Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00000309
Parecer: P000901990
Nº do Documento: PPA19901025009000
Descritores: CASA DO DOURO
ATRIBUIÇÕES
COMPETENCIA
PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PUBLICO
INSTITUTO PUBLICO
ASSOCIAÇÃO PUBLICA
INSCRIÇÃO OBRIGATORIA
PRINCIPIO DA ESPECIALIDADE
INCOMPATIBILIDADE
CAPACIDADE CONTRATUAL
AQUISIÇÃO DE ACÇÕES
SOCIEDADE COMERCIAL
PRINCIPIO DA LEGALIDADE
PRINCIPIO DA IMPARCIALIDADE
TUTELA ADMINISTRATIVA
Livro: 00
Pedido: 08/13/1990
Data de Distribuição: 09/06/1990
Relator: HENRIQUES GASPAR
Sessões: 01
Data da Votação: 10/25/1990
Tipo de Votação: MAIORIA COM 3 VOT VENC
Sigla do Departamento 1: MAPA
Entidades do Departamento 1: SE DA ALIMENTAÇÃO
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 11/15/1990
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: DR 910307
Nº do Jornal Oficial: 55
Nº da Página do Jornal Oficial: 2663
Nº do Boletim do M.J.: 401
Nº da Página do Boletim do M.J.: 51
Indicação 2: ASSESSOR: MEIRIM
Área Temática:DIR ADM * ASSOC PUBL / DIR CIV * TEORIA GERAL.
Ref. Pareceres:P000461985
P001141985
P000281989
P000901985
P001011988
P000071990
P000651986
Legislação:DL 21883 DE 1932/11/18 ART10.; DL 29948 DE 1935/01/10 ART2 ART4.; DL 30248 DE 1939/12/30.; D 30408 DE 1940/04/30 ART5 ART6 ART7.; DL 486/82 DE 1982/12/28 ART1 ART2 ART3 ART5 N2.; DL 313/86 DE 1986/09/24 ART1 N2.; RAR 6/87 DE 1987/02/04.; ESTATUTOS DA CASA DO DOURO APROVADO PELO DL 288/89 DE 1989/09/01 ART1 ART3 ART4 ART5 ART6 A ART31 ART34 N2 ART18 H ART12 L.; CCIV66 ART160 ART294.; DL 288/89 DE 1989/09/02 ART5 N1.; CONST76 ART267 N3 ART266 N2.; L 3/89 DE 1989/03/02 ART1.
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1 - A Casa do Douro, nos termos do artigo 1, n 2, dos Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n 288/89, de 1 de Setembro, e uma pessoa colectiva de direito publico dotada de autonomia administrativa e financeira e de patrimonio proprio, com a natureza de associação publica;
2 - A Casa do Douro tem por objecto a prossecução dos interesses dos vitivinicultores da Região Democratica do Douro, atraves do exercicio das atribuições e competencias previstas na lei e nos estatutos, incumbindo-lhe, tambem, assegurar a necessaria acção de disciplina e controlo da produção e comercialização dos vinhos de qualidade regionais, excluido o vinho generoso do Porto, nas materias da competencia do Instituto do Vinho do Porto - artigo 1, ns 2 e 3, dos Estatutos;
3 - A CAsa do Douro, pela natureza das suas atribuições especificas enumeradas no artigo 3 dos Estatutos, desempenha funções administrativas no dominio da orientação, disciplina e fiscalização da produção e comercio de vinhos da Região Demarcada do Douro, exercendo, por devolução estadual os respectivos poderes, incluindo a plicação de sanções nos termos das competencias que lhe sejam cometidas pelas leis e regulamentos;
4 - A capacidade juridica de direito privado das pessoas colectivas publicas abrange, nos termos do artigo 160 do Codigo Civil, todos os direitos e obrigações necessarios ou convenientes a prossecução dos respectivos fins - principio da especialidade;
5 - O ambito da capacidade negocial de gozo da pessoa colectiva de direito publico determina-se em função do principio da especialidade pela referencia as respectivas atribuições e competencias dos seus orgãos, ou seja, pela consideração dos fins visados com a sua criação e dos interesses que prossegue;
6 - A capacidade negocial de gozo de uma pessoa colectiva de direito publico, não abrange, tambem, quaisquer direitos ou obrigações que se mostrem incompativeis com os respectivos fins;
7 - No elenco das atribuições legalmente definidas da Casa do Douro não se inclui alguma que possa ser desenvolvida atraves da participação em sociedade comercial que tenha por objecto a produção e comercio de vinhos da Região;
8 - A natureza das funções administrativas exercidas pela Casa do Douro, referidas na conclusão 3, mostra-se incompativel com a participação em sociedade comercial que tenha por objecto a produção e comercio de vinhos da Região;
9 - A Real Companhia Velha (designação tambem da Companhia Geral da da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, SA) e uma sociedade anonima cujo objecto abrange a produção, o comercio e a exportação de vinhos da Região do Douro;
10- A participação da Casa do Douro no capital social da Real Companhia Velha não se enquadra no ambito das atribuições que lhe estão definidas e revela-se incompativel com os respectivos fins;
11- A Casa do Douro não tem, deste modo, capacidade negocial de gozo em relação aos direitos e obrigações inerentes a qualidade de accionista da sociedade referida na conclusão 9, nem, consequentemente, em relação aos actos negociais destinados a adquirir essa qualidade;
12- Os negocios juridicos celebrados fora do ambito da capacidade negocial de gozo da pessoa colectiva são nulos, podendo a nulidade ser declarada a todo tempo, a pedido de qualquer interessado ou conhecida oficialmente pelo tribunal - artigos 286 e 294 do Codigo Civil;
13- A Casa do Douro esta sujeita a tutela do Ministro da Agricultura,
Pescas e Alimentação, nos termos do artigo 34 dos Estatutos;
14- No ambito dos poderes de tutela enunciados no artigo 34, n 2, dos Estatutos (dirigir instruções e circulares no dominio da politica vitivinicola, solicitar informações e determinar inqueritos ou sindicancias e destituir os corpos gerentes em caso de grave ilegalidade) não cabe qualquer intervenção sobre a deliberação dos orgãos proprios da Casa do Douro decidindo a participação no capital social da sociedade referida na conclusão 9.

Texto Integral:  
 
 
SENHOR SECRETÁRIO DE ESTADO DA ALIMENTAÇÃO,
 
EXCELÊNCIA
 
 
 
1
 
 
Em 1 de Agosto de 1990 proferiu Vossa Excelência o seguinte despacho:
"1 A Casa do Douro, pessoa colectiva de direito público dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, entrou em negociações com vista à aquisição de 40% do capital social da Real Companhia Velha, o que vem colocar as questões de saber da sua capacidade para a celebração do negócio em apreço, bem como, em caso afirmativo, da necessidade de obtenção de prévia autorização da tutela, que, no caso concreto, é exercida pelo Secretário de Estado da Alimentação, por delegação do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação (cf. despacho de delegação de ,competências, DR, I Série, de 26/2/90).
 
1.1 É que, nos termos dos respectivos estatutos aprovados pelo Decreto-Lei 288/89, de 1 de Setembro, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei nº 3/89, de 2 de Março, a casa do Douro tem por objecto a prossecução dos interesse dos vitivinicultores da
Região Demarcada do Douro, através do exercício das atribuições e competências previstas nas leis e nos estatutos, cabendo-lhe assegurar também a acção de disciplina e o controlo da produção e comercialização dos vinhos de qualidade regionais, excluído o vinho generoso do Porto, nas matérias de competência do respectivo Instituto (artigo 1º, nºs 2 e 3).
 
1.2. E, além disso, das suas atribuições específicas (artigo 3º) consta:
"Na Região Demarcada do Douro, cabem à Casa do Douro, nomeadamente, as seguintes atribuições:
............................................................................................................................................
.....................
b) Orientar, incentivar e disciplinar a produção vitivinícola em ligação com os serviços competentes e prestar assistência técnica aos vitivinicultores;
c) Proceder à distribuição e controlo da quantidade do mosto destinado a benefício nos termos da legislação aplicável, sem prejuízo das atribuições e competências do Instituto do Vinho do Porto;
............................................................................................................................................
........................
1) Zelar pelo cumprimento da legislação relativa à Região e aos vinhos nela produzidos, aplicar as sanções nos termos das competências que lhe sejam cometidas pelas leis e regulamentos, bem como participar as demais infracções detectadas pelos seus serviços às autoridades administrativas ou judiciais competentes.
 
1.3. Acontece que a natureza jurídica da Casa do Douro que se configurará como uma pessoa colectiva pública de tipo associativo, que assegura interesses públicos determinados, pertencentes ao Estado ou a outra pessoa colectiva pública (v. FREITAS DO AMARAL, in Curso de Direito Administrativo V. 1, p. 370 e ss.) parece arredar dos seus fins a participação em sociedades com fim lucrativo.
 
1.4. No entanto, o certo é que dos seus estatutos podem extrair-se argumentos de sinal contrário. Na verdade, quando se determina competir ao Conselho Regional de Vitivinicultores deliberar sobre a criação de empresas no âmbito da Casa do Douro e sobre a participação da Casa do Douro em empresas criadas ou a criar noutros
domínios (artigo 12º, 1), norma que é complementada pela constante da alínea J) do artigo 18º que comete à direcção da Casa do Douro a nomeação de delegados aos conselhos de administração das empresas que venham a ser criadas no âmbito da Casa do Douro ou em que esta participe, parece que se terão querido contemplar outras realidades.
2 Será que, atentas as atribuições específicas constantes do artigo 3º dos seus estatutos, poderá a Casa do Douro participar no capital social de toda e qualquer empresa designadamente na Real Companhia Velha, sociedade comercial cujo objectivo é a produção e comercialização de vinhos?
3 Por outro lado, face ao disposto no artigo 34º, nº 2, dos estatutos da Casa do Douro, coloca-se também a questão de saber-se em que medida a tutela pode e deve intervir sobre a matéria. Ou, dito de outra forma: qual é, afinal, o âmbito dos poderes de tutela do Ministro da
Agricultura, Pescas e Alimentação?
Perante este quadro, atentas as dúvidas que se suscitam e as questões que se levantam, solicita-se parecer urgente do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República".
Cumpre, assim emitir parecer.
 
 
2.
 
 
A 'Casa do Douro', designação da Federação Sindical dos Viticultores da Região do Douro, nasceu sob a feição de organismo sindical pelo Decreto nº 21883, de 18 de Novembro de 1932.
A necessidade de organização da actividade de produção do Vinho do Porto', "pela união inteligente e forte dos produtores, numa defesa comum dos seus interesses" (1) , determinou a publicação do diploma e a criação do organismo "como organização sindical dos viticultores da respectiva região demarcada" (2) .
Estruturada verticalmente, em sindicatos de freguesia e Uniões concelhias, federadas na 'Casa do Douro', competia-lhe, essencialmente, orientar e racionalizar toda a produção e a actividade sindical, promover a constituição de adegas cooperativas, fixar as quantidades de vinho a
beneficiar em cada ano, regular o trânsito e a aplicação da aguardente necessária a essa beneficiação, promover o escoamento dos vinhos não beneficiados e fixar os preços mínimos de venda.
Constituía elemento fundamental da organização a obrigatoriedade de sindicalização, que se entendia segundo o preâmbulo do diploma "corresponder aos desejos regionais, manifestados em numerosas reuniões e representações" (3) .
À organização assim criada, como 'órgão de direito público', ficavam cometidas "algumas das regalias de soberania própria do Estado", com a faculdade de "promulgar regras disciplínadoras de toda a actividade produtora e até de aplicar sanções".
As atribuições da 'Casa do Douro' constavam das várias alíneas do artigo 10º do referido diploma, destacando-se, entre todas, a orientação e fiscalização da produção vitícola e vinícola em toda a região dos vinhos generosos do Douro - alínea a); a fixação dos preços mínimos de
venda para os vinhos e mostos produzidos na região - alínea b); fixar a quantidade de vinho a beneficiar em cada ano - alínea c); promover o escoamento anual dos vinhos não beneficiados - alínea e).
A obrigatoriedade de sindicalização derivava da absoluta proibição, referida no artigo 3º, de toda e qualquer transacção comercial sobre os vinhos dos produtores da região demarcada, "proprietários, arrendatários ou parceiros" que se não inscrevessem nos respectivos sindicatos vitícolas.
A 'Casa do Douro' devia, também, elaborar o "recenseamento de todos os produtores, com a indicação dos viticultores, comerciantes, correctores, comissários ou empregados de casas de vinho e aguardentes", nos termos do artigo 44º do referido diploma.
Apesar da feição marcadamente pública da instituição assim criada, reconhecia-se que a 'Casa do Douro', pela sua natureza e fins, representava apenas um começo de 'sindicalização de produção', constituindo "a intervenção do Estado, essencialmente, neste particular,
coordenadora das actividades individuais cujos direitos, aliás, de forma alguma se pretende coarctar, mas antes defender" (4) .
A Federação Sindical dos Viticultores da Região do Douro, criada pelo Decreto nº 21883, de 18 de Novembro de 1932, passou a denominar-se, por força do disposto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 29948, de 10 de Janeiro de 1935, Federação dos Vinicultores da Região do Douro, "podendo continuar a usar subsidiariamente a designação de 'Casa do Douro'.
Pretendeu-se com este diploma harmonizar os estatutos da Federação com os princípios que informavam a "organização corporativa da Nação" (5): pelo artigo 2º, as Uniões Concelhias definidas no Decreto nº 21883 foram transformadas em grémios de vinicultores, mantendo estes a constituição e competência daquelas, e no artigo 3º consignou-se que "a Casa do Douro
é constituída pelo conjunto dos grémios de vinicultores, os quais abrangem obrigatoriamente todos os vinicultores da região demarcada dos vinhos generosos do Douro".
De acordo com o artigo 4º do referido Decreto-Lei nº 29948, de 10 de Janeiro de 1935, a Casa do Douro e os grémios eram organismos corporativos, nos termos do Decreto-Lei nº 23049, de 23 de Setembro de 1933, de funcionamento e administração autónomos, com personalidade
jurídica, e exerciam funções de interesse público, representando todos os elementos que os constituíam.
Assumindo-se. como diploma de adaptação estatutária perante os princípios da organização corporativa, o Decreto-Lei nº 29948 não incidiu sobre a redefinição das finalidades e atribuições da Casa do Douro, que se mantiveram com a conformação do diploma que criara a Federação Sindical. A reformulação centrou-se na estrutura dos respectivos órgãos e no
estabelecimento de uma marcada intervenção estatal, tanto na designação do presidente da direcção e nos poderes de destituição dos membros da direcção, como nos poderes do delegado do Governo junto da Casa do Douro - direito de veto sobre deliberações dos corpos gerentes que considerasse lesivas de interesse nacional ou dos interesses dos associados - artigos 7º e 12º, §§ 2º e 3º.
O Decreto-Lei nº 30248, de 30 de Dezembro de 1939, constituiu o sequente momento legislativo sobre a estrutura organizatória e orgânica da 'Casa do Douro':
Foi complementado e desenvolvido pelo Decreto nº .30408, de 30 de Abril de 1940, publicado em cumprimento da imposição do artigo 7º daquele diploma.
Os motivos que determinaram a modificação legislativa, através da publicação destes diplomas, estão expressos no preambulo do Decreto nº 30408, de 30 de Abril de 1941.
Pretendeu-se reforçar a intervenção da lavoura no efectivo funcionamento da Casa do Douro, pondo termo a situações transitórias em que, por razões de facto, a instituição havia vivido sob tutela " à margem de toda a participação da lavoura duriense, que nunca exerceu o seu teórico
direito de auto-direcção".
Assim, instituiu-se "um sistema de justo equilíbrio", em que se garantia "aos produtores a representação a que têm pleno direito", "sem prejuízo da posição que não pode deixar de ser reservada ao Estado" no funcionamento da organização (6).
Nesta medida, no aspecto orgânico, reduziu-se a intervenção do Estado na constituição dos órgãos e na designação e destituição dos respectivos membros (7), com a maioria da direcção constituída por vinicultores, e, no sistema estrutural, atribuíram-se aos grémios constitutivos da
Federação condições de vida própria, -elementos primários da organização, revestidos igualmente de personalidade jurídica e de administração e funcionamento autónomos - artigo 79 do Decreto nº 30408, de 30 de Abril de 1940 (8) .
No aspecto financeiro, efectuou-se "uma remodelação do sistema de taxas" e "de distribuição do seu produto por forma a ficarem garantidos aos organismos os recursos suficientes para o desempenho da sua acção" (9) .
As atribuições e fins da Federação dos Vinicultores da Região do Douro (Casa do Douro), no quadro do Decreto nº 30408, eram definidas pelos artigos 5º e 6º.
A Federação enquadrava na ordem corporativa nacional os vinicultores da região dos vinhos generosos do Douro, com o objectivo de orientar a sua actividade, tendo em vista a maior expansão do vinho do Porto - artigo 5º.
No artigo 6º, nºs 1 a 25, e independentemente de outras que lhe fossem "atribuídas", estabelecia-se um alargado elenco de "funções" que competiam especialmente à Federação; à continuidade de um elenco fundamental de poderes de orientação e intervenção no que respeita
à produção de vinho do Porto, acrescentou-se expressamente o exercício das funções políticas conferidas aos organismos corporativos, a orientação, coordenação e fiscalização da acção dos grémios e algumas funções consultivas.
Das "funções" que competiam especialmente à Federação, segundo a enumeração do artigo 6º, importará, nesta visão retrospectiva sobre a evolução normativa da instituição, salientar algumas:
Representar os interesses legítimos da vinicultura da Região, defendendo-os perante o Estado e os outros organismos corporativos e de coordenação económica - nº 1;
Colaborar na fiscalização do plantio da vinha - nº 3;
Autorizar a beneficiação do vinho da região- nº 4;
Regular a entrada na região, o transito e a aplicação de aguardentes destinadas à beneficiação dos mostos - nº 5;
Promover anualmente o escoamento dos vinhos não beneficiados - nº 7;
Intervir no mercado no sentido da estabilização dos preços - nº 8;
Passar certificados de procedência relativamente aos mostos, vinhos e aguardentes produzidos na região - nº 11;
Organizar e manter em dia o inventário das propriedades vitícolas da região - nº 13;
Cooperar na orientação e condicionamento da produção e comércio dos vinhos da região e realizar a respectiva fiscalização, fazendo cumprir as determinações que forem adoptadas pelo Instituto do Vinho do Porto e vigiando pelo rigoroso acatamento das disposições legais relativas à entrada, transito, fabrico, beneficiação, preparação, conservação, correcção ou tratamento das uvas, mostos, vinhos e seus derivados, dentro da área da região (10) .
A Casa do Douro desempenhava também (directamente ou por intermédio de outras instituições) funções de entidade financiadora de actividades de vinicultura (artigo 6º, nº 12).
E, como corolário de uma alargada definição de atribuições, a Federação detinha poderes de fiscalização e polícia pelas infracções às regras estabelecidas no respectivo diploma ou nos regulamentos, e igualmente poderes sancionatórios relativamente aos agremiados -artigos 65º a
75º do Decreto-Lei nº 30408, relativamente a normas que não constituíssem violação dos preceitos legais relativos à produção e comércio do vinho do Porto.
Relativamente a estas, para além da competência dos funcionários dos serviços de fiscalização para levantar autos das infracções que verificassem, à Federação era atribuída "legitimidade para acusar em juízo nos processos instaurados por violação das disposições legais aplicáveis à produção e comércio de produtos vinícolas da região" - artigo 75º do anunciado diploma.
A Federação dos Vinicultores da Região do Douro ('Casa do Douro'), integrada na organização corporativa - modelo, político de intervenção na estrutura organizativa das actividades económicas própria de uma época evolutiva do regime anterior ao 25 de Abril de 1974 -,desenvolvia, assim, finalidades de representação de uma actividade produtiva de relevante
interesse nacional (numa afirmação para o exterior), e atribuições de feição orientadora, regulamentadora, de disciplina e fiscalização da própria actividade que enquadrava (numa perspectiva interna,relativamente ao universo organizatório dos sujeitos que a integravam).
Não obstante a função de representar os interesses legítimos dos vinicultores da região, defendendo-os perante o Estado, a Federação, como organização corporativa de interesse público, estava marcada por um acentuado intervencionismo estatal, afirmado nos poderes de designação e intervenção na respectiva direcção, como também na amplitude dos poderes do delegado do Governo e na sujeição ao Ministro do Comércio e Indústria no que respeitasse à orientação técnica e económica e à fiscalização da sua actividade nesse domínio.
 
 
3
 
 
O Decreto-Lei nº 486/82, de 28 de Dezembro, produziu uma alteração fundamental na posição institucional e na reestruturação jurídica da 'Casa do Douro'.
A extinção dos organismos corporativos obrigatórios, determinada pelo Decreto-Lei nº 443/74, de 12 de Setembro, havia deixado a Federação dos Viticultores da Região do Douro numa situação que se caracterizava por uma grande indefinição a que se tornava imperioso pôr termo.
(11)
Na verdade, segundo se refere no preâmbulo do diploma, "a Casa do Douro, nascida como organização sindical pelo Decreto nº 21883, de 18 de Novembro de 1932, e posteriormente transformada em organismo corporativo, constitui de há muito uma realidade que transcende largamente a particular concepção política com base na qual se impulsionou a sua criação".
"Impõe-se, por isso, encarar esta realidade sem quaisquer preconceitos políticos ou ideológicos e dar-lhe forma jurídica e estrutura orgânica adequada à realização das tarefas de interesse regional e nacional que não devem deixar de lhe ser atribuídas". Tratava-se de satisfazer a
exigência de descentralização no sector da vitivinicultura duriense, não só fortemente significativa para a economia regional e nacional, como também muito sensível à influência de factores históricos, culturais e humanos da Região Demarcada do Douro.
A entidade jurídica criada pelo Decreto-Lei nº 486/82, de 28 de Dezembro, resultou da transformação da Federação dos Vinicultores da Região do Douro, continuando a manter a designação tradicional de "Casa do Douro".
0 artigo lº, com efeito, dispõe no nº 1 que "a Federação dos Vinicultores da Região do Douro, designada por Casa do Douro, é extinta e em sua substituição é criada a Casa do Douro.
E no nº 2 estabeleceu a sua natureza jurídica: "A Casa do Douro é uma pessoa colectiva de direito público dotada de autonomia administrativa e financeira e património próprio" (12) .
0 artigo 2º definia os fins a prosseguir pela ;pessoa colectiva de direito publico criada: "A Casa do Douro tem por objecto a representação e promoção dos interesses dos vitivinicultores durienses e o exercício das atribuições e competências que lhe são cometidas pelo presente
diploma e estatutos complementares".
No artigo 3º do diploma estabelecia as respectivas atribuições e competências. Dispunha:
"' A Casa do Douro cabem, na respectiva região demarcada, as seguintes atribuições e competências:
a) Executar, manter e controlar permanentemente, nos termos da legislação em vigor, o cadastro das vinhas e o ficheiro cadastral dos vitivinicultores, em colaboração com os serviços responsáveis pelo cadastro vitícola a nível nacional;
b) Incentivar e disciplinar a produção vitivinícola, em ligação com os serviços competentes na matéria;
c) Colaborar no controle da comercialização, na região demarcada, dos produtos vínicos de outras proveniências;
d) Proceder à distribuição e controle do quantitativo do mosto destinado a benefício, sem prejuízo das atribuições cometidas ao Instituto do Vinho do Porto;
e) Assegurar e controlar, em colaboração com o Instituto do Vinho do Porto, o fornecimento de toda a aguardente necessária aos produtores e comerciantes para a beneficiação e tratamento dos mostos e vinhos generosos e licorosos;
f) Emitir a documentação de carácter geral relativa à procedência e trânsito dos produtos vínicos produzidos na região;
g) Reunir e controlar permanentemente as declarações de produção (manifestos) e de existência, bem como abrir e controlar as contas correntes relativas a mostos e vinhos da região e, ainda, das aguardentes de qualquer proveniência, sem prejuízo do condicionalismo legal quanto à matéria;
h) Promover, conceder ou colaborar nos financiamentos à vitivinicultura regional, designadamente quanto a empréstimos e subsídios;
i) Desenvolver, quando necessário, as acções tendentes à regularização do mercado dos produtos vínicos e fomento da sua qualidade, bem como ao escoamento dos vinhos não comercializados;
j) Promover e colaborar na melhoria das condições de fabrico dos produtos vitivinícolas da região;
l) Promover e colaborar na investigação e experimentação tendentes ao aperfeiçoamento da vitivinicultura duriense"
A Casa do Douro ficava sob a tutela do Ministro da Agricultura, Comércio e Pescas, decorrendo a intervenção do Estado nos limites do exercício da tutela definidos no artigo 5º, nº 2, do referido diploma (13) .
O Decreto-Lei n9 486/82, de 28 de Dezembro, constitui, como resulta da respectiva exposição de motivos e das soluções gerais que estabelece, um diploma de transição de regime jurídico da realidade institucional que forma o seu objecto.
Não continha, todavia, uma regulamentação completa da realidade que juridicamente redefiniu:
os estatutos da Casa do Douro seriam elaborados pela própria direcção desta e aprovados por decreto conjunto dos Ministros referidos nos artigos 8º, nº 1, e 9º, nº 2, e, transitoriamente, até à aprovação e publicação dos estatutos, manter-se-ia em vigor, com as necessárias adaptações, o disposto no decreto nº 30408, de 30 de Abril de 1940 - artigo 9º, nº 3 do decreto-Lei nº 486/82, "ficando o Ministro da Agricultura, Comércio e Pescas autorizado a definir, por despacho, o regime a seguir em relação aos assuntos que exijam solução urgente".
Ademais, a evolução posterior demonstrou que as orientações fundamentais sobre esta realidade não estavam suficientemente sedimentadas, dando campo à manifestação legislativa da intenção de modificação substancial quanto ao regime, se não mesmo à função, da Casa do Douro.
Com efeito, não só a elaboração e aprovação dos estatutos não ocorreu (pelo menos a aprovação por decreto, nos termos previstos no artigo 8º, nº 1 do Decreto nº 486/ /82, de 28 de Dezembro), como foi entretanto publicado o Decreto-Lei nº 313/86, de 24 de Setembro (de vida, efémera, é certo, mas revelando uma modificação política sobre matéria),extinguindo a Casa do Douro.
0 Decreto-Lei nº 313/86, de 24 de Setembro pretendeu proceder a uma alteração do modelo e natureza jurídica adoptada para a Casa do Douro.
Reconhecendo que o Decreto-Lei nº 486/82, de 28 de Dezembro, havia dado lugar "ao aparecimento de um organismo de natureza jurídica pública sui generis, com um estatuto intermédio entre o instituto público e a associação de direito privado" (14) procedeu a uma reformulação baseada em outros pressupostos e parâmetros, de que se destaca a submissão do
novo modelo para a Casa do Douro (que poderia continuar a utilizar esta designação tradicional) a uma estrutura organizaria, de natureza associativa, de índole privatística, representativa dos interesses directamente ligados ao vinho da Região, mas susceptível de beneficiar da transferência do exercício dos direitos e obrigações, atribuições e competências anteriormente cometidos à Casa do Douro.
Nesta perspectiva de transformação, porém, nos termos do artigo 1º, nº 2, do Decreto-Lei nº 313/86, de 24 de Setembro, a extinção somente produziria efeitos após a criação da associação que representaria os produtores de vinho da Região do Douro.
A Assembleia da República, no entanto, na sequência do processo de sujeição a ratificação, recusou a ratificação do Decreto-Lei nº 313/86, de 24 de Setembro, repristinando o Decreto-Lei nº 486/82, de 28 de Dezembro - cfr. nºs 1 e 2 da Resolução da Assembleia da República nº 6/87, aprovada em 4 de Fevereiro de 1987 e publicada no Diário da República, I Série, -nº 44, de 21 de Fevereiro de 1987 (15) .
 
 
4.
 
 
A definição da natureza jurídica da Casa do Douro e a sua organização estatutária constam, actualmente, dos estatutos da Casa do Douro, aprovados pelo Decreto-Lei nº 288/89, de 1 de Setembro, e que,
nos termos do artigo 1º deste diploma, dele fazem parte integrante.
O diploma foi publicado no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 1º da Lei nº 3/89, de 2 de Março (16)
Dispõe o artigo 1º dos Estatutos da Casa do Douro, aprovados pelo referido Decreto-Lei:
 
"Natureza, fins e sede"
"1 A Casa do Douro é uma pessoa colectiva de direito público dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio.
2 A Casa do Douro tem por objecto a prossecução dos interesses dos vitivinicultores da Região Demarcada do Douro, através do exercício das atribuições e competências previstas nas leis e nos presentes estatutos.
3 A Casa do Douro incumbe também assegurar a necessária acção de disciplina e o controlo da produção e comercialização dos vinhos de qualidade regionais, excluído o vinho generoso do Porto, nas matérias da competência do respectivo instituto(17) .
4 A Casa do Douro tem a sua sede em Peso da Régua, podendo criar delegações ou representações no País e no estrangeiro".
 
O artigo 3º, por seu lado, enumera as "atribuições específicas" da Casa do Douro:
"Na região demarcada do Douro, cabem à Casa do Douro, nomeadamente, as seguintes atribuições:
a ) Organizar, manter actualizado controlar permanentemente, nos termos da legislação em vigor, o cadastro das vinhas e o ficheiro cadastral dos vitivinicultores, em ligação com os serviços responsáveis pelo cadastro vitícola a nível nacional;
b) Orientar, incentivar e disciplinar a produção vitivinícola, em ligação com os serviços competentes e prestar assistência técnica aos vitivinicultores;
c) Proceder à distribuição e controlo da quantidade do mosto destinado a benefício nos termos da legislação aplicável, sem prejuízo das atribuições e competências cometidas ao Instituto do Vinho do Porto;
d) Emitir a documentação geral respeitante à procedência e trânsito dos produtos vínicos produzidos na Região;
e) Reunir e controlar permanentemente as declarações de produção (manifestos) e de existência bem como abrir e controlar as contas correntes relativas a mostos e vinhos da Região e, ainda, das aguardentes de qualquer proveniência, sem prejuízo dos condicionalismos legais aplicáveis;
f) Promover, conceder ou colaborar nos financiamentos à vitivinicultura da Região, nomeadamente empréstimos e subsídios;
g) Desenvolver, sob a coordenação do organismo a que incumbe tal acção a nível nacional, as medidas tendentes à regularização do mercado dos produtos vínicos da Região e ao fomento da qualidade dos mesmos,, bem como ao escoamento dos vinhos não comercializados;
h) Prestar ao Instituto do Vinho do Porto a colaboração por este solicitada no âmbito das suas competências legais, nomeadamente no que respeita ao fornecimento da aguardente a utilizar na beneficiação e tratamento dos mostos e vinhos generosos e licorosos da Região;
i) Promover e colaborar na melhoria das condições de fabrico dos produtos vitivinícolas da Região;
j) Promover e colaborar na investigação e experimentação tendentes ao aperfeiçoamento da vitivinicultura duriense;
1) Zelar pelo cumprimento da legislação relativa à Região e aos vinhos nela produzidos, aplicar as sanções nos termos das competências que lhe sejam cometidas pelas leis e regulamentos, bem como participar as demais infracções detectadas pelos seus serviços às autoridades administrativas ou judiciais competentes".
A relação e ligação imediata entre o objecto da Casa do Douro - prossecução dos interesses dos vitivinicultores da Região - e os próprios vitivinicultores cujos interesses a instituição representa, promove, prossegue e defende, que verdadeiramente configuram o respectivo
universo pessoal, opera-se pelo modo estabelecido nos artigos 4º e 5º dos Estatutos.
Dispõem:
"Artigo 4º"
Qualidade de vitivinicultor
"1 O exercício legal da vitivinicultura na Região Demarcada do Douro depende de o produtor se encontrar regularmente recenseado como vitivinicultor na Casa do Douro.
 
2 O recenseamento referido no número anterior abrange todas as pessoas, singulares ou colectivas, que, na qualidade de proprietários, usufrutuários, arrendatários, subarrendatários, parceiros, depositários, consignatários, comodatários ou usuários, cultivem vinha na Região.
3 Os vitivinicultores são recenseados em cadastros organizados por freguesia".
"Artigo 5º
'Recenseamento'
"1 A operação de recenseamento dos vitivinicultores e a sua permanente actualização é feita oficiosamente pela Casa do Douro, sem prejuízo de as pessoas que se encontrem nas condições definidas no nº 2 do artigo anterior deverem, por sua iniciativa, requerer a respectiva
inscrição, declarando a qualidade em que o fazem.
2 Sempre que ocorra mudança de cultivador de quaisquer vinhas inscritas no cadastro deve o facto ser comunicado pelo novo cultivador aos serviços da Casa do Douro, no prazo máximo de 60 dias".
Não se configura, assim, a inscrição associativa obrigatória, mas a necessidade de recenseamento como vitivinicultor é condição de exercício legal da vitivinicultura na Região; e o recenseamento tanto é função da instituição como dever do próprio vitivinicultor.
Os vitivinicultores (recenseados, pois apenas estes podem legalmente exercer a actividade na Região),além de outros direitos, detêm, em relação à Casa do Douro, o direito pessoal de eleger e ser eleitos para os respectivos órgãos, - direito fundamental em termos da instituição que os aproxima, ou constitui, em verdadeiro substracto pessoal - cfr. artigo 6º, alínea a) dos Estatutos (18)
Os órgãos da Casa do Douro estão previstos no artigo 8º dos Estatutos: - conselho regional de vitivinicultores, direcção, conselho de direcção e conselho vítivinícola interprofissional.
A composição e o modo de designação dos respectivos membros (nomeadamente quanto aos órgãos com competências estatutárias mais extensas e actuantes - o conselho regional, a direcção e o conselho de direcção) reflectem uma clara predominância da eleição de entre e pelos vitivinicultores recenseados, a traduzir uma gestão democrática de e pelos titulares dos
interesses que, pelo modo legalmente determinado, a instituição tem como objecto prosseguir.
A Casa do Douro tem receitas próprias, nos termos do artigo 31º, nºs 1 e 2, dos Estatutos - taxas legalmente estabelecidas que incidem sobre a produção vinícola (19) e outras importâncias cobradas pelos serviços prestados, o produto da gestão do respectivo património e os subsídios atribuídos por entidades públicas e privadas.
A Casa do Douro fica sob a tutela do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, a quem cabem, neste âmbito, os poderes enunciados nas alíneas a), b), c) e d) do nº 2 do artigo 34º dos Estatutos (20) .
E de acordo com o disposto no artigo 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 288/89, de 2 de Setembro, a actividade da Casa do Douro será acompanhada por um auditor, nomeado pelos Ministros das Finanças e da Agricultura, Pescas e Alimentação ao qual compete:
- Acompanhar e fiscalizar o cumprimento pela Casa do Douro das leis e regulamentos que lhe são aplicáveis - (alínea a):
- Examinar periodicamente a situação financeira e económica da Casa do Douro e proceder à verificação dos valores patrimoniais - (alínea b);
- Emitir pareceres sobre o orçamento, relatório e contas da Casa do Douro - (alínea c);
- Emitir parecer sobre a contracção de empréstimos pela Casa do Douro - (alínea d).
 
 
5.
 
 
A Casa do Douro é qualificada na lei como pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio artigo 1º, nº 1, dos Estatutos.
Entre as atribuições que lhe estão cometidas, várias integram imediatamente e a realização de fins do Estado, constituindo, por isso, actividades administrativas realizadas para a prossecução de fins estaduais. A entidade pública dotada de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira que desenvolve estas actividades administrativas, integra a administração estadual indirecta ou autónoma (21).
A chamada administração indirecta, como a administração autónoma, surgem da necessidade do Estado de assumir e garantir a satisfação de diversas necessidades colectivas, de ordem social, económica e cultural, nomeadamente orientadas para a decomposição do tradicional aparelho administrativo do Estado, sem prejuízo da capacidade de resposta que se lhe requer.
0 Estado, por sua própria iniciativa, transfere parte das suas atribuições para pessoas colectivas menores que, em consequência, passam a exercer uma parcela da função administrativa que àquele incumbe, fixando a sua actividade sob um variável grau de tutela governamental.
No direito português, as espécies de organismos ou entidades que desenvolvem uma :administração estadual indirecta, ou que pertencem à administração autónoma, são os institutos públicos, as empresas públicas e as associações públicas(22).
Na definição de FREITAS DO AMARAL (23) , "o instituto público é uma pessoa colectiva, de tipo institucional, criada para assegurar o desempenho de funções administrativas determinadas, pertencentes ao Estado ou a outra pessoa colectiva pública".
O instituto público é, pois, uma pessoa colectiva pública, dotada sempre de personalidade jurídica. E é uma pessoa colectiva de tipo institucional, isto é, "o seu substracto é uma instituição, não uma associação: assenta sobre uma organização de carácter material e não
sobre um agrupamento de pessoas" (24) .
0 instituto público é, por outro lado, uma entidade criada para assegurar o desempenho de funções administrativas determinadas. A função do instituto público é, assim, assegurar o desempenho de uma actividade pública de carácter administrativo e não o exercício de funções
privadas ou de funções públicas não administrativas. Por outro lado, as atribuições dos institutos públicos não podem ser indeterminadas, não podem abranger uma multiplicidade genérica de fins: só podem tratar das matérias que especificamente lhes sejam cometidas por lei (25) .
As associações públicas em sentido estrito constituem uma das formas ou modos de administração associativa. Existem "quando se constituam pessoas colectivas tendo por objecto a colaboração entre a Administração e os administrados ou, em certos casos, entre diversos entes administrativos para uma obra comum". As associações públicas distinguem-se de outras formas de colaboração ou participação "pelo carácter institucionalizado e pela personificação jurídica em que se traduzem: a Administração dá o poder e a forma jurídica, os administrados a participação e a conjugação de esforços"(26) .
Associações públicas são, na definição de FREITAS DO AMARAL (27) , "as pessoas colectivas públicas, de tipo associativo, criadas para assegurar a prossecução de interesses públicos determinados, pertencentes ao Estado ou a outra pessoa colectiva pública".
Constituem entidades que a lei cria ou reconhece para assegurar a prossecução de interesses colectivos, às quais, para tanto, atribui poderes públicos, sujeitando-as, em correspondência, a algumas especiais restrições de carácter publico - administração de interesses públicos (de
interesses do Estado) que a entidade titular transfere através da devolução de poderes.
Segundo a lição de JORGE MIRANDA (28) , pode definir-se o conceito numa fórmula sintética, dizendo que a associação pública é a associação submetida a um regime específico de direito administrativo, ou a "pessoa colectiva de tipo corporacional constituída para a prossecução de interesses públicos e dotada dos necessários poderes jurídico -administrativos".
Decompõe-se o conceito em três elementos: a natureza associativa - os associados são os destinatários da actividade administrativa; a prossecução de interesses públicos - seja de interesses públicos colectivos específicos, seja de interesses públicos primárias, e a inserção no âmbito da Administração - enquanto expressão de descentralização funcional.
A revisão de 1982 da Constituição da República constitucionalizou o conceito de associações públicas.
Enunciado os princípios constitucionais relativos à estrutura organizatória da administração, o artigo 267, nº 1, da Constituição impõe que a Administração Pública seja estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interesses na sua gestão efectiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações populares de base ou outras formas de representação democrática.
As associações públicas só podem ser constituídas para a satisfação de necessidades específicas, não podem exercer funções próprias das associações sindicais e terão organização interna baseada no respeito dos direitos dos seus membros e na formação democrática dos seus órgãos - artigo 2679, nº 3.
É por outro lado, da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre associações públicas - artigo 168º, nº 1, alínea t), da Constituição.
As associações públicas são, assim, constitucionalmente consideradas como formas de participação dos interessados na administração pública; integram-se na administração, participando da actividade administrativa.
Através delas, como se vê, o Estado confere aos interessados certos poderes públicos, submetendo-as, consequentemente, a um regime de direito público - na criação, na conformação organizatória, no controlo de legalidade dos actos.
O reconhecimento constitucional expresso das associações públicas (efectuado na primeira revisão constitucional) veio dar cobertura a este tipo de associações - em grande parte provenientes do sistema constitucional de 1933 - cuja legitimidade constitucional podia ser
questionada face ao texto originário da Constituição da República, que as não mencionava (29).
O conceito de associação pública levanta, como refere JORGE MIRANDA (30) não raras vezes, certa hesitação ou perplexidade.
"Por causa do elemento associativo, haverá quem não anteveja o carácter público ou quem suponha que as regras das associações privadas ou do direito constitucional de liberdade de associação valem directamente, como tais, para as associações públicas". "Por causa do elemento finalístico, haverá quem questione o carácter associativo".
Não se pode, por isso, negar a dialéctica que ocorre nas associações públicas entre a associação e o regime administrativo, entre o elemento pessoal do substracto e o elemento institucional das atribuições, entre a possibilidade da escolha dos meios e a fixidez (relativa) dos fins, entre
um conteúdo essencial ou mínimo de liberdade, se não na formação, pelo menos na condução da associação, e a constante referência ao bem público (31) .
Para a resolução desta dialética (onde reside justamente o cerne do conceito, aquilo que lhe confere a sua irredutibilidade), tudo está, como escreve JORGE MIRANDA, "em apreender a associação pública com um tertium genus a aditar à associação privada e ao instituto público".
Esta tensão que se surpreende no núcleo do conceito esteve presente como ideia matriz nas discussões parlamentares que conduziram à constitucionalização da figura.
No debate na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional são relevantes as intervenções dos deputados JORGE MIRANDA e VITAL MOREIRA (32) .
Relembrem-se alguns passos da intervenção daquele deputado (33) : "a figura das associações públicas não é uma figura nova. Existe no direito português. As ordens profissionais são talvez as mais importantes das associações públicas.
Mas há outras, ou pode haver outras. ( ... ). As associações públicas correspondem por um lado, a uma forma de participação dos administrados na Administração e a uma forma de descentralização. Em contrapartida, traduzem-se em restrições ou limitações à liberdade de associação".
A necessidade de constitucionalização do instituto justificava-se, no desenvolvimento do debate, considerando que "as associações públicas vão receber poderes de autoridade(...)e é na parte em que vão receber (tais poderes), que podem ser intensos, sobre os seus membros, que importa que haja uma definição legislativa a cargo da Assembleia da Republica".
Por sua vez, o deputado VITAL MOREIRA qualificou as associações públicas como "pessoas colectivas de direito público de base associativa", caracterizando-se por dois aspectos: "em primeiro lugar, por serem de direito público e terem poderes de natureza pública; em segundo
lugar, e por decorrência desse aspecto, o facto de haver implicações específicas em matéria de liberdade de associação que podem ir até ao ponto da obrigatoriedade da constituição, da filiação obrigatória, ( ... ), como acontece, aliás, entre nós, com as ordens profissionais" (34) .
Nestas linhas de tensão dialética que conferem irredutabilidade ao conceito de associação pública (essencialmente os pontos de encontro e de conflito com o direito fundamental da liberdade de associação), se centram também os comentários de J.GOMES CANOTILHO e
VITAL MOREIRA (35) . Escrevem:
"Problema de grande relevância constitucional é o de saber se e em que medida é que o regime constitucional do direito de associação" (previsto no artigo 46º da Constituição) "vale também para as associações públicas".
"Qualquer que seja a sua configuração rigorosa, tudo aponta para que se trata de uma figura constitucional autónoma, de um tipo particular de associações com um regime jurídico qualificado, não podendo, portanto, estar sujeitas directamente ao regime constitucional geral das associações. Todavia, apesar dessa autonomia, as associações públicas não deixam de ser associações, pelo que o regime especial delas só deve afastar-se do regime geral das associações na medida em que isso seja exigido pela sua natureza pública".
Desenvolvendo este raciocínio no comentário ao artigo 267º da Constituição, escrevem os mesmos autores (36) : "A natureza pública autoriza desvios mais ou menos extensos à liberdade de associação, mas esses desvios devem pautar-se pelos princípios da necessidade e
da proporcionalidade, em termos similares aos que regem em geral as restrições dos direitos, liberdades e garantias (artigo 18º, nº 2)".
Com a consagração constitucional das associações públicas, operada pela revisão de 1982 (37) , continua a haver maiores ou menores dificuldades na qualificação desta ou daquela pessoa colectiva em concreto, em virtude de particularidades do respectivo estatuto ou da própria natureza controvertida (e com dificuldades doutrinais) da própria classificação.
Importa, assim, mais do que rotular certos substractos associativos, analisar os respectivos requisitos essenciais, integradores do seu conteúdo jurídico e, por isso, determinantes do regime que lhes é aplicável.
Podem, para isso, distinguir-se as manifestações próprias do elemento pessoal, do elemento finalístico e da interpenetração entre ambos.
No elemento pessoal podem referir-se alguns índices de relevância: a existência de interesses sociais passíveis de conformação como interesses públicos; a participação dos membros na formação e na alteração das normas estatutárias; a gestão (ou, ao menos, a predominância da gestão) por órgãos representativos dos associados.
No que se refere ao elemento finalístico ou institucional são de sublinhar os seguintes índices:
a intervenção do Estado (ou de outra entidade pública) na constituição da associação, seja por lei ou por acto administrativo, seja precedendo deliberação ou solicitação de interessados ou suscitando-a, seja remodelando uma associação privada anterior ou criando ex novo a
associação; a dependência da alteração estatutária da intervenção do Estado; a impossibilidade de dissolução por mera deliberação dos associados; a prática de actos administrativos recorríveis contenciosamente; a sujeição a formas de intervenção ou de tutela do Estado; a existência de prerrogativas de autoridade pública.
No que diga respeito à ligação entre os referentes associativo e institucional, são de acentuar os seguintes índices: não sujeição às regras civilísticas da tipicidade das formas de constituição e
extinção(38);reconhecimento individualizado da personalidade jurídica; a inscrição obrigatória dos associados; o princípio da existência de uma só associação para uma determinada área de interesses; o exercício de um poder disciplinar sobre os associados.
 
6
 
 
A Casa do Douro, na definição e estruturação segundo o modelo estatutário aprovado pelo Decreto-Lei nº 288/89, de 1 de Setembro, reveste a natureza jurídica de uma associação pública.
Os elementos relevantes da sua organização, ultrapassam, com efeito, o mero substracto institucional e material, próprio do instituto público, e assentam marcadamente sobre um agrupamento de pessoas.
Como associação pública foi pensada e perspectivada pelo legislador, que nela fez conjugar relevantes manifestações próprias dos elementos pessoal e finalístico ou institucional.
Desde logo, a Proposta de Lei nº 70/V de autorização legislativa para aprovar os Estatutos da Casa do Douro, partiu do pressuposto da natureza associativa da instituição "assumindo a vincada natureza de associação pública" (39) .
E, nestes termos, o artigo 1º da Proposta dispunha:
"Fica o Governo autorizado a aprovar os Estatutos da Casa do Douro e respectivo regulamento eleitoral ( ... ), com o objectivo de lhe reconhecer a sua natureza de associação pública, atribuindo-lhe também o direito de representar os vitivinicultores da Região Demarcada do
Douro, fazendo depender o exercício legal da vitivinicultura naquela região da inscrição na Casa do Douro".
A Lei nº 3/89, de 2 de Março, aprovada na sequência do respectivo processo legislativo (40) , invocando o disposto no artigo 168º, nº 1, alínea t), da Constituição (reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República sobre associações públicas) (41) , determinou no artigo 1º:
"Fica o Governo autorizado a legislar sobre a Casa do Douro, dotando-a, como prevê o artigo 8º, do Decreto-Lei nº 486/82, de 28 de Dezembro, de estatutos próprios, os quais obedecerão aos princípios seguintes:
a) A Casa do Douro será uma pessoa colectiva de direito público, de natureza associativa, cabendo-lhe a prossecução dos interesses dos vitivinicultores da Região Demarcada do Douro através do exercício de atribuições e competências legais relativas à produção e comercialização dos vinhos da mesma região Demarcada;
b) 0 exercício legal da vitivinicultura na Região Demarcada do Douro dependerá de o vitívinicultor se achar regularmente recenseado na Casa do Douro;
c) ... ;
d) ... ;
e) ... ;
f ) ... ;
g) ... ;
h) A Casa do Douro ficará sob tutela do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação".
A discussão parlamentar na generalidade, sobretudo e naturalmente de feição vincadamente política (42) contém algumas referências sobre a natureza jurídica a atribuir normativamente à Casa do Douro, que veio a ficar expressamente consagrada na injunção legislativa determinada
no referido artigo lº, alínea a), da lei de autorização (43) .
A conformação estatutária da Casa do Douro, nas manifestações do elemento pessoal, institucional e de relação entre um e outro, participa, por sua vez, dos elementos fundamentais do conceito de associação pública, traduzindo na respectiva regulamentação material a concordância entre a qualificação legal e a realidade institucional normativamente qualificada.
No que respeita ao elemento pessoal podem referir-se:
- a existência de interesses sociais passíveis de conformação como interesses públicos:
a prossecução dos interesses dos vitivinicultores da Região Demarcada do Douro (artigo 1º, nº
2, dos Estatutos), que se configuram igualmente como interesses públicos, considerada a importância social, histórica e económica dos produtos vínicos produzidos na região, nomeadamente a importância tradicional do vinho generoso;
- a participação dos membros na formação e alteração das normas estatutárias: o artigo 42º dos Estatutos determina que "as alterações dos estatutos e do regulamento eleitoral são propostos pela direcção da Casa do Douro e, depois de apreciados e votados pelo conselho regional de vitivinicultores, aprovados por decreto-lei";
- a gestão, ao menos predominantemente, por orgãos representativos do substracto pessoal: - a composição e o modo de designação dos respectivos membros, nos termos dos artigos 9º (conselho regional de vitivinicultores), 14º (direcção) e 23º (conselho de direcção).
Relativamente ao elemento finalístico ou institucional, sublinhem-se:
- a intervenção do Estado na constituição da associação, tão-só qualificando e reformulando uma realidade já existente (44) ;
- a dependência da alteração estatutária da intervenção do Estado - a disciplina expressa no já referido artigo 42º dos Estatutos;
- a impossibilidade de dissolução por deliberação dos elementos do respectivo substracto pessoal;
- a sujeição a formas de intervenção e tutela do Estado - artigo 34º, nºs 1, 2 e 3 dos Estatutos;
- a existência de prerrogativas de autoridade pública, v. g. as atribuições enunciadas no artigo 3º, alíneas b), d), e) e 1) dos Estatutos;
- e, consequentemente, nestas matérias, a prática de actos administrativos recorríveis contenciosamente.
 
No que diz respeito à ligação entre os referentes associativo e institucional, apontem-se os seguintes elementos:
reconhecimento individualizado de personalidade jurídica: artigo 1º, nº 1, dos Estatutos;
unicidade de representação: artigos 1º, nºs 1 e 3, dos Estatutos;
inscrição obrigatória: artigos 4º e 5º dos Estatutos;
Na estruturação e conformação estatutária da Casa do Douro apenas um dos elementos se afasta, aparentemente, da construção conceitual típica que a doutrina assinala às associações públicas.
Tem a ver com o último elemento referido - a inscrição obrigatória.
Com efeito, em termos de rigor conceitual, os Estatutos da Casa do Douro não prevêem a inscrição obrigatória dos 'associados' - entendidos estes como o conjunto dos elementos do substracto pessoal, como tal referidos e qualificados, usando e gozando dessa qualidade e, normalmente satisfazendo o pagamento de uma quotização (45) .
Todavia, a solução adoptada na Lei nº 3/89, de 2 de Março (artigo 1º, alínea b)) e nos Estatutos da Casa do Douro (artigos 4º e 5º) não se distancia, de modo relevantemente substancial, do princípio da inscrição obrigatória como "associado" (46) .
Determinando o recenseamento obrigatório como condição do exercício legal da vitivinicultura na Região Demarcada do Douro - recenseamento referido a todas as pessoas, singulares ou colectivas, que, na qualidade de proprietários, usufrutuários, arrendatários, subarrendatários, parceiros, depositários, consignatários, comodatários ou usuários, cultivem vinha na Região, criou-se uma modalidade de condicionamento de actividade com os mesmos efeitos da inscrição obrigatória como 'associado', e, igualmente, um verdadeiro substracto pessoal, materialmente análogo ao que derivaria da "inscrição obrigatória".
Tanto que, o corpo eleitoral da Casa do Douro é constituído pelos vitivinicultores maiores, recenseados como tais - artigo 2º do Regulamento Eleitoral da Casa do Douro, aprovado igualmente pela Decreto-Lei nº 288/89, de 1 de Setembro, a este anexo e que dele faz parte integrante.
 
Deste modo, os vitivinicultores recenseados obrigatoriamente na Casa do Douro, constituem materialmente o substracto pessoal da associação pública, conformando-se como seu elemento associativo (47) .
 
 
7.
 
 
As pessoas colectivas públicas não prosseguem livremente toda a sorte de interesses públicos, mas apenas aqueles que (conforme os casos) a lei constitucional ou ordinária, ou, eventualmente, em complemento dela, regulamentos ou estatutos enunciam como devendo por elas ser realizados (48) .
Os entes públicos são justamente unidades organizatórias destinadas à consecução de determinadas necessidades públicas - sejam elas da comunidade nacional (interesses públicos gerais), sejam elas de comunidades menores naquela integradas, sejam elas, finalmente, necessidades mistas, de uma e de outra natureza. Pode tratar-se de um, de mais do que um, ou mesmo (nada há que o impeça) de todos os interesses públicos de certa comunidade (49).
A lei, ou em complemento, os regulamentos ou estatutos "é que farão de uma pessoa colectiva pública uma unidade organizatória unifuncional, uma unidade organizatória plurifuncional ou uma unidade organizatória funcionalmente indefinida ou genérica" (50) .
Os interesses públicos que constituem as finalidades a realizar pelas pessoas colectivas de direito público integram as atribuições desses entes. A doutrina administrativa designa generalizadamente por atribuições de uma pessoa colectiva pública, os interesses públicos, as
necessidades colectivas, que a lei lhe confiou prosseguir ou satisfazer (51) .
Na Administração Pública existem pessoas colectivas de fins múltiplos e de fins específicos; a estas só é dado prosseguirem os interesses definidos pela lei, enquanto que aos entes públicos de fins múltiplos a lei pode indicar as respectivas atribuições por referência a uma cláusula
geral.
A noção de atribuições tem a maior importância. Na verdade, as pessoas colectivas públicas não podem desenvolver todos os fins que não estejam legalmente vedados (como é a regra para os entes privados), mas apenas podem prosseguir os interesses que lhes foram expressamente atribuídos por lei, e a realização desses interesses públicos 'é obrigatória, não podendo renunciar-se à sua prossecução (52) .
Aos interesses, fins, necessidades públicas a prosseguir, correspondem os instrumentos da respectiva realização. Estes instrumentos são, desde logo, os poderes funcionais conferidos aos órgãos respectivos para a realização daqueles interesses e que constituem a competência dos órgãos das pessoas colectivas.
No estatuto de uma pessoa colectiva, a par da enunciação das suas atribuições, dos interesses que prossegue e que determinaram a sua criação, tem de surgir a definição da competência de cada um dos seus órgãos, abrangendo os respectivos poderes funcionais (53) .
As atribuições de uma pessoa colectiva relevam decisivamente na sua capacidade de gozo de direitos (públicos e privados), ou seja, "na determinação das situações jurídicas (direitos, poderes, interesses, faculdades, expectativas, deveres, obrigações, ónus) de que ela pode ser
titular activo ou passivo (54) .
A limitação do âmbito de intervenção das pessoas colectivas públicas à realização e prossecução do núcleo de interesses postos a seu cargo, e que justificam a respectiva existência, determina que a prática de qualquer acto que se não integre na prossecução dos interesses, ou na satisfação das necessidades definidas, se situe fora das atribuições da pessoa colectiva.
A práctica de um acto fora das atribuições (por falta de atribuições) gera o vício de incompetência absoluta. A incompetência por falta de atribuições configura-se como vício mais grave na teoria do acto administrativo, e traduz uma actuação que se não prende com os fins
postos a cargo da pessoa colectiva cujo orgão ou agente praticou o acto (55) .
0 acto administrativo praticado fora das atribuições, viciado de incompetência absoluta, é nulo - cfr. artigo 88º, nº 1, alínea a) do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março.
 
 
8.
 
 
As pessoas colectivas de direito público são igualmente susceptíveis de se constituírem como centro de direitos e vinculações de natureza jurídico-privada, - capacidade de gozo de direito privado (56) .
Porém, em razão da natureza instrumental da personalidade colectiva, atribuída em função dos fins ou interesses prosseguidos, a capacidade de gozo de direito privado das pessoas colectivas é específica. É o chamado princípio da especialidade das pessoas colectivas, consagrado no artigo 160º do Código Civil, que dispõe no nº 1 que a "capacidade das pessoas colectivas abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins", exceptuando-se (nº 2) os direitos e obrigações vedados por lei, ou que sejam inseparáveis
da personalidade singular.
Derivando desta norma a capacidade de gozo específica das pessoas colectivas (e, também, das pessoas colectivas públicas), importa determinar (pois não abrange a generalidade de direitos e vinculações) em que consiste a especialidade.
A especialidade consiste, desde logo, na diferença (natural e instrumental) em relação à capacidade de que desfrutam as pessoas singulares. Num segundo momento, deriva da diversidade dos próprios entes colectivos, não sendo a capacidade de gozo das pessoas colectivas de medida e natureza iguais para todas.
A capacidade jurídica das pessoas colectivas define-se através de um elemento positivo e de dois elementos negativos (57) .
A partir do primeiro elemento, a capacidade de gozo da pessoa colectiva compreende todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins.
A primeira referência da medida da capacidade reporta-se, pois, ao quadro estatutário da pessoa colectiva. A personalidade colectiva é um mecanismo moldado pela ordem jurídica para a eficaz realização de certos interesses, correspondentes aos fins estatutários. O escopo estatuário constitui, assim, a medida do âmbito da capacidade (58) .
0 segundo tópico salienta-se na equiparação da necessidade à mera conveniência como critérios-quadro em relação à prossecução do fim da pessoa colectiva. Integra, deste modo, o âmbito da capacidade, a titularidade de direitos e obrigações que se mostrem adequados à
realização dos respectivos fins.
0 alargamento da capacidade de gozo aos actos convenientes, ou adequados, à prossecução dos fins, contém a possibilidade de afastamento quanto ao seu objecto imediato, de alguns actos em relação aos fins da pessoa colectiva, permitindo o entendimento do princípio da especialidade
largamente atenuado no seu rigor conceitual (59) .
Os elementos negativos de definição da capacidade jurídica das pessoas colectivas, são aqueles referidos no artigo 160º, nº 2, do Código Civil: - os direitos e obrigações vedados por lei (60) e os que sejam inseparáveis da personalidade singular.
No que respeita às pessoas colectivas públicas, natural e necessariamente também detentoras, como se referiu, de capacidade de gozo de direitos de natureza privada, a medida dessa capacidade abrange, deste modo, todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins.
Porém, como em relação às demais pessoas colectivas, esta fórmula, aparentemente restritiva, dá, afinal, às pessoas colectivas públicas uma capacidade muito ampla de direitos e de deveres privados, abrangendo todos aqueles que não sejam antagónicos com os respectivos fina (61) .
 
 
9
 
 
A 'Casa do Douro', pessoa colectiva de direito público, qualificada como associação pública, tem por objecto, como se referiu, à prossecução dos interesses dos vitivinicultores da Região Demarcada do Douro, através do exercício das atribuições e competências previstas nas leis e nos estatutos, incumbindo-lhe, também, assegurar a necessária acção de disciplina e o controlo da produção e comercialização dos vinhos de qualidade regionais (salvaguardadas as matérias da competência do Instituto do Vinho do Porto) (62) .
Nesta referência, específica, de um lado, considerando a delimitação sectorial e regional dos interesses a prosseguir, dos fins que justificaram a criação da Casa do Douro, e delimitada, por outro, pela exigência da ligação entre a prossecução daqueles interesses e o exercício das atribuições e competências previstas na lei e nos estatutos, se há-de encontrar e definir o âmbito da capacidade jurídica da pessoa colectiva -capacidade de gozo de direitos de natureza pública e privada.
A capacidade de gozo de direitos públicos da Casa do Douro, há-de, pois, ser determinada no âmbito das atribuições definidas pela lei e pelos estatutos e na concretização dos respectivos poderes funcionais cometidos aos seus órgãos, em quanto revelem o desempenho de uma actividade administrativa e o exercício dos poderes inerentes.
Integrando a administração ao exercer, por devolução estadual, os poderes públicos definidos na lei e nos estatutos, desenvolve uma actividade administrativa, de prossecução de interesses públicos determinados, e na exigência do respeito pelos princípios da promoção do interesse público, da legalidade e da imparcialidade.
As atribuições específicas enumeradas no artigo 3º dos Estatutos revelam a natureza pública dos interesses prosseguidos, e, quanto a algumas dessas atribuições, o necessário exercício de poderes de autoridade: a organização do cadastro, a emissão de documentos necessários ao
trânsito de produtos, o controlo dos manifestos e existências e a aplicação de sanções nos termos das competências cometidas pelas leis e regulamentos.
No desempenho das suas atribuições e na prossecução dos interesses postos a seu cargo, a Casa do Douro, tem, por outro lado, capacidade de gozo de direitos de natureza privada aos mesmos termos e segundo os mesmos princípios aplicáveis às pessoas colectivas - o princípio da especialidade, estabelecido no artigo 160º, nºs 1 e 2 do Código Civil e interpretado, como se salientou, com alguma flexibilidade, atenuando o rigor conceitual da sua formulação típica.
Nesta medida, há, desde logo, direitos e obrigações de natureza privada em relação aos quais a susceptibilidade para assumir a respectiva titularidade é inerente à própria vida em acção da pessoa colectiva: a denominação, a sede, e tudo quanto diga respeito às relações jurídicas
próprias da titularidade e gestão do património próprio.
Mas, aplicando os princípios expostos, a capacidade da Casa do Douro abrange também todos os direitos e cbrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins. É, pois, susceptível de ser titular de todos os direitos e obrigações convenientes, e adequados à prossecução dos respectivos fins, entendidos estes, necessariamente, segundo a especificação e delimitação da lei ou dos estatutos. Os fins da pessoa colectiva e o modo normativamente delimitado de .os prosseguir, constitui o primeiro momento do âmbito e medida da capacidade jurídica de natureza privada da pessoa colectiva.
A medida da capacidade da Casa do Douro tem de confinar-se, pois, à prossecução dos interesses dos vitivinicultores da Região Demarcada do Douro, através do exercício das atribuições e competências previstos na lei e nos estatutos - artigo 1º, nº 2, dos Estatutos, e à acção de disciplina e controle da produção e comercialização dos vinhos de qualidade regionais, excluído o vinho generoso do Porto nas matérias de competência do respectivo instituto - artigo 1º, nº 3, dos Estatutos.
A Casa do Douro está sujeita às normas de direito privado nas suas relações contratuais com terceiros - artigo 2º, nº 2, dos Estatutos.
 
 
10.
 
 
A Casa do Douro, segundo se refere, "entrou em negociações com vista à aquisição de 40% do capital social da Real Companhia Velha" (63) isto é, terá iniciado (64) o processo negocial tendo em vista a participação no capital de uma determinada sociedade.
Torna-se necessário, assim, apurar qual a espécie, a natureza e o objecto da referida sociedade.
A Real Companhia Velha, sociedade comercial sob a forma de sociedade anónima, é a continuadora da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, instituída alvará régio de 10 de Setembro de 1756 (65) .
Nos termos do artigo 1º dos respectivos Estatutos, "é prorrogado indefinidamente o prazo da existência da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, também denominada Real Companhia dos Vinhos do Porto, Companhia Velha, Royal Oporto Wine Company e Real Companhia Velha, devidamente registadas, a qual, conservado este mesmo título, seguido das
palavras: Sociedade Anónima terá a sua sede em Vila Nova de Gaia ( ... ), e continuará a usar a emblemática tradicional com base no Capítulo I da sua Instituição em 1756, e a manter os seus usos e praxes".
"O objecto e fins da Companhia continuam a ser, além de prosseguimento da liquidação dos fundos respeitantes à sua Caixa de Amortização, o comércio de vinhos de exportação, consumo e outros vinhos, de àguas-ardentes e vinagres, tanto no país como no estrangeiro , e compreendem bem assim o exercício de qualquer outro ramo de comércio ou indústria que a Junta da Administração com parecer favorável do Conselho Fiscal, deliberem explorar, excepto o bancário e o de seguros" (66) .
O capital social da Companhia Geral de Agricultura das Vinhas do Alto Douro, é actualmente de dez milhões de contos" (67) .
A Real Companhia Velha está "inscrita", como produtora, na Casa do Douro, desde a existência desta (68) .
 
 
11.
 
 
A Casa do Douro pretende, pois, adquirir (ou já adquiriu) determinado quantitativo de acções representativas do capital de uma sociedade anónima que tem como objecto e fim o "comércio de vinhos de exportação, consumo e outros vinhos" e que também produz (produção-própria) vinho generoso do Porto (69). A aquisição de acções representativas do capital de uma sociedade anónima configura-se como um ou vários negócios jurídicos de natureza privada. Sendo sujeito do negócio uma pessoa
colectiva pública, impõe-se, como momento logicamente prioritário, determinar se esta será susceptível de se constituir como titular dos direitos e obrigações inerentes à qualidade a adquirir - a de accionista de determinada sociedade anónima.
A referência fundamental da medida e âmbito da capacidade de gozo de direitos da pessoa colectiva são os fins que determinaram a sua criação e os interesses que prossegue na sua actuação. A medida da capacidade afere-se pela consideração das respectivas atribuições.
Há, então, que aplicar os princípios expostos no quadro jurídico-estatutário da Casa do Douro.
"A prossecução dos interesses dos vitivinicultores" da Região Demarcada do Douro, considerada como finalidade-quadro da actuação traduzindo os interesses da vitivinicultura enquanto actividade e de todos os vitivinicultores, em geral, enquanto produtores, conformar-se--ia, em primeira aproximação, com a qualidade de accionista de uma sociedade
que tem por objecto estatutário precisamente a comercialização, e nomeadamente a exportação, de vinhos da Região. Influenciar o comércio, colocar o produto nos mercados nas melhores condições, será naturalmente benéfico para a actividade produtiva, e, por isso, conveniente ou
adequado à prossecução daqueles fins (70) .
Esta imediata aproximação, porém, tem de ser confrontada com os limites de actuação e de intervenção que os próprios Estatutos colocam.
A prossecução daqueles interesses realiza-se através do exercício das atribuições e competências previstas nas leis e nos Estatutos; os direitos e obrigações necessários, convenientes ou adequados à prossecução dos interesses confiados à Casa do Douro têm, pois,
de estar contidos, previstos ou admitidos no círculo de definição das atribuições e competências legal e estatutariamente previstos.
O princípio da especialidade tem, por isso, segundo a disciplina estatutária da pessoa colectiva de direito público em causa, um duplo degrau de compreensão. Os direitos e obrigações convenientes ou adequados à prossecução dos interesses que constituem o seu objecto não se delimitam pela compreensão pragmática de acção, ou realização de determinada política definida pelos órgãos competentes do ente colectivo, mas também, e relevantemente, pelo círculo normativamente estabelecido (positivamente fixado) do elenco de atribuições e competências respectivas.
Se, porventura, desse elenco não constarem, ou mesmo instrumentalmente nele não puderem ser incluídas, actuações directas, imediatas, através de instrumentos societários finalisticamente predispostos à prática de actos de comércio relativos à produção e comercialização de vinhos, a capacidade de gozo de direitos privados da Casa do Douro não abrangerá os direitos e obrigações inerentes à aquisição da qualidade de comerciante ou de accionista de uma sociedade comercial com esse objecto (71) .
Neste aspecto, importa, sobretudo, considerar as atribuições previstas no artigo 3º, alínea g), e na competência do órgão directivo constante do artigo 18º, alínea h) dos Estatutos.
Dispõe-se aí ser atribuição da Casa do Douro desenvolver, sob a coordenação do organismo a que incumbe tal acção a nível nacional (72) , as medidas tendentes ao escoamento dos vinhos não comercializados, concretizando-se, como competência da direcção da Casa do Douro, "Promover anualmente o escoamento dos vinhos que não tiverem sido transaccionados".
Porém, semelhantes atribuições e competências inserem-se, como resulta da própria natureza da função cometida, numa actividade de regulação, com o carácter de intervenção de feição marcadamente administrativa, apenas necessária quando o jogo do mercado, ou as distorções que provoque, não assegure a comercialização da produção. A função de instituição reguladora é, pois, significativamente de natureza pública-administrativa, estando situada em plano diverso da participação no comércio, mesmo através de aquisição de qualidade de accionista de
uma sociedade com esse objecto.
É certo que à Casa do Douro não está vedada a criação ou participação em sociedades comerciais. É uma possibilidade que os próprios estatutos prevêem quando, entre as competência do Conselho Regional de Vitivinicultores, o artigo 12º, alínea 1), inclui a de "deliberar sobre a criação de empresas no âmbito da Casa do Douro e sobre a participação da
Casa do Douro em empresas criadas ou a criar noutros domínios".
Porém, esta competência, como poder instrumental de exercício e desenvolvimento das atribuições da Casa do Douro, não pode ser entendida fora ou para além do âmbito das respectivas atribuições. Só poderão ser eventualmente criadas ou participadas pela Casa do Douro empresas cujo objecto se adeque ou seja conveniente ao exercício e desenvolvimento
das respectivas atribuições.
E nestas, tal como actualmente definidas, não se inclui a produção ou o comércio de vinho da Região (73) .
A interpretação das disposições estatutárias na inter-relação interesses a prosseguir - exercício de atribuições e competências, indiciadora dos limites da capacidade de gozo de direitos privados da Casa do Douro, não basta, porém, como modo de apuramento do âmbito daquela capacidade.
A natureza de pessoa colectiva de direito público e a consideração dos interesses públicos que também prossegue, e dos poderes de que consequentemente dispõe, impõem, a este propósito, igualmente algumas reflexões.
Como se salientou por mais de uma vez, a Casa do Douro desenvolve interesses públicos e desempenha variadas funções próprias da actividade administrativa.
A evolução legislativa e institucional a que se fez referência, revela uma permanência da afirmação do relevo das funções de interesse público e de autoridade no sector que constituem o vector mais marcante das atribuições respectivas.
Actualmente, e na sequência de uma evolução sedimentar de atribuições, algumas das que cabem à Casa do Douro incidem directamente em aspectos orientadores, reguladores, fiscalizadores e, mesmo, de autoridade sancionatória, sobre a actividade produtora dos vinhos generosos (salvaguardadas as competências do Instituto do Vinho do Porto) e sobre a
disciplina, controlo e comercialização dos vinhos de qualidade produzidos na Região.
Refiram-se, de novo, neste contexto, as atribuições enumeradas nas alíneas a),b) c), d) e) h) e 1) do artigo 3º dos Estatutos.
Deste modo, a natureza de pessoa colectiva de direito público, a sua inserção na administração exercendo por devolução estadual poderes públicos determinados, e a natureza destes poderes definidos através das respectivas atribuições e competências dos seus órgãos, em relação à
produção e comercialização, situam a Casa do Douro em plano de prevalência, não compatível com a actividade (directa ou por interposta sociedade) de produtor e comerciante dos vinhos da Região.
Democraticamente gerida, e representando os interesses (representando perante o exterior, ou na relação com outras actividades) dos vitivinicultores da região, isto é, os interesses da actividade da vitivinicultura da Região, desenvolve, também, e relevantemente as referidas atribuições administrativas, as quais são incompatíveis - dir-se-ia mesmo que existe incompatibilidade natural - com actos materiais ou jurídicos de carácter privado, ligados à produção ou ao comércio, isto é, praticados como actividade típica e finalisticamente mercantil, com o exclusivo escopo de obtenção de lucros.
Incompatibilidade determinada pelos princípios fundamentais da legalidade e da imparcialidade da administração, que nas funções de administração publica que exerce, a Casa do Douro deve respeitar.
A imparcialidade da administração, expressamente consagrada como princípio constitucional no artigo 266º, nº 2, da Constituição, constitui um limite material interno da actividade administrativa.
A imparcialidade respeita às relações entre a actividade administrativa e os particulares destinatários de tal actividade. Na ponderação dos interesses públicos e privados e no juízo de prevalência de interesse público e prosseguir, a administração deve proceder com isenção e
deve tratar igualmente os interesses dos cidadãos através de um critério uniforme na prossecução dos interesses público (74).
A garantia da imparcialidade implica, entre outras consequências, a existência de impedimentos à intervenção dos titulares dos órgãos em assuntos em que tenham interesse pessoal, e, do mesmo modo, como afloramento e aplicação de exigências do mesmo princípio, a insusceptibilidade da aquisição de interesses de dimensão estritamente privada por uma pessoa colectiva de direito público no sector específico relativamente ao qual exerce, por devolução estadual, funções administrativas com prerrogativas de direito público.
Estas considerações de princípio podem ser confrontadas com os meios, formas e métodos de actuação através dos quais se desenvolvem algumas das atribuições específicas da Casa do Douro (75) , especialmente no que respeita à distribuição do 'benefício' e à intervenção no escoamento da produção não comercializada.
Definido o volume total de vinho a beneficiar em cada colheita (76), a Casa do Douro procede à distribuição desse benefício pelas vinhas das diferentes classes.
Para tal, a secção de cadastro informa o volume total de cepas da Região das diferentes classes:
A, B, C, D, E, F (nunca se deu benefício às outras classes para além destas) e, com base nas perspectivas de colheita fornecidas pelas brigadas de cadastro, a Casa do Douro define os coeficientes a aplicar a cada uma das classes, "dentro do espírito de beneficiar o mais possível
as classes A e B, rateando nas subsequentes".
O critério de distribuição do benefício será, assim, um critério matemático, procurando "beneficiar o mais possível as vinhas das classes que pelo seu cadastro apresentam maior potencial qualitativo para os mostos que produzam" (77)
A qualidade dos mostos a beneficiar será, assim, graduada pela classificação atribuída pelos elementos do cadastro a cada parcela.
Sobre a função de regularização e escoamento dos vinhos, informa-se que a Casa do Douro apenas intervêm para adquirir os vinhos generosos que o Comércio não tiver adquirido dentro dos prazos habituais, segundo condições de preço antecipadamente fixadas.
Para este efeito, anunciando o escoamento através de circulares à lavoura, a Casa do Douro recebe amostras que são analisadas no laboratório e pela Câmara dos Provadores, com vista à classificação dos vinhos e consequente valorização.
Os vinhos provenientes dos diversos escoamentos constituem as existências da Casa do Douro, que as conserva por colheitas e as vende aos exportadores a preços que fixa, "com base em parâmetros comerciais e que são acordados na transacção bem como as restantes condições de
venda".
Informa-se igualmente que "a Casa do Douro não possui vinhas, não sendo, portanto, produtora".
Verifica-se, deste modo, que na definição de alguns direitos dos produtores com relevante conteúdo prático e económico (78) , a Casa do Douro exerce poderes de natureza administrativa, segundo critérios não estritamente vinculados (a qualificação dos mostos a beneficiar) ou com larga margem de discricionaridade técnica ( classificação e qualificação, pela Câmara dos Provadores, dos vinhos em condições de aquisição nas acções de escoamento de vinhos não comercializados).
Estes índices específicos revelam, pelo menos, a potencialidade de marcante conflito de interesses entre a realização de determinadas atribuições de carácter público-administrativo, que à Casa do Douro cumpre indeclinavelmente prosseguir, e os interesses pessoais e privados dos produtores.
Além disso, outras atribuições pressupõem, como condição intrínseca ao respectivo desenvolvimento, o exercício de poderes de aplicar sanções - a alínea 1) do artigo 3º dos Estatutos.
A definição de atribuições cujo exercício pode colocar a pessoa colectiva de direito público de fins específicos em potencial conflito com a realização de interesses privados (interesses em que a definição do conteúdo prátíco-jurídico resulta daquele exercício), quando conjugada com a imperatividade da realização e a prevalência dos interesses públicos que determinaram a criação do ente colectivo, traduz e revela um acentuado antagonismo, ou melhor dito, incompatibilidade entre as finalidades de natureza pública, e pertinência, a aquisição, ou a participação, directa ou indirectamente, nesses interesses de natureza privada (79) .
Deste modo, a aquisição da qualidade de accionista de uma sociedade que é produtora e comercializa vinhos da Região - actividades relativamente às quais a Casa do Douro detém poderes de controlo e fiscalização - revelar-se-ia antagónica com os respectivos fins.
Não integra, pois, a capacidade de gozo de direitos privados da Casa do Douro.
 
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A perspectiva que se assinala na operação referida envolve uma situação pré-negocial (preliminares da celebração do negócio jurídico), ou, mesmo, já negocialmente completa.
A referência da noção de capacidade jurídica ao domínio dos negócios jurídicos traduz-se na capacidade negocial de gozo, (e a capacidade de exercício) a que se contrapõe a incapacidade negocial de gozo (e a incapacidade negocial do exercício).
É precisamente no domínio dos negócios jurídicos que as noções de capacidade e incapacidade assumem particular importância (80) .
A assinalada insusceptibilídade para se tornar sujeito dos direitos e obrigações inerentes à qualidade de accionista de uma sociedade cujo objecto se não enquadra nas atribuições da Casa do Douro, e se revela mesmo incompatível com o exercício das funções de natureza pública que esta exerce, traduz, no plano de preparação ou concretização negocial, a existência de incapacidade negocial de gozo quanto aos actos negociais (certamente onerosos na feição contratual) através dos quais a referida aquisição se concretizaria (ou concretizou).
A incapacidade negocial de gozo provoca a nulidade dos negócios jurídicos respectivos e é insuprível, no sentido de que os negócios a que se refere não podem ser concluídos por outrem em representação do incapaz, nem por este com autorização de outra entidade (81) .
0 negócio jurídico celebrado por uma pessoa colectiva fora dos limites das suas atribuições, ou incompatível com os respectivos fins, legalmente determinados, constitui negócio celebrado em contrario de disposição legal imperativa e, por isso, nulo, nos termos dos artigos 160º, nºs 1 e 2, e 294º do Código Civil (82) .
A nulidade, segundo o disposto no artigo 286º do Código Civil, é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.
 
 
13.
 
 
Constituindo a Casa do Douro uma pessoa colectiva de direito público, qualificável como associação pública, e gozando de autonomia administrativa e financeira, a intervenção de um órgão da administração central (administração directa do Estado) na gestão daquela entidade apenas se pode situar no quadro em que uma pessoa colectiva pública pode intervir na gestão e na vida de uma outra pessoa colectiva autónoma.
Com efeito, a consagração dos graus de autonomia das pessoas colectivas de direito público que desenvolvem fins de interesse público, impõe a necessidade de estabelecer limites, visando harmonizar a actividade dos entes autónomos com os interesses globais do Estado e da colectividade nacional (83) , isto é, procurando alcançar o "equilíbrio do corpo social", o "ajustamento à ecologia da comunidade nacional (84)
Importa, neste âmbito, aludir à tutela administrativa.
Entende-se por tutela administrativa (85) "o poder conferido ao órgão de uma pessoa colectiva de intervir na gestão de outra pessoa colectiva autónoma - autorizando ou aprovando - os seus actos ou, excepcionalmente, modificando-os, revogando-os ou suspendendo-os, fiscalizando os seus serviços ou suprindo a omissão dos seus deveres legais -, no intuito de coordenar os interesses próprios da tutelada com os interesses mais amplos representados pelo órgão tutelar (86) ; ou, "o conjunto dos poderes de intervenção de uma pessoa colectiva pública na gestão de outra pessoa colectiva, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua actuação" (87) .
Segundo o critério do fim (88), "concebe-se, pois, uma tutela que visa aferir da legalidade da decisão da entidade tutelada, da sua conformidade à lei (tutela de legalidade); ao lado de uma tutela que procura indagar do seu mérito, isto é, se a decisão, abstraindo da sua legalidade, é ou não conveniente e oportuna, correcta ou incorrecta, dos pontos de vista administrativo, técnico, financeira, etc. (x1) .
"Segundo o conteúdo, distiguem-se três espécies fundamentais de tutela administrativa: a tutela "correctiva", tendente a corrigir os eventuais inconvenientes resultantes do conteúdo dos actos projectados ou decididos pelos órgãos tutelados ; a tutela "inspectiva", traduzindo o poder de fiscalizar órgãos e serviços da pessoa colectiva tutelada, para o efeito de promover a aplicação de sanções por ilegalidade ou má gestão; a tutela "substitutiva" ou "supletiva" que consiste no poder conferido à autoridade tutelar de suprir as omissões do órgão tutelado, praticando em seu lugar os actos devidos (x2)"
"Os autores sentiram, aliás, a necessidade de autonomizar, adentro destas categorias, certas conformações que a tutela pode apresentar, a demandarem tratamento próprio".
"Num dos mais significativos reflexos dessa atitude dogmática distinguem-se, no conteúdo da tutela correctiva, por um lado, os poderes de autorização ou aprovação dos actos da entidade tutelada, havendo no primeiro caso uma tutela a priori e no segundo uma tutela a posteriori (x3)
"Por outro lado, os poderes de revogação, modificação ou suspensão dos actos da entidade sujeita a tutela".
A doutrina administrativa portuguesa não incluía tradicionalmente estes últimos poderes no âmbito da tutela, muito por se considerarem dificilmente harmonizáveis a sindicabilidade contenciosa directa e a simultânea alterabilidade por via administrativa, ainda que ao abrigo de poderes tutelares, dos actos de pessoas colectivas públicas (89) .
"Mas se o rigor do princípio da autonomia e a geometria da figura jurídica do acto definitivo exigia à partida que dos actos executórios dos órgãos das pessoas colectivas publicas dotadas de autonomia administrativa coubesse tão-só recurso para os tribunais administrativos, a complexidade das relações sociais nas modernas sociedades industrializadas viria a impor desvios à pureza do sistema, justificando a consagração legal de recursos administrativos de actos de órgãos sujeitos em princípio a fiscalização jurisdicional de legalidade".
Como rector da intervenção tutelar, considera-se, porém, o princípio expresso na fórmula "os poderes de tutela não se presumem", que significa, além do mais, que os poderes compreendidos na esfera do ente tutelar são estritamente os que a lei prevê (90) .
No que respeita à tutela, a liberdade da entidade sujeita à tutela é a regra e o controlo a excepção. A tutela há-de ser prevista na lei que designe a autoridade tutelar, e defina o conteúdo, o modo e as formas de intervenção tutelar (91) .
É o princípio contido na regra clássica, "pas de tutelle sans texte, pas de tutelle au delà des textes" (92) .
A intervenção tutelar, como limite (ou excepção) à autonomia dos descentralizados, supõe a concorrência de uma habilitação legal para agir. A tutela apenas pode ser exercida nos casos, nos limites e segundo as condições previstas na lei; o controlo de tutela há-de ser expressamente atribuído pelo direito positivo (93) .
O princípio permite destacar duas características essenciais. De um lado, que não existem poderes gerais de tutela; a atribuição de competência em matéria tutelar não se pode exprimir pela enunciação de uma missão de controle relativamente a uma generalidade de actos, mas apenas pelo desenvolvimento de poderes em hipóteses particularizadas, claramente determinadas na lei. O mesmo é dizer, que a tutela apenas se exerce de maneira pontual nas hipóteses limitativamente especificadas.
Por outro lado, que a autoridade tutelar, tendo o exercício das respectivas competências limitado às formas, modos e condições expressamente previstas nos textos, apenas poderá actuar, em cada caso, segundo um processo de intervenção previsto, preciso e organizado (94) .
0 carácter de excepção da intervenção tutelar determina, ainda, por fim, a necessidade de interpretar prudentemente os textos legais definidores de competência. O poder tutelar constitui, por isso, um poder essencialmente 'condicionado' (95) .
A tutela de legalidade visa aferir da legalidade da decisão da entidade tutelada; se o acto praticado pela entidade sujeita a tutela estiver viciado de ilegalidade, a intervenção da entidade tutelar poderá, conforme os modos de previsão, consistir na não aprovação do acto ou na faculdade de correcção através de revogação, modificação ou suspensão do acto - tutela "revogatória".
0 modo privilegiado de exercício de tutela revogatória é o denominado recurso tutelar, modalidade de "recurso administrativo mediante o qual se impugna um acto de uma pessoa colectiva autónoma perante a autoridade que sobre ela exerça poderes tutelares" (96) .
"0 seu carácter excepcional (97) advém de que a competência correctiva do órgão de tutela não compreende normalmente poderes revogatórios, os quais só podem, portanto, ser exercidos, como se sublinhou, nos casos em que a lei directamente os confere (x4) ou constitui um recurso administrativo para a autoridade tutelar (x5) " .
O carácter de excepção da intervenção tutelar, reconduzido ao princípio "pas de tutelle sans texte" e determinando a interpretação precisa sobre os modos e as formas de intervenção, implica, assim, que os poderes da entidade tutelar apenas podem ser exercidos se e onde a lei expressamente os constitui, nos termos, nos modos, nas formas e nos respectivos efeitos.
Deste modo, o controlo dos actos da entidade sujeita a tutela apenas poderá ser exercido no âmbito da relação tutelar desde que, de forma directa, precisa e processualmente definida, esteja especificamente previsto.
 
14.
 
 
A Casa do Douro, como se salientou, ao traçar uma visão evolutiva do quadro normativo que tem disciplinado o seu regime e estrutura, tem convivido sempre com a intervenção do Estado, mais acentuada e determinante noutro contexto, mais atenuada, naturalmente, no estatuto posterior ao Decreto-Lei nº 486/82, de 28 de Dezembro.
A intervenção do Estado, no regime actualmente vigente, ocorre no quadro jurídico de uma relação de tutela e está definida no artigo 34º dos Estatutos.
Dispondo no nº 1 que "A Casa do Douro fica sob a tutela do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação". fixa no nº 2 os respectivos poderes à entidade tutelar:
"nº 2. No exercício da tutela, cabem ao Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação os seguintes poderes:
a) Dirigir à Casa do Douro instruções e circulares, no âmbito da política vitivinícola;
b) Fixar os limites dos preços nas operações de intervenção na produção, ouvindo o organismo competente;
c) Solicitar informações relativas à situação e às actividades da Casa do Douro e ordenar inspecções e inquéritos ao seu funcionamento;
d) Destituir os titulares do conselho regional de vitivinicultores e da direcção, em caso de grave ilegalidade, devidamente fundamentada, devendo, porém, o despacho de destituição marcar o dia da eleição de novos titulares, a realizar, nos termos dos estatutos e regulamento eleitoral, no prazo máximo de 90 dias".
Determina, por fim, o nº 3: "Perante suspeita fundamentada de anomalia grave na actividade ou funcionamento da Casa do Douro, qualquer dos seus órgãos pode solicitar ao Ministro da tutela sindicâncias ou inquéritos".
Do elenco de poderes tutelares fixados na lei - e não há tutela sem texto, nem tutela para além do texto -ressaltam os poderes de fiscalização e inspecção, quer por iniciativa própria de entidade tutelar, quer a solicitação dos próprios órgãos da Casa do Douro - modalidade de tutela inspectiva - alíneas c) e d) do nº 2 e nº 3, do artigo 34º.
A definição dos poderes de tutela constante da alínea c), desta disposição, pode indiciar alguma amplitude de intervenção. A formulação textual da norma permite, com efeito, a entidade tutelar solicitar todas as informações relativas à situação e às actividades da Casa do Douro. Porém, esta possibilidade não revela mais do que uma concretização instrumental da modalidade de tutela inspectiva, e nesse contexto e finalidade tem de ser compreendida e interpretada.
Para além destes, no âmbito da política vitivinícola, prevêem-se poderes de orientação (tutela de mérito) através de instruções e circulares, justificadas pela amplitude e relevância das funções exercidas pela entidade tutelada e de necessária coordenação com os objectivos (as políticas) fixadas para o sector ao nível geral.
Fora deste quadro legal, tipicamente delimitado, não pode ter lugar qualquer outra intervenção do Estado, no exercício dos poderes de tutela em relação à Casa do Douro.
Nomeadamente, quanto a uma deliberação dos órgãos próprios da Casa do Douro sobre a aludida aquisição de títulos representativos do capital da Real Companhia Velha, ou quanto à respectiva concretização negocial, o referido enquadramento legal não permite qualquer actuação tutelar directa.
Não se prevê qualquer poder concernente a tutela integrativa, e, também, um acto praticado fora do âmbito de capacidade negocial de gozo não é susceptível de ser integrado pela autorização de outra entidade (salvo se a necessidade de autorização estiver expressamente consagrada, e se tratar, por isso, tão-só de uma incapacidade jurídica relativa).
Tratando-se, como se tentou demonstrar, de um. negócio jurídico (efectuado no domínio das relações jurídico-privadas) ferido de nulidade, não se configura, mesmo no âmbito da tutela inspectiva, qualquer poder directo de intervenção correctora da legalidade. A eventual declaração de nulidade pode ser judicialmente pedida por qualquer interessado, ou oficiosamente acolhida pelo tribunal quando a questão da nulidade do negócio se suscite em acção pendente.
 
 
CONCLUSÃO:
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Face ao exposto, formulam-se as seguintes conclusões:
1ª. A Casa do Douro, nos termos do artigo lº, nº 2, dos Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei nº 288/89, de 1 de Setembro, é uma pessoa colectiva de direito público dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, com a natureza de associação pública;
2ª. A Casa do Douro tem por objecto a prossecução dos interesses dos vitivinicultores da Região Demarcada do Douro, através do exercício das atribuições e competências previstas na lei e nos estatutos, incumbindo-lhe, também, assegurar a necessária acção de disciplina e controlo da produção e comercialização dos vinhos de qualidade regionais, excluído o vinho generoso do Porto, nas matérias da competência do Instituto do Vinho do Porto -artigo l, nºs 2 e 3, dos Estatutos 3ª A Casa do Douro, pela natureza das suas atribuições específicas enumeradas no artigo 3º dos Estatutos, desempenha funções administrativas no domínio da orientação, disciplina e fiscalização da produção e comércio de vinhos da Região Demarcada do Douro, exercendo, por devolução estadual os respectivos poderes, incluindo a aplicação de sanções nos termos das competências que lhe sejam cometidas pelas leis e regulamentos;
4ª. A capacidade jurídica de direito privado das pessoas colectivas públicas abrange, nos termos do artigo 160º do Código Civil, todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos respectivos fins - princípio da especialidade;
5ª O âmbito da capacidade negocial de gozo da pessoa colectiva de direito público determina-se em função do princípio da especialidade pela referência às respectivas atribuições e competências dos seus órgãos, ou seja, pela consideração dos fins visados com a sua criação e dos interesses que prossegue;
6ª A capacidade negocial de gozo de uma pessoa colectiva de direito público, não abrange, também, quaisquer direitos ou obrigações que se mostrem incompatíveis com os respectivos fins;
7ª No elenco das atribuições legalmente definidas da Casa do Douro não se inclui alguma que possa ser desenvolvida através da participação em sociedade comercial que tenha por objecto a produção e comércio de vinhos da Região;
8ª A natureza das funções administrativas exercidas pela Casa do Douro, referidas na conclusão 3ª, mostra-se incompatível com a participação em sociedade comercial que tenha por objecto a produção e comércio de vinhos da Região;
9ª. A Real Companhia Velha (designação também da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, S.A.) é uma sociedade anónima cujo objecto abrange a produção, o comércio e a exportação de vinhos da Região do Douro;
10ª. A participação da Casa do Douro no capital social da Real Companhia Velha não se enquadra no âmbito das atribuições que lhe estão definidas e revela-se incompatível com os respectivos fins;
11ª. A Casa do Douro não tem, deste modo, capacidade negocial de gozo em relação aos direitos e obrigações inerentes à qualidade de accionista da sociedade referida na conclusão 9ª, nem, consequentemente, em relação aos actos negociais destinados a adquirir essa qualidade;
12ª Os negócios jurídicos celebrados fora do âmbito da capacidade negocial de gozo da pessoa colectiva são nulos, podendo a nulidade ser declarada a todo tempo, a pedido de qualquer interessado ou conhecida oficiosamente pelo tribunal - artigos 286º e 294º do Código Civil;
13ª. A Casa do Douro está sujeita a tutela do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, nos termos do artigo 34º dos Estatutos;
14ª No âmbito dos poderes de tutela enunciados no artigo 34º, nº 2, dos Estatutos (dirigir instruções e circulares no domínio da política vitivinícola, solicitar informações e determinar inquéritos ou sindicâncias e destituir os corpos gerentes em caso de grave ilegalidade) não cabe qualquer intervenção sobre a deliberação dos órgãos próprios da Casa do Douro decidindo a participação no capital social da sociedade referida na conclusão 9ª
 
ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA
PROCURADORIA-GERAL
DA REPUBLICA, DE 25 DE OUTUBRO DE 1990.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
(Fernando João Ferreira Ramos) Vencido. Salvo o devido respeito pela tese que fez vencimento, entendo que a mesma traduz uma interpretação menos correcta dos normativos em causa, não logrando alcançar o seu exacto sentido.
1. Apegando-se demasiado à letra do nº 2 do artigo 1º dos Estatutos aprovados pelo Decreto-Lei nº 288/89, e impressionando-se com o inciso "através" nele contido - que, aliás, não constava dos Estatutos anteriores, sem que se demonstre que essa simples modificação formal implicou, porque querida pelo legislador, uma tão profunda e significativa alteração substancial -, o parecer exige, para determinar a medida da capacidade de gozo de direitos privados da Casa do Douro, uma ligação ou inter-relacão entre a prossecução dos interesses dos vitivinicultores da Região e o exercício das atribuições e competências previstas na lei e nos estatutos.
Semelhante interpretação conduz à não consideração da norma genérica de atribuições - que é o referido nº 2 do artigo 1º -, dela fazendo letra morta, para tão-só atender ao artigo 3º, que enumera as atribuições específicas porque são específicas, devem ser entendidas como especificidade, desenvolvimento, explicitação de uma atribuição mais vasta, mais genérica, que o artigo precedente define.
2. Noutro plano, a interpretação perfilhada no parecer acaba por não extrair efeitos práticos da atenuação do princípio da especialidade.
Confere a este um sentido lato - além dos actos necessários abrange também os actos convenientes ou adequados à prossecução dos interesses dos vitivinicultores -, alargando, assim, a medida da capacidade de gozo de direitos, mas logo de seguida fecha essa mesma porta, pois decisivo é apenas que os direitos e obrigações se confinem no âmbito das atribuições legalmente fixadas.
Quer dizer: num primeiro momento aceita-se que a Casa do Douro tem capacidade para praticar mesmo os actos convenientes ou adequados à prossecução dos interesses dos vitivinicultores, mas quando, de seguida, se pergunta quais são esses interesses responde-se que só são aqueles que a lei e os estatutos definem especificamente.
Tal significa que o princípio da especialidade em nada releva, não havendo interesse prático em perfilhar o seu sentido lato, porque somente importa é que os direitos e obrigações caibam no âmbito das atribuições legalmente fixadas.
Com efeito, ainda que o exercício de determinado direito se revele conveniente (ou mesmo necessário) -como sucede no caso em análise - para a prossecução dos interesses dos vitivinicultores, o exercício desse direito sempre resultará vedado se não se incluir no elenco das atribuições legais (específicas).
Mas sendo assim, dir-se-á que, em última análise, na fixação da medida da capacidade de gozo de direitos privados da Casa do Douro nem sequer ganhará relevo o elemento "prossecução de interesses" bastando averiguar se determinado acto se subsume ou não à revisão do artigo 3º.
Nesse entendimento, o caso em apreço só poderia obter uma resposta afirmativa se os estatutos previssem a prática de actos de comércio relativos à produção e comercialização de vinhos através de instrumentos societários (como, aliás, o parecer afirma).
3. Por todo o exposto, inclino-me a aceitar a capacidade negocial da Casa do Douro para a prática dos actos negociais em causa.
Na verdade, não só o próprio parecer reconhece que a aquisição da qualidade de accionista de uma sociedade que tem por objecto estatutário a comercialização e exportação de vinhos da Região é conveniente ou adequado à prossecução dos interesses dos vitivinicultores, como ainda, em minha opinião, se insere no círculo dos fins que determinaram a criação da Casa do Douro.
Entendimento que resulta confortado com a disposição do artigo 12º, alínea 1), dos Estatutos, que prevê a participação da Casa do Douro em empresas criadas ou a criar - no âmbito da Casa do Douro e noutros domínios.
Aliás - o que não deixa de ser sintomático -, o parecer deu-se conta da dificuldade que a referida norma coloca à sua tese.
Só que argumentou dizendo tratar-se de uma competência instrumental, que não pode ser entendida fora ou para além do âmbito das respectivas atribuições.
Mas assim sendo, e tendo presente que estamos, como conclui o parecer (cfr.
conclusão 3ª), perante funções administrativas no domínio da orientação, disciplina e fiscalizaçao da produção e comércio de vinhos, será curial perguntar como conceber a existência de uma sociedade comercial cujo objecto caiba dentro dessas atribuições (administrativas).
4. Argumento valioso do parecer - há que reconhecê-lo- reside na incompatibilidade que afirma existir entre o exercício de atribuições administrativas e a prática de actos materiais ou jurídicos de carácter privado, ligados à produção ou ao comércio de vinhos.
Numa primeira reacção, poder-se-ia objectar que o argumento, levado às suas últimas consequências, provaria demais: provaria que as pessoas colectivas públicas (porque são públicas e prosseguem interesses públicos, desenvolvendo funções próprias da actividade administrativa) não têm capacidade de gozo de direitos privados.
Decisivamente dir-se-á, porém, no que a este aspecto da isenção, transparência e imparcialidade tange, que os poderes de autoridade que a Casa do Douro detém no que respeita à produção do Vinho do Porto não são afectados pelo facto de ela passar a deter uma posição, maioritária ou minoritária, no capital de uma sociedade anónima, produtora de vinho generoso.
A Casa do Douro continuará com a mesma capacidade para uma intervenção correcta a este nível da produção, actividade que é acompanhada por um Auditor, nomeado pelo Ministro das Finanças e da Agricultura, a quem compete, como se refere no Parecer, fiscalizar o cumprimento das leis e regulamentos, e que está ainda sujeita aos poderes da Tutela.
Neste contexto, não se descortina como os vitivinicultores poderão recear pela "parcialidade" da Casa do Douro no exercício dos seus poderes de autoridade, pelo simples facto de ser sócia de uma sociedade produtora.
Acrescente-se ainda que dos elementos recolhidos resulta com segurança que a Casa do Douro não detém poderes de autoridade no tocante à exportação do vinho do Porto.
E no que concerne a conflitos eventualmente possam surgir em momento ulterior à celebração do negócio, para cuja validade não se vê obstáculo legal, o ordenamento fornece os adequados mecanismos.
5. Diferentemente do parecer, concluiria, pois, face ao exposto, que a Casa do Douro tem capacidade negocial de gozo em relação aos direitos e obrigações inerentes à qualidade de accionista da Real Companhia Velha e, consequentemente, em relação aos actos negociais destinados a adquirir essa qualidade.
(Ireneu Cabral Barreto)Vencido nos termos do voto meu Exmo Colega Dr. Fernando João Ferreira Ramos.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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(1) Expressão do relatório do Decreto nº 21883, de 18 de Novembro de 1932.
(2) Idem, ibidem.
(3) O relatório do Decreto nº 21883, de 18 de Novembro de 1932, contém uma exposição de motivos caracterizadores das orientações e das finalidades visadas pelo Governo ao criar a Federação Sindical dos Viticultores da Região do Douro - "Casa do Douro".
Revela-se, por isso, de interesse, numa perspectiva histórica da evolução legislativa sobre a referida instituição, transcrever os pontos 1) e 2) desse documento:
1) Produção e comércio do Vinho do Porto
Muito cedo entenderam os Governos dever tomar medidas protectoras do Vinho do Porto, que desde o fim do século XVII se tornara já artigo importante na permuta internacional,
justificando-se assim o intervencionalismo, por vezes violento, do Marquês de Pombal e a sucessão de medidas defensoras do seu crédito e do seu bom nome.
A zona produtora do Vinho do Porto encontra-se restringida por limites determinados. A constituição e as características próprias dessa região tornam, de um modo geral, o cultivo bastante dispendioso, embora se notem diferenças sensíveis no custo da cultura no baixo e no alto Corgo.
A fraca produtividade da vinha, as diversas, dispendiosas e delicadas operações culturais a que é submetida, a necessária beneficiação do seu produto, o estágio indispensável para que ele adquira as suas preciosas qualidades, são factores que influem para que o Vinho do Porto seja forçosamente caro.
Consequentemente, não foi possível aos :,produtores da região duriense, por via de regra, exercer directamente funções comerciais, que implicavam a disponibilidade de capitais avultados. A comercialização teve de ser entregue a comerciantes perfeitamente especializados, dispondo de recursos suficientes para manterem stocks e suportarem variações dos mercados externos.
Dada a impossibilidade de o produtor se identificar com as entidades comerciais, em cujas mãos se encontra o negócio do Vinho do Porto, a sua posição havia de ser especialmente delicada, sem possibilidade de reacção ou de defesa, quando surgisse qualquer crise importante nos mercados.
A concorrência no mercado externo de numerosos exportadores, atraídos pelas facilidades de colocação de vinhos licorosos e obrigados à liquidação rápida das existências, teve como consequência fatal o aparecimento de preços de ruína para o lavrador duriense.
A restrição da capacidade financeira do comércio exportador, por outro lado, tornava difícil a constituição de stocks e o escoamento normal dos vinhos dos produtores.
2) Necessidade de organização
Para remediar estes males, que levavam muitas vezes a situações dolorosas para o produtor e que podiam arrastar a uma diminuição de consumo ou a medidas restritivas dos países importadores, apenas se afigurava possível: a abertura de novos mercados, uma modificação radical na posição do comércio exportador causada por um aumento sensível dos preços, ou o robustecimento da situação financeira da região pela união inteligente e forte dos produtores, numa defesa comum dos seus interesses.
A primeira e a segunda solução não estão exclusivamente ao alcance de medidas legislativas, embora se reconheça que perdura a necessidade de fortalecer a organização do comércio exportador, impondo-lhe uma regra e uma disciplina que assegurem a sua vitalidade.
A última solução apontada resumia-se afinal numa tentativa de sindicalização conjunta da produção e do comércio, o que, para um ramo da agricultura portuguesa de estrutura relativamente complexa, é de difícil efectivação.
Algumas tentativas infelizes de associação, em matéria de viticultura, levadas a efeito no nosso País, aconselham prudência em campo tão precário. Sendo ampla demais, a organização sindical arriscava-se a absorver o próprio comércio especializado, há séculos, na sua função distribuidora. Iria pelo menos perturbar o decurso normal das operações comerciais sobre vinhos do Porto e desorganizar, sem qualquer proveito para o produtor, a ordem existente. Tal não se justifica, antes pelo contrário, se constata que muito interessa fortalecer o comércio exportador, mantendo-se em tudo quanto for possível, a independência entre a produção e fabrico e a exportação do Vinho do Porto. A restringir-se, porem, demasiadamente as funções da organização sindical, corria-se o risco de criar uma associação sem consistência, incapaz de desempenhar qualquer função reguladora.
A solução que :agora se adopta, dentro .da necessidade reconhecida de organização, procura o justo equilíbrio.
Lançam-se assim as bases de uma organização que, embora susceptível de aperfeiçoamentos que a experiência irá indicando , alguns serviços pode prestar desde já.
(4) Expressão do preambulo do Decreto-Lei nº 211883, ponto 11).
(5) Na intenção afirmada directamente no relatório do diploma.
(6) As expressões assinaladas são do preâmbulo do Decreto nº 30408, de 30 de Abril de 1940.
(7) Mantendo-se, embora, com poderes de veto, a figura do delegado do governo - cfr. artigo 4º do diploma.
(8) 0 funcionamento dos serviços de direcção e a continuidade directiva eram assegurados pelo presidente e vice-presidente, da livre nomeação do Ministro do Comércio e Indústria. Os membros representantes dos vinicultores da região (três vogais) constituíam o conselho da direcção - artigos 42º a 46º do Decreto nº 30408.
(9) Cfr. preâmbulo do Decreto nº 30408, de 30 de Abril de 1940.
(10) 0 Instituto do Vinho do Porto é um dos mais antigos institutos do Estado. A lei orgânica primitiva foi aprovada pelo Decreto-Lei nº26914, de 22 de Agosto de 1936.
Hoje, a orgânica do instituto consta do decreto-Lei nº 192/88, de 30 de Maio. Sobre as atribuições deste Instituto, cfr. infra. nota (62).
(11) Cfr. o preâmbulo do Decreto-Lei nº 482/82, de 28 de Dezembro. No domínio da vigência deste diploma, vide sobre a Casa do Douro, o parecer deste Conselho nº 46/85, de 10 de Outubro de 1985, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 353, pág. 156.
12) Na redacção do artigo único do Decreto-Lei nº 230/83, de 28 de Maio.
(13) Adiante se abordará a questão sobre o âmbito, modo e limite de intervenção do Ministro da Agricultura no quadro do Instituto da tutela, que enquadra as relações entre a Administração Central e a Casa do Douro.
(14) Do preâmbulo do Decreto-Lei nº 313/86, de 24 de Setembro.
(15) A apreciação do diploma foi suscitada pelos requerimentos apresentados pelo CDS (Ratificação nº 100/V, de 16 de Outubro de 1986, no Diário da Assembleia da República, II Série, 2º Suplemento ao nº 2, de 24 de Outubro de 1986, págs. 348-(679)) e pelo PCP (nº 105/IV, de 23 de Outubro de 1982, no Diário da Assembleia da República, IIª Série, nº 3, de 25 de Outubro de 1986, pág. 351).
A apreciação das ratificações 100/IV e 105/IV encontra-se relatada no Diário da Assembleia da República, I Série, nº 39, de 4 de Fevereiro de 1987.
A exigência de personalização jurídica pública da Casa do Douro constituiu nota dominante do debate.
(16) Autorização legislativa concedida na sequência da apresentação da Proposta de Lei nº 70/V, publicada no Diário da Assembleia da República, II Série, nº 98, de 29 de Julho de 1988, págs. 1887 e segs.
A discussão na generalidade da Proposta de Lei nº 70/V encontra-se relatada no Diário da Assembleia da República, I Série, nº 7, de 3 de Novembro de 1988.
Nos termos do artigo 152º do Regimento, a Proposta de Lei nº 70/V baixou à Comissão da Agricultura e Pescas para apreciação e elaboração de parecer.
0 Parecer e anexos sobre a Proposta nº 70/V está publicado no Diário da República, II Série-A,nº 9, de 16 de Dezembro de 1988, págs. 88 e segs.
A Proposta de Lei nº 70/V foi aprovada, na generalidade, na especialidade e em votação final global na reunião plenária de 10 de Janeiro de 1989 - cfr. Diário da Assembleia da República, I Série, nº 26, de 11 de Janeiro de 1989.
Ao abordar a natureza jurídica da Casa do Douro (cfr. intra) serão referidos alguns pontos salientes da discussão parlamentar.
(17) Cfr., o já referido na nota (10).
(18) Infra, na abordagem sobre a natureza jurídica da Casa do Douro, este ponto será retomado nos termos sugeridos pela metodologia escolhida.
(19) Nos termos do artigo 31º, § 2º, dos Estatutos continuam a constituir receita da Casa do Douro as taxas e outras importâncias especiais a que se refere o artigo 6º, nº 2, do Decreto-Lei nº 486/82, de 28 de Dezembro, ou seja, as taxas e outras importâncias que eram cobradas pela Federação dos Vitivinicultores da Região do Douro extinta pelo artigo 1º deste diploma.
(20) O âmbito dos poderes de tutela será abordado, infra.
(21) A economia do parecer dispensa um compromisso sobre esta problemática, discutida pelos autores.
(22) Cfr. FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. I, pág. 314.
(23) Curso de Direito Administrativo, cit., I, pág. 317.
(24) Cfr., idem, ibidem.
(25) Seguiu-se, de perto, FREITAS DO AMARAL, Curso, cit., I, págs.
(26) Cfr. JORGE MIRANDA, As Associações Públicas no Direito Português, ed. Cognitio, 1985, pág. 11.
(27) Curso, cit., vol. I, Coimbra, 1986, pág. 370.
(28) As Associações Públicas, cit., págs. 14/15. Acompanha-se de perto a abordagem do conceito constante do parecer deste Conselho nº 26/88, de 10 de Novembro de 1988 (não publicado).
(29) Cfr. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da Republica Portuguesa, Anotada, 2ª edição, 2º volume, pág. 424.
(30) Cfr. Associações Públicas, cit., págs. 15/16.
(31) Cfr. JORGE MIRANDA, loc. ciz., pág. 16 e desenvolvidamente o Parecer deste Conselho nº 114/85, de 31 de Janeiro de 1986, publicado no Diário da República, II Série, nº 123, de 31 de Julho de 1986, e no Boletim do Ministério da Justiça, nº 359, pág. 190.
(32) Como referente de toda a discussão esteve presente o problema respeitante às associações de carácter profissional - as "ordens".
(33) Segue-se neste passo, a selecção de intervenções já recenseada no Parecer nº 114/85, citado na nota (31) .
(34) Cfr. Diário da Assembleia da República, II Legislatura, 2ª Sessão Legislativa, 44 Suplemento, de 27 de Janeiro de 1982, pág. 904-(5), e 64, Suplemento, de 10 de Março de 1982, págs. 1232-(17) a 1232-(21).
(35) Cfr. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República,
Anotada, 2ª edição, vol. I, pág. 267, anotação ao artigo 46º -"Liberdade de Associação".
(36) Cfr. ibidem, vol. 2º, pág. 425.
(37) Seguindo, muito de perto, neste ponto, o Parecer deste Conselho consultivo nº 114/85, citado na nota (31), JORGE MIRANDA, As Associações Públicas cit., pags. 16-18 e 25-271, e FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, cit. págs. 378-382.
(38) Artigos 167º e seguintes do Código Civil e artigo 6º do Decreto-Lei nº 594/74, de 7 de Novembro.
(39) Cfr. a Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 70/V, no Diário da Assembleia da República, II Série, nº 98, de 29 de Julho de 1988, págs. 1887-1888.
(40) Cfr. as referências constantes da nota (16).
(41) No texto saído da 2ª Revisão, a matéria de reserva relativa sobre associações públicas consta do artigo 168º, nº 1, alínea u) da Constituição.
(42) Saliente-se, como síntese dos problemas que ocuparam as preocupações parlamentares, um passo de uma intervenção do deputado ANTÓNIO BARRETO :"De resto reconheço que, em muitos destes problemas, estamos perante situações dificílimas de resolver, como é o problema do privado, do público, da inscrição obrigatória, das funções do Estado exercidas por uma associação federativa e das funções privadas exercidas por uma associação pública" - cfr.
Diário da Assembleia da República, I Série, nº 7, de 3 de Novembro de 1988, pág. 190.
(43) Cfr. a reafirmação do propósito legislativo constante da intervenção do Secretário de Estado da Alimentação e as intervenções dos deputados VASCO MIGUEL e CARLOS ENCARNAÇÃO, in Diário da Assembleia da República, cit., págs. 175, 181 e 184, respectivamente.
(44) Assim ocorreu com associações públicas jurídicas e socialmente relevantes, como a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Advogados, v. g relativamente a esta última, o Parecer deste Conselho nº 26/88, já referido.
(45) A inscrição obrigatória, e as respectivas implicações a nível constitucional, suscitou a atenção de alguns parlamentares na discussão da Proposta de Lei nº 70/V. Vide, v. g , as intervenções dos deputados ANTÓNIO BARRETO e BASILIO HORTA, no Diário da Assembleia da República, cit., págs. 180 e 184, respectivamente.
(46) 0 problema da constitucionalidade da exigência de inscrição obrigatória foi estudado no já referido Parecer deste Conselho nº 28/89, de 10 de Novembro. Concluiu-se, então, que não são inconstitucionais por violação do direito (negativo) de associação as normas que impõem a inscrição obrigatória numa associação pública como condição do exercício de profissão (o parecer, como se disse, referia-se à "Ordem dos Advogados").
0 Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 497/89, no Diário da República, I Série, nº 27, de 1 de Fevereiro de 1990, decidiu neste mesmo sentido.
(47) FREITAS DO AMARAL, no Curso de Direito Administrativo, cit., vol. I, pág. 37, refere precisamente a 'Casa do Douro' como um exemplo de associação pública de entidades privadas.
Também JORGE MIRANDA, Associações Públicas, cit., pág. 20, inclui a Casa do Douro na categoria de "Associações públicas económicas", -qualificação em razão do objecto da respectiva actividade.
(48) Segue-se, neste ponto, textualmente, AFONSO QUEIRÓ, Atribuições, estudo inserto na colectânea Estudos de Direito Administrativo, I, pág. 63.
(49) Cfr. AFONSO QUEIRÓ, ibidem.
(50) Cfr. AFONSO QUEIRÓ, ibidem.
(51) Cfr. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, tomo I, 10ª edição, págs. 212-213, e ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, vol. I, pág. 216.
(52) Cfr. ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, cit, pág. 216.
(53) Cfr. MARCELLO CAETANO, Manual, cit., págs. 213 e 223.
(54) Cfr. ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, cit., pág. 217.
(55) Cfr. MARCELLO CAETANO, Manual, págs. 499-SÉRVULO CORREIA, Noções de Administrativo, pág.. 376-377, ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, cit., pag. 556-557.
(56) Cfr. MARCELLO CAETANO, Manual, cit., pág 217 e ESTEVES DE OLIVEIRA,
Direito Administrativo, cit., pág. 217.
(57) Acompanha-se, de perto, LUIS CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, vol. I, tomo II, ed. AAFDC, págs. 570 e segs. e MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, págs. 316 e segs.; CASTRO MENDES, Teoria Geral do Direito Civil, vol. I, págs. 243-235. Cfr. também, GABRIEL MARTY-PIERRE RAYNAVO, Droit Civil, 3ª ed., Les Personnes, págs. 934-936; CHRISTIAN LARROUMET, Droit Civil, tome I, ed. Económica, págs. 248-249; LUIS DIEZ-PICAZO y ANTÓNIO GULLÓN, Sistema de Derecho Civil, vol. 1, 5ª ed. ed Tecnos, págs. 547-548.
(58) Cfr. MOTA PINTO, Teoria Geral, cit., pag. 318.
(59) Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA , Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, pág. 165.
(60) De que são exemplos de escola no nosso sistema Jurídico, os direitos de uso e habitação (artigos 1484º e segs.do Código Civil).
(61) Cfr., ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, cit., pág. 217, citando AFONSO QUEIRÓ; JEAN MARIE AUBY e ROBERT DUCOS-ADER, Institutions
Administratives, 2ª ed. Dalloz, págs. 28-29; EDUARDO GARCIA DE ENTERRIA e
TOMAS RAMON FERNANDEZ, Principi di Diritto Amministrativo, Giuffré, 1983, págs. 88-89; ERNST FORSTHOFF, Traité de Droit Administratif Allemand (trad. da ed. 1966), Bruylant, 1969, págs. 697-698, e A. MAST, Précis de Droit Administratif Belge, ed. Story, 1966, págs. 29-30.
(62) 0 Instituto do Vinho do Porto é um instituto público dotado de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, nos termos do artigo 1º do Decreto-Lei nº 192/88, de 30 de Maio.
Este diploma substituiu a anterior lei orgânica do Instituto, constante do Decreto-Lei nº 26914, de 22 de Agosto de 1936.
Nos termos do artigo 4º daquele diploma "são atribuições do IVP o nota o controle da qualidade e quantidade de vinho do Porto, a regulamentação do seu processo produtivo, a defesa interna e externa da denominação de origem "Porto" e ainda quaisquer outras que, no âmbito do sector do vinho do Porto, o Governo entenda confiar-lhe".
E, dispõe o artigo 5º, sob a epígrafe "competências":
Para a realização das suas atribuições compete ao IVP:
a) Fiscalizar, orientar e condicionar a produção e comércio dos vinhos do Porto;
b) Fixar a quantidade de vinho que deve ser beneficiada em cada ano na Região Demarcada do Douro;
c) Fixar o quantitativo, condições de venda e características organolépticas e analíticas das aguardentes vínicas a aplicar no benefício, lotes ou tratamentos de mostos;
d) Fixar, após audição dos interessados, os limites do preço por que a Casa do Douro poderá comprar os mostos da sua área, segundo as respectivas classes de vinhas;
e) Verificar as existências de vinhos em poder de todos os comerciantes de vinhos do Porto, através das contas existentes no organismo, ou, directamente, nos locais de armazém;
f) Determinar, quando se julgue conveniente, que nas adegas e armazéns instalados em qualquer zona de entreposto ou destinadas ao vinho do Porto se façam as modificações e melhoramentos julgados necessários a bem da higiene, do aperfeiçoamento do fabrico ou da eficiência da fiscalização;
g. Organizar o cadastro de todas as marcas, qualquer que seja a sua natureza, relativo a vinhos do Porto de exportação e de consumo no País, podendo para tanto exigir das entidades vendedoras as amostras necessárias, que serão convenientemente
h. ) Propor ao Governo as medidas que julgar convenientes para a boa e eficiente aplicação dos princípios que presidiram à regulamentação da Região Demarcada do Douro para a produção de vinho generoso;
i) Estudar os aperfeiçoamentos a introduzir nos métodos de fabrico e preparação do vinho do Porto, fazendo cumprir as determinações que sobre o assunto venha a adoptar nos termos do disposto na alínea a);
i) Emitir certificados de existência, certificados de origem e certificados de origem e qualidade para efeitos de exportação, bem como boletins de análise;
1) Emitir selos de garantia segundo modelos aprovados pela tutela, cujo emprego é obrigatório, nos termos de regulamento a aprovar, em todos os vinhos engarrafados que se destinem à exportação ou ao consumo no País;
m) Limitar, proibir ou condicionar a exportação de vinho do Porto quando o aconselhe a defesa do produto, designadamente a da sua qualidade;
n) Defender a denominação de origem "Porto" nos mercados consumidores, combatendo por todas as formas as fraudes ou transgressões, tanto no que se refere a qualidade como no que respeita a designações;
o) Apoiar e acompanhar a expansão do comércio dos vinhos do Porto nos mercados externos e internos;
p) Dar parecer sobre todos os assuntos que o Governo mande submeter à sua apreciação e estudo;
q) Exercer quaisquer outras funções que lhe estejam ou possam vir a estar cometidas, designadamente as constantes da Portaria nº 1080/82, de 17 de Novembro".
(63) Cfr. os elementos constantes do despacho solicitando o parecer.
(64) Não se sabe, oficialmente, se o negócio entretanto se concretizou.
(65) A Companhia foi instituída por alvará de D. José I, de 10 de Setembro de 1756, reformulada pelo Marquês de Pombal, e reformada por escritura de 18 de Março de 1878, publicada no "Diário do Governo", nº 70, de 28 de Março de 1878.
Cfr., a referência às finalidades de constituição da Companhia, desenvolvendo a política pombalina, in RUI MANUEL DE FIGUEIREDO MARCOS, "A Legislação Pombalina", estudo publicado no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Suplemento, vol. XXXIII, nota (347), pág. 215.
(66) Os Estatutos foram alterados, sucessivamente, por:
- Escritura de 19/7/1946, publicada no Diário do Governo, nº193, de 20/8/1946;
- Escritura de 17/7/1961, publicada no Diário do Governo, nº234, de 6/10/1961;
- Escritura de 28/3/1963, publicada no Diário do Governo, nº 84, de 9/4/1963;
- Escritura de 19/4/1972, publicada no Diário do Governo, nº109, de 9/5/1972;
- Escritura de 31/12/1981, publicada no Diária da República, nº21, de 26/1/1982;
- Escritura de 16/11/1984,publicada no Diário da República, nº272, de 25/11/1986;
- Escritura de 1/10/1986, publicada no Diário da República, nº150, de 29/10/1986;
- Escritura de 30/3/1987, publicada no Diário da República, nº154, de 8/7/1987;
- Escritura de 20/8/1987, publicada no Diário da República, nº204, de 5/9/1987;
- Escritura de 2/12/1987, publicada no Diário da República, nº297, de 28/12/1987;
_ Escritura de 1/7/1988, publicada no Diário da República, nº167, de 21/7/1988;
- Escritura de 16/9/1988, publicada no Diário da República, nº237, de 13/10/1988;
- Escritura de 30/12/1988, publicada no Diário da República, nº33, de 9/2/1989.
(67) Escritura de 30 de Dezembro de 1989, lavrada no 1º Cartório Notarial do Porto:
0 aumento foi totalmente subscrito pelos accionistas mediante a emissão de cinco milhões de novas acções, cada uma no valor nominal de mil escudos.
"Na sociedade anónima o capital é dividido em acções e cada sócio limita a sua responsabilidade com valor das acções que subscreveu"
- artigo 271º do Código Comercial.
(68) Informação constante do processo, que quantifica a produção própria de vinho generoso no ano de 1989 em 1975 pipas.
(69) A participação social aludida (40%) assume uma dimensão considerável. A medida de participação não releva, contudo, no tratamento da questão no âmbito da capacidade de gozo de direitos de natureza privada.
(70) Significativo de certo entendimento sobre a definição e caracterização dos "interesses dos vitivinicultores", o seguinte passo de uma declaração produzida por membro do Conselho Regional de Vitivinicultores, um dos órgãos da Casa do Douro: "A lavoura tem que entrar na exportação e não pode fazê-lo passo a passo. Tem que criar quotas do mercado: A lavoura tem que conseguir comparticipar, directamente, numa grande empresa, Já instalada, e com uma quota importante de exportação". Cfr., declaração reproduzida na revista "A Razão", Setembro de 1990, Ano 1, nº 12, pág. 21.
(71) Em princípio, urna pessoa colectiva de fim não económico não poderá dedicar-se à actividade comercial, mas não está impedida de praticar actos. de comércio isolados. Cfr.
CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral, cit., pág. 571.
Como exemplos de alguns casos de especificação da capacidade de gozo das pessoas colectivas de direito privado e de direito público, concretizando o principio da especialidade, refiram-se o artigo 5º, nº 2, do Decreto-Lei nº215-C/75, de 30 de Abril, relativamente às associações patronais - pessoas colectivas de direito privado, e o artigo 35º, alínea f), do Decreto-lei nº 644/75, de 15 de Novembro, quanto ao Banco de Portugal - empresa pública que detém poderes de orientação, fiscalização e controle dos mercados monetário, financeiro e cambial.
(72) 0 organismo que a nível nacional tem por atribuições o fomento, apoio, controle e fiscalização da cultura da vinha, produção e comercialização de produtos vínicos e derivados, e o Instituto da Vinha e do Vinho, criado pelo Decreto-Lei nº 304/86, de 22 de Setembro e regulamentado através do Decreto Regulamentar nº 62/87, de 7 de Dezembro.
(73) A participação da Casa do Douro no capital social de uma sociedade anónima autorizada a comerciar vinhos generosos no mercado externo e interno, foi prevista no Decreto-Lei nº 436/78, de 28 de Dezembro, que criava, a título experimental, o Entreposto da Régua, "com vista à armazenagem e comercialização de vinhos generosos produzidos na região" - artigo 1º.
Nos termos do artigo 4º, nº 1, o regime do Entreposto seria utilizável por uma sociedade anónima a constituir, cujo capital pertenceria exclusivamente a entidades representativas da lavoura duriense, nomeadamente adegas cooperativas e produtores individuais. E, conforme determinava o nº 2, a Casa do Douro deveria deter a maioria do capital na sociedade a constituir. 0 nº 3 dispunha por sua vez: "A sociedade a constituir, que não poderá usufruir de quaisquer vantagens de natureza fiscal ou peracional em relação às firmas exportadoras de vinho do Porto existentes, fica autorizada a comercializar vinhos generosos nos mercados
interno e externo, com sujeição a todos os regulamentos e disposições aplicáveis".
A sociedade nunca foi, porém, constituída e o regime que se pretendia instituir foi substituído pelo disposto no Decreto-Lei nº 86/86, de 7 de Maio.
Notar-se-á, porém, que o regime de participação na sociedade estava apertadamente fixado quanto às entidades que poderiam subscrever o respectivo capital, e que o diploma data de um período de indefinição quanto à natureza jurídica da Casa do Douro, e consequentemente, com reflexos no âmbito e limites da sua intervenção.
A natureza jurídica de pessoa colectiva de direito público (associação pública), que hoje normativamente detém, com os poderes de natureza administrativa que lhe são cometidos, e circunstância de relevante peso na consideração actual da problemática do âmbito da respectiva capacidade de direito privado.
(74) Cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA , Constituição da República Portuguesa, Anotada, 2ª edição, II vol., págs. 420-421, que se acompanharam, e também ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, cit., págs. 330 e segs.
(75) Os elementos disponíveis constam do ofício nº 2336, de 16 de Outubro de 1990, do Gabinete de Vossa Excelência, que, na sequência de solicitação expressamente formulada, transmite informações prestadas pela própria Casa do Douro.
(76) Da competência do Instituto do Vinho do Porto - cfr. nota (62).
(77) No ofício citado dá-se conta, referindo informação do Instituto do Vinho do Porto, que "a distribuição do benefício não tem sido feita nem dentro do espírito de beneficiar o mais possível as classes A. e B., nem em forma matemática". Acrescenta-se: "basta examinar o mapa da distribuição para se concluir que assim não tem acontecido".
(78) Vide, sobre as consequências materiais da valorização do "benefício", v.g., a informação constante da nota (12) do Parecer nº 46/85, citado na nota (11) e as referências publicadas no jornal EXPRESS0, de 13 de Outubro de 1990, quanto aos valores actuais.
(79) Num outro domínio se poderão suscitar algumas dificuldades de compatibilização entre a actividade (as funções) da Casa do Douro e a participação em sociedade que se dedique ao comércio, e nomeadamente à exportação do "vinho generoso" da Região.
A Casa do Douro adquire o vinho não comercializado "nos prazos habituais", segundo apreciação de qualidade que os serviços determinam, constituindo existências que, posteriormente, vende ao sector exportador, de acordo com critérios comerciais a definir caso a caso em cada operação de venda. A participação, com interesse imediato próprio, numa sociedade, poderá criar condições mais vantajosas para esta sociedade (elementos de
qualidade, de ano de colheita, de preço, de prazos e condições de transacção) em confronto com outras, perturbando, deste modo, as regras de concorrência - artigos 3º, alínea b) e 6º do Decreto-Lei nº 422/83, de 3 de Dezembro e artigo 85º, 1, d), do Tratado CEE.
Também uma relação privilegiada entre a associação pública indissociada dos poderes e funções públicos assinalados, e uma sociedade em que participasse relevantemente, poderia propiciar a esta condições para obter uma posição dominante no sector, criando o risco de abuso dessa posição - artigo 14º do Decreto-Lei nº 422/83, de 7 de Dezembro e artigo 86º do Tratado CEE.
Com efeito, a aquisição à Casa do Douro atribui algumas vantagens aos vendedores, nomeadamente, nos termos do artigo 3º do Decreto-Leí nº 47176, de 2 de Setembro de 1966,a aquisição de capacidade de venda em medida superior à regra definida no artigo 2º do mesmo diploma em função das existências registadas em seu nome no Instituto do Vinho do Porto (refira-se que uma das condições impostas à entidade que se dedique à venda do vinho do Porto se traduz na manutenção de uma existência permanente não inferior a 150.000 1. - artigo 2º do Decreto-Lei nº 86/86, de 7 de Maio).
Porém, este enquadramento do problema não relevará decisivamente na perspectiva da capacidade ou incapacidade da pessoa colectiva em relação ao negócio jurídico em questão.
A apreciação sobre o respeito pelas regras de concorrência situa-se logicamente em momento posterior de análise, pressupõe actuações concretas, depende de averiguação e verificação de específicas situações de facto e, sobretudo, não tem a ver com a validade dos actos, mas determina apenas, em caso de violação daquelas regras, a correspondente aplicação de sanções aos respectivos operadores económicos - (cfr. artigo 16º do citado Decreto-Lei nº 422/83 e artigo 15º, nº 2, do Regulamento do Conselho nº 17/62, de 6 de Fevereiro de 1962-1º Regulamento de execução dos artigos 85º e 86º do Tratado CEE.
(80) Cfr, MOTA PINTO, Teoria Geral, cit., pág. 215.
(81) Cfr. MOTA PINTO, ibidem, pág. 215.
(82) Cfr. v.g., a propósito da capacidade das empresas públicas, CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Económico, 1ª parte, ed. cop., da AAFDL, 1979, pág. 170-171.
"A capacidade das empresas públicas é definida pelo "princípio da especialidade", isto é, da estrita relacionação com os objectivos que presidiram à sua criação. Mas enquanto as pessoas jurídicas privadas, maxime sociedades comerciais, se podem constituir com um objecto muito amplo, só dependente da legalidade e da vontade dos sócios, as E.P. têm finalidades mais específicas e sempre determinadas pelo interesse público (Decreto-Lei nº 260/76, artigos 1º, nº 1, 2º, nº 2 e 21º). Por isso, os estatutos das E.P. definem com um certo rigor os limites do seu objecto próprio, ainda que admitam a prática de actos indirectamente relacionados com aquele objecto, exigindo por vezes, neste caso, autorização especial do Governo, parecer do Conselho Geral ou da Comissão de Fiscalização.
Os contratos cujo conteúdo ultrapasse ou se incompatibilize com o objecto da E.P. são nulos, de harmonia com o artigo 280º, nº 1, do Código Civil. Os estatutos das empresas públicas são publicados em anexo de decreto-lei, constituindo sua parte integrante, pelo que a sua violação vale como violação de lei. Não cabendo às entidades privadas, por si, realizar fins directos de interesse público, estes impõem-se-lhes por força de consagração legal".
(83) Cfr. ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, cit., pág. 192.
(84) Cfr., BAPTISTA MACHADO, Participação e Descentralização. Democratização e Neutralidade na Constituição de 1978, Coimbra, 1982, págs. 31 e segs.
(85) Neste ponto segue-se muito de perto, por vezes textualmente, a elaboração do tema no Parecer deste Conselho nº 90/95, votado na sessão de 12 de Janeiro de 1988.
Cfr., também, os Pareceres deste Conselho nºs 63/86, de 9 de Junho, 101/88, de 9 de Fevereiro de 1989, publicado no Diário da República, II Série, nº 131, de 8 de Junho de 1989 e 7/90, de 22 de Março de 1990, publicado no Diário da República, !I Série, nº 184, de 10/8/90.
(86) Cfr. SÉRVULO CORREIA, Noções, cit., pág. 202; MARCELLO CAETANO,
Manual, cit., vol. I, pág. 230.
(87) Cfr. FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. I, págs. 692 e segs.
(88) Cfr. Parecer deste Conselho nº 90/85, cit. nota (79).
(x1) FREITAS DO AMARAL, Curso, pág. 695.
(x2) MARCELLO CAETANO, Manual, I, págs. 231 e segs.; SÉRVULO CORREIA, op
cit., págs. 205, 210 e segs.
(x3) SERVULO CORREIA, op. cit., págs. 205 e segs.;FREITAS DO AMARAL,Curso, págs. 696 e segs., reservando para esta categoria a designação "tutela integrativa" que considera preferível à de "tutela correctiva". Este mesmo autor, pags. 697 e segs., autonomiza igualmente, no seio da tutela inspectiva, o poder de aplicar sanções por irregularidades detectadas no desempenho dos poderes de fiscalização, constituindo uma "tutela sancionatória" ou "disciplinar".
(89) Cfr. SÉRVULO CORREIA, Noções, cit., pág. 206.
(90) Cfr., neste sentido, os acórdãos da lª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 24 de Março de 1977, in "Acórdãos Doutrinais", ano XVI, nº 191, págs. 972 e segs. e de 24 de Maio de 1979, no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 290, pág. 447.
(91) Cfr. FAUSTO DE QUADROS, Anotação ao acórdão da 1ª Secção do Supremo Tribunal
Administrativo, de 19 de Julho de 1979, "Revista da Ordem dos Advogados", Ano 41,III , 1981, pág. 767. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa, Anotada, e ed., 2º vol Lisboa, 1985, pág. 394 falam de um princípio da tipicidade das medidas de tutela.
(92) Reflectido no artigo 243º da Constituição da República e na Lei nº 87/89, de 9 de Setembro, no que respeita à tutela administrativa sobre as autarquias locais.
(93) Cfr., referências à formulação em RAFAEL ENTRENA CUESTA, Curso de Derecho Administrativo, 3º ed., Ed. Tecnos, Madrid, 1982, pág. 153.
(94) Cfr., sobre a validade e o conteúdo da regra "pas de tutelle sans texte", SERGE REGOURD, L'acte de tutelle en droit administratif français, L.G.D.J. Paris, 1982, Págs. 92 e segs. desig-. 95-96.
(95) Cfr., ibidem, pág. 96.
(96) Cfr. FREITAS DO AMARAL, Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, pág. 137.
(97) Acompanha-se, de novo, o parecer nº 90/85.
(x4) "Assim também ESTEVES DE OLIVEIRA, op. cit., pág. 608, citando o artigo 221º do Projecto de Código de Processo Administrativo Gracioso.
(x5) FREITAS DO AMARAL, Conceito e Natureza, pág. 138; ROBIN DE ANDRADE, A Revogação dos Actos Administrativos, 2ª edição, Coimbra, 1985, págs. 325 e segs.;COELHO LIMA, op. cit., pág. 57, nota 83, acrescentando, a propósito, não se detectar na legislação portuguesa qualquer situação de competência revogatória, por .iniciativa própria, de órgão de tutela".