Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00000798
Parecer: P000751995
Nº do Documento: PPA19960111007500
Descritores: DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
QUALIFICAÇÃO AUTOMÁTICA
INCAPACIDADE GERAL DE GANHO
Livro: 00
Pedido: 12/15/1995
Data de Distribuição: 12/18/1995
Relator: CABRAL BARRETO
Sessões: 01
Data da Votação: 01/11/1996
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MDN
Entidades do Departamento 1: SE DA DEFESA NACIONAL
Privacidade: [02]
Data do Jornal Oficial: 000000
Indicação 2: ASSESSOR: MIGUEL
Área Temática:DIR ADM * DEFIC FFAA.
Ref. Pareceres:P000791975
P001451976
P001041978
P000211979
P001161979
P001451979
P001871980
P000101981
P001601982
P000551987
P000801987
P000101989
Legislação:DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 ART2 N4.
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:* CONT REFPAR
P000191990P000941990P000571993P000251995

Conclusões: O acidente sofrido por um militar, durante um exercício de instrução técnico-militar designado de salto em "slide", não é enquadrável no disposto no n 4, do artigo 2 do Decreto-Lei n 43/76, de 20 de Janeiro, com referência ao artigo 1, n 2 deste diploma.

Texto Integral:
Senhor Secretário de Estado da Defesa Nacional,

Excelência:




1. Foi enviado a esta Procuradoria-Geral o processo relativo ao soldado NIM (...) (...) a fim de ser submetido a parecer, nos termos do nº 4, do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.
Cumpre, assim, emiti-lo.

2. São os seguintes os elementos de facto que importa recensear:
- Em 13 de Março de 1962, no Quartel da Ponte Maone, em Moçambique, ao executar um salto em "slide", no decurso de uma instrução física, rebentou-se o cabo de sisal, pelo que o referido militar caiu de uma altura de 35 metros e a uma velocidade relativa de 80Km por hora;
- Em consequência do acidente, o militar sofreu múltiplas fracturas, pelo que foi considerado incapaz de todo o serviço militar e apto para o trabalho, conforme parecer da JHI de Lourenço Marques , de 6 de Fevereiro de 1963;
- em 14 de Setembro de 1990, o soldado (...) requereu a revisão do seu processo, com a presença a uma JHI, para ser avaliada a sua desvalorização para o trabalho, com vista a uma eventual qualificação como deficiente das Forças Armadas;
- em 30 de Abril de 1993, o militar foi presente à JHI/HMR 1 que o julgou incapaz de todo o serviço militar, apto par ao trabalho, com a desvalorização de 44,70% de desvalorização, o que foi homologado por despacho de 6 de Julho de 1993;
- A CPIP/DSS, no seu parecer de 2 de Junho de
1995, considerou que o motivo pelo o qual a JHI/HMR 1 julgou o requerente incapaz de todo o serviço militar, com a referida desvalorização, resulta do acidente ocorrido em 13 de Março de 1963;

3. O acidente sofrido pelo requerente em 13 de Março de 1963, em Moçambique, ocorreu durante a realização de um salto em "slide", tendo o militar caído ao rebentar-se o cabo de tracção.
Dispõe o nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76:
"É considerado deficiente da forças armadas portuguesas o cidadão que:
No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho; quando em resultado de acidente ocorrido:
Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra:
Na manutenção da ordem pública;
"2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:
No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho; quando em resultado de acidente ocorrido:
Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
Na manutenção da ordem pública;
Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores; vem a sofrer, mesmo "a posteriori", uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:
Perda anatómica; ou
Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;
Tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:
Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou
Incapaz do serviço activo; ou
Incapaz de todo o serviço militar".
E acrescenta-se no artigo 2º, nº 1, alínea b):
"É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei".
Os nºs 2, 3 e 4 do mesmo artigo esclarecem:
"2. O "serviço de campanha ou campanha" tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contra guerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta do inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.
"3. As "circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha" têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contra guerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características implicam perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.
"4. "O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores", engloba aqueles casos especiais aí não previstos, que, pela sua índole, considerando o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei. A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República".

4. O condicionalismo definido nos nºs 2 e 3 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, imediatamente afecta qualquer possibilidade de relacionar directamente o acidente com o serviço de campanha (1).
Resta o nº 4 do aludido normativo.
Este corpo consultivo tem interpretado as disposições conjugadas dos artigos 1º, nº 2, e 2º, nº 4, do Decreto-Lei nº 43/76 no sentido de que o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas, para além das situações expressamente contempladas no primeiro preceito - de serviço de campanha ou em circunstâncias com ele relacionadas, de prisioneiro de guerra, de manutenção da ordem pública e de prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública -, só é aplicável aos casos que, "pelo seu circunstancialismo, justifiquem uma equiparação, em termos objectivos, àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que, excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas".
"Assim, implica esse regime não só que o acidente tenha ocorrido em serviço, mas também que a actividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas" (2).

5. O acidente referido ocorreu durante a realização de um exercício de salto em "slide".
O exercício do salto em "slide" consiste em efectuar a descida, de local bastante elevado, até ao solo, suspenso pelos braços de uma roldana que desliza por cabo colocado entre cada um dos pontos do percurso.
Este exercício envolve, assim, para o executante, deslizar suspenso de um cabo, a altura considerável, seguro apenas pelas mãos, chegando ao solo a grande velocidade, pelo que determina não só o risco da queda de grande altura, como também o que é inerente à dificuldade de contacto com o solo, que pode provocar riscos fáceis de quedas se o contacto não for efectuado da melhor maneira (3).
Na diversidade de situações referentes a treino de instrução militar que tem apreciado, este Conselho tem entendido que a realização de alguns exercícios de instrução envolve em si mesma dificuldades e perigosidade que caracterizam o risco agravado no sentido pretendido pela lei, isto é, "risco equiparável ao das situações que, por natureza ou inerência, o comportam e definem, como o exercício de fogos reais, o manuseamento de minas e armadilhas, a manipulação ou utilização de explosivos ou de outro material de guerra" (4).
Também, e numa outra perspectiva, se tem admitido a existência de tal risco no salto em pára-quedas, de helicóptero, nomeadamente quando exista irregularidade do terreno onde se dá a queda (5), e no exercício chamado "Tobbogan" (6).
Mas, por via de regra, a existência de risco agravado em exercícios de instrução militar para adestramento físico não tem sido admitida. Refira-se, a este propósito, o salto em mesa alemã (7), a 'escada escocesa' (8), a "ponte interrompida" (9), a "corda horizontal" sob fogo de bala real (10) e a "queda em máscara" (11).
A todos os exercícios se têm reconhecido dificuldades e riscos, mas que serão normalmente superáveis; os riscos de acidente não resultam necessariamente do próprio exercício ou da sua natureza imprevisível, e não dominável, mas normalmente de um elemento externo, como seja a deficiência do próprio executante, como do material, ou mesmo a culpa de um terceiro.
Tais exercícios, incluídos na preparação física e técnico-militar, impõem, é certo, exigências acrescidas de preparação e perícia, mas superáveis com o treino e a instrução ministrados.
Os acidentes que possam surgir no decurso da sua execução explicam-se, por via de regra, não pela excepcional perigosidade do exercício em si (imprevisibilidade e insusceptibilidade de domínio), mas por razões pontuais, ocasionais, que radicam normalmente na pessoa do sinistrado (nível de preparação ou deficiência técnica) ou de terceiro ou do próprio material.
Tanto basta para afastar, então, a existência de risco agravado necessário e, consequentemente, também a sua identificação com o espírito da lei (12).

6. O exercício referido (salto em 'slide'), pelas características que apresenta no modo como vem descrito, participa de todos os elementos apontados, nomeadamente a inexistência de perigosidade excepcional intrínseca.
Aplicam-se-lhe, assim, todos as considerações da formulação da doutrina e conclusões que este Conselho tem produzido a propósito de casos e ocorrências que apresentam uma dimensão valorativa inteiramente análoga.
Não poderá, assim, ser considerado, em termos de normalidade e objectividade, como portador de um risco agravado semelhante ao das situações de campanha ou equiparadas; não constitui, por isso, uma situação envolvendo risco agravado necessário.

Assim se concluiu no referido Parecer nº 25/95, que se debruçou sobre um acidente que ocorreu também na sequência de um idêntico exercício de salto em "slide".

7. Em face do exposto formula-se a seguinte conclusão:
O acidente sofrido por um militar, durante um exercício de instrução técnico-militar designado de salto em "slide", não é enquadrável no disposto no nº 4, do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, com referência ao artigo 1º, nº 25 deste diploma;






1) Cfr. sobre a caracterização de "serviço de campanha", v.g., o parecer nº 145/79, de 7 de Fevereiro de 1980, Diário da República, II Série, nº
254, de 3 de Novembro de 1980, e "Boletim do Ministério da Justiça", nº 301, pág. 187 e segs.
2) Dos pareceres nºs 55/87, de 29 de Julho de 1987, 80/87, de 19 de Novembro de 1987, 21/79, de 15 de Fevereiro de 1979, 10/89, de 2 de Abril de 1989, 19/90, de 5 de Abril de 1990, 94/90, de 25 de Outubro de 1990, e 57/93, de 22 de Outubro de 1993, homologados, excepto o último, reflectindo orientação uniforme desta instância consultiva.

3) - Cfr. a descrição feita no Parecer nº 25%95, de 6 de Julho de 1995, que se passa a sequir de muito perto.
4) Cfr., v.g., Parecer nº 10/81, de 30/Abril/81, que se segue por momentos.
5) Parecer nº 187/80, de 10 de Julho de 1980, homologado.
6) Parecer nº 145/76, de 18/Nov/76, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 268, pág. 78.
7) Parecer nº 79/75, de 5 de Maio de 1977.
8) Parecer nº 104/78, de 11/Julho/79.
9) Parecer nº 116/79, de 26/Julho/79.
10) Parecer nº 10/81, cit. de 30/Abril/1981.
11) Parecer nº 160/82, de 24/Janeiro/83.
12) Cfr. cit. Parecer nº 10/81.