de recorrentes com legitimidade para interpor o recurso contencioso de anulação - os interessados, o Mº Pº e os titulares da acção popular. Dispõe o citado artigo 46º do Regulamento do STA e o artigo 821º do Código Administrativo, que os recursos podem ser interpostos pelos que tiverem interesse directo, pessoal e legítimo, pelo Ministério Público e pelos titulares de acção popular. Aquele que a lei legitima em função de interesse directo, pessoal e legítimo na anulação de acto é o particular que recorre de um acto que o prejudica - titular do interesse na anulação. Foi para defesa do particular, neste caso, que historicamente nasceu o recurso contencioso de anulação e é, nesta medida, que desempenha uma função subjectiva de garantia dos particulares. Todavia, também o Ministério Público está legitimado para interpor recurso contencioso de anulação. Em defesa da legalidade, nos termos do artigo 46º do Regulamento do STA, o Ministério Público pode desencadear o pedido de anulação de um acto, mesmo que qualquer interessado o não haja feito, em prazo alargado em relação aos particulares (um ano - artigo 28º, nº 1, alínea c) do Decreto-Lei nº 267/85) quanto aos actos anuláveis. Quando o Ministério Público actua como parte processual, o recurso interposto há-de ter como único e exclusivo objectivo a defesa da legalidade e do interesse público. Neste caso (38 "o recurso será, então, tipicamente objectivo: a sua iniciativa não cabe a um particular afectado nos seus direitos, mas ao Ministério Público em defesa da legalidade objectiva; o objecto do processo não é determinado em função de direitos subjectivos lesados, mas concebido autonomamente de situações individuais, em função do direito objectivo violado; a sua função não é a protecção de uma situação jurídica subjectiva, mas a defesa da legalidade e do interesse público" (39 . A natureza e a função do recurso de acto administrativo ilegal, a interpor pelo Ministério Público em defesa do interesse objectivo, exige e impõe uma estruturação de sistema em termos de dinâmica processual necessária à criação dos (de todos os) pressupostos objectivos de recorribilidade de um acto, nomeadamente a criação de todas as condições exigidas à abertura da via contenciosa de impugnação (40 . VI 1. Estão reunidos os elementos que permitem uma aproximação e resposta à questão objecto da consulta. Referem-se actos praticados pelo conselho de administração dos serviços municipalizados relativos à gestão de pessoal que enfermam de vício determinante de nulidade. O regime da nulidade, como se referiu, impede que os actos nulos produzam quaisquer efeitos ou que à sombra deles se constituam ou modifiquem relações jurídicas, salvo algumas consequências derivadas da estabilidade de facto para além de certo período de tempo. A nulidade pode, pois, em consequência, ser declarada a todo o tempo, por qualquer autoridade ou pelo tribunal. Assim, a todo o tempo o acto nulo pode ser contenciosamente impugnado para declaração de nulidade. Se o acto não é verticalmente definitivo, como não são todos os actos sujeitos a recurso hierárquico (próprio ou impróprio) necessário, a todo o tempo pode ser interposto tal recurso, não valendo, pela própria natureza do regime do acto nulo, a regra de temporalidade prevista (geral ou avulsa) na lei: os prazos estabelecidos só se compreendem no regime dos actos meramente anuláveis. 2. A completude do sistema contencioso impõe - já se assinalou -, na perspectiva pública, objectiva, de defesa da legalidade, a intervenção do Mº Pº em todas as fases e em todos os momentos que estejam (sejam) pressupostos à criação necessária de condições objectivas e processuais do recurso contencioso. Se a definitividade do acto, condição objectiva processual da impugnação contenciosa, apenas pode ser obtida mediante o accionamento de meio gracioso, e o interessado directo não acciona (ou ninguém pode accionar por falta de interesse directo) o procedimento gracioso necessário, a natureza do sistema da defesa da legalidade objectiva impõe a intervenção do Ministério Público que se revelar necessária à criação daquele pressuposto. E tal necessária intervenção pode traduzir-se na impugnação do acto perante a entidade administrativa competente (no plano da hierarquia, ou ex vi legis, não existindo relação de hierarquia com a entidade que praticou o acto). Semelhante legitimação não resulta expressa e directamente da lei, mas está pressuposta necessariamente pela natureza do sistema de verificação da legalidade dos actos na vertente objectiva. A não ser assim, a inércia de um interessado, ou a ausência de legitimação particular, impediria, por razões meramente processuais, o desempenho da função de interesse geral presente no sistema de verificação da legalidade objectiva. E ficariam patentes, consequentemente, disfuncionalidades sistemáticas que a mais elementar coerência decididamente afasta. No direito português, - houve já oportunidade de o salientar - o requisito do interesse é exigido como condição de legitimidade, não estando o recurso hierárquico aberto a todos quantos o desejem utilizar. No entanto, se é assim por princípio, a previsão da acção pública (o recurso objectivo do Ministérioo Público exige, no estritamente necessário, a legitimação pública para o recurso hierárquico, na medida em que tal admissibilidade seja condição para garantir a eficácia no plano contencioso em que se estrutura e define a acção pública. Como refere FREITAS DO AMARAL (41 , o Ministério Público terá legitimidade, mas "só tem legitimidade para o recurso hierárquico nos casos e na medida em que essa seja a única forma de atingir a via contenciosa" que a lei lhe faculta. Ou seja, "apenas nos casos de recurso hierárquico necessário, de legalidade, relativo a actos cuja confirmação, revogação ou substituição pela autoridade ad quem seja impugnável nos tribunais administrativos por meio de acção pública". 3. Resta, então, averiguar se a intervenção do Ministério Público no recurso hierárquico previsto no artigo 172º do Código Administrativo é estritamente necessária, e por isso se impõe, como meio de criar condições de abertura da via contenciosa. O recurso previsto na referida disposição deve ser qualificado como recurso hierárquico impróprio. O nomen juris usado na terminologia da norma não afasta, nem poderia afastar tal qualificação, se for imposta por considerações radicadas na substancialidade das coisas. Como se disse, a organização dos serviços municipais e a competência dos órgãos de município, a autonomia dos serviços municipalizados e a natureza colegial do órgão de administração destes serviços, não permite caracterizar a existência de qualquer relação de hierarquia entre o conselho de administração e os órgãos executivos ou deliberativo do município. Aquele e estes, com efeito, não se estruturam nem relacionam segundo um modelo hierárquico de organização administrativa, nem os órgãos executivos ou deliberativo do município detêm, nesta relação, o complexo de poderes típicos de direcção, superintendência e disciplinar. No entanto, não existindo hierarquia, resultam da lei manifestações de um poder de superintendência, consistindo designadamente no poder de supervisão do presidente da câmara sobre todos os serviços municipais e na possibilidade de revogação, modificação ou substituição dos actos, prevista no artigo 172º do Código Administrativo (42 . Não existindo hierarquia, o recurso previsto na referida disposição apresenta-se como um recurso hierárquico impróprio. Recurso necessário, contudo, porque apenas dos actos dos órgãos autárquicos, nos termos do artigo 51º, nº 1, alínea c) do ETAF e não do conselho de administração dos serviços municipalizados é admissível recurso contencioso e igualmente porque a lei, no artigo 172º do Código Administrativo, prevê a existência sempre de recurso hierárquico, expressão que deve ser lida como impositiva da necessidade deste meio para obter acto do qual se poderá recorrer contenciosamente - de acordo, também, com a definição contemporânea de competências: o artigo 820º do Código Administrativo não incluía na competência do auditor o recurso de actos do conselho de administração dos serviços municipalizados (43 (44 . 4. Sendo assim, a coerência do sistema impõe, como estritamente necessária, a legitimação do Ministério Público para suscitar, no quadro previsto no artigo 172º do Código Administrativo, a reapreciação das deliberações nulas, como condição da obtenção de um acto praticado por uma entidade de cujos actos se possa, se for o caso (se persistir o vício do acto) recorrer contenciosamente. Nenhuma outra perspectiva de solução se antevê, com efeito, possível ou razoável. Os poderes de superintendência (orientação, fiscalização, revogação de actos), nomeadamente a revogação ou substituição de actos da entidade sujeita àqueles poderes, não asseguram a garantia objectiva da legalidade: nada impõe à autoridade que detém o poder a avocação do assunto e a revogação do acto ou a prática de acto contenciosamente impugnável (45 . Não havendo injunção à prática de tal acto, não existe garantia necessária do cumprimento da legalidade, ou da obtenção de um acto - condição, susceptível de impugnação contenciosa. Numa outra perspectiva, igualmente se não obtém solução satisfatória no plano de interesse público objectivo de garantia da legalidade em que se analisa a intervenção do Ministério Público no processo administrativo contencioso. É certo que, um acto praticado por entidade que detenha competência exclusiva em determinada matéria (como é o caso relativamente ao exercício das competências inscritas na lei do conselho de administração dos serviços municipalizados) constituiria acto definitivo e, como tal, susceptível de impugnação contenciosa, se a lei não previsse expressamente a impugnabilidade perante outro órgão da mesma pessoa colectiva (46 . Na medida em que decidisse, exercendo competência própria e exclusiva, constituiria a última palavra da Administração no termo do adequado procedimento e, como tal, assumiria a característica da definitividade, pressuposto legal de impugnabilidade contenciosa. Não é, porém, o que sucede na hipótese prevista, em que, não obstante a competência exclusiva do conselho de administração dos serviços municipalizados (e não cumulativa com qualquer superior, que nem existe), a lei expressamente prevê a existência de um recurso, dito hierárquico, e, como tal, a reapreciação necessária das deliberações ainda no plano orgânico da mesma pessoa colectiva (47 . VI Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões: 1ª. Os serviços municipalizados constituem serviços dos municípios estruturados segundo modelo empresarial, dotados de autonomia administrativa e financeira; 2ª. Os serviços municipalizados são geridos por um conselho de administração, dotado de competências próprias, nos termos do artigo 170º do Código Administrativo, entre as quais as relativas ao recrutamento e gestão do respectivo pessoal; 3ª. As deliberações do conselho de administração dos serviços municipalizados estão, nos termos do artigo 172º do Código Administrativo, sujeitas a recurso hierárquico, qualificável como recurso hierárquico impróprio, a interpor para o executivo do município, sem prejuízo do recurso contencioso que haja lugar da deliberação deste; 4ª. As deliberações do conselho de administração dos serviços municipalizados sujeitas a recurso hierárquico impróprio, embora tomadas no exercício de competências exclusivas previstas no artigo 170º do Código Administrativo, não constituem actos definitivos; 5ª. O conselho de administração dos serviços municipalizados não constitui, segundo a enumeração do artigo 51º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, um dos órgãos de cujos actos cabe recurso contencioso directo; 6ª. Consequentemente, a abertura da via contenciosa relativamente a deliberação do conselho de administração dos serviços municipalizados, pressupõe a utilização prévia do meio impugnatório previsto no artigo 172º do Código Administrativo; 7ª. O Ministério Público, no exercício da função de verificação de legalidade objectiva, está legitimado a intervir no recurso hierárquico necessário, na medida em que tal intervenção seja estritamente indispensável à obtenção dos pressupostos exigidos (obtenção de acto definitivo) para a interposição de recurso contencioso de legalidade; 8ª. O Ministério Público pode, assim, utilizar o meio previsto no artigo 172º do Código Administrativo, sem dependência de prazo estando em causa deliberações nulas, sempre que não haja qualquer particular interessado na declaração de nulidade, ou quando um eventual interessado não actue pelo modo próprio. _______________________________________________ (1Cfr. a exposição dirigida a Vossa Excelência pelo Senhor Inspector-Geral. (2Refere-se, documentadamente, a posição expressa pelo Ministério Público junto do TAC do Porto. Com o expediente juntam-se cópias de despachos donde consta, com desenvolvimento, a motivação da recusa. (3Cfr. posição referida na nota anterior. (4A captação, condução e distribuição de água potável, a distribuição, no continente, de energia eléctrica de baixa tensão, produção, transporte, e distribuição de gaz de iluminação, aproveitamento, depuração e transformação de esgotos, lixos e detritos, construção e funcionamento de mercados, frigoríficos, balneários, estabelecimentos de águas minero-medicinais e lavadouros públicos, higienização de produtos alimentares, designadamente o leite e o transporte colectivo de pessoas e mercadorias - artigo 164º, nºs 1 a 7, do Código Administrativo e artigo 1º do Decreto-Lei nº 344-B/82, de 1 de Setembro (energia eléctrica). (5Cfr. FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. I, pág. 485. (6Cfr. NUNO SALGADO, Os Serviços Municipalizados, Algumas Questões Jurídicas, Comunicação apresentada ao XI Colóquio Nacional do A.T.A.M., que neste ponto se acompanha. (7Consideram-se serviços municipais em sentido restrito todos os serviços do município que, não dispondo de autonomia, são geridos directamente pelos órgãos principais do município - Cfr. FREITAS DO AMARAL, op. cit., pág. 415. (8A autonomia orçamental dos serviços municipalizados dilui-se, todavia, face à câmara municipal, por imperativo dos princípios de unidade e universalidade a que deve obedecer o orçamento das autarquias locais - artigo 2º da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro e artigo 8º do Decreto-Lei nº 341/83, de 21 de Julho ("as receitas e despesas dos serviços autónomos devem ser indicadas, em termos globais, no orçamento das autarquias locais" - nº 2 e "em anexo ao orçamento das autarquias devem constar os orçamentos dos serviços autónomos" - nº 3). Assim, o projecto de orçamento dos serviços municipalizados é preparado pelo respectivo conselho de administração e apresentado ao órgão executivo do município, a fim de este aprovar a respectiva proposta que, em anexo ao orçamento do município, contendo o total das receitas e despesas como serviço autónomo, é submetido à aprovação da assembleia municipal, que é o órgão ao qual compete aprovar (globalmente) o orçamento do município - artigo 39º, nº 2, alínea b) do Decreto-Lei nº 100/84. A deliberação da assembleia municipal aprovando o orçamento abrange, assim, o orçamento dos serviços municipalizados. Cfr. NUNO SALGADO, op. cit., págs. 6-7. (9Cfr., MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, tomo I, 9ª edição, pág. 347 e FREITAS DO AMARAL, "Curso", cit. págs. 349 e 485. (10Cfr. o artigo 19º do Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro. (11A previsão desta disposição deve considerar-se revogada quanto a algumas das competências que enumera: os nºs 2 e 4 estão substituídos por outras disposições que deferem à assembleia municipal a aprovação dos quadros do pessoal dos diferentes serviços municipais, e à câmara municipal a competência para fixar as tarifas pela prestação de serviços ao público pelos serviços municipalizados. (12Adiante se qualificará exactamente a natureza jurídica do recurso previsto no artigo 172º do Código Administrativo. (13O regime de carreiras e categorias das câmaras municipais e dos serviços municipalizados consta do Decreto-Lei nº 247/87, de 17 de Junho. Nos termos do artigo 63º, "são nulas e de nenhum efeito, independentemente de declaração dos tribunais, as deliberações dos órgãos autárquicos que violem as regras sobre reclassificação profissional, bem como as relativas ao ordenamento do pessoal abrangido pelo presente diploma". O regime de recrutamento e selecção do pessoal constante do Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro, foi adaptado à administração local através do Decreto-Lei nº 52/91, de 25 de Janeiro, que (artigo 9º, nºs 1 e 2) atribui competências específicas ao conselho de administração dos serviços municipalizados. O estatuto do pessoal dirigente das câmaras municipais e serviços municipalizados consta do Decreto-Lei nº 198/91, de 29 de Maio. (14Cfr. FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, vol. IV, ed. cop., págs. 66-67. (15Cfr., sobre a qualificação dos actos quanto ao autor, FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, vol. III, ed. cop., pág. 149. (16Acompanha-se, neste ponto, de perto, FREITAS DO AMARAL, ibidem, vol. III, págs. 212 e segs. (17Cfr. MARCELLO CAETANO, Manual, cit., tomo I (10ª ed.), (reimpressão), págs. 516 e segs.; FREITAS DO AMARAL Direito Administrativo, cit., vol. III, págs. 221 e segs.; ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, vol. I, págs. 545 e segs. e SÉRVULO CORREIA, Noções de Direito Administrativo, vol. I, págs. 364 e segs. (18Cfr. GARCIA DE ENTERRIA y RAMON FERNANDEZ, Curso de Derecho Administrativo, vol. I, 4ª ed., pág. 571. (19O regime de nulidade e de anulabilidade consta, agora, definido em termos gerais, dos artigos 133º a 137º do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 441/91, de 15 de Novembro, para entrar em vigor seis meses após a publicação (artigo 2º deste diploma). (20Cfr. Direito Administrativo, cit., vol. IV, págs. 26 e segs. (21Cfr. FREITAS DO AMARAL, op. cit., págs. 32 e segs.; e Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, Coimbra, 1981, págs. 27 e segs., que na abordagem desta matéria se acompanha, por vezes textualmente. (22Cfr. FREITAS DO AMARAL, Conceito e Natureza, cit., pág. 52. (23Cfr. FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, cit., vol. IV, pág. 58. (24Cfr., ibidem, pág. 60. (25Cfr., para futuro, o artigo 176º do Código de Procedimento Administrativo. (26Cfr. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, cit., tomo II, págs. 1274-1276 e, em termos muito semelhantes, E. GARCIA DE ENTERRIA - T. RAMON FERNANDEZ, Curso de Derecho Administrativo, II ed., Civitas, 1987, págs. 453-458. Sobre o recurso hierárquico numa perspectiva comparada, v. g., JESUS GONZALEZ PERES, Comentarios a la Ley de Procedimiento Administrativo, ed. Civitas, 1977, págs. 772 e segs. e PIETRO VIRGA, "Diritto Amministrativo", Atti e Ricorsi, 2ª, págs. 199 e seg. (27Cfr. FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, cit. IV, págs. 51-55 e Conceito e Natureza, cit., págs. 316 e segs. (28Cfr., idem, ibidem, págs. 56 e segs e 323 e segs., respectivamente. (29Cfr. FREITAS DO AMARAL, Conceito e Natureza, cit., págs. 204 e segs., que se segue de perto neste ponto. (30O Código de Procedimento Administrativo define a legitimidade dos particulares no artigo 160º: "Têm legitimidade para reclamar e recorrer os titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que se considerem lesados pelos acto administrativo". (31Cfr. MARCELLO CAETANO, op. cit., como na nota (27). (32Cfr. sobre o direito de petição, FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, cit., IV, pág. 11. O exercício do direito de petição constitucionalmente garantido (artigo 52º da CR) foi regulado pela Lei nº 43/90, de 10 de Agosto. (33Cfr. FREITAS DO AMARAL, op. cit., nota (33), págs. 169-170. (34Ibidem, pág. 170. (35Cfr., v.g. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de Julho de 1982 publicado em Acórdãos Doutrinais, Ano XXI, nº 251, pág. 1381, relativamente ao recurso do Mº Pº. Poderá, todavia, discutir-se, qual o prazo assinalado ao Mº Pº no caso de ser legitimado a intervir no recurso hierárquico relativamente a actos meramente anuláveis. (36Cfr. MARCELLO CAETANO, Manual, cit., II, pág. 1273 e FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, cit., IV, págs. 78 e segs. (37Cfr., v.g. FREITAS DO AMARAL, op. cit., na nota anterior, págs. 81-82. (38Cita-se de VASCO PEREIRA DA SILVA, Para um Contencioso Administrativo dos Particulares, cfr. págs. 202 e segs. (39Cfr., também, como indicação comparada, JESUS GONZALEZ PEREZ Manual de Derecho Procesal Administrativo, ed. Civitas, 1990, págs. 127-130. (40Ao tema do parecer não importa a análise de outro tipo de intervenção do Ministério Público no processo administrativo contencioso, designadamente a intervenção como parte acessória, ou a defesa da legalidade a solicitação de um particular quando este, legitimado, não exercer o seu direito de recurso no prazo legal - cfr., sobre a posição do Ministério Público no processo administrativo contencioso e a heterogeneidade dos poderes exercidos, VASCO PEREIRA DA SILVA, "Para um Contencioso Administrativo", cit., págs. 202 e segs. (41Cfr. Conceito e Natureza, cit., pág. 206. (42Cfr. sobre a noção de hierarquia e superintendência, o parecer deste Conselho nº 90/85, de 12 de Janeiro de 1989, publicado no Diário da República, II Série, nº 69, de 23 de Março de 1990. (43FREITAS DO AMARAL, Conceito e Natureza, cit., pág. 129 indica como exemplo de recurso hierárquico impróprio precisamente o recurso previsto no artigo 172º do Código Administrativo. (44O recurso previsto no artigo 172º do Código Administrativo foi qualificado como recurso necessário pelo Supremo Tribunal Administrativo em Acórdão de 12 de Maio de 1983, publicado no Apêndice ao Diário da República, de 16 de Outubro de 1986, pág. 2398. (45Salvo por via indirecta, quando da averiguação sobre o funcionamento dos serviços na sequência de inspecções, inquéritos ou sindicâncias, no exercício de tutela prevista na Lei nº 87/89, de 9 de Setembro. Mas o exercício de tutela, se pode implicar consequências sobre o mandato dos órgãos autárquicos (artigos 8º, 9º e 10º da Lei nº 87/89) em sede de sancionamento de irregularidades, não comporta mecanismos especificamente determinados a provocar, em cada caso, o exercício concreto de competências próprias do poder de superintendência. (46Segundo SÉRVULO CORREIA, Noções de Direito Administrativo, cit., págs. 316-317, nas hipóteses de competência exclusiva, mesmo no caso de hierarquia, deve entender-se que dada a garantia constitucional de recurso contencioso, a lei que atribui competência em certa matéria a um subalterno derroga do mesmo passo as normas que estatuem genericamente sobre entidades cujos actos são contenciosamente impugnáveis: os seus actos deveriam ser directamente recorríveis para os tribunais administrativos. (47Recentemente foi publicado o Decreto-Lei nº 413/91, de 19 de Outubro, definindo o regime de regularização de actos de provimento de agentes e funcionários dos serviços dos municípios. Pretende-se consolidar a situação dos agentes ou funcionários que, não obstante a irregularidade dos actos de admissão, tenham exercido as funções de modo contínuo, pacífico e público durante certo lapso de tempo. Nos termos do artigo 2º, o período de tempo é fixado em três anos para consolidação de situações irregulares, havendo, também, disposição específica - artigo 3º - quanto às promoções. Estará, assim, solucionada, ex vi legis, mercê de intervenção legislativa específica, a grande maioria das situações passadas que terão gerado as dificuldades que motivaram o pedido do parecer. |