Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00000521
Parecer: P000631992
Nº do Documento: PPA19921215006300
Descritores: DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
RISCO AGRAVADO
Livro: 00
Pedido: 09/15/1992
Data de Distribuição: 09/17/1992
Relator: CABRAL BARRETO
Sessões: 01
Data da Votação: 12/15/1992
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MDN
Entidades do Departamento 1: SE DO MIN DA DEFESA NACIONAL
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 02/19/1993
Privacidade: [02]
Data do Jornal Oficial: 000000
Indicação 2: ASSESSOR: MOTA
Área Temática:DIR ADM * DEFIC FFAA.
Ref. Pareceres:P001851976
P002071976
P000441977
P001791977
P002201977
P002431977
P001691979
P001021980
P001511980
P000831982
P001061990
Legislação:DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 ART2 N1 B N2 N3 N4 ART18 N2.; PRT 162/76 DE 1976/03/24 N1 N3.; PRT 114/79 DE 1979/03/12.
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: Os disparos de uma arma de fogo, em instrução militar, no decurso dos quais o invólucro de uma bala disparada pelo instrutor faz ricochete num pinheiro atingindo seguidamente a vista de um instruendo, não constitui situação enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.

Texto Integral: SENHOR SECRETÁRIO DE ESTADO
DA DEFESA NACIONAL,

EXCELÊNCIA.




1. (...), Aspirante a Oficial Miliciano, NM (...), requereu a revisão do processo por acidente de que foi vítima, ocorrido em 1971, por entender que o referido acidente se teria verificado em condições de risco agravado equiparado a serviço de campanha.

A fim de ser submetido a parecer do Conselho Consultivo, nos termos do nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, dignou-se Vossa Excelência determinar o envio do respectivo processo à Procuradoria-Geral da República.

Cumpre, assim, emiti-lo.


2. Da consulta dos autos extraem-se com interesse os seguintes factos:

no dia 13 de Outubro de 1971, cerca das 15,30 horas, no Perímetro Florestal de Viseu, durante uma progressão pela mata, enquadrada nos exercícios finais da 35ªcompanhia de Comandos, o oficial instrutor ordenou que se fizesse um pequeno alto, dispondo-se os instruendos aproximadamente em círculo;

- este alto destinava-se a permitir a aproximação dos meios aéreos que intervinham na instrução;

- como a chegada dos meios aéreos demorasse, o oficial instrutor fez dois disparos a simular uma flagelação inimiga;

- o invólucro do segundo disparo foi embater num pinheiro, e, em ricochete, atingiu o requerente, que se encontrava perto do oficial instrutor, na vista direita;

- do acidente resultaram lesões para o requerente, pelo que a JIII/l-IMP, em 18 de Abril de 1972, o considerou incapaz para todo o serviço militar, com 30% de desvalorização, por catarata secundária e seclusão pupilar do olho direito;

- a CPIP/DSS foi de parecer que o motivo pelo qual a JHI/HMP julgou o militar incapaz para todo o serviço militar com 30% de desvalorização, resultou das lesões sofridas no acidente ocorrido em 13 de Outubro de 1971, durante a instrução;

- em 24 de Janeiro de 1992, o Director do Serviço de Pessoal do Estado Maior do Exército, agindo por delegação de competências, considerou que o acidente ocorreu em serviço e por motivo do seu desempenho.


3. Embora o acidente tenha ocorrido antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, a revisão do processo é admissível nos termos daquele diploma - artigo 18º, nº 2 - e dos nºs 1 e 3 da Portaria nº 162/76, de 24 de Março, o último número na redacção da Portaria nº 114/79, de 12 de Março.


3.1. Dispõe o nº 2 do artigo lº do Decreto-Lei nº 43/76:

É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:

No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;

quando em resultado de acidente ocorrido;

Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;

Na manutenção da ordem pública;

Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou

No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;

vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:

Perda anatómica; ou

Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;

Tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:

Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou

Incapaz do serviço activo; ou

Incapaz de todo o serviço militar.

É, acrescenta no artigo 2º, nº 1, alínea b):

“1. Para efeitos da definição do nº 2 do artigo lº deste decreto-lei, considera-se que:

a) ( ... )

b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei".

Os nºs 2, 3 e 4 do mesmo artigo 2º esclarecem:

"2. O "serviço de campanha" tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta de inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.

“3. As "circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha" têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características impliquem perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional, ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.

"4. O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores", engloba aqueles casos especiais, aí não previstos que, pela sua indole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espirito desta lei (redacção rectificada no Diário da República, I Série, 2º Suplemento, de 26/6/76).

A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República".


3.2. Vem este corpo consultivo entendendo 1, na interpretação conjugada das disposições dos artigos lº, nº 2, e 2º nº 4, do referido Decreto-Lei nº 43/76, que, para além das situações expressamente consagradas na primeira dessas normas - as de serviço de campanha ou em circunstâncias directamente com ela relacionadas, de prisioneiro de guerra, de manutenção da ordem pública e da prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública -, o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas só é aplicável aos casos que, pelo respectivo circunstancialismo, justifiquem a sua equiparação, em termos objectivos, àquelas situações paradigmáticas por virtude de, correspondendo a actividades próprias da função militar ou serem inerentes à defesa de altos interesses públicos, importarem sujeição a um risco que, excedendo significativamente o que é próprio das actividades militares correntes, se mostra agravado em termos de poder ser equiparado àquelas.

Importa, assim, para se poder aplicar o regime dos deficientes das Forças Armadas, que o acidente causador das lesões, além de ter ocorrido em serviço, corresponda a uma actividade militar que, objectiva e necessariamente, envolva, por sua natureza, um risco agravado em termos tais que possa equivaler ao que concorre na situação de campanha ou naquelas que a lei a esta equipara, não relevando, deste modo, o risco próprio das actividades militares correntes.


3.3. Na aplicação destes princípios, tem este corpo consultivo sustentado que constitui actividade militar com risco agravado equiparável às situações típicas previstas no nº 2 do artigo 1º do referido Decreto-Lei, exercícios que se aproximem das situações de campanha, reconstituindo uma acção de fogo.

Isto porque toda a actividade instrutora envolvendo fogos reais encerra em si um risco agravado superior ao risco genérico da actividade militar, expondo instrutor e instruendos a um contexto de perigo equiparável ao de campanha, reforçado até pela natural falta de preparação dos instruendos cujo aperfeiçoamento é uma das razões de ser desses exercícios 2.

Contudo, no Parecer nº 44/77 3, concluiu-se que a exemplificação de tiro em marcha, para tomar posição em terreno irregular, com pedras e sulcos, não caracteriza um tipo de actividade com risco agravado equiparável às situações previstas no nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, não sendo relevante a circunstância de a arma utilizada ter um defeito de ejecção do invólucro, por ser meramente fortuita, de rara verificação.

Esta orientação manteve-se inalterada, pelo que, no Parecer nº 106/90, se concluiu que o exercício de tiro de pontaria, em sessão de treino especialmente programada, no decurso da qual o instrutor é atingido numa vista pela ejecção do invólucro de um arma com que um instruendo fazia fogo, não constitui situação enquadrável no nº 4 do artigo 2º , referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76.


3.4. Volvendo ao caso do presente Parecer, verifica-se que se está num contexto totalmente diferente de uma acção de fogo de certos elementos contra outros, supostamente inimigos, com o risco agravado próprio de tais acções, pois os que nelas intervêm se sujeitam a ser atingidos por disparos de armas de fogo em ambiente de campanha ou que lhe seja equivalente.

Efectivamente, dos elementos recolhidos dos autos infere-se que o acidente ocorreu porque um invólucro fez ricochete e foi atingir o requerente; o acidente surge, não no quadro de risco agravado inerente a uma instrução com fogos reais, mas pela circunstância meramente ocasional e imprevisível do ricochete de um invólucro.

Assim, o simples disparo de uma arma de fogo só excepcionalmente dá lugar a acidentes para quem utiliza a arma ou está ao seu lado, pelo que não se pode considerar como um tipo de acção comportando risco superior ao que a actividade militar genericamente envolve 4.



Conclusão:

5. Pelo exposto, formula-se a seguinte conclusão:

Os disparos de uma arma de fogo, em instrução militar, no decurso dos quais o invólucro de uma bala disparada pelo instrutor faz ricochete num pinheiro atingindo seguidamente a vista de um instruendo, não constitui situação enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.




1) Seguimos literalmente o Parecer nº 106/90, de 6 de Dezembro de 1990, homologado mas não publicado.
2) Cfr. o Parecer nº 83/82, de 9 de Junho de 1982, homologado por Despacho de 5 de Julho do mesmo ano.
3) De 17 de Março de 1977, homologado por despacho de 29.03.77.
4) Assim, no Parecer nº 185/76, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 273, págs., 71 e segs.; ver no mesmo sentido, entre outros, os Pareceres, já homologados, de 207/76, de 13 de Janeiro de 1977, 179/77, de 27 de Outubro de 1977, 220/77, de 27 de Outubro de 1977, 243/77, de 2 de Dezembro de 1977,169/79, de 8 de Novembro de 1979, 102/80, de 10 de Julho de 1980, e 151/80, de 23 de Outubro de1980.