Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00000376
Parecer: P000221991
Nº do Documento: PPA19920130002200
Descritores: INSTITUTO DO TRABALHO PORTUARIO
TRABALHO PORTUARIO
OPERADOR PORTUARIO
BETUME ASFÁLTICO
OPERAÇÃO DE DESCARGA
ISENÇÃO
PETROLEO
PRODUTO DERIVADO DO PETROLEO
TRABALHADOR PORTUARIO
Livro: 00
Pedido: 02/15/1991
Data de Distribuição: 02/28/1991
Relator: FERREIRA RAMOS
Sessões: 01
Data da Votação: 01/30/1992
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MOPTC
Entidades do Departamento 1: SE DAS OBRAS PUBLICAS
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 03/23/1992
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: DR 920905
Nº do Jornal Oficial: 205
Nº da Página do Jornal Oficial: 8274
Indicação 2: ASSESSOR: MARREIROS
Área Temática:DIR ECON * DIR TRANSP * DIR MARIT.
Legislação:DL 151/90 de 1990/05/15 ART4 ART5 N1 E ART22 ART23.; DL 145-A/78 DE 1978/06/17 ART1.; DL 145-B/78 DE 1978/06/17.; DL 46/83 DE 1983/01/17 ART1 ART2 ART3.; DL 282-A/84 DE 1984/08/20 ART1 N1.; DL 103/88 DE 1988/03/29.; DL 282-B/84 DE 1984/08/20.; DL 366/88 DE 1988/10/14.; DL 282-C/84 DE 1984/08/20 ART1.
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1 - Os betumes asfacticos, sendo produtos derivados do petroleo, cabem na previsão do artigo 5, n 1, alinea e), do Decreto-Lei n 151/90, de 15 de Maio;
2 - As operações de carga, descarga e trasfega dos betumes asfacticos referidos na conclusão anterior, desde que transportados no estado liquido e a granel, estão isentas da obrigatoriedade de intervenção de operadores portuarios, bem como do recurso aos trabalhadores portuarios, nos termos do disposto nos artigos 5, n 1, alinea e), e 23, n 1, ambos do Decreto-Lei n 151/90.

Texto Integral:

SENHOR SECRETÁRIO DE ESTADO DAS OBRAS PÚBLICAS,

EXCELÊNCIA:


1

Dignou-se Vossa Excelência solicitar o parecer deste Conselho Consultivo sobre a questão de saber se as operações de descarga de navios tanque de betumes asfálticos, líquidos e a granel (produto derivado do petróleo), em instalações próprias da empresa, se encontram ou não abrangidas pela isenção contida nos artigos 5º, nº 1, alínea e), e 23º, nº 1, ambos do Decreto-Lei nº 151/90, de 15 de Maio, isto é, se a realização das operações descritas obriga ou não ao recrutamento de trabalhadores e operadores portuários.

Cumpre emiti-lo.
2

2.1. Pretendeu-se, em 1978, levar a cabo a reestruturação do sector portuário mediante a adopção de medidas legislativas que providenciassem no sentido de estabelecer o enquadramento legal das condições de prestação de trabalho no sector.
2.1.1. O Decreto-Lei nº 145-A/78, de 17 de Junho (1 , visou, assim, lançar as bases gerais para uma regulamentação do trabalho portuário, traçando as grandes linhas de definição do acesso de trabalhadores e empresários à actividade portuária e da intervenção das autoridades portuárias ou de organismos a criar para a supervisão e gestão do trabalho portuário (do respectivo preâmbulo).

Dispunha o seu artigo 1º:
"1 - Nos portos nacionais as actividades relativas a operações de carga e descarga de embarcações de comércio nos entrepostos e cais livres, bem como a movimentação de mercadorias nos armazéns e terraplenos interiores aos limites das áreas de domínio público marítimo, só poderão ser exercidas por trabalhadores portuários titulares de carteira profissional a ser passada em condições a definir por portaria conjunta dos Ministros do Trabalho e dos Transportes e Comunicações, após audição das associações sindicais interessadas.
2 - Serão efectuadas sem recurso aos trabalhadores referidos no número anterior, em condições especiais a definir para cada porto por portaria conjunta do Ministro dos Transportes e Comunicações e do Ministro a que respeite a tutela do sector, as seguintes operações:
a) Movimentação de sobressalentes, material de bordo, mantimentos, abastecimentos, combustíveis e lubrificantes;
b) Peagem e despeagem de cargas;
c) Cargas e descargas de embarcações locais em circunstâncias susceptíveis de serem efectuadas pela tripulação;
d) Cargas, descargas e arrumação de peixe fresco, refrigerado ou congelado, embalado ou a granel, nas instalações privativas das empresas;
e) Cargas e descargas em terminais cujas características imponham regras especiais de actuação e segurança, exigindo a utilização de pessoal especializado;
f) Cargas e descargas em estaleiros e instalações fabris dotadas de cais privativos e com condições para as efectuarem com recurso ao seu próprio pessoal.

3 - ..........................................".

2.1.2 . Na mesma data foi publicado o Decreto-Lei nº 145-B/78 (2 que criou o Instituto do Trabalho Portuário (ITP), organismo de âmbito nacional dotado de uma estrutura participativa que integrava representantes da Administração Pública, dos sindicatos e dos empregadores de trabalhadores portuários, cabendo-lhe a definição e as acções de coordenação e supervisão de uma política coerente de trabalho portuário com vista à progressiva normalização e uniformização dos procedimentos em matéria de requisição, distribuição, pagamento, formação profissional e segurança dos trabalhadores do sector (do preâmbulo).
2.2. Recolhidos os ensinamentos da experiência de alguns anos, em 1984 entendeu-se ser necessário o aperfeiçoamento dos mecanismos legais anteriores.
2.2.1 .Assim, o referido Decreto-Lei nº 145-A/78 veio a ser revogado, como se disse (cfr. nota 1), pelo Decreto-Lei nº 282-A/84, de 20 de Agosto (3 , que definiu o âmbito e organização administrativa do trabalho portuário e estabeleceu a forma de recrutamento de trabalhadores portuários e respectivos contingentes, bem como o regime jurídico destes trabalhadores.

O artigo 1º contém, no nº 1, uma estatuição paralela à do nº 1 do artigo 1º do diploma revogado, e no nº 2 também se elenca um conjunto de operações que "serão efectuadas sem recurso aos trabalhadores portuários". São elas as seguintes:
"a) Que envolvam embarcações militares ou material militar, desde que operadas em áreas sob jurisdição militar, por pessoal militar, salvo expressa autorização da competente autoridade militar;
b) De controle ou fiscalização de natureza aduaneira, policial ou portuária, levadas a cabo pelas autoridades competentes, salvo se implicarem movimentação de mercadorias;
c) De abastecimento de bancas e óleos lubrificantes a granel à navegação, salvo expresso acordo em contrário do armador;
d) De movimentação de sobressalentes, material de bordo, de mantimentos, abastecimentos, combustíveis e lubrificantes, quando as quantidades a movimentar sejam inferiores a 3 t por navio;
e) De carga, descarga e trasfega, desde que líquidos e a granel, de combustíveis e produtos petrolíferos;
f) De carga, descarga e trasfega de produtos químicos cujas características imponham especiais regras de actuação e segurança, a definir pelo Instituto do Trabalho Portuário (ITP), e sempre salvo expresso acordo em contrário da entidade por conta de quem corra a operação;
g) De carga, descarga e arrumação de peixe fresco, refrigerado ou congelado, este quando em instalações privativas das empresas de pesca e, em qualquer caso, quando se destine ou provenha das embarcações de pesca, salvo se se tratar de carga manifestada ou a manifestar;
h) De movimentação de materiais e mercadorias no interior dos estaleiros de construção e reparação naval, bem como dos terminais petrolíferos, em fases posteriores à sua descarga de navios de transporte provenientes do exterior ou nas fases anteriores ao início da sua carga para os navios de transporte com destino ao exterior dos estaleiros ou terminais".
Retenha.se o disposto na alínea e) - sem correspondência no diploma anterior -, já que a consulta se prende decisivamente com essa "excepção", reproduzida como foi, quase textualmente, no diploma hoje em vigor (artigo 5º, nº 1, alínea e) do Decreto-Lei nº 151/90).
2.2.2. Constituindo os Decretos-Lei nºs 145-A/78 e 145-B/78 um todo, revogado o primeiro, impunha-se a reponderação também do segundo, a qual veio a ocorrer, na mesma data, através do Decreto-Lei nº 282-C/84, que, revogando-o, introduziu alterações nas atribuições e competências do ITP, visando fundamentalmente conferir-lhe uma capacidade de intervenção efectiva em todas as questões atinentes do sector, a nível nacional, e garantir aos outros coordenadores do trabalho portuário a necessária operacionalidade(4 .
3

Registada a evolução legislativa no respeitante ao trabalho portuário, interessará também dar conta da evolução - operada, aliás, em termos paralelos e muito semelhantes - no tocante ao operador portuário.
3.1 . As condições de acesso à actividade de operador portuário foram estabelecidas pelo Decreto-Lei nº 46/83, de 27 de Janeiro, "preenchendo grave lacuna do nosso ordenamento jurídico", mediante a criação de "um estatuto, verdadeiramente inovador, para as empresas que tenham por objecto social exclusivo as operações de carga e descarga de navios e operações complementares, até agora sem qualquer regulamentação e muitas vezes efectuadas por entidades sem qualquer vocação para a mesma actividade" (do respectivo preâmbulo) (5 .

Definindo o artigo 1º as operações portuárias para os efeitos do diploma, e dispondo o artigo 2º que "operadores portuários são as sociedades ou empresas públicas licenciadas exclusivamente para o exercício das operações portuárias referidas no artigo 1º", ao desenvolvimento do parecer interessa mais o artigo 3º, que assim estabelecia:
"1 - Não carecem de intervenção de operadores portuários as operações:
a) Realizadas por quaisquer entidades, relativamente à movimentação de cargas da sua exclusiva propriedade, desde que se processem em instalações ou terminais privativos;
b) De movimentação de sobressalentes, material de bordo, mantimentos, abastecimentos, combustíveis e lubrificantes, destinados ao próprio navio;
c) De cargas e descargas de embarcações locais em circunstâncias susceptíveis de serem efectuadas pela tripulação;
d) De cargas, descargas e arrumação de peixe fresco, refrigerado ou congelado, embalado ou a granel, nas instalações privativas das empresas;
e) De cargas e descargas de produtos petrolíferos e derivados ou químicos, a granel, quando executadas em terminais especializados;
f) De peritagem, amostragem e outras conexas com a actividade de peritos marítimos.
2 - A realização das operações referidas no número anterior está sujeita às normas regulamentares existentes em cada porto".

Atente-se em que estamos perante uma enumeração próxima da do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 145-A/78, que ainda não inclui, tal como esta última não incluía, uma excepção como aquela que ao presente parecer interessa (6 .
3.2. Reconhecendo, embora, ser muito curta a experiência de aplicação do Decreto-Lei nº 46/83, a ponderação de que foram introduzidas alterações importantes na legislação aplicável ao trabalho portuário (Decreto-Lei nº 282-A/84), que constitui outro elo fundamental da mesma cadeia, conduziu à publicação do Decreto-Lei nº 282-B/84, de 20 de Agosto (7 , de modo a que o conjunto pudesse funcionar de forma articulada.

O artigo 1º definiu operações portuárias como aquelas que só podem ser levadas a cabo pelos operadores portuários, salvo o disposto no artigo 3º, do seguinte teor:
"1 - Não carecem de intervenção de operadores portuários as operações:
a) Que envolvam embarcações militares ou material militar, desde que operadas em áreas sob jurisdição militar, por pessoal militar, salvo expressa autorização da competente autoridade militar;
b) De controle ou fiscalização de natureza aduaneira, policial ou portuária, levadas a cabo pelas autoridades competentes, salvo se implicarem movimentação de mercadorias;
c) De abastecimento de bancas e óleos lubrificantes a granel à navegação, salvo expresso acordo em contrário do armador;
d) De movimentação de sobressalentes, material de bordo, mantimentos, abastecimentos, combustíveis e lubrificantes, destinados ao próprio navio, quando as quantidades a movimentar sejam inferiores a 3 t por navio;
e) De carga, descarga e trasfega, desde que líquidos e a granel, de combustíveis e produtos petrolíferos;
f) De carga, descarga e trasfega de produtos químicos cujas características imponham especiais regras de actuação e segurança, a definir pelo Instituto do Trabalho Portuário (ITP), e sempre salvo expresso acordo em contrário da entidade por conta de quem corre a operação;
g) De carga, descarga e arrumação de peixe fresco, refrigerado ou congelado, este quando em instalações privativas das empresas de pesca, e, em qualquer caso, quando se destinem ou provenham das embarcações de pesca, salvo se se tratar de carga manifestada ou a manifestar;
h) De movimentação de materiais e mercadorias no interior dos estaleiros de construção e reparação naval, bem como dos terminais petrolíferos, em fases posteriores à sua descarga de navios de transporte provenientes do exterior, ou nas fases anteriores ao início da sua carga para os navios de transporte com destino ao exterior dos estaleiros ou terminais".

Sublinhe-se que a alínea e) acabada de transcrever corresponde ipsis verbis à alínea e) do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 282-A/84: esta, determinando que as operações de carga, descarga e trasfega, desde que líquidos e a granel, de combustíveis e produtos petrolíferos, serão efectuadas sem recurso aos trabalhadores portuários, aquela, dispensando as mesmas operações de intervenção de operadores portuários.
4

Hoje rege o Decreto-Lei nº 151/90, de 15 de Maio, diploma que aglutinou o regime jurídico do operador portuário e do trabalhador portuário (8 .

4.1. Após ponderar que:
- os elevados custos praticados nos portos nacionais têm sido determinantes na sua falta de capacidade concorrencial;
- as medidas legislativas publicadas em 1984 foram insuficientes para a necessária reestruturação que já então se fazia sentir,o relatório preambular enuncia os seguintes princípios que presidiram à revisão do regime jurídico da operação portuária aprovada pelo diploma:
"Transferência a prazo da intervenção do ITP na operação portuária pela da administração portuária, com a consequente extinção daquele;
Clarificação da intervenção do operador e do trabalhador portuário;
Redefinição dos requisitos e termos do licenciamento de operador portuário e da inscrição de trabalhador portuário;
Especificação dos termos de concessão de instalações portuárias;
Criação de mecanismos de optimização dos preços e de índices de gestão portuária;
Alteração dos organismos de gestão de mão-de-obra portuária sem intervenção do Estado;
Definição do regime de contra-ordenações".
4.2. Após o artigo 4º determinar que "as operações portuárias só podem ser executadas por operadores portuários, salvo o disposto no artigo seguinte", o artigo 5º, sob a epígrafe "excepções", estabelece:
"1 - Estão isentas da obrigatoriedade de intervenção de operadores portuários as operações:
a) Que envolvam embarcações militares ou material militar operado em áreas sob jurisdição militar e por pessoal militar;
b) De controlo, segurança ou fiscalização de natureza aduaneira, policial, sanitária ou portuária, levadas a cabo pelas autoridades competentes;
c) De abastecimento de bancas e óleos lubrificantes a granel à navegação;
d) De movimentação de sobresselentes, material de bordo, mantimentos, abastecimentos, combustíveis e lubrificantes quando as quantidades a movimentar sejam inferiores a 3 t por navio;
e) De carga, descarga e trasfega de combustíveis e produtos petrolíferos líquidos a granel;
f) De carga, descarga e trasfega de produtos químicos cujas características imponham especiais regras de actuação e segurança;
g) De carga, descarga e arrumação de peixe fresco, refrigerado ou congelado, este quando em instalações privativas das empresas de pesca, e, em qualquer caso, quando se destinem ou provenham das embarcações de pesca, salvo se se tratar de carga manifestada ou a manifestar;
h) De movimentação de materiais e mercadorias no interior dos estaleiros de construção e reparação naval, bem como dos terminais petrolíferos, em fases posteriores à sua descarga de navios de transporte provenientes do exterior, ou nas fases anteriores ao início da sua carga para os navios de transporte com destino ao exterior dos estaleiros ou terminais.
2 - ..........................................".

Por seu turno, o artigo 23º (também epigrafado de "excepções") nº 1 - precedido pelo artigo 22º, segundo o qual "as operações portuárias só podem ser exercidas por trabalhadores portuários, devidamente admitidos e inscritos e titulares de qualificação profissional, salvo o previsto no artigo seguinte" - isenta as operações descritas no artigo 5º da obrigatoriedade do recurso aos trabalhadores portuários (9 .
4.3. Antes de prosseguir, sublinhe-se que a alínea e) do transcrito artigo 5º não diverge, na sua essência, das alíneas e) dos artigos 1º, nº 2, e 3º, nº 1, respectivamente dos Decretos-Lei nº 282-A/84, e nº 282-B/84: apenas se detecta que a locução "desde que líquidos e a granel" foi remetida para o segmento final, com uma ligeira alteração, passando o texto a rezar tão-só "líquidos a granel".

Alteração sem significado, se bem se pensa.

Tal como nos diplomas de 1984, continua a exigir-se que os combustíveis e produtos petrolíferos sejam líquidos - estado entre sólido e gasoso - e a granel.

A lei não exige apenas que os produtos se apresentem no estado líquido; mais exige que sejam produtos a granel, chamando-se a granel o "transporte de produtos não ensacados nem empacotados em que o contentor é o porão do próprio navio" (10 .

A verificação da excepção pressupõe, pois, a satisfação cumulativa desses dois requisitos: transporte a granel de produtos petrolíferos no estado líquido.
5

A presente consulta foi determinada por divergências de interpretação entre o Instituto do Trabalho Portuário (ITP), de um lado, e a CEPSA PORTUGUESA PETRÓLEOS, S.A., e a SHELL PORTUGUESA, S.A., do outro.
5.1. Em telex datado de 14/9/84, o ITP entendeu que "é para já opinião deste Instituto que o asfalto não está abrangido pela alínea e) do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 282-A/84 e alínea e) do nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 282-B/84, havendo por isso lugar ao recrutamento de trabalhadores e operadores portuários".
Posteriormente, em telex datado de 9/10/84, o ITP comunicava estarem isentos do recurso a trabalhadores e operadores portuários os seguintes produtos:
"- Ramas de petróleo
- Gasolina
- Jet-Fuel
- Fuel-Oil
- Gasóleo
- Gás Butano Liquefeito
- Gás Propano Liquefeito" (11 .
Em 5/12/90 o Consultor Jurídico do ITP emitiu parecer no sentido de não ser obrigatória quer a intervenção de operadores quer a intervenção de trabalhadores portuários, desde que se trate, "efectivamente da descarga de navios tanques que transportem produtos asfálticos a granel".
Não obstante, o Conselho Directivo do ITP viria a manter o seu anterior entendimento, embora com voto contra do seu Presidente "por entender que a posição tomada pelo ITP em 14/9/84 o foi no contexto dum grave litígio então existente e pressupunha explicitamente que face às dúvidas que estavam a surgir se deveriam seguir os aclaramentos necessários".
5.2. Posição diversa é sustentada pela CEPSA e SHELL, que entendem estar os betumes de petróleo manifestamente abrangidos no espírito e na letra do artigo 5º, nº 1, alínea e), do Decreto-Lei nº 151/90 (e, anteriormente, nas alíneas e) dos artigos 1º, nº 2, e 3º, nº 1, respectivamente dos Decretos-Lei nº 282-A/84, e nº 282-B/84).

Fundamentando esta isenção dos betumes asfálticos - que também designam por betumes de petróleo, "produtos petrolíferos que, no que concerne às suas características físico-químicas, processo de produção e condições técnicas de movimentação, se encontram dentro da gama de produtos" incluídos no referido telex do ITP (12 , e que dizem ser "um derivado do petróleo, do qual é obtido como resíduo directo do processamento das ramas" -, a CEPSA e a SHELL apontam as seguintes razões:
" - a legislação confere-lhe o direito de não usar operadores portuários na carga, descarga e trasfega de combustíveis e produtos petrolíferos líquidos e a granel;
- o betume do petróleo descarregado para os terminais de Leixões e Setúbal é um produto derivado do petróleo e movimentado na forma líquida e a granel;
- a classificação alfandegária do produto em causa tem o código pautal 27132000000000 - betume do petróleo;
- não há diferença tecnológica significativa nas operações de movimentação de betume do petróleo, em relação a outros produtos petrolíferos, que o possa excluir do espírito da lei ao estabelecer as excepções de recurso a operadores portuários;
- continuar a pagar um serviço que, não sendo prestado e consequentemente não sendo produtivo, além de contrário ao objectivo, oficialmente reiterado, de aumentar a competitividade dos portos portugueses, é atentatório, a nosso ver, do estatuto dos trabalhadores portuários" (13 .
6

Recolhendo preceitos homólogos dos Decretos-Lei nºs 282-A/84 e 282-B/84, o artigo 5º do Decreto-Lei nº 151/90, como vimos, isentou da obrigatoriedade de intervenção de operadores portuários - isenção extensiva ao recurso a trabalhadores portuários, por força do disposto no artigo 23º - um conjunto de operações que o seu nº 1 distribuiu pelas alíneas a) a h).

Na questão submetida à nossa apreciação está tão-só em causa a interpretação da alínea e):
"operações de carga, descarga e trasfega de combustíveis e produtos petrolíferos líquidos a granel".
Questão que, como Vossa Excelência precisou, "consiste em determinar se as operações de descarga de navios tanque de betumes asfálticos, líquidos e a granel (produto derivado do petróleo), em instalações próprias da empresa (14 , se encontram ou não abrangidas pela isenção contida" na referida alínea.
6.1. Pensa-se que a resposta à questão depende, fundamentalmente, de saber se os betumes asfálticos são ou não produtos petrolíferos.

Tal significa que a problemática suscitada pela consulta releva também, ou mesmo sobretudo, de outros ramos da ciência - da Geologia, da Química, da Mineralogia -, que não a Jurídica.

Feita esta advertência, podemos, todavia, referir que os elementos recolhidos permitem concluir que os betumes asfálticos são obtidos através da destilação do petróleo bruto, muito embora haja também o "asfalto natural" (15 .

Sujeito nas refinarias a uma série complexa de operações de transformação, um dos produtos obtidos a final, do resíduo da destilação, é o asfalto ou betume asfáltico.

O petróleo bruto não é uma substância simples, mas sim uma mistura de muitas espécies diferentes de líquidos, cuja ebulição e condensação ocorrem a diferentes temperaturas.

Efectuado o processo de destilação numa "coluna de fraccionamento", dividida a intervalos por tabuleiros horizontais com orifícios, condensam-se nos tabuleiros inferiores as chamadas "fracções pesadas"; o resíduo da coluna de fraccionamento contém as fracções mais pesadas e é constituído por fuelóleo e betume.

Parece, assim, poder afirmar-se, com alguma segurança, que os betumes asfálticos que determinaram a consulta são, como tantos outros, produtos derivados do petróleo.

Aliás, semelhante conclusão não vem questionada e no próprio ofício em que formula a consulta Vossa Excelência refere expressamente, entre parêntesis, "produto derivado do petróleo".

Como também não poderá duvidar-se, neste contexto, de que "produtos derivados do petróleo" e "produtos petrolíferos" não são conceitos distintos, antes traduzindo uma só e a mesma realidade.

Conclusão que surge corroborada e reforçada face à classificação alfandegária do produto em causa, que tem no código pautal o nº 27132000000000 - betume de petróleo (16

E não só.
Também a Norma Portuguesa NP-1239, 1984 - Produtos Petrolíferos (terminologia adaptada à norma internacional ISO-1998 usada na indústria do petróleo) parece não consentir dúvidas de que estamos perante produtos petrolíferos, pois aí se incluem os betumes (17 .
Na verdade, sob o termo 1-048 - Betume, a pág. 11, escreve-se:
"Produto viscoso ou sólido, constituído, essencialmente, por hidrocarbonetos e seus derivados, praticamente solúvel em sulfureto de carbono (18 .
O betume é um produto de destilação de certos petróleos brutos obtido por tratamento dos resíduos (ou, eventualmente, das fracções mais pesadas).
Aparece também na rocha betuminosa (veja-se o termo 1-017).
De acordo com as suas propriedades, os betumes são utilizados para emulsões, estanquidade, impermeabilização, isolamento, pavimentação de ruas, fabrico de aglomerados, etc." (19 .
6.2. Mas sendo assim, impõe-se concluir que as operações de carga, descarga e trasfega de betumes asfálticos (derivados do petróleo), líquidos e a granel, cabem na letra da alínea e) em causa.

Como diz BAPTISTA MACHADO (20 , o texto ou letra da lei é o ponto de partida da interpretação e, como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei. A letra, o enunciado linguístico, é, assim, um ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do artigo 9º, nº 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) "que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso".

No mesmo sentido, OLIVEIRA ASCENSÃO: a letra é não só o ponto de partida, mas também um elemento irremovível de toda a interpretação, funcionando também o texto como limite da busca do espírito (21 .
6.3. Mas se os betumes asfálticos ou betumes de petróleo cabem claramente, como se demonstrou, no texto da alínea e), deve igualmente entender-se que eles também são abrangidos pelo seu espírito.

Na verdade, a razão de ser dessa excepção parece residir no facto de as operações de carga, descarga e trasfega desses produtos petrolíferos exigirem um alto grau de especialização e tecnicidade que a generalidade dos operadores e trabalhadores portuários porventura não possuirá.

Por isso, "a intervenção dos trabalhadores portuários nas operações de descarga de navios tanque de betume de petróleo é, na prática, inexistente, sendo tais operações realizadas por 2-3 funcionários especializados da Companhia recebedora. A intervenção da manga de trabalhadores portuários - agora de 12 elementos - limita-se à presença física quando não, na generalidade dos casos, a simples disponibilidade algures" (22 .

Mas se é essa a razão de ser da excepção, ela também valerá, do mesmo modo, para os betumes asfálticos, os quais não oferecerão qualquer diferença tecnológica significativa nas operações de movimentação em relação a outros produtos petrolíferos, designadamente aos referenciados no telex de 9/10/84 do ITP.

CONCLUSÃO:

7

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:
1ª. Os betumes asfálticos, sendo produtos derivados do petróleo, cabem na previsão do artigo 5º, nº 1, alínea e), do Decreto-Lei nº 151/90, de 15 de Maio;
2ª. As operações de carga, descarga e trasfega dos betumes asfálticos referidos na conclusão anterior, desde que transportados no estado líquido e a granel, estão isentas da obrigatoriedade de intervenção de operadores portuários, bem como do recurso aos trabalhadores portuários, nos termos do disposto nos artigos 5º, nº 1, alínea e), e 23º, nº 1, ambos do Decreto-Lei nº 151/90.









__________________________________________
(1Rectificado no "Diário da República", II Série, nº 206, de 7/9/73, foi expressamente revogado pelo Decreto-Lei nº 282-A/84, de 20 de Agosto (cfr. artigo 18º).
(2Rectificado no "Diário da República", I Série, nº 209, de 11/9/78, foi alterado, por ratificação, pela Lei nº 72/79, de 24 de Outubro, e posteriormente revogado pelo Decreto-Lei nº 282-C/84, de 20 de Agosto (cfr. artigo 25º).
(3Alterado pelo Decreto-Lei nº 103/88, de 29 de Março, ambos viriam a ser revogados pelo Decreto-Lei nº 151/90, de 15 de Maio (cfr. artigo 51º).
(4O Decreto-Lei nº 282-C/84 mantém-se em vigor, embora vários dos seus preceitos tenham sido alterados pelo Decreto-Lei nº 151/90 (cfr. artigos 48º e 52º).
(5O Decreto-Lei nº 46/83 foi rectificado no "Diário da República", I Série, nº 48, Supl., de 28/2/83, vindo a ser revogado pelo Decreto-Lei nº 282-B/84 (cfr. artigo 23º).
(6Repare-se, porém, na alínea e), respeitante a "produtos petrolíferos e derivados ou químicos, a granel ...".
(7Alterado pelo Decreto-Lei nº 366/88, e 14 de Outubro, vieram os dois a ser revogados pelo Decreto-Lei nº 151/90 (cfr. artigo 51º).
(8O Provedor de Justiça requereu ao Tribunal Constitucional a apreciação e declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de algumas normas do Decreto-Lei nº 151/90, da Portaria nº 481/90, de 28 de Junho, da Portaria nº 580/90, de 21 de Julho, e do Decreto-Lei nº 282-B/84.
Sobre a matéria foram também produzidos dois pareceres, da autoria dos Professores GOMES CANOTILHO e JORGE MIRANDA.
(9Sem prejuízo do número seguinte, nos termos do qual "é obrigatório o recurso aos trabalhadores portuários sempre que seja requerida a intervenção de operadores portuários nas operações descritas no artigo 5º".
Refira-se que a Portaria nº 481/90, de 28 de Junho, publicada nos termos dos artigos 7º e 45º do Decreto-Lei nº 151/90, estabeleceu a regulamentação e o licenciamento para o exercício da actividade de operador portuário; por seu turno, a Portaria nº 580/90, de 21 de Julho, regulamentou o regime de organização, competência e regime financeiro dos organismos de gestão de mão-de-obra portuária, bem como os requisitos de admissão dos trabalhadores portuários.
(10Lexicoteca, Moderna Enciclopédia Universal, Círculo de Leitores, tomo IX, pág. 192.
(11Parece significar que se trata de uma enumeração taxativa.
(12Segundo referem, "não existem quaisquer razões técnicas nem operacionais de movimentação de betume do petróleo que levem a um tratamento diferenciado deste produto em relação aos restantes produtos petrolíferos, nomeadamente ao fuel-oil".
(13Exposição dirigida a Vossa Excelência, datada de 3 de Outubro de 1990.
(14Esta referência a instalações próprias da empresa justifica uma chamada de atenção para o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 282-B/84 os quais prevêem a realização da operação portuária em cais especializados ou em instalações portuárias privativas de unidades industriais, ou em instalações portuárias constituídas com investimentos por elas efectuados (cfr., também, o artigo 3º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 46/83).
O Decreto-Lei nº 151/90 não contém, porém, um preceito homólogo deste.
(15Cfr. Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Editorial Verbo, Lisboa, vol. 2º, págs. 1503-1505, vol. 3º, pág. 1218, e vol 15º, págs. 18-25; Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Editorial Enciclopédia, Lisboa/Rio de Janeiro, vol. III, págs. 479-481, vol. IV, págs. 624-625, e vol. XXI, págs. 526-533; Lexicoteca, Moderna Enciclopédia Universal, Círculo de Leitores, tomo II, pág. 178, tomo III, págs. 198, e tomo XV, págs. 14-15; "Petróleo para todos" publicado por Shell International Petroleum Company Limited, 1968, Revisto, 1975, maxime, págs. 27, 28, 37 e 39.
(16Cfr. Parte I-A, capítulo 27, pág. 5.
(17A lista de termos e definições apresentada na NP-1239 é uma adaptação da Norma ISO-1998 "Industrie pétrolière. Vocabulaire". Parte I (1974) e Parte II (1976), a qual foi estabelecida tendo em vista responder à manifestada necessidade de um documento de referência contendo os termos usados internacionalmente na indústria do petróleo (do preâmbulo).
(18Na norma ISO-1998, a definição deste termo 1-048 começa assim:
"A viscous liquid, semi-solid or solid ...";
"Produit visqueux, semi-solide ou solide ...".
(19Sob o termo 1-018-Asfalto, lê-se a pág. 5:
"Mistura de betume e material mineral.
Nota: O termo asfalto é também usado incorrectamente para designar o betume".
(20"Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador", 1987, págs. 182 e 189.
(21"O Direito - Introdução e Teoria Geral", 6ª edição, revista, 1991, pág. 368.
Cfr., também, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, "Noções Fundamentais de Direito Civil", vol. I, 6ª edição, 1965, pág. 159; DIAS MARQUES, "Introdução ao Estudo do Direito", Lisboa, 1979, págs. 172-173.
(22Ponto 8 da Exposição da CEPSA e SHELL.