Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00000319
Parecer: P001001990
Nº do Documento: PPA19901025010000
Descritores: DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
RISCO AGRAVADO
INCAPACIDADE GERAL DE GANHO
Livro: 00
Pedido: 09/24/1990
Data de Distribuição: 09/27/1990
Relator: SALVADOR DA COSTA
Sessões: 01
Data da Votação: 10/25/1990
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MDN
Entidades do Departamento 1: SEA DO MIN DA DEFESA NACIONAL
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 12/07/1990
Privacidade: [02]
Data do Jornal Oficial: 000000
Indicação 2: ASSESSOR: MARREIROS
Área Temática:DIR ADM * DEFIC FFAA.
Ref. Pareceres:P000551987
P000801987
P000101989
P000351977
P000561976
P002851977
P000331986
P000041980
P000861981
P001471981
P000061986
P000421982
Legislação:DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 ART2 N1 B N2 N3 N4.; PORT 162/76 DE 1976/03/24 N3.; PORT 114/79 DE 1979/03/12.
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: A acção de lançamento de para-quedistas, a partir de um avião, realizada pelo respectivo "chefe de saltos", no interior da aeronave e no ambito da instrução militar, não caracteriza um tipo de actividade com risco agravado equiparavel ás situações previstas no nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.

Texto Integral:

SENHOR SECRETÁRIO DE ESTADO ADJUNTO DO MINISTRO DA DEFESA NACIONAL, 

EXCELÊNCIA:


I

A fim de ser submetido a parecer deste Conselho Consultivo, nos termos do nº4 do artigo 2º do Decreto–Lei nº43/76, de 20 de Janeiro, dignou–se Vossa Excelência determinar o envio à Procuradoria–Geral da República do processo relativo ao MAJOR/SGPQ/RES–(...), (...).

Cumpre emiti–lo.


II

Resulta do processo, com interesse face ao objecto da consulta, a seguinte factualidade:

a) (…), na altura com o posto de 2º sargento pára–quedista, foi superiormente nomeado, em 18 de Outubro de 1962, em execução de um exercício integrado na instrução denominado "Uma sessão de saltos em pára–quedas", a bordo de um avião em voo, na zona de lançamento do Arripiado, "chefe de saltos" da 1ª. patrulha de pára–quedistas;

b) Encaminhou–se, nessa missão, para a porta do avião para dirigir a saída dos pára–quedistas;

c)0 pára–quedas do primeiro pára–quedista que saiu roçou no punho de abertura do pára-quedas reserva de (...), provocando a sua abertura;

d)O pára–quedas de (...) projectou, este por sucção do ar, para fora, provocando o seu embate na porta do avião;

e) (...) sofreu, no referido embate, lesões na região sub–mentoniana, sub–maxilar, maxilar e na articulação escápulo–umeral;

f)A perícia médica militar concluiu, então, que aquelas lesões determinaram a (...) doença com incapacidade para o trabalho por 404 dias, sem aleijão, deformidade ou incapacidade permanente;

g)A Junta de Saúde da Aeronáutica considerou, em 29 de Novembro de 1963, (...) pronto para todo o serviço;


h)(...) requereu, com êxito, em 1 de Fevereiro de 1988, com fundamento no agravamento das referidas lesões, a reabertura do processo de averiguações;

i)A Junta de Saúde de Força Aérea considerou em 26 de Outubro de 1989, que (...) sofre, em razão do acidente em serviço de 18 de Outubro de 1962, omoartrose direita, com perda de peças dentárias e contrição da mandíbula, derivantes de incapacidade de todo o serviço activo, e desvalorização de 39%;

j)0 Director do Serviço de Saúde da Força Aérea emitiu, em 17 de Novembro de 1989, parecer no sentido da confirmação do resultado da Junta;

k)0 Chefe do Estado–Maior da Força Aérea proferiu, em 20 de Novembro de 1989, despacho de confirmação do resultado da Junta.

2. A autoridade militar concluiu que o acidente não derivou de culpa da vítima nem de outrem.


III

0 acidente é anterior à data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº43/76, de 20 de Janeiro, mas a pretensão de revisão formulada pelo(...), baseada no agravamento das lesões, respeitou o preceituado no nº3 da Portaria nº162/76, de 24 de Março, na redacção da Portaria nº114/79, de 12 de Março.

0 Decreto–Lei nº43/76 é, pois, hipoteticamente aplicável à situação em apreço.

2.Vejamos, pois, o direito aplicável.

Dispõe o nº2 do artigo 1º do Decreto–Lei nº43/76:

"2.  É considerado deficiente das forças armadas portu­guesas o cidadão que:

No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;

quando em resultado de acidente ocorrido:

Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;

Na manutenção da ordem pública;

Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou

No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;

vem a sofrer, mesmo "a posteriori", uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:

Perda anatómica; ou

Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;

tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:

Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou

Incapaz do serviço activo; ou

Incapaz de todo o serviço militar".

E acrescenta-se no artigo 2º, nº1, alínea b):

“1. Para efeitos da definição constante do nº2 do artigo 1º deste decreto–lei, considera–se que:

b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto–lei".

Os nºs 2, 3 e 4 do mesmo artigo dispõem, por seu turno:

 

"2.0 "serviço de campanha ou, campanha" tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta de inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.

 
"3.As "circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha"  têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características implicam perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.

"4. "0 exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores", engloba aqueles casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei (redacção rectificada no Diário da República, I Série, 2º Suplemento, de 26/6/76).

A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria–Geral da República".

 
3.  Este corpo consultivo tem interpretado as disposições conjugadas dos artigos 1º, nº2, e 2º, nº4, do Decreto–Lei nº43/76 no sentido de que o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas, para além das situações expressamente contempladas no primeiro preceito – de serviço de campanha ou em circunstâncias com ela relacionadas, de prisioneiros de guerra, de manutenção da ordem pública e de prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública –, só é aplicável aos casos que, “pelo seu circunstancialismo, justifiquem uma equiparação, em termos objectivos, àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que, excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas".


"Assim implica esse regime não só que o acidente tenha ocorrido em serviço, mas também que a actividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar–se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas" (1).

 

4. Excluídas as hipóteses de aplicação directa do nº2 do artigo 1º do citado Decreto-Lei nº43/76, há que ponderar se a matéria fáctica relatada pode ser valorada como consubstanciando uma actividade a que é inerente um risco agravado, idónea para a equiparação a qualquer uma das situações contempladas no nº4 do artigo 2º.

 

Este corpo consultivo vem uniformemente entendendo que só devem considerar–se abrangidos pelo nº4 do artigo ­2º os casos em que haja um risco agravado necessário, implicando uma actividade arriscada por suaprópria natureza e que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes, se identifiquem com o espírito da lei, equiparando–se às situações de campanha e equivalentes. E o espírito da lei, como se diz no parecer nº35/77, "aponta para a especial consideração devida aos que têm de enfrentar situações que põem em causa a própria vida ou integridade física para além dos limites de risco inerentes ao exercício normal da função" ou, conforme se escreveu no parecer nº56/76, espírito que é, sem dúvida, o reconhecimento do direito à reparação que assiste aos que se sacrificam pela Pátria, sendo certo que a dignificação deste sacrifício passa pela não inflação das situações enquadráveis no Decreto–Lei nº43/76.

Igualmente se tem ponderado que o risco agravado, superior ao risco genérico da actividade militar, é incompatível com circunstâncias meramente ocasionais e imprevisíveis, devendo entender–se em sede de objectividade.

5. Na generalidade dos casos, os acidentes vêm descritos segundo uma tipicidade própria que aponta para a relevância do risco, designadamente porque se mostram observadas as regras técnicas e de segurança, ausência da culpabilidade do sinistrado ou de outrem, intromissão no processo causal de factores condicionantes ou agravantes, no, caso do salto de aeronaves em pára–quedas as fortes rajadas de vento, as dificuldades na abertura do pára–quedas ou "enganche", por exemplo. Estes factores aparecem de tal modo ligados ao processo causal normal, típico, que não podem ser considerados imprevistos ou ocasionais (2).

 Este corpo consultivo já teve oportunidade de se pronunciar sobre acidentes ocorridos em exercício de saltos com pára–quedas a partir de aeronaves militares. Ponderou–se no parecer nº285/77, de 12 de Janeiro de 1978  que "o salto em pára–quedas de uma aeronave em voo, não obstante todas as condições de segurança de que possa ser rodeado e a perícia, por mais agravada que seja, de quem o executa, é desde o seu início, um verdadeiro salto no desconhecido porque dominantemente sujeito aos mais diversos imponderáveis que escapam ao controle humano, o que objectivamente configura uma situação de risco tal, pela sua gravidade, o deixa identificar naturalmente com o das situações de campanha" (3)e(4).

6. A actividade de instrução militar mencionada desenvolveu–se, fundamentalmente, em duas fases: uma relativa à preparação dos saltos - envolvendo o equipamento com pára–quedas e o posicionamento dos instruendos face à porta de saída da aeronave; e a outra concretizada na operação de salto.
 
0 acidente em apreço ocorreu numa actividade militar integrada na aludida primeira fase, preparatória da operação de salto.

A referida actividade, lançamento de patrulha de pára–quedistas com a porta de lançamento do avião aberta – só excepcionalmente, a exemplo de outras tarefas de rotina militar, origina acidentes.

Tal actividade em que ocorreu o acidente não envolvia, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado. 0 evento resultante da roçagem do pára–quedas do militar que empreendeu o salto no manipulo de abertura do pára–quedas do sinistrado e a abertura do último, derivante do embate e das lesões corporais referidas, resultou, com efeito, de circunstancialismo ocasional e imprevisto.

Não é, assim, legítimo enquadrar a aludida actividade militar em que ocorreu o evento na situação de risco agravado prevista no nº4 do artigo 2º, referido ao nº2 do artigo 1º, ambos do Decreto–Lei nº43/76.


IV

Em face do exposto, conclui–se:

A acção de lançamento de pára–quedistas, a partir de um avião, realizada pelo respectivo "chefe de saltos", no interior da aeronave e no âmbito da instrução militar, não caracteriza um tipo de actividade com risco agravado equiparável às situações previstas no, nº2 do artigo 1º do Decreto–Lei nº43/76, de 20 de Janeiro.

 

 

(1)Dos pareceres nº55/87, de 29 de Julho, de 1987, e nº80/87, de 19 de Novembro de 1987, homologados mas não publicados, e reflectindo orientação uniforme desta instância consultiva. Cfr. também o parecer nº10/89, de 12.04.89.

(2)Cfr. Parecer nº33/86, de 29.07.87, homologado, e outros aí citados, v.g., pareceres nºs 4/80, de 7.02.80, 86/81, de 11.06.81, 147/81, de 22.10.81, 219/81, de 4.03.82, 42/82, de 1.04.82 e 6/86, de 27.02.86, não publicados.

(3) Homologado e não publicado.

(4)Cfr., neste sentido, por exemplo, os pareceres nºs 4/80, de 7 de Fevereiro de 1980, 86/81, de 11 de Junho de 1981, 147/81, de 22 de Outubro de 1981, 219/81, de 4 de Março de 1982, 42/82, de 1 de Abril de 1982, 6/86, de 27 de Fevereiro de 1986 e 33/86, de 29 de Junho de 1987, não publicados.