Texto Integral: |
SENHOR SECRETÁRIO DE ESTADO DA SEGURANÇA SOCIAL,
EXCELÊNCIA:
I
Verificadas dificuldades na interpretação das disposições legais do Decreto-Lei nº 245/90, de 27 de Junho, relativas à transição do património das Casas do Povo para os Centros Regionais da Segurança Social - CRSS -, solicitou Vossa Excelência parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República tendente a obviá-las.
Cumpre, pois, emiti-lo.
I
1. As questões a que importa responder, conforme o seu enunciado pela entidade consulente, são as seguintes:
a) O que deverá entender-se por património para efeitos do disposto no 5º do Decreto-Lei nº 245/90?
b) Verificados os pressupostos previstos no artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90, é obrigatória a publicação da portaria a que alude o nº 2 daquela disposição?
c) No caso de apenas uma parte das instalações da Casa do Povo ser afecta a fins da segurança social, a referida portaria poderá determinar a transferência parcial do património?
d) Os depósitos bancários ou em caixa deverão ser objecto de transferência para os CRSS ou para o Instituto de Gestão Financeira como sucessor do Fundo Comum das Casas do Povo?
e) Reunidos os pressupostos a que alude o artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90, e existindo depósitos bancários geradores de juros, deverá dispensar-se o pressuposto relativo ao financiamento integral da segurança social não obstante a não movimentação de juros? 1.
2. A resposta às mencionadas questões passa, fundamentalmente, pela interpretação do disposto no artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90.
Dado o enquadramento sistemático dos referidos normativos e a sua conexão com o regime legal das Casas do Povo e dos CRSS, à evolução deste importa fazer uma breve referência.
Verificar-se-á, ainda, a conformidade do disposto no artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90 com os pertinentes preceitos constitucionais.
Com vista a conseguir clareza na exposição, transcreveremos as disposições que nos pareçam de maior relevo na economia do parecer.
III
1.1. As Casas do Povo foram criadas pelo Decreto-Lei nº 23051, de 23 de Setembro de 1933, sob o figurino de organismos de cooperação social, visando, por um lado, "estimular o sentido social" e "favorecer a melhoria das condições de vida de um sector da população menos protegido", e, por outro, associar os proprietários e os trabalhadores rurais, fortalecer os laços de afinidade entre todos fosse qual fosse o título jurídico ou a razão do interesse que à terra os prendia, "e preservar os traços particularistas e as reservas nacionais e espirituais do mundo rural" 2.
A partir do Decreto-Lei nº 30710, de 29 de Agosto de 1940, passaram a funcionar como instituições de previdência social de inscrição obrigatória, que, com as suas federações, incluíam, nos seus fins institucionais, objectivos de previdência social, designadamente os de acção médico-social, assistência materno-infantil e protecção na invalidez, em benefício dos trabalhadores por elas representados, e das demais pessoas residentes na respectiva área, legalmente equiparadas àqueles trabalhadores (Bases III, nºs 1 e 2, alínea b), e IV, nº 2, da Lei nº 2115, de 18 de Junho de 1962).
O regime legal das Casas do Povo e suas federações foi alterado pela Lei nº 2144, de 29 de Maio de 1969, continuando a ser organismos de cooperação social, dotados de personalidade jurídica, constituindo os elementos primários da organização corporativa do trabalho rural, destinados a colaborar no desenvolvimento económico-social e cultural das comunidades locais e a assegurar a representação profissional e a defesa dos legítimos interesses dos trabalhadores agrícolas e a realizar a previdência social destes e dos demais residentes na respectiva área (Base I).
O sistema de previdência social envolvia o regime geral de previdência e abono de família, e dois regimes especiais, um de previdência e outro de abono de família (Bases XXII a XXVII).
A criação das Casas do Povo podia ocorrer por iniciativa dos interessados, das juntas de freguesia, de qualquer autoridade administrativa com jurisdição na respectiva área ou do Ministro das Corporações e Previdência Social (Base II, nº s 1 e 2).
Adquiriam personalidade jurídica com a aprovação, por alvará, dos seus estatutos, e dispunham de sócios efectivos, contribuintes e protectores, sendo estes os que contribuíam voluntariamente para as respectivas receitas (Bases II, nº 3 e IX).
Constituíam receitas das Casas do Povo as quotizações dos sócios, os subsídios do Fundo Comum das Casas do Povo - FCCP - e do Fundo Nacional do Abono de Família, as subvenções do Estado e de outras entidades públicas ou particulares, os proventos resultantes da respectiva actividade, os donativos, legados ou heranças, e os juros e outros rendimentos (Base XVIII, nº 1).
As Casas do Povo eram regularmente fiscalizadas, além do mais, pelo Instituto Nacional de Trabalho e Previdência e a sua dissolução submetida ao regime aplicável aos sindicatos, revertendo os seus bens, em caso de dissolução, para o FCCP (Base XXI).
Nas sedes das Casas do Povo podiam ser instalados serviços administrativos e de acção médico-social das caixas de previdência e abono de família dos respectivos distritos (Base XXXI, nº 1).
Em cada Casa do Povo havia um fundo de previdência destinado a assegurar determinadas prestações sociais aos respectivos sócios efectivos e seus familiares, e das quais também beneficiavam os demais trabalhadores residentes na área, que não reunissem as condições para serem sócios efectivos nem estivessem obrigatoriamente abrangidos pelas caixas sindicais (Base XXIV, e Decreto nº 445/70, de 23 de Setembro).
Aquelas instituições tinham por pressuposto o exercício de uma actividade profissional no sector agrícola, e os trabalhadores enquadravam-se no regime geral da segurança social em razão de serem sócios efectivos das Casas do Povo.
1.2. Com o novo ordenamento jurídico-constitucional, que rompeu, além do mais, com a filosofia corporativista que inspirava as Casas do Povo, veio o regime jurídico destas a ser profundamente alterado.
Assim, pelo Decreto-Lei nº 488/74, de 26 de Setembro, as Casas do Povo foram colocadas na dependência do Ministério dos Assuntos Sociais e a Junta Central - JCCP - passou a exercer sobre elas crescente intervenção tutelar 3.
Mais tarde, através do Decreto-Lei nº 737/74, de 23 de Dezembro, foram extintas as federações das Casas do Povo, e atribuída à JCCP a tarefa da sua liquidação, e retirada às Casas do Povo a representação profissional dos trabalhadores agrícolas que lhes havia sido cometida pelo Decreto-Lei nº 28859, de 18 de Julho de 1936, sob o entendimento de essa função representativa dever ser exercida por associações livres de trabalhadores (artigo 1º, nº 1).
O Decreto-Lei nº 391/75, de 22 de Julho, transitoriamente, até à revisão do regime legal das Casas do Povo e à definição da competência específica dos serviços destinados ao respectivo apoio e coordenação, atribuiu à JCCP a competência para a prática de todos os actos com eles relacionados (artigo 1º).
Decorridos pouco mais de dois anos, no âmbito do novo sistema unificado de segurança social, prescreveu a lei que à medida que fossem sendo instalados os serviços locais dos CRSS, nestes seriam integrados os serviços das Casas do Povo adstritos à finalidade de segurança social (artigo 41º do Decreto-Lei nº 549/77, de 31 de Dezembro).
1.3. O Decreto-Lei nº 4/82, de 11 de Janeiro, reestruturou o regime das Casas do Povo, em termos de as integrar no novo sistema sócio-político e de aproveitar as suas potencialidades para o desenvolvimento social e político do País em geral e para o progresso das comunidades rurais em particular 4.
As Casas do Povo passaram a ser pessoas colectivas de utilidade pública, de base associativa, integradas pela assembleia geral, a direcção e o conselho fiscal, constituídas por tempo indeterminado, com o objectivo de promover o bem-estar das comunidades, especialmente as do meio rural, que o Estado apoiaria e velaria pelo cumprimento dos seus fins, através da JCCP (artigos 1º e 11º) .
Têm por finalidade o desenvolvimento de actividades de carácter social e cultural, com a participação dos interessados, bem como a colaboração com o Estado e as autarquias, em termos de apoio que se justifique por forma a contribuírem para a resolução dos problemas da população residente na respectiva área, bem como a execução, por delegação, de tarefas cometidas a serviços públicos, por forma a aproximá-los das populações, e a participar no planeamento de acções de carácter económico, social e cultural na respectiva área (artigo 2º, nº s. 1 e 3).
Foi desde logo delegada nas Casas do Povo, onde não houvesse centro local de segurança social, a gestão do regime especial de previdência dos trabalhadores rurais.
Desse regime especial de previdência beneficiavam os trabalhadores, fossem ou não sócios das Casas do Povo, certo que os direitos e deveres dele emergentes não dependiam da posição de associado naquelas instituições (artigo 21º, nº 1).
Quem não fosse sócio das Casas do Povo mas fosse beneficiário do regime de previdência social, não tinha direito a participar nas respectivas actividades de animação sócio-cultural, já que isso só era facultado aos sócios e familiares, mas tinha acesso aos serviços respectivos nelas instalados (artigo 9º, nºs 1 e 3).
Daí que o orçamento da Segurança Social suportasse o pagamento dos encargos da Casa do Povo com o pessoal adstrito às tarefas do âmbito de previdência social e uma parte das despesas de administração (artigos 23º e 24º).
Aquele pessoal seria integrado nos quadros dos serviços locais dos CRSS à medida que fossem sendo implantados (artigo 23º).
Com vista à realização dos seus objectivos, cabe às Casas do Povo promover acções de animação sócio-cultural e fomentar a participação das populações nas iniciativas tendentes a satisfazer as necessidades da comunidade da respectiva área e a melhorar a sua qualidade de vida (artigo 2º, nº 2).
Os sócios têm direito, além do mais, a frequentar as instalações da Casa do Povo e a participar nas actividades de animação sócio-cultural, nas condições estabelecidas pela direcção (artigos 7º, nº 1, e 2º, alínea d)).
No artigo 16º, estabelecia-se sobre as receitas das Casas do Povo, prescrevendo-se nos nºs 1, 3 e 4 que o Estado subsidiaria as Casas do Povo e concorreria para a construção das suas instalações e respectivo apetrechamento e para o financiamento das suas actividades, através de receitas distribuídas pela JCCP.
O regime jurídico e institucional das Casas do Povo que resulta deste diploma, é inspirado na ideia da sua transformação em pessoas colectivas de utilidade pública de base associativa, resultando a qualidade de sócio da adesão voluntária, em conformidade com o princípio da liberdade de associação 5.
2. No antigo regime legal das Casas do Povo assumia papel preponderante a Junta Central, a que já se fez referência.
A JCCP foi criada pelo Decreto-Lei nº 34373, de 10 de Janeiro de 1945, com uma estrutura semelhante à de uma comissão permanente, com a função de coordenar a acção das Casas do Povo.
A partir da colocação da JCCP na dependência do Ministério dos Assuntos Sociais, por força do Decreto-Lei nº 488/74, de 26 de Setembro, àquela entidade foi sendo atribuída competência cada vez mais ampla na área da tutela das Casas do Povo 6.
O Decreto-Lei nº 392/80, de 24 de Setembro, que aprovou o estatuto da Junta, caracterizou-a como instituto público, com personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira, integrado na estrutura dos órgãos centrais do Ministério dos Assuntos Sociais, dependente do titular deste (artigo 1º) .
Tinha por atribuições, além do mais, apoiar as Casas do Povo e exercer a respectiva tutela, orientando, coordenando e fiscalizando a sua actuação, e incentivar a descentralização e desconcentração dos serviços públicos, designadamente através da celebração de acordos tendentes ao seu aproveitamento como terminais daqueles serviços (artigo 2º, alíneas c) e d)).
No exercício da tutela das Casas do Povo, competia-lhe, além de outras funções, autorizá-las a adquirir, onerar e a alienar quaisquer imóveis, bem como a receber legados e aceitar heranças a benefício de inventário (artigo 6º, proémio, alínea b)).
Cabia-lhe ainda, verificados os respectivos pressupostos legais, propor ao Ministro dos Assuntos Sociais a extinção das Casas do Povo ou a sua transformação em delegações de outras (artigos 10º, nºs 1 e 2, e 20º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 4/82).
No que concerne à gestão financeira e patrimonial, constituíam receitas da Junta, entre outras, as contribuições das Casas do Povo para o respectivo Fundo Comum (artigo 21º, proémio, alínea e)).
O Decreto-Lei nº 185/85, de 29 de Maio, inspirado na ideia de articulação equilibrada dos objectivos de política económica com os de política social, incluindo a segurança social, e de prioridade de racionalização institucional, técnica, administrativa e financeira dos respectivos sistemas, 7 extinguiu a JCCP.
As suas competências relativas ao apoio, fiscalização e exercício da tutela das Casas do Povo foram transferidas para os centros regionais da segurança social dos respectivos distritos (artigo 2º).
O regime do FCCP manteve-se inalterado, passando a ser gerido pelo IGFSS (artigo 4º) .
A propósito do destino dos bens e direitos da JCCP, estabeleceu o artigo 5º que o respectivo património, incluindo todos os seus direitos e obrigações, era afecto ao Ministério do Trabalho e Segurança Social, e o afecto às delegações da Junta era transferido para os centros regionais da segurança social dos respectivos distritos, sendo a transferência, quando abrangesse bens sujeitos a registo, comunicada aos respectivos conservadores, com vista ao respectivo registo oficioso, e a sucessão no direito ao arrendamento comunicada aos respectivos senhorios.
Importa salientar, relativamente a esta disposição, a utilização do conceito de património em sentido amplo, isto é, incluindo todos os direitos e obrigações.
3. O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social - IGFSS - foi criado pelo Decreto-Lei nº 17/77, de 12 de Janeiro, e dotado de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira (artigo 5º, nº 1) 8.
Foi definido em termos de pessoa colectiva de direito público, dotada de personalidade jurídica e capacidade judiciária, autonomia administrativa e financeira, a funcionar no âmbito do Ministério dos Assuntos Sociais, na dependência directa do Secretário de Estado da Segurança Social (artigo 1º, nº 1).
No quadro das suas atribuições inscreve-se, além do mais, a definição, a nível nacional, dos objectivos, meios e formas de gestão financeira das instituições da segurança social, no âmbito da sua actuação, e o assegurar da gestão do património financeiro dessas instituições (artigo 2º, nº 1, alíneas b e c)).
Na prossecução das suas atribuições cabe-lhe promover o lançamento das bases da gestão financeira global da segurança social, articulando os objectivos da gestão financeira das instituições de previdência com os respectivos organismos do âmbito do sector (artigo 2º, nº 2).
Do respectivo conselho de gestão fazia parte um representante das Casas do Povo (artigo 6º, nº 1, alínea d)).
4. O artigo 10º do referido Decreto-Lei nº 185/85, de 24 de Maio, também previa a transferência de bens e direitos das Casas do Povo aquando da criação dos serviços locais dos centros regionais de segurança social 9.
Previa-se, com efeito, no nº 1, o financiamento integral das Casas do Povo e ou o pagamento da respectiva renda por verbas do orçamento da Segurança Social, e estatuía-se que era transferido, no momento da criação dos serviços locais, o direito de propriedade ou o derivado do arrendamento das suas sedes e delegações.
A previsão do nº 2 reportava-se à abrangência no património a transferir de bens sujeitos a registo, e a sua estatuição ao facto de essa transferência deverá ser comunicada aos conservadores do registo competentes, com vista à realização dos pertinentes actos registrais.
Finalmente, no nº 3 previa-se a sucessão no direito ao arrendamento dos edifícios afectos à actividade das Casas do Povo por banda dos CRSS, e estatuía-se a comunicação dessa sucessão aos respectivos senhorios.
Face á disposição em apreço importa salientar que a transferência para os CRSS do direito de propriedade ou do direito de gozo derivado do contrato de arrendamento ocorria "ope legis", no momento da criação dos serviços locais da segurança social, e que o conceito de património a que se reporta o nº 2 parece restringir-se aos referidos direitos de propriedade e de gozo inerente ao arrendamento.
5.1. O regime das Casas do Povo foi novamente alterado pelo Decreto-Lei nº 246/90, de 27 de Julho.
Manteve-se a sua estrutura de pessoas colectivas de utilidade pública, com fins associativos, com o objectivo de promover o bem-estar das comunidades, através do desenvolvimento de actividades de carácter social e cultural e da colaboração com o Estado e com as autarquias, em termos de contribuírem para a resolução dos problemas da população nas áreas respectivas.
A alteração do referido regime incidiu, fundamentalmente, no plano da eliminação da sua dependência tutelar, financeira, técnica e administrativa em relação aos serviços da Segurança Social.
Optou-se pela consagração da sua autonomia institucional, atribuindo-se-lhes a função de prestação de serviços às comunidades da respectiva área de influência, por via da celebração de acordos de cooperação com serviços públicos, autarquias, instituições particulares de solidariedade social e entidades privadas interessadas naquela prestação de serviços ou na utilização das suas instalações.
A constituição e extinção das Casas do Povo e o destino dos bens subsistentes passaram a reger-se pelas disposições do Código Civil aplicáveis às associações (artigo 1º).
As receitas das Casas do Povo são constituídas por quotizações dos sócios e das pessoas a que se reporta o nº 2 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 4/82 10, taxas estabelecidas por regulamento interno para a prática ou acesso a determinadas actividades, rendimento de bens próprios e de serviços bem como juros de fundos capitalizados, donativos, legados ou heranças, subsídios do Estado ou de autarquias locais e compensações por serviços prestados ou pela utilização de instalações, ao abrigo de acordos ou contratos de cooperação celebrados com serviços públicos e autarquias ou com entidades ou instituições particulares (artigo 10º, nº 1, alíneas a) a f)) 11.
Os referidos acordos ou contratos devem prever os objectivos, as obrigações recíprocas acordadas, os encargos decorrentes e a data da produção de efeitos, bem como, sempre que se considere oportuna, a acção tutelar ou fiscalizadora a exercer pelas entidades interessadas nos serviços prestados pela Casa do Povo (artigo 10º, nº 3) 12.
Das referidas receitas das Casas do Povo importa salientar, pela sua conexão com a problemática objecto do parecer, os rendimentos de bens próprios, designadamente os juros de fundos capitalizados.
O artigo 7º reporta-se à comparticipação nos encargos das Casas do Povo pelo FCCP.
Na primeira parte do nº 1 deste artigo prevê-se que as Casas do Povo prossigam acções de carácter social, designadamente as que se relacionem com a criação e ou funcionamento de equipamentos e serviços sociais.
Tais acções de carácter social constituem, com efeito, uma das finalidades que estatutariamente lhes compete realizar (artigo 2º do Decreto-Lei nº 4/82).
Na segunda parte daquela disposição estatui-se que às Casas do Povo podem ser assegurados meios financeiros destinados àqueles fins, através de protocolos a celebrar com os centros regionais da segurança social do respectivo distrito, e na última parte do preceito estatui-se que os referidos encargos serão prioritariamente suportados pelos meios financeiros do FCCP.
No nº 2 alarga-se a possibilidade de comparticipação do FCCP nos encargos resultantes de actividades específicas das Casas do Povo diversas daquelas a que alude o nº 1, mediante proposta fundamentada da respectiva direcção.
5.2. Do cotejo das disposições dos Decretos-Leis nºs 4/82 e 246/90 surpreende-se a seguinte evolução do regime das Casas do Povo:
continuam a ser pessoas colectivas de utilidade pública, mas agora regidas pelas disposições do Código Civil aplicáveis às associações no tocante à sua constituição e extinção e destino dos seus bens subsistentes à data da respectiva extinção;
a aquisição de personalidade jurídica já não depende de publicação no "Diário da República" de despacho ministerial de aprovação dos seus estatutos, bastando, para o efeito, que eles constem de escritura pública e especifiquem os bens e serviços com que os associados concorram para o património social, a denominação, os fins e a localização da sede, a forma do seu funcionamento, e a respectiva duração no caso de constituição por tempo indeterminado;
o montante das quotas dos associados deixou de ser fixado por despacho ministerial e passou a sê-lo pelos seus órgãos e já não existe limite mínimo de número de sócios;
deixaram de ser tuteladas por qualquer organismo estadual e de depender financeira e tecnicamente dos organismos da segurança social, e de necessitar de autorização ministerial para a aquisição ou alienação de bens;
não são instituições de segurança social nem lhes cabe executar essas funções por delegação dos órgãos de segurança social, sem embargo de poderem ceder àqueles as suas instalações, com base em protocolos ou acordos de cooperação;
o Estado já não está vinculado a concorrer para a construção das suas instalações ou para o respectivo apetrechamento ou financiamento das actividades que lhes são próprias, sem prejuízo de lhes poder atribuir subsídios em razão das tarefas de utilidade pública que realizem 13.
5.3. Afigura-se-nos útil tecer algumas considerações sobre a evolução do FCCP.
O FCCP foi criado pelo Decreto-Lei nº 28859, de 18 de Julho de 1936, com o propósito de contribuir para o financiamento das Casas do Povo.
Era constituído por certa percentagem das receitas dos Grémios da Lavoura - taxas sobre os produtos agrícolas -, cujo quantitativo era depositado na Caixa-Geral de Depósitos, à ordem do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, sob a rubrica "Fundo Comum das Casas do Povo" (artigo 5º, proémio).
Pelo menos, metade do valor das verbas daquele Fundo era obrigatoriamente distribuída pelas Casas do Povo, na proporção das receitas provenientes do respectivo concelho e, havendo em cada concelho mais do que uma, na proporção das respectivas áreas, e o valor restante por todas elas, em função das necessidades e da actividade que desenvolvessem (artigo 5º, § 1º).
Tal distribuição de fundos pelas Casas do Povo ocorria como e quando tal fosse determinado, em despacho, pelo Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social (artigo 5º, § 2º).
O relevo do FCCP foi acentuado no Decreto-Lei nº 30710, de 29 de Agosto de 1940, que estabeleceu a nova organização das Casas do Povo, por força do qual ocorreu a fusão destas com as respectivas caixas de previdência.
Prescreveu-se que ele se destinava a auxiliar as Casas do Povo na realização dos seus fins, especialmente os de previdência, e que seria distribuído em atenção às necessidades e à actividade demonstrada por cada uma delas, conforme fosse determinado pelo Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social (artigo 13º).
Passaram a reverter para aquele Fundo não só parte do rendimento das taxas que incidiam sobre a produção do trigo, do vinho, do arroz, do azeite, da cortiça, da resina e da lã, e das dotações do Estado, como também certo montante proveniente do Comissariado do Desemprego, anualmente inscrito no respectivo orçamento, e as heranças, legados, doações e outros auxílios lícitos (artigos 12º, § 2º, 14º e 17º).
O secretário do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, autorizado pelo Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social, é que outorgava em representação das Casas do Povo em todos os actos e contratos necessários à regular administração do FCCP (artigo 20º).
O Decreto-Lei nº 28859, de 18 de Julho de 1938 - que criou o FCCP - foi revogado pelo Decreto-Lei nº 249/73, de 17 de Maio, que adoptou várias providências relativas às Casas do Povo, designadamente a atribuição de certa importância às que se tivessem constituído nos termos da Lei nº 2144, de 29 de Maio de 1969, e a concessão a todas elas de algumas isenções fiscais, e alterou o regime daquele Fundo (artigos 1º, 2º e 6º).
Continuou, porém, a destinar-se a auxiliar as Casas do Povo na realização dos seus fins, mas passou a ser financiado não só pelas receitas previstas no Decreto-Lei nº 30710, como também pelo produto das multas por infracções aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho (artigos 5º, nº 1 e 6º).
A aplicação das verbas do FCCP seria proposta pela JCCP, em orçamento a submeter anualmente à aprovação do Ministro das Corporações e Previdência Social (artigo 3º, nº 2).
Face à extinção dos organismos corporativos na sequência da nova política iniciada em Portugal desde Abril de 1974, e ao consequente desaparecimento das taxas que incidiam sobre os produtos agrícolas e pecuários, passou o FCCP a ser financiado apenas por dotações do Estado, designadamente do orçamento da Segurança Social.
Com o Decreto-Lei nº 4/82, algumas verbas do FCCP podiam concorrer, como já se referiu, para fazer face aos encargos das Casas do Povo com as acções de carácter social, mediante protocolos a celebrar com os CRSS, podendo tal comparticipação estender-se a outras actividades (artigo 7º).
Extinta que foi a JCCP pelo Decreto-Lei nº 185/85, de 29 de Maio, passou o FCCP a ser gerido pelo IGFSS, gestão essa que constituía corolário lógico da dependência financeira das Casas do Povo em relação aos organismos da segurança social.
A gestão do FCCP pelo IGFSS ao tempo da publicação do Decreto-Lei nº 185/85 justificava-se em razão de as Casas do Povo exercerem funções de segurança social e de dependerem técnica e financeiramente dos organismos da segurança social.
A partir do início da vigência do Decreto-Lei nº 446/90, pelo facto de as Casas do Povo terem deixado de exercer quaisquer funções de segurança social e de depender técnica e financeiramente dos organismos de Segurança Social, não tem justificação legal a existência do FCCP.
Daí que se deva considerar tacitamente revogado o disposto no artigo 4º do Decreto-Lei nº 185/85, na parte que atribui ao IGFSS a gestão do FCCP 14.
5.4 Já vimos que, pelo disposto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 246/90, a constituição e a extinção das Casas do Povo, bem como o consequente destino dos bens subsistentes se regia pelas disposições do Código Civil aplicáveis às associações.
Importa, pois, verificar o que a propósito a lei civil estabelece.
Nos termos do artigo 158º, nº 1, do CC, as associações constituídas por escritura pública, com as especificações referidas no nº 1 do artigo 167º do mesmo diploma, gozam de personalidade jurídica.
Por força do artigo 167º, nº 1, do CC o acto de constituição da associação especificará os bens ou serviços com que os associados concorrem para o património social, a denominação, o fim e a sede da pessoa colectiva, a forma do seu funcionamento, bem como a respectiva duração quando a associação se não constitua por tempo indeterminado 15.
O artigo 182º do CC reporta-se às causas de extinção das associações, nos termos seguintes:
"1. As associações extinguem-se:
a) Por deliberação da assembleia geral;
b) Pelo decurso do prazo, se tiverem sido constituídas temporariamente;
c) Pela verificação de qualquer outra causa extintiva prevista no acto de constituição ou nos estatutos;
d) Pelo falecimento ou desaparecimento de todos os associados;
e) Por decisão judicial que declare a sua insolvência.
"2. As associações extinguem-se ainda por decisão judicial:
a) Quando o seu fim se tenha esgotado ou se haja tornado impossível;
b) Quando o seu fim real não coincida com o fim expresso no acto de constituição ou nos estatutos;
c) Quando o seu fim seja sistematicamente prosseguido por meios ilícitos ou imorais;
d) Quando a sua existência se torne contrária à ordem pública".
As causas de extinção das associações previstas no nº 1, alíneas a) a c), derivam da vontade dos seus membros, no primeiro caso os que as integram, e nos restantes os que as constituíram.
A causa de extinção prevista na alínea d) resulta da impossibilidade prática de a associação atingir o seu fim e de funcionar nos termos dos estatutos, e tal pode resultar da perda da qualidade de sócio de todos os seus membros, seja por falecimento, seja por saída da associação por via de retirada (saída voluntária) ou exclusão (saída forçada) 16.
A causa de extinção a que alude a alínea e) do nº 1 - declaração judicial transitada em julgado da insolvência da associação - deriva do desaparecimento do seu elemento patrimonial, essencial à prossecução dos respectivos fins.
O elenco das causas de extinção das associações que consta do nº 2, relaciona-se com o seu elemento teleológico, isto é, com a realização do seu objectivo ou verificação da impossibilidade de sua realização, com a divergência entre o escopo prosseguido e o estabelecido, e com a ilicitude ou imoralidade dos meios utilizados para a respectiva prossecução 17.
Extinta a associação, os poderes dos seus órgãos ficam limitados à prática dos actos meramente conservatórios e dos necessários quer à liquidação do património social, quer à ultimação dos negócios pendentes (artigo 184º, nº 1, do CC).
O artigo 166º do CC reporta-se ao destino dos bens das associações, no caso da sua extinção, nos termos seguintes:
"1. Extinta a pessoa colectiva, se existirem bens que lhe tenham sido doados ou deixados com qualquer encargo ou que estejam afectados a um certo fim, o tribunal, a requerimento do Ministério Público, dos liquidatários, de qualquer associado ou interessado, ou ainda dos herdeiros do doador ou do autor da deixa testamentária, atribui-los-á, com o mesmo encargo ou afectação, a outra pessoa colectiva.
"2. Os bens não abrangidos pelo número anterior têm o destino que lhes for fixado pelos estatutos ou por deliberação dos associados, sem prejuízo do disposto em leis especiais; na falta de fixação ou de lei especial, o tribunal, a requerimento do Ministério Público ou de qualquer associado ou interessado, determinará que sejam atribuídos a outra pessoa colectiva ou ao Estado, assegurando, tanto quanto possível, a realização dos fins da pessoa extinta" 18.
A previsão do nº 1 reporta-se ao duplo e cumulativo pressuposto de extinção das pessoas colectivas - associações que não tenham por fim o lucro económico dos associados, fundações de interesse social e sociedades quando a analogia das situações o justifique - e da sua titularidade de bens doados ou deixados com encargo ou que estivessem afectados à realização de determinados fins.
A respectiva estatuição consubstancia-se na prescrição de que tais bens serão judicialmente atribuídos, com o mesmo encargo ou afectação, a outra pessoa colectiva.
Para além do referido núcleo normativo integrante da previsão e estatuição, insere aquela disposição o regime de legitimidade "ad causam", relativamente à formulação do pedido em juízo de adjudicação dos bens, atribuindo-a a qualquer dos liquidatários, associados ou interessados, herdeiros do doador ou do autor da deixa testamentária e ao Ministério Público.
A previsão do nº 2 reporta-se, em termos cumulativos, à extinção das pessoas colectivas e à existência de bens que lhes não tenham sido doados ou deixados com encargos ou afectados a determinado fim, cujo destino, sucessivamente, é o seguinte:
o estabelecido em lei especial;
o fixado nos estatutos;
o que os associados deliberarem;
a atribuição judicial a outra pessoa colectiva ou ao Estado 19.
Ademais, confere esta disposição a legitimidade para a acção destinada à atribuição judicial daqueles bens, aos liquidatários, a qualquer associado ou interessado e ao Ministério Público, e aponta o critério objectivo de atribuição judicial - possível instrumentalização em função dos fins da pessoa colectiva extinta.
5.5. A lei distingue, no quadro de interpretação e de cessação da respectiva vigência, entre normas gerais, excepcionais e especiais (artigos 7º e 11º do CC).
São gerais as normas correspondentes "aos princípios fundamentais do sistema jurídico e, por isso, constituem o regime regra do tipo de relações que disciplinam" 20.
A par das normas gerais existem as normas excepcionais, ou seja as que "regulando um sector restrito de relações com uma configuração particular, consagram para o efeito uma disciplina oposta à que vigora para as relações do mesmo tipo, fundada em razões especiais, privativas daquele sector de relações".
Ao lado das normas gerais e excepcionais vigoram normas especiais, isto é, as que "regulando um sector relativamente restrito de casos, consagram uma disciplina nova, mas que não está em directa oposição com a disciplina geral".
A lei geral não revoga a lei especial, salvo se outra for a intenção inequívoca do legislador (artigo 7º, nº 3, do CC).
As normais gerais comportam aplicação analógica e interpretação extensiva, mas as excepcionais não são susceptíveis, em princípio, de aplicação analógica (artigo 11º do CC).
O artigo 166º do CC contém normação que constitui o regime-regra do destino dos bens das associações no caso da sua extinção.
Quanto à atribuição dos bens doados ou deixados às associações, com sujeição a qualquer encargo ou que estejam afectados a um fim específico, a lei não salvaguarda a existência de qualquer regime especial, ao contrário do que ocorre em relação aos bens que não hajam sido deixados ou doados com encargos nem estejam afectados ao referido fim.
Tal não significa, porém, no caso de a associação extinta dispor de bens do tipo daqueles a que alude o nº 1 deste artigo, em razão da natureza da associação ou dos fins que prossegue, que a lei não possa estabelecer diverso regime de atribuição dos seus bens, seja através de normas excepcionais, seja através de normas especiais.
O regime de atribuição do património de algumas Casas do Povo, a que se reporta o artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90, é essencialmente diverso do regime geral previsto no artigo 166º do CC, para o qual o artigo 1º do Decreto-Lei nº 246/90 remete, e este e aquele Decretos-Leis são de aplicação simultânea (artigos 8º daquele Decreto-Lei, e 10º deste)21.
O regime de atribuição do património das referidas Casas do Povo aos CRSS assenta, sobretudo, em particulares razões de dependência financeira daquelas associações em relação ao orçamento da Segurança Social e inexistência de órgãos legalmente constituídos.
O regime referido em último lugar, ao contrário do primeiro, não pressupõe, necessariamente, a verificação dos pressupostos de extinção das Casas do Povo, mas isso não exclui a relação de generalidade e de especialidade que intercede entre este e aquele.
O regime especial prevalece sobre o regime geral, pelo que a atribuição do património das Casas do Povo a que se reporta o artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90 aos CRSS não é aplicável o disposto nos artigos 1º daquele diploma e 166º do CC, mas o estatuído naquela disposição.
6.1. Passemos à análise do funcionamento do nosso sistema de segurança social, sobretudo dos CRSS.
No nº 2 do artigo 63º da Constituição da República Portuguesa - CRP - estabelece-se que incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado.
O sistema orgânico da segurança social, em desenvolvimento da aludida disposição constitucional, foi reestruturado pelo Decreto-Lei nº 549/77, de 31 de Dezembro, ratificado pela Lei nº 55/78, de 27 de Julho.
O direito à segurança social passou a ser garantido pelo Estado através da criação e funcionamento de um sistema unificado da segurança social de âmbito generalizado, integrante das modalidades de resposta às situações de falta ou diminuição de meios de subsistência, condições dignas de vida ou de capacidade para o trabalho e subordinadas à cobertura de riscos sociais a que estão sujeitas as pessoas e as famílias (artigo 1º, nº 1).
A estrutura do sistema da segurança social baseia-se nos princípios de integração, descentralização e participação, e tem como objectivo alcançar as condições necessárias à realização do princípio da universalidade (artigo 2º, nº 1).
Um dos órgãos centrais do sistema da segurança social é o IGFSS, que é dotado, como já se referiu, de personalidade jurídica e autonomia financeira (artigo 4º, nº s 1, alínea c), e 2).
No quadro das atribuições do IGFSS destaca-se a gestão do património financeiro das instituições do sector da segurança social (artigo 11º, , nº 1, alíneas b) e c)).
A estrutura orgânica regional da segurança social é integrada pelos CRSS, que gozam de personalidade jurídica e autonomia financeira, e podem desenvolver a sua actuação através de delegações (artigos 19º, nºs 1 e 3, e 21º, nº 1).
O âmbito geográfico dos CRSS, corresponde actualmente à área dos distritos, podendo vir a corresponder à das regiões administrativas a instituir, e o das suas delegações é definido em conformidade com as necessidades das populações (artigo 20º).
Entre as atribuições dos CRSS conta-se a função de assegurar a gestão financeira dos recursos materiais e patrimoniais, e a de apoiar directamente as acções a desenvolver a nível local, através de equipas móveis polivalentes, e a sua actuação específica centra-se nas prestações pecuniárias e de serviços de acção social directa, na gestão, apoio técnico e fiscalização e no apoio administrativo, equipamento e aprovisionamento (artigo 22º, nºs 3, alíneas e) e f), e 4).
A nível local, a estrutura orgânica da segurança social é integrada pelos serviços do sector, instituições e estabelecimentos oficiais, funcionando na dependência dos CRSS (artigo 24º, nº 1).
Compete-lhes, além do mais, contribuir de forma directa para a prevenção e reparação de carências, designadamente através da criação e manutenção de equipamentos e de serviços de acção social e de outras prestações asseguradas pelo sistema, em ordem a garantir o direito à segurança social (artigo 25º, nº 1).
Sobre a integração dos serviços das Casas do Povo adstritos às finalidades da segurança social , rege o artigo 41º.
A previsão do seu nº 1 reporta-se à progressiva instalação dos serviços locais dos CRSS e à entrada em funcionamento da estrutura interna, órgãos, serviços e instituições, dependente da publicação dos respectivos decretos regulamentares, e a correspondente estatuição à integração nos CRSS dos serviços das Casas do Povo afectos a funções da segurança social 22.
No nº 2, face à previsão do nº 1 de as Casas do Povo deixarem de exercer funções da segurança social a nível local, quiçá as mais relevantes, anuncia-se que em diploma futuro serão definidos os fins que deverão prosseguir e o respectivo estatuto orgânico e funcional, bem como o sistema de financiamento.
No nº 3 prescreve-se, por seu turno, relativamente às instalações e equipamento das Casas do Povo, que o diploma que verse sobre o seu novo estatuto incluirá o respectivo regime de utilização e de vinculação.
O disposto neste artigo é inspirado pelo princípio de unificação do sistema global da segurança social, de que a integração de órgãos, serviços e instituições, e a articulação e coordenação dos objectivos de política social são corolário 23.
6.2. Na sequência do referido Decreto-Lei nº 549/77, foram criados centros regionais da segurança social em cada um dos distritos do continente, com excepção de Lisboa, pelo Decreto-Lei nº 79/79, de 2 de Agosto (artigo 1º, nº 1) 24.
O financiamento dos referidos CRSS seria assegurado pelo orçamento aprovado para a segurança social (artigo 3º).
O Decreto-Lei nº 515/79, de 28 de Dezembro, estabeleceu, por seu turno, sobre o funcionamento dos CRSS.
Foram qualificados de serviços oficiais, nos quais deveriam ser integrados os órgãos, serviços, instituições e estabelecimentos oficiais do sector, sendo a integração completa quando referida às caixas de Previdência e aos órgãos, serviços, instituições e estabelecimentos oficiais que não tivessem autonomia administrativa ou autonomia administrativa e financeira, e funcional quando dotados daquela autonomia (artigo 1º).
Sendo completa a integração, ela compreenderia a transferência para o respectivo CRSS, não só de todas as responsabilidades e competências dos órgãos, serviços, instituições e estabelecimentos integrados, como também de todos os seus bens, recursos e meios humanos e patrimoniais (artigo 2º, nº 2).
E se fosse meramente funcional, a integração traduzir-se-ia na atribuição aos CRSS de funções de apoio, coordenação e orientação, bem como no exercício dos poderes de tutela próprios ou que pelos órgãos centrais lhes fossem delegados (artigo 2º, nº 3).
Como era meramente funcional a integração nos CRSS dos serviços da segurança social que funcionavam nas Casas do Povo, a transferência patrimonial a que se reporta o artigo 2º, nº 2, destes para aqueles, não ocorreu.
A orgânica dos CRSS foi estabelecida pelo Decreto-Lei nº 136/83, de 21 de Março.
Os CRSS têm por finalidade assegurar, a nível regional, a concessão de prestações da segurança social e a prossecução de modalidades de acção social previstas na lei (artigo 1º).
Foram definidos como institutos públicos com a natureza de serviços personalizados, com autonomia administrativa, financeira e patrimonial, integrando, em regra, todos os serviços e estabelecimentos oficiais da segurança social existentes nas respectivas áreas, e funcionando sob a tutela do Ministro dos Assuntos Sociais (artigos 2º e 3º) 25.
O âmbito geográfico dos CRSS corresponde à área das regiões administrativas, e, enquanto estas não forem criadas, à dos distritos, podendo desenvolver a sua acção através de delegações (artigo 5º, nºs 1 a 3).
São transferidos para o património dos CRSS os bens das instituições, estabelecimentos e serviços neles integrados e, com dispensa de qualquer formalidade, a posição que estes detivessem nos contratos de arrendamento de imóveis destinados à instalação dos serviços à data da integração (artigo 6º, nºs 2 a 4).
As receitas dos CRSS abrangem as contribuições pagas por contribuintes e beneficiários, as transferências do IGFSS, os rendimentos de bens próprios, os subsídios de quaisquer entidades públicas ou particulares, donativos, legados e heranças, os benefícios prescritos e quaisquer outras receitas permitidas por lei (artigo 7º, nº 1).
São, por seu turno, despesas dos CRSS, as transferências para o IGFSS, os encargos com as prestações e a prossecução das modalidades de acção social, o financiamento das instituições, estabelecimentos e serviços oficiais não integrados, o reembolso aos contribuintes, os encargos administrativos, o apoio a instituições particulares de solidariedade social e quaisquer outras despesas previstas na lei (artigo 7º, nº 2).
O referido regime de receitas e despesas dos CRSS deve ser entendido sem prejuízo do princípio da unidade financeira do sistema e das competências do IGFSS previstas no Decreto-Lei nº 17/77, de 12 de Janeiro, e do Decreto Regulamentar nº 24/77, de 1 de Abril (artigo 7º, nº 3).
São atribuições dos CRSS gerir os regimes da segurança social que lhes sejam cometidos por lei ou por regulamento, prosseguir as modalidades de acção social, nomeadamente das destinadas a proteger as crianças, os jovens, os deficientes e os idosos, a satisfazer as carências das famílias e a promover a integração social e a desenvolver a acção social comunitária, participar na elaboração dos planos do sector e através destes, nos planos a nível nacional, elaborar e promover a aprovação dos seus planos e programas de actuação, apoiar e tutelar as instituições particulares de solidariedade social, licenciar e fiscalizar os estabelecimentos de apoio social de fim lucrativo (artigo 4º).
Também este diploma se não reporta à transferência do património das Casas do Povo porque não se verificou o tipo de integração dos serviços a que alude o artigo 6º, nº 2.
O financiamento da actividade da segurança social das Casas do Povo pelos CRSS era susceptível de ocorrer por força do disposto no artigo 7º, nº 2, alínea c).
Para além disso, importa salientar que o presente diploma constitui título bastante para a transferência da propriedade e da posição respectiva nos contratos de arrendamento das instituições, serviços e estabelecimentos integrados, para os CRSS.
6.3. O Decreto-Lei nº 81/85 e o Decreto-Regulamentar nº 19/85, ambos de 28 de Março, definiram o regime especial de segurança social dos trabalhadores agrícolas silvícolas e pecuários.
Os regimes especiais de previdência e de abono de família dos trabalhadores rurais que constava da Lei nº 2144 e da legislação complementar foi substituído pelo referido regime especial de segurança social (artigo 11º do Decreto-Lei nº 81/85).
6.4. A Lei nº 28/84, de 14 de Agosto, definiu as bases do sistema de segurança social previsto na Constituição e da acção social prosseguida pelas instituições da segurança social, e as iniciativas pertinentes não lucrativas de fins análogos aos daqueles institutos (artigo 1º).
O sistema da segurança social obedece aos princípios da universalidade, igualdade, eficácia, descentralização, garantia judiciária, solidariedade, participação e unidade, implicando este último a articulação dos regimes constitutivos do sistema e do respectivo aparelho administrativo com vista à sua unificação (artigo 5º, nºs 1 e 3).
O IGFSS, a nível nacional, e os CRSS a nível regional são as principais instituições de segurança social (artigo 57º, nº 1).
As Casas do Povo que a qualquer título exercessem funções no domínio dos regimes da segurança social ficavam sujeitas, em relação a elas, à tutela do centro regional da segurança social do respectivo distrito (artigo 81º).
No exercício da referida tutela, os CRSS procediam ao controlo sistemático da gestão do regime especial de previdência dos trabalhadores, quando delegado em Casas do Povo (nº 6 do Despacho Normativo nº 174/84, de 19 de Novembro, do Secretário de Estado da Segurança Social) 26.
6.5. Em desenvolvimento do aludido Decreto-Lei nº 549/77, que previu, além do mais, a integração nos CRSS dos serviços afectos à segurança social logo que fossem criados os serviços locais da segurança social, veio dispor sobre estes o Decreto-Lei nº 245/90, de 27 de Julho.
Os serviços locais da segurança social são criados por portaria do membro do Governo responsável pela Segurança Social, e a sua base geográfica corresponderá, em princípio, à dos municípios, localizando-se na sede destes (artigo 1º, nºs 1 e 3).
Nos termos do nº 4 do artigo 1º, "para o funcionamento dos serviços locais, os centros regionais da segurança social podem celebrar protocolos com entidades públicas ou privadas, qualquer que seja a sua natureza, os quais deverão prever, nomeadamente, os objectivos do acordo, as obrigações recíprocas acordadas, os encargos decorrentes e a data de produção de efeitos".
Nesta disposição prevê-se, pois, o funcionamento dos serviços locais dos CRSS em instalações pertencentes a outras entidades, públicas ou privadas, independentemente da sua natureza.
Correspondentemente, estatui-se na mesma disposição que tal utilização deve ser convencionada em protocolos em que se estipule, além do mais, o fim da contratação, as obrigações desta decorrentes para os CRSS, os encargos e a data da produção de efeitos.
Por força do estatuído nesta disposição as Casas do Povo e os CRSS podem acordar na cedência por aquelas a estes das instalações das suas sedes e ou delegações com vista ao funcionamento dos serviços locais da segurança social.
Os serviços locais da segurança social são financiados pelo orçamento da Segurança Social através das dotações anualmente estabelecidas para os respectivos CRSS, devendo tomar em conta os encargos relativos aos protocolos por eles celebrados com as entidades públicas ou privadas a que se fez referência (artigo 4º).
IV
1. Recordemos o que dispõe o artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90, disposição nuclear na economia do parecer, do seguinte teor:
"1. A implantação de serviços locais em sedes ou delegações de Casas do Povo, nos termos do nº 4 do artigo 1º, não determina a transição, para a titularidade dos centros regionais da segurança social, da propriedade ou dos contratos de arrendamento das sedes e delegações das Casas do Povo que sejam integralmente financiadas ou cuja renda seja paga por verbas do orçamento da Segurança Social, salvo na situação prevista no número seguinte.
"2. O património das Casas do Povo referidas no número anterior que, embora unicamente afectas a fins da segurança social, já não disponham de órgãos constituídos nos termos legais, passa para a titularidade do centro regional da segurança social da respectiva área, mediante portaria do membro do Governo responsável pela Segurança Social.
"3. Quando abranja bens sujeitos a registo, a transferência do património será comunicada aos respectivos conservadores, para que estes procedam oficiosamente aos necessários registos.
"4. A sucessão no direito de arrendamento implica a transição de todos os direitos e obrigações emergentes dos contratos respectivos e será comunicada aos correspondentes senhorios".
2. Como inicialmente se afirmou, a solução da problemática enunciada pela entidade consulente pressupõe, fundamentalmente, a interpretação da transcrita disposição, pelo que importa discorrer sobre o que nesta matéria dispõe o artigo 9º do Código Civil, cujo conteúdo é o seguinte:
"1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
"2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
"3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados".
Atentemos, pois, à luz do disposto no transcrito normativo, no sentido prevalente das normas do artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90, naturalmente a partir do seu elemento gramatical ou literal.
À determinação do sentido prevalente das normas não basta, porém, a sua análise literal, ainda que dela resulte um sentido que ao intérprete pareça claro.
O resultado da interpretação literal deverá, com efeito, ser confirmado pela chamada interpretação lógica, isto é, pela verificação do fim das normas, do seu enquadramento sistemático e da sua história.
No exame do fim da norma inclui-se a verificação das situações reguladas e de qual o interesse que se pretendeu proteger bem como o âmbito de tal protecção.
Qualquer norma jurídica faz parte de um sistema jurídico global e não pode deixar de ser entendida à luz dele.
As circunstâncias políticas, culturais e sociais em que as normas foram elaboradas, às vezes apontadas em trabalhos preparatórios ou nos respectivos exórdios justificativos, facilitam, naturalmente, a sua compreensão.
Se os elementos literal e lógico de interpretação concorrem para que lhe seja atribuído um sentido unívoco, estamos perante a chamada interpretação declarativa.
No caso de o resultado da interpretação literal, por equivocidade do texto, não coincidir com o resultado da indagação lógica, a esta deverá o intérprete dar prevalência.
Se o legislador se quedou ao expressar a vontade, aquém do que a razão da norma exigia, dizendo menos do que queria, importa que o intérprete opere a chamada interpretação extensiva.
Mas se não podia, sem contradição ou injustiça, querer dizer tudo o que o elemento literal parece significar, impõe-se o tipo de interpretação restritiva 27.
Dir-se-á, da análise do artigo 9º do Código Civil, que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei, e que se assim não suceder, deverá o intérprete recorrer a critérios objectivos, designadamente no que se consubstancia na presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados 28.
3. Empreendamos, pois, a interpretação do disposto no artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90, começando pelo seu elemento gramatical ou literal.
O disposto no nº 1 do artigo 5º tem estreita conexão com o estatuído no nº 4 do artigo 1º.
Nesta última disposição prevê-se o funcionamento dos serviços locais da segurança social, e estatui-se que, para esse efeito, os CRSS podem celebrar protocolos de certo conteúdo com entidades públicas ou privadas de qualquer natureza.
As Casas do Povo, que são pessoas colectivas de direito privado e utilidade pública, integram-se, naturalmente, na estatuição legal mencionada.
A previsão do nº 1 do artigo 5º reporta-se à implantação dos serviços locais da segurança social em sedes ou delegações das Casas do Povo ou nas suas delegações, com base em protocolos ou acordos.
A estatuição correspondente, de formulação negativa, refere-se à não transferência para a titularidade dos CRSS, em regra, da propriedade ou da posição de arrendatário nos contratos de arrendamento das sedes ou delegações das Casas do Povo que sejam integralmente financiadas ou cuja renda seja paga por verbas do orçamento da Segurança Social.
Trata-se de uma disposição a um tempo esclarecedora ou interpretativa e, na sua conexão com o disposto no nº 2, dispositiva.
Na verdade, do disposto no nº 4 do artigo 1º não resulta minimamente que a celebração dos aludidos protocolos entre os CRSS e as Casas do Povo implique a transferência do direito de propriedade sobre as estruturas imobiliárias de funcionamento dos serviços locais de segurança social ou da posição de arrendatário no respectivo contrato de arrendamento das Casas do Povo para os CRSS.
A necessidade de inserção do referido comando normativo, de cariz esclarecedor, terá sido considerada para deixar bem vincado que cessava o regime anterior do artigo 10º, nº 1, do Decreto-Lei nº 185/85, de 29 de Maio, que prescrevia transitarem para a titularidade dos CRSS, no momento da criação dos serviços locais, a propriedade ou o arrendamento das sedes e delegações das Casas do Povo, respectivamente, se integralmente financiadas ou cuja renda fosse paga por verbas do orçamento da Segurança Social, embora o efeito pretendido já resultasse do artigo 9º do Decreto-Lei nº 246/90 que expressamente revogou aquela disposição.
No nº 2 provê-se sobre o património das Casas do Povo referidas no nº 1, ou seja, o património daquelas em que tenham sido implantados serviços locais da segurança social, embora unicamente afectas a esta actividade e que sejam integralmente financiadas ou a renda das respectivas instalações paga por verbas do orçamento da Segurança Social e não disponham de órgãos constituídos nos termos legais.
E estatui-se, correspondentemente, que o património das referidas Casas do Povo passa para a titularidade do CRSS da respectiva área, mediante portaria do membro do Governo responsável pela Segurança Social.
No nº 3 prevê-se a situação de o património transferido incluir bens sujeitos a registo, e estatui-se que a transferência será comunicada aos conservadores do registo respectivo para que, com base na comunicação, procedam à inscrição registral de aquisição dos bens a ele sujeitos.
No nº 4 prevê-se a sucessão no direito ao arrendamento e estatui-se que tal sucessão implica a transferência de todos os direitos e obrigações emergentes do contrato, e que ela será comunicada ao respectivo senhorio.
Conjugando o disposto nos nºs 1 e 2, e interpretando o normativo do nº 1, parece legítimo extrair, sem que dúvida se suscite, pelo menos, os seguintes cumulativos pressupostos de transferência do património das Casas do Povo para os CRSS:
a) implantação de um serviço local de segurança social nas instalações da Casa do Povo;
b) ser a Casa do Povo integralmente financiada por verbas do orçamento da Segurança Social, ou a renda das suas instalações paga através delas;
c) não dispor a Casa do Povo de órgãos directivos constituídos nos termos legais 29.
Da parte final do nº 2 resulta claramente que a transferência do património das Casas do Povo para os CRSS, verificados os respectivos pressupostos, se opera mediante portaria do membro do Governo responsável pela Segurança Social.
O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei (artigo 1316º do Código Civil).
Com a entrada em vigor da referida portaria que declare a transferência do direito de propriedade sobre as estruturas imobiliárias da Casa do Povo ou da posição de arrendatário nos contratos de arrendamento, para a esfera jurídica patrimonial dos CRSS, verifica-se de iure" aquela transferência.
3.1. Analisemos agora o conceito de "património", cujo âmbito não resulta directamente do texto legal 30 , começando pela sua acepção mais geral.
O conceito de "património" está intimamente conexionado com o de "esfera jurídica", entendido este como "o conjunto de direitos e vinculações de que certa pessoa é titular e a que está adstrita em determinado momento" 31.
No conjunto dos direitos e obrigações que integram a esfera jurídica de uma pessoa, é possível distinguir entre os que assumem natureza patrimonial e os que são de natureza pessoal.
A esfera ou hemisfério patrimonial - que aqui releva - tem sido caracterizada pela maioria de doutrina em termos de complexo de direitos e obrigações, pertencentes a determinada pessoa em determinado momento, susceptíveis de avaliação em dinheiro.
O conceito "património" comporta, por seu turno, o sentido jurídico coincidente com o de esfera ou hemisfério jurídico patrimonial, isto é, o conjunto ou complexo de direitos e obrigações pertencentes a determinada pessoa e susceptíveis de avaliação pecuniária, e o sentido material, envolvente do conjunto de bens avaliáveis em dinheiro, pertencentes a certa pessoa, em certo momento.
Na acepção jurídica do conceito de património ainda é admissível a distinção entre património bruto, património activo e património passivo, consoante se considerem os respectivos elementos activos e passivos, apenas os elementos do activo ou só os do passivo.
A diferença entre os elementos do activo e do passivo consubstancia o património líquido, que pode ser activo ou passivo, consoante predominem os primeiros ou os segundos elementos aludidos 32.
Na área económico-financeira, a doutrina refere que o património global do Estado é constituído pelos bens do activo e pelas responsabilidades do passivo que a eles se reportem e que do activo patrimonial fazem parte todos os bens materiais, imateriais, direitos sobre bens e de crédito, e do passivo patrimonial todas as situações passivas da titularidade do Estado, uns e outras, com expressão pecuniária 33.
Nesta área distingue-se, além do mais, entre património real e financeiro, geral e especial, mobiliário e imobiliário, dominial e creditício e, quanto ao dominial, em público e privado.
O património real é o constituído pelas coisas e direitos sobre elas, e o financeiro por dinheiro, outros activos monetário-financeiros e pelos créditos e débitos.
No património geral integram-se todos os elementos patrimoniais do activo e do passivo que não estejam submetidos a um regime especial.
Os patrimónios especiais que integram determinada massa de bens, são de afectação se existir um regime próprio, e de gestão se definidos pela entidade que os administra em razão da sua relação com uma particular função material ou tarefa programada.
O património dominial abrange os direitos sobre coisas ou realidades equiparadas, e o património creditício os direitos de crédito e de participação social, e ambos as respectivas obrigações.
O domínio público é constituído pelas coisas e direitos sobre elas que, pela sua utilidade colectiva, a lei submete ao domínio do Estado e subtrai ao comércio jurídico-privado (artigo 202º, nº 2, do Código Civil).
O domínio privado é constituído pelos bens sujeitos ao regime de direito privado.
O regime do inventário geral do património do Estado consta do Decreto-Lei nº 477/80, de 15 de Outubro.
Para efeitos de inventário, a expressão "património do Estado" abrange o conjunto de bens do seu domínio público e privado, e dos direitos e obrigações com conteúdo económico de que o Estado, como pessoa colectiva de direito público, é titular (artigo 2º).
Utiliza-se, pois, o conceito "património" em sentido amplo, porque abrangente do domínio real público e privado do Estado e da vertente obrigacional que inclui os créditos, os débitos, as participações e as disponibilidades monetárias.
O legislador, no Decreto-Lei nº 477/80, optou pela solução "que pode traduzir-se pela fórmula segundo a qual ao património que no plano do direito privado é geralmente designado por "património global" se acrescentaram os bens do domínio público" 34.
O legislador referiu, pois, o conceito de "património global" utilizado no âmbito do direito privado, que entendeu abranger o montante global do domínio e a vertente obrigacional activa e passiva.
E o que se afirma em relação ao Estado é susceptível de ser afirmado em relação às restantes pessoas colectivas, isto é, que no seu património se integram direitos sobre coisas "lato sensu", direitos de crédito e obrigações.
Ademais, também no direito administrativo se admite a existência de uma propriedade colectiva compreendendo-se os direitos incidentes sobre o património afecto ao serviço ou à utilidade de uma colectividade de índole privada que os administra, através dos seus órgãos e representantes, sem que sejam configuráveis quotas ideais dos seus membros sobre ele, ou que da sua vontade dependa a respectiva disposição, susceptível de transitar de uma pessoa colectiva para outra, embora sem deixar, enquanto existir, de estar afecto ao serviço ou utilidade de uma colectividade 35.
No direito comparado, designadamente em França, também o conceito de património das pessoas colectivas de direito público é entendido no amplo sentido acima indicado 36.
3.2. Não se conhecem os trabalhos preparatórios dos Decretos-Leis nºs 245/90 e 246/90 e, consequentemente, nenhum subsídio interpretativo podemos retirar desse elemento lógico.
Do elemento sistemático importa ter presente o enquadramento do artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90 no contexto global da respectiva normação e na dos Decretos-Leis nºs 4/82 e 246/90, este último assaz complementar do primeiro.
Quanto ao elemento histórico importa considerar, por um lado, a evolução do regime das Casas do Povo no plano global das suas funções e, por outro, a dinâmica do seu elemento patrimonial.
Inicialmente estruturadas como organismos corporativos primários de cooperação social e organização profissional não diferenciada, constituídos nos meios rurais, passaram posteriormente as Casas do Povo a funcionar também como instituições de previdência social.
Com o novo ordenamento jurídico constitucional plasmado na CRP de 1976, sofreram as Casas do Povo certo abalo estrutural, que culminou na redefinição da sua natureza e fins pelo Decreto-Lei nº 4/82, em termos de passarem a ser pessoas colectivas de utilidade pública, de base associativa, prosseguindo fins de animação sócio-cultural, sujeitas à tutela do Estado através da JCCP, primeiro, e dos CRSS dos respectivos distritos depois, e, por motivos decorrentes da sua natureza institucional, sempre se manteve, em relação aos serviços de Segurança Social, uma forte relação de dependência tutelar, financeira, técnica e administrativa.
No período em que funcionou a referida dependência, muitas das Casas do Povo entraram em crise, não raro porque os seus associados deixaram de se interessar pelos actos eleitorais ou pelo pagamento das quotas, passando muitos delas a desenvolver apenas a actividade da segurança social, e cujo financiamento, quanto a instalações, equipamento e pessoal corria por verbas do orçamento da Segurança Social 37.
Noutro plano, face à prescrição da Constituição no sentido da incumbência do Estado quanto à organização, coordenação e subsidiação de um sistema da segurança social unificado e descentralizado, iminente estava o fim de actividade das Casas do Povo, pelo menos na área específica da segurança social.
Nessa linha, os CRSS, criados entre 1979 e 1981, surgiram como entidades a quem a lei conferiu a função de assumir as tarefas da segurança social antes desenvolvidas pelas Casas do Povo.
À medida que foram criados os serviços locais dos CRSS, altura em que a função das Casas do Povo em matéria da segurança social cessava, punha-se naturalmente a questão do património das afectadas a essa actividade, sobretudo quando os serviços locais dos CRSS funcionavam, por força dos referidos protocolos, nas suas instalações.
A situação desenhada na lei foi no sentido da transição para os CRSS, no momento da criação dos serviços locais dos CRSS, não só do pessoal como também da propriedade e arrendamento das sedes e delegações das Casas do Povo, integralmente financiadas ou cuja renda fosse paga por verbas do orçamento da Segurança Social, respectivamente 38.
Esta solução da transferência patrimonial das Casas do Povo para os CRSS evoluiu, entretanto, no que concerne aos respectivos pressupostos, de um regime mais liberal para um regime menos liberal, naturalmente para que aquelas instituições, que tivessem condições em meios humanos e materiais para prosseguir os fins que actualmente lhes são próprios, não fossem impedidas de realizar tal desiderato.
A solução da transferência do património integral das Casas do Povo ou das suas delegações para os CRSS foi atenuada, naturalmente enquanto fosse susceptível de comprometer a realização dos fins que lhes eram próprios, diversos dos da segurança social.
Mas se as Casas do Povo, por carência de meios de financiamento próprios e de regular funcionamento por ausência de órgãos idóneos à formação e manifestação da respectiva vontade, não tinham condições de realização dos fins que lhes são próprios, então já justificação não haveria para que a transferência patrimonial aludida não fosse integral.
3.3. Com efeito, aquando da entrada em vigor dos Decretos-Leis nºs 245/90 e 246/90 configuraram-se, no universo das Casas do Povo, além do mais, as três situações seguintes 40:
Casas do Povo em plena realização dos fins que lhes são próprios, com meios financeiros próprios para esse efeito, através de órgãos regularmente constituídos, com instalações não afectas ao funcionamento dos serviços locais da segurança social;
Casas do Povo realizando os fins que lhes são próprios, com meios financeiros próprios, através de órgãos regularmente constituídos, e em cujas instalações passaram a funcionar os serviços locais da segurança social, com base na contratação prevista no nº 4 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 245/90, disso sendo remuneradas;
Casas do Povo sem meios próprios de financiamento nem órgãos sociais regularmente constituídos, não desenvolvendo quaisquer dos respectivos fins estatutários ou legais, com instalações integralmente afectas aos serviços locais de segurança social, e totalmente financiadas por verbas do orçamento da Segurança Social, como se nos CRSS estivessem integradas.
Na primeira e na segunda das referidas situações, têm as Casas do Povo a "vida" associativa própria das pessoas colectivas de utilidade pública, que são, em relação às quais se não põe a questão da aplicação ou não do disposto no nº 2 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90, isto é, a transferência do seu património para os CRSS.
A aplicação do estatuído na referida disposição só se coloca, naturalmente, em relação à situação delineada em terceiro lugar, certo que aí as Casas do Povo já não existem de facto, tudo se passando como se integradas estivessem nos CRSS, que de todo as financiam, designadamente no que concerne à conservação e ou substituição do respectivo património.
3.4. Considerando o elemento histórico de interpretação e a realidade social objecto da intervenção legislativa, vejamos mais em concreto o sentido prevalente da normação em apreço, começando pelo conceito de património.
A doutrina civilística, administrativa e financeira enunciada, quando utiliza o conceito "património" sem qualquer especificação restritiva pretende significar o património global, isto é, a vertente real e obrigacional activa e passiva.
O mesmo conceito de património global é utilizado na lei, designadamente na que rege o inventário dos bens do Estado.
E o intérprete deverá presumir, na determinação do sentido e alcance da lei, que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9º, nº 3, do Código Civil).
Se o legislador pretendesse limitar o conceito de património utilizado no nº 2, certamente utilizaria uma expressão adequada a esse efeito, designadamente remissiva para o disposto no nº 1, e não o fez.
Com efeito, se o referido conceito de património, na expressão legal, só abrangesse o direito de propriedade sobre os imóveis onde funcionavam as sedes e as delegações das Casas do Povo e a posição de arrendatário dos referidos imóveis que consta do nº 1 do artigo 5º em apreço, naturalmente que aos bens previstos aquela disposição se reportaria.
Propendemos, por isso, a considerar que o conceito de património a que alude o nº 2 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90 abrange quaisquer bens de titularidade das Casas do Povo e não apenas o direito de propriedade sobre os imóveis onde funcionavam as suas instalações e a posição de arrendatários nos respectivos contratos de arrendamento.
3.5. Vejamos agora o sentido da expressão "embora unicamente afectas a fins da segurança social", ou seja, se ela é susceptível de veicular o significado de que só o património das Casas do Povo que estejam exclusivamente afectas a fins da segurança social e fiquem desactivadas em razão da criação dos serviços locais da segurança social, é transferido para os CRSS?
Face ao disposto no nº 4 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 245/90, parece não haver dúvida de que constitui pressuposto necessário da referida transferência do património das Casas do Povo para os CRSS, que as instalações daquelas associações estejam afectas a fins de segurança social.
A disposição em apreço suscita dúvidas de interpretação por virtude de dela constar a conjunção adversativa "embora" com o significado indiscutível de "não obstante" ou "ainda que".
Partindo do princípio legal de que o intérprete, na determinação do sentido da lei, deverá presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, dir-se-á que se ele tivesse pretendido que fosse pressuposto da transferência do património das Casas do Povo o facto de elas estarem exclusivamente afectas a fins de segurança social, não teria utilizado a expressão "embora", e que, se a utilizou, então é porque pretendeu prescrever que a exclusividade da afectação das Casas do Povo a fins de segurança social não constitui pressuposto necessário da referida transferência patrimonial.
Nesta óptica, o elemento essencial do referido pressuposto de transferência do direito de propriedade sobre o património das Casas do Povo na acepção ampla a que se aludiu, traduzir-se-ia no facto de as Casas do Povo serem integralmente financiadas por verbas do orçamento da Segurança Social ou a renda respectiva por estas verbas integralmente suportada e aquelas associações já não disporem de órgãos constituídos nos termos legais.
Poder-se-á, por outro lado, argumentar que se o legislador tivesse visado estabelecer que todo o património das Casas do Povo, ainda que não unicamente afectas a fins de segurança social, que já não dispusessem de órgãos constituídos nos termos legais e fossem integralmente financiadas por verbas do orçamento da Segurança Social era objecto de transferência, então utilizaria a expressão "não" imediatamente a seguir à expressão "embora", e assim não procedeu.
Ademais, poder-se-á afirmar, na busca da escolha de um dos sentidos da lei mencionados, que se trata de lapso de escrita, traduzido no excesso quanto ao termo "embora", ou no déficit relativo ao vocábulo "não", a superar, porventura, nos termos do artigo 249º do Código Civil, num ou noutro sentido, consoante o relevo extraído dos elementos lógicos de interpretação.
A evolução do regime legal de transferência do património das Casas do Povo para os CRSS, a que já se fez referência, aponta no sentido da progressiva limitação, o que aliás está de acordo com o princípio da liberdade de associação a que se reporta o artigo 46º da Constituição da República Portuguesa - CRP - de que é corolário o mínimo de intervenção do Estado na criação, desenvolvimento e extinção das pessoas colectivas
Nesta perspectiva, a determinação do sentido prevalente da lei confluiria na desvalorização, no contexto normativo enunciado, da expressão "embora".
Parece-nos, porém, que não se torna necessário operar a desvalorização do termo "embora", com vista à determinação do referido normativo, porque na nossa perspectiva ele veicula um sentido útil.
É que, realizando as Casas do Povo, unicamente fins de segurança social, então o seu fim real já não coincide com o seu fim estatutário ou estabelecido na lei, e isso constitui fundamento legal da sua extinção, por decisão judicial (artigos 1º do Decreto-Lei nº 246/90, e 182º, nº 2, alínea b) do Código Civil).
A extinção judicial das Casas do Povo em tais circunstâncias, implicaria que o destino do seu património fosse o previsto no artigo 166º do Código Civil, através do processo previsto nos artigos 1507º-A a 1507-D do Código de Processo Civil.
O mecanismo de atribuição dos bens das Casas do Povo extintas, a que se reporta o artigo 166º do Código Civil, diverge, pois, essencialmente, como já se referiu, daquele que o artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90 prescreveu.
A expressão "embora" utilizada no nº 2 do artigo 5º em apreço parece ter visado esclarecer que, não obstante as Casas do Povo estarem exclusivamente afectas a fins de segurança social, e, consequentemente, posta a causa de extinção, por decisão judicial, derivada da não prossecução do respectivo fim legal, prevista no artigo 182º, nº 2, alínea c), do CC, a transferência do seu património para o CRSS corre nos termos daquela disposição, e não à luz do estatuído no artigo 166º do CC.
Pelo exposto, parece impor-se a conclusão de que os nºs 1 e 2 do artigo 5º em análise estabelecem que o património das Casas do Povo, já sem órgãos sociais legalmente constituídos, unicamente afectas a fins de segurança social, integralmente financiadas por verbas do orçamento da Segurança Social, é transferido para a titularidade do CRSS da respectiva área, mediante portaria do membro do Governo responsável pela Segurança Social.
3.6. Parece claro, por outro lado, que se as Casas do Povo estiverem a ser geridas por órgãos sem mandato válido, tal significa, para efeitos do que dispõe o nº 2 do artigo 5º em apreço, que não dispõem de órgãos constituídos nos termos legais.
3.7. Quanto à questão de saber se no caso de apenas uma parte das instalações das Casas do Povo estar afecta a fins de segurança social, poderá ou deverá haver transferência parcial do seu património para os CRSS, também a lei não consagra expressa solução.
É claro, conforme resulta de o facto de as Casas do Povo estarem exclusivamente afectas a fins de segurança social constituir pressuposto necessário da transferência do seu património para os CRSS, que a situação de só uma parte das suas instalações estar afecta a esses fins apenas se aplica porque a outra parte de tais instalações não serve a qualquer actividade.
À luz do argumento de que quem pode o mais pode o menos, dir-se-á que a transferência do património das Casas do Povo, verificados os referidos pressupostos, pode ser parcial. Mas outros aspectos importa considerar.
Por um lado, a referida solução de transmissão parcial do património das Casas do Povo geraria, no caso de se tratar de imóvel único, obstáculos de ordem jurídica, salvo se fosse caso, por exemplo, de funcionamento dos mecanismos da propriedade horizontal.
Por outro lado, tal solução seria inútil para as próprias Casas do Povo face à carência de órgãos e de meios financeiros que permitissem o seu funcionamento legal relativamente às outras actividades que lhes são próprias, para não perspectivar já a situação de impossibilidade de funcionamento mínimo por virtude da fragmentação do seu património através da referida transferência parcial dos seus bens.
O elemento literal da norma - "o património .... passa", aponta no sentido de que a transferência do direito de propriedade sobre os bens das Casas do Povo ou da sua posição de locatário não pode ser parcial.
Se o legislador pretendesse consagrar solução diversa certamente teria utilizado a expressão "o património das Casas do Povo...pode passar ..." , e não é o caso.
Os elementos lógicos de interpretação a que já se aludiu, sobretudo o fim de a lei por termo à total dependência financeira em relação aos órgãos de Segurança Social de associações que estavam de facto ou de direito desactivadas - por falta de órgãos estatutários e de meios financeiros -, confirma o referido elemento literal.
Parece, por isso, legítimo concluir que a transferência do património das Casas do Povo para os CRSS, verificados os pertinentes pressupostos, não pode ser parcial, isto é, não tem por limite a medida das necessidades de implantação dos serviços locais dos CRSS em função do específico fim da segurança social.
3.8. Finalmente importa considerar a questão de saber se o facto de as Casas do Povo disporem de depósitos bancários produtores de juros constitui ou não obstáculo à transferência do seu património para os CRSS.
Os juros de fundos capitalizados são legalmente considerados, como já se referiu, receitas das Casas do Povo e, naturalmente, parte do seu auto-financiamento (artigo 2º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 246/90).
A questão aqui delineada não poderá, porém, ser resolvida em abstracto, isto é, sem se conhecer qual o valor dos depósitos e dos rendimentos que produzem e se são ou não mobilizáveis.
Estes aspectos têm, naturalmente, particular incidência no pressuposto de transferência do património das Casas do Povo para os CRSS relativo ao financiamento integral a que alude o nº 1 do artigo 5º.
Parece que, neste plano, há que distinguir conforme os referidos depósitos bancários são ou não efectivamente mobilizados, seja através do capital seja através dos juros, em termos de proporcionar ou não o financiamento das Casas do Povo ou o pagamento das respectivas rendas.
Desde já importa, porém, salientar que se as Casas do Povo já não dispõem de órgãos que formem e manifestem legalmente a sua vontade, é óbvio que a mobilização dos referidos depósitos, nos termos da lei, não é possível.
Se a existência dos referidos depósitos, por qualquer motivo, não serve ao financiamento, ainda que parcial, das Casas do Povo, nos termos sobreditos, então é como não existam para o efeito da aludida transferência patrimonial.
Pelo contrário, se os referidos depósitos servem, de algum modo, em qualquer quantitativo, ao financiamento das Casas do Povo, então inverificado fica este último pressuposto da transferência do seu património, que, por isso, não poderá ocorrer.
V
1. Operada que foi a interpretação do artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90, importa, finalmente, verificar se o regime de transferência patrimonial das Casas do Povo para os CRSS viola ou não o disposto na CRP ou os princípios nela consignados.
A liberdade de conformação do conteúdo das leis, no exercício da competência constitucionalmente definida dos órgãos do Estado com funções legislativas, só tem como limite vinculante, no plano da ordenação material, o respeito pelas normas e pelos princípios com suficiente densidade normativa (artigo 3º, nº 3, da CRP).
A conformação do disposto no artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90 com a CRP é aferível face ao estatuído nos artigos 46º, nº 2, 62º, e 168º, nº 1, alínea b), deste diploma.
1.1. O artigo 46º da CRP dispõe, sob a epígrafe "Liberdade de associação", o seguinte:
"1. Os cidadãos têm o direito de, livremente, e sem dependência de qualquer autorização, constituir associações, desde que elas não se destinem a promover a violência e os respectivos fins não sejam contrários à lei penal.
"2. As associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas e não podem ser dissolvidas pelo Estado ou suspensas as suas actividades senão nos casos previstos na lei e mediante decisão judicial.
"3. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação nem coagido por qualquer meio a permanecer nela.
"4. Não são consentidas associações armadas nem as de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações que perfilhem a ideologia fascista".
Nos termos do nº 1 do transcrito dispositivo, os cidadãos têm o direito, sem impedimentos ou imposições por banda de quem quer que seja, incluindo o Estado, de constituir associações, integrar o grémio associativo das já existentes, não o integrar senão sponte sua, e saírem daquelas em que se associaram.
Por força do nº 2 do mesmo artigo, disposição que consagra os princípios da auto-organização e da auto-gestão das associações, estas têm o direito de se organizar e de prosseguir a sua actividade com liberdade, isto, naturalmente, sem prejuízo de o legislador ordinário poder fixar regras gerais imperativas de organização e ou gestão que não tornem o exercício do direito de associação particularmente oneroso Acórdão do Tribunal Constitucional, citado supra, nota 13, que neste passo se segue de perto.
Por um lado, não pode, pois, o Estado interferir na constituição das associações, salvo se forem armadas ou com características militares lato sensu ou que perfilhem a ideologia fascista ou que visem promover a violência ou realizar fins contrários à lei penal e, por outro, é-lhe vedada a intromissão na sua organização e funcionamento.
Ademais, à luz dos princípios da reserva de decisão judicial e da tipicidade que constam da aludida disposição, quanto às associações que não deliberem a sua própria dissolução ou a suspensão das suas actividades, este efeito só pode ser conseguido por via de decisão judicial e com base na verificação das causas típicas de extinção elencadas na lei.
1.2. O artigo 62º da CRP, epigrafado de "direito de propriedade privada" , estabelece, por seu turno que:
"1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.
"2. A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei mediante o pagamento de justa indemnização".
O direito de propriedade abrange, em regra, as vertentes aquisitiva, de uso e de fruição dos bens de que se é dono, e a sua transmissão, bem como a própria garantia de dele não ser privado J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, "Constituição da República Portuguesa Anotada", 1º vol., Coimbra, 1984 , págs. 332 a 335, que neste ponto se seguem de perto..
É susceptível de incidir não só sobre coisas, como também sobre outras realidades, por exemplo, o resultado da criação intelectual, créditos ou partes sociais.
O proprietário goza plena e exclusivamente do direito de usar, usufruir e de dispor das coisas que lhe pertencem, salvaguardados que sejam os limites ou restrições previstos na lei (artigo 1305º do Código Civil).
Na CRP o direito de propriedade está sistematicamente enquadrado entre os direitos económicos.
Nos termos do nº 1 do artigo 62º daquele diploma, o direito de propriedade privada é garantido a todos, tal como o é a sua transmissão em vida ou por morte, mas de harmonia com a Constituição.
Não se trata, assim, de um direito absoluto, mas relativizado face à função social que desempenha no âmbito do binómio do interesse privado e do interesse público.
Ninguém deve ser impedido de transmitir o direito de propriedade em vida ou por morte, mas isso não inviabiliza as restrições ou limites legalmente previstos, como é o caso, por exemplo, das preferências legais e dos limites à vocação testamentária.
No nº 2 prescreve-se a autorização de requisição e de expropriação de bens dos cidadãos e colectividades pelos poderes públicos, e garante-se aos que forem afectados por aqueles actos administrativos, que essa intervenção só ocorra com fundamento na utilidade pública e sempre mediante a contrapartida indemnizatória que seja justa.
1.3. Finalmente, estabelece o artigo 168º, nº 1, alínea b), da CRP, sob a epígrafe "reserva relativa de competência legislativa", o seguinte:
"1. É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização do Governo: -....................................................................................
"b) Direitos, liberdades e garantias"......................................................................................".
Esta disposição constitucional, na parte transcrita, consagra, quanto à matéria de direitos, liberdades e garantias o princípio da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República.
Com efeito, só a Assembleia da República ou o Governo mediante autorização legislativa daquela, podem legislar sobre a referida matéria, na qual se inclui, como resulta da epígrafe do capítulo I do título II da Constituição, a proibição da extinção das associações, por forma directa ou indirecta, nesta se incluindo naturalmente as interferências geradoras de efeito análogo ao da extinção.
2. É decisivo para a verificação da conformidade do disposto no artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90 com as referidas disposições constitucionais, seja no plano material face aos artigos 46º e 62º, seja no plano orgânico face ao artigo 168º, nº 1, alínea b), atentar na situação do património das Casas do Povo a que se reporta o normativo ordinário em apreço.
Recorde-se que se trata de Casas do Povo que não desenvolvem qualquer dos respectivos fins estatutários ou legais, integralmente financiadas por verbas do orçamento da Segurança Social, exclusivamente afectas a fins de segurança social, sem órgãos sociais próprios, com o seu património a ser utilizado, conservado ou substituído pelos órgãos da Segurança Social, como se aquelas associações já não fossem titulares do respectivo direito de propriedade, isto é, como se já não existissem.
O artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90 limita-se a intervir relativamente a situações fácticas que já não correspondem verdadeiramente ao exercício do direito de associação a que se reporta o artigo 46º da CRP.
À míngua do substracto organizatório idóneo à formação da vontade das Casas do Povo, e de meios financeiros próprios tendentes a realizar os fins que lhes são cometidos pelos estatutos ou pela lei, e sem a mínima utilização dos bens que constituem o respectivo património, dir-se-á que aquelas associações só existem de direito, já que de facto delas só existe o património, porventura em degradação O Tribunal Constitucional referiu ,na decisão já mencionada, sobre a imposição da extinção das Casas do Povo por decisão judicial, o seguinte:
"Isto vale, naturalmente, para as Casas do Povo que ainda tenham existência real, não para aquelas que apenas tenham existência legal. De facto, quanto às Casas do Povo unicamente afectas a fins de segurança social, que já não dispunham de órgãos constituídos nos termos legais e eram integralmente financiadas por verbas do orçamento da Segurança Social (que, inclusive, pagava a renda dos imóveis que elas ocupavam) quanto a essas, o membro do Governo responsável pela Segurança Social, partindo dessa situação de facto (ou seja, partindo do desaparecimento real da Casa do Povo) transferiria o respectivo património, por portaria, para o centro regional da segurança social da respectiva área (cf. artigo 5º, nºs 2, 3 e 4, do Decreto-Lei nº 245/90, de 27 de Julho)".
O artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90 veicula, de algum modo, uma solução de estruturação jurídica do aproveitamento de um património por quem contribuiu para a sua criação e ou conservação, e o utiliza na realização do interesse público, a favor das comunidades em cujo seio existia a Casa do Povo.
Não se trata, pois, de normas que de algum modo afectem o direito de associação, ou o direito de propriedade individual nas suas vertentes dispositiva, utilizativa e de fruição de coisas por não atribuição do direito de indemnização correspondente à expropriação.
E não se tratando, como não se trata, de normas que afectem o referido direito de associação, inexiste a reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República.
Por todo o exposto, pode concluir-se pela inexistência de desconformidade do estatuído no artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90 face aos artigos 46º, 62º e 168º, nº 1, alínea b) da CRP, isto é, que a referida disposição de lei não enferma do vício de inconstitucionalidade, seja material, seja orgânica.
VI
Aqui chegados, é altura de, em jeito de síntese, e com base nas considerações jurídicas expendidas, responder às questões postas pela entidade consulente.
As normas do artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90 não estão afectadas do vício de inconstitucionalidade, seja no plano material, seja no plano orgânico.
Elas prevalecem, no plano do destino dos bens da titularidade das Casas do Povo, verificados os respectivos pressupostos, sobre as do artigo 1º do Decreto-Lei nº 246/90 e 166º do Código Civil.
Constituem pressupostos cumulativos necessários de sucessão patrimonial dos centros regionais de segurança social em relação às Casas do Povo; a implantação dos serviços locais nas suas instalações; a sua exclusiva afectação a fins de segurança social; não disporem de órgãos sociais constituídos nos termos legais; e serem integralmente financiadas ou cuja renda seja paga por verbas inscritas no orçamento da segurança social.
O conceito de património a que alude o nº 2 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90 está utilizado em sentido amplo, abrangente do conjunto de direitos da titularidade das Casas do Povo e das vinculações a que estão adstritas.
Verificados os pressupostos de sucessão patrimonial dos centros regionais de segurança social em relação às Casas do Povo, previstos no artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90, é obrigatória a publicação da portaria prevista no nº 2 daquela disposição pelo membro do Governo responsável pela Segurança Social, a qual lhe servirá de instrumento.
Presentes os aludidos pressupostos, embora só uma parte das instalações das Casas do Povo esteja afecta a fins de segurança social, a referida portaria deverá declarar a transferência integral do seu património.
A existência de depósitos bancários de titularidade das Casas do Povo que, por qualquer motivo, não sirvam ao seu financiamento, não constitui obstáculo legal à referida transferência patrimonial.
Os centros regionais de segurança social são as entidades que sucedem às Casas do Povo na titularidade dos referidos depósitos bancários.
O financiamento, ainda que parcial das Casas do Povo, através dos depósitos bancários referidos, constitui obstáculo legal à sucessão patrimonial a que se reporta o artigo 5º, nº 2, do Decreto-Lei nº 245/90.
Abrangendo o património transferido bens sujeitos a registo, a transferência será comunicada aos conservadores do registo competentes, com vista ao oficioso registo de aquisição dos respectivos direitos Estão sujeitos a registo, além do mais, os factos jurídicos que determinem a aquisição do direito de propriedade sobre prédios, o arrendamento por mais de seis anos e as suas transmissões ou sublocações, excepto o arrendamento rural, e o direito de propriedade sobre veículos automóveis (artigos 2º, nº 1, alíneas a) e m), do Código do Registo Predial, e 5º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro).
A sucessão na posição de arrendatário das Casas do Povo nos contratos de arrendamento, deve ser comunicada aos respectivos senhorios Cfr. a situação paralela prevista no artigo 84º, nº 4, do Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro..
Conclusão:
VII
Formulam-se, com base no exposto, as seguintes conclusões:
1ª As Casas do Povo, inicialmente estruturadas como organismos corporativos primários de cooperação social e organização profissional não diferenciada, implantados no meio rural, passaram depois também a funcionar como instituições de previdência social;
2ª Posteriormente, foi-lhes atribuído o estatuto de pessoas colectivas de utilidade pública, de base associativa, destinadas a proporcionar o bem-estar das comunidades, especialmente as do meio rural, através, sobretudo, de actividades de carácter sócio-cultural (artigos 1º e 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 4/82, de 11 de Janeiro);
3ª As funções de segurança social desempenhadas pelas Casas do Povo passaram entretanto a ser realizadas pelos centros regionais de segurança social, através da implantação de serviços locais (artigos 41º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 549/77, de 31 de Dezembro, e 1º, nºs 1 e 3, do Decreto-Lei nº 245/90, de 27 de Julho);
4ª Os serviços locais de segurança social podem ser instalados nas sedes ou delegações das Casas do Povo, mediante protocolos ou acordos celebrados entre estas e os centros regionais de segurança social (artigo 1º, nº 4, do Decreto-Lei nº 245/90);
5ª O regime de transferência patrimonial a que o artigo 5º, nº s 2 a 4, do Decreto-Lei nº 245/90 alude, assume a característica de especialidade em relação ao regime geral de destino dos bens das Casas do Povo objecto de extinção, previsto nos artigos 1º do Decreto-Lei nº 246/90, de 27 de Julho, e 166º do Código Civil e, consequentemente, prevalece sobre este (artigo 7º, nº 3, do Código Civil);
6ª As normas do artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90 conformam-se com as da Constituição da República Portuguesa, e com os princípios nesta consignados, seja no plano material, seja no plano orgânico;
7ª O património das Casas do Povo integralmente financiadas ou cuja renda seja paga por verbas do orçamento da Segurança Social e que não disponham de órgãos legalmente constituídos, em cujas sedes ou delegações hajam sido instalados serviços locais de segurança social, unicamente afectas a fins de segurança social, transita para a titularidade dos centros-regionais de segurança social, mediante portaria do membro do Governo responsável pela Segurança Social (artigo 5º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 245/90);
8ª O conceito de património a que se reporta o nº 2 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90, está utilizado em sentido amplo, abrangendo não só os direitos de propriedade sobre os imóveis afectados às sedes ou delegações das Casas do Povo e os relativos à posição de arrendatários nos respectivos contratos de arrendamento, como também outros direitos reais, de crédito, incluindo depósitos bancários, ou de índole social, da titularidade daquelas associações e das obrigações a que estejam adstritas;
9ª Verificados os pressupostos da transferência patrimonial a que alude o artigo 5º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 245/90, ela abrange todo o acervo de direitos e obrigações referidos na conclusão anterior, ainda que só uma parte das instalações das Casas do Povo esteja afecta a fins de segurança social, e deve ser instrumentalizada pela portaria a que o nº 2 do referido artigo 5º se refere;
10ª A titularidade de depósitos bancários, produzam ou não juros, só exclui a transferência patrimonial referida na conclusão anterior se efectivamente servirem, total ou parcialmente, ao financiamento das Casas do Povo.
11ª O quantitativo monetário dos depósitos bancários que façam parte do acervo dos bens das Casas do Povo a transferir, sê-lo-ão para os centros regionais de segurança social respectivos;
12ª A sucessão dos centros regionais de segurança social no direito correspondente à posição de arrendatário das Casas do Povo nos contratos de arrendamento relativos aos prédios de instalação das respectivas sedes ou delegações, deve ser por aqueles comunicada aos senhorios (artigo 5º, nº 4, do Decreto-Lei nº 245/90);
13ª A aquisição de direitos sujeita a registo predial, automóvel ou comercial, que integre o referido acervo patrimonial, por banda dos centros regionais de segurança social, deve por estes ser comunicada ao respectivo conservador com vista ao correspondente registo oficioso (artigo 5º, nº 3, do Decreto-Lei nº 245/90). VOTOS
(António Silva Henriques Gaspar) - Com a seguinte declaração:
Entendo o disposto no artigo 5º, nº 2 do Decreto-Lei nº 245/90, de 27 de Junho no pressuposto de que esta norma não tem senão em conta, como critério de determinação do respectivo âmbito de aplicabilidade, as situações em que se verifique inteira identidade material entre o património das Casas do Povo e a afectação a fins de segurança social.
Tratar-se-à de situações em que, em termos práticos, materiais e funcionais, não existe senão um património mobiliário ou imobiliário exclusivamente afecto aos serviços de segurança social e a Casa do Povo não detém realidade material apreensível, confundindo-se inteira e exclusivamente com os serviços sociais de segurança social.
Sempre que se não possa considerar verificada semelhante identidade total (v.g. sempre que haja outro património, qualquer que seja) existe, ou pode existir, ainda, uma realidade material e jurídica que potencialmente pode ir além da realização de fins de segurança social, e, nessa medida, sujeita, eventualmente, apenas ao processo judicial de extinção.
Apenas nestes termos restritos, por referência à interpretação acolhida no parecer, admito a conformidade constitucional da referida norma.
(José Joaquim de Oliveira Branquinho ) - Vencido quanto à conclusão 6ª
1. Entendi, ao contrário do que nessa conclusão se sumaria e no texto ficou explanado, que a parte final do nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90, de 27 de Julho - excepção à conservaçãodo património aí referido na titularidade das Casas do Povo -, e o nº 2 do mesmo artigo - transferência do património das Casas do Povo para a titularidade dos Centros Regionais da Segurança Social das respectivas áreas, mediante portaria do membro do Governo aí mencionado, violam duplamente a Constituição da República.
Violam o disposto no nº 2 do artigo 46º da Constituição - liberdade de associação, no tocante à prossecução dos fins associativos, que devem ser livres de interferência das autoridades públicas, e no tocante à conservação da sua existência e a continuidade das suas actividades, salvo decisão judicial , e violam ainda o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 62º - direito de propriedade privada -, enquanto instituem um regime ablativo da propriedade sem pagamento de justa indemnização.
2. A violação da liberdade de associação afigura-se-me patente na medida em que se privam as Casas do Povo abrangidas nas disposições dos nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 245/90, dos meios indispensáveis à sua organização e ao livre exercício da sua actividade, isto é, do seu património.
As Casas do Povo são hoje associações particulares como se reconhece no Acórdão do tribunal Constitucional nº 328/92, de 14.10.92 (nº 5.3), citado no texto, e por isso se lhes aplicam indubitavelmente os princípios constitucionais sobre a liberdade de associação.
Como escrevem J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, "o direito de associação é fundamentalmente um direito negativo, um direito de defesa, sobretudo perante o Estado, proibindo a intromissão deste, seja na constituição de associações (não podendo ele constituí-las nem impedir a sua criação), seja na sua organização e vida interna" (Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª edição, revista e ampliada, Coimbra Editora, 1984, 1º volume, pág. 264, nota II ao artigo 46º).
A extinção das associações só pode ocorrer "mediante decisão judicial", nos termos da parte final do nº 2 do artigo 46º.
Sendo, para mais, como são, as Casas do Povo, dotadas de personalidade jurídica, que é uma realidade normativa, é constitucionalmente ilegítimo apelar ao facto da sua desorganização interna - falta de órgãos constituídos nos termos da lei (nº 2 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90) - para lhes retirar o património mediante mero acto administrativo, sem, portanto, právia intervenção dos tribunais que declarassem a sua extinção por qualquer das causas legalmente típicas.
O destino do património tem de ser subsequente à extinção judicialmente decretada, sob pena de o esvasiamento patrimonial por acto administrativo se volver, objectivamente, na criação de causas de extinção (v..g. artigo 182º, nº 2, alínea a) do Código Civil), com que o Estado se intrometeria, violando a Constituição, na vida da associação, que, ainda que desorganizada, se poderia, eventualmente, reconstituir.
A meu ver, o referido acórdão do Tribunal Constitucional (cf. notas 13 e 42 e Cap. V, nº 2, do texto) não aprecia a constitucionalidade do Decreto-Lei nº 245/90, não formulando, assim, um juízo de sua conformidade com a Constituição. O objecto da decisão é outro e, nesse contexto, a descrição que faz do regime de transferência patrimonial contido nesse diploma não é mais do isso.
3. O direito de associação na "dimensão colectiva, legitimadora do reconhecimento de direitos fundamentais de grupo à associação em si mesma e não aos particulares que a formam "(obra e lugar citados)", envolve "desde logo o direito a garantir a sua própria existência" (idem).
Existentes juridicamente até a sua extinção judicial, as Casas do Povo têm direito à garantia do seu próprio património, que, de resto, qualquer que seja a sua dimensão, é o meio indispensável à possibilidade de realização dos fins associativos.
A Constituição garante a propriedade privada (nº 1 do artigo 62º), e, se bem que permita a privação não voluntária dela, garante, designadamente em caso de privação autoritariamente determonada por requisição ou expropriação, "o pagamento de justa indemnização" (nº 2 do artigo 62º).
Ora, a transferência por acto administrativo nos termos determinados pelos nºs 1 e 2 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90, é manifestamente, efeito de um acto ablativo autoritário do património das Casas do Povo sem qualquer indemnização. Pelo que, na medida em estabelecem privação de propriedade privada não indemnizável - e nem sequer a título de requisição ou expropriação -, tais disposições violam o disposto no nº 2 do artigo 62º da Constituição.
Note-se que a garantia do direito de propriedade, nos termos sobreditos, aplica-se a todas as pessoas, individual ou colectivamente, conforme o artigo 17º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que é matriz constitucional interpretativa dos preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais (artigo 16º, nº 2 da Constituição), e, assim pensamos, dos direitos fundamentais de natureza análoga, entre os quais se conta a justa indemnização em caso de requisição e expropriação (no sentido desta qualificação, JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, Coimbra Editora, 1998, pág. 142, II).
4. De resto, um juízo sobre se o que se mantém nas Casas do Povo é ou não ainda exercício do direito de associação (cfr. Cap. V, nº 2 do texto), cabe constitucionalmente aos tribunais apreciá-lo e não à Administração, nem colhe a circunstância de, eventualmente, o seu património haver sido constituído por quem agora beneficiaria da sua transferência, como argumento para a legitimar à margem da intervenção judicial.
Finalmente e com todo o respeito, não se afigura correcto, por contraditório dizer-se que os bens não são utilizados, certo como é que, precisamente pelo menos em parte (conclusão 9ª), se encontram ao serviço dos fins prosseguidos pelos Centros Regionais da Segurança Social, ao abrigo, porventura de protocolos que terão sido celebrados com as Casas do Povo para esse efeito, nos termos do artigo1º, nº 4, do Decreto-Lei nº 245/90.
(Eduardo de Melo Lucas Coelho) Vencido quanto à conclusão 6ª, considerando inconstitucional o artigo 5º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 245/90, de 27 de Julho, por ofensa do artigo 46º, nº 2, da Constituição, na mesma ordem de razões apontadas, a propósito, no voto do meu Exmº Colega Oliveira Branquinho.
(José Anselmo Dias Rodrigues) (Vencido nos termos constantes do voto do meu Exmº Colega Oliveira Branquinho.
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1) A entidade consulente referiu que é seu entendimento que a transição do património das Casas do Povo para os Centros Regionais de Segurança Social só pode ocorrer quando se verifiquem, cumulativamente, os seguintes pressupostos:
implantação de um serviço local na Casa do Povo respectiva;
estar essa Casa do Povo unicamente afecta às tarefas da segurança social, ficando desactivada em consequência do regime previsto no Decreto-Lei nº 245/90;
não dispor a Casa do Povo de órgãos directivos constituídos nos termos legais e com mandato válido;
ser a Casa do Povo integralmente financiada ou cuja renda seja paga por verbas do orçamento da Segurança Social.
(Informação constante do processo).
2) Nº 4 do relatório que precedeu a proposta de lei de que derivou a Lei nº 2080, de 22 de Agosto de 1956 - "Estatuto Jurídico das Corporações", publicado na edição da Junta de Acção Social, "Formação Social e Organização Corporativa", pág. 61.
No que concerne à evolução do regime das Casas do Povo, cuja análise não interessa à economia do parecer, podem ver-se, além do mais, os Decretos-Leis nºs 23550 e 23618, de 6 de Fevereiro e de 1 de Março de 1934, respectivamente, 40199, de 13 de Junho de 1955, e a Portaria nº 587/73, de 28 de Agosto.
3) Ao Ministério dos Assuntos Sociais sucedeu o Ministério do Trabalho e Segurança Social (artigos 2º, alínea h), e 28º, alínea b), do Decreto-Lei nº 344-A/83, de 25 de Julho).
O Ministério do Trabalho e da Segurança Social passou, posteriormente, a designar-se por Ministério do Emprego e da Segurança Social (artigo 29º do Decreto-Lei nº 329/87, de 23 de Setembro, rectificado no "Diário da República", I Série, de 30 de Setembro e de 31 de Outubro de 1987).
4) Exórdio do Decreto-Lei nº 4/82.
5) Parte do Decreto-Lei nº 4/82 foi revogada pelo Decreto-Lei nº 246/90, de 27 de Julho.
6) Exórdio do Decreto-Lei nº 392/80.
7)Exórdio do Decreto-Lei nº 185/85.
8) O Decreto-Lei nº 17/77 foi regulamentado pelo Decreto Regulamentar nº 24/77, de 1 de Abril, este rectificado por declaração publicada no "Diário da República", I Série, de 15 de Abril de 1977.
9) O Decreto-Lei nº 185/85 foi revogado pelo artigo 9º do Decreto-Lei nº 246/90, de 27 de Julho.
10) Tais pessoas são, de harmonia com a referida disposição, as que não possam ter a qualidade de sócio, quer porque não residem na respectiva área, quer porque não tenham a idade mínima necessária, desde que maiores de 16 anos.
11) O nº 2 deste artigo 10º dispõe que "as quotizações terão montante mínimo, a fixar nos estatutos da Casa do Povo, as quais podem ser actualizadas por deliberação da assembleia geral".
12) A divergência entre o disposto neste artigo e no artigo 16º do Decreto-Lei nº 4/82 , de 11 de Janeiro, consubstancia-se no facto de aquele incluir, e este não, a previsão dos contratos de cooperação e o último, ao contrário do primeiro, inserir, como receitas, os subsídios atribuídos pela Junta e outros, e prescrever a fixação da quotização por despacho do Ministro dos Assuntos Sociais, e que o Estado concorria para a construção de instalações das Casas do Povo e seu apetrechamento e para o financiamento das suas actividades através de receitas distribuídas pela Junta.
13) Neste sentido veja-se o acórdão do Tribunal Constitucional nº 328/92, proferido no processo nº 531/92, 2ª secção (plenário), em 14 de Outubro de 1992, publicado no "Diário da República", I Série-A, de 12 de Novembro de 1992.
O Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores solicitou ao Tribunal Constitucional, em processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade, a apreciação da norma do artigo 3º, nº 1, do Decreto aprovado pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores, em 10 de Setembro de 1992, do seguinte teor:
"1. O Secretário Regional da Saúde e Segurança Social pode determinar, em despacho fundamentado, no prazo máximo de 180 dias, a extinção das Casas do Povo que, à data da publicação do presente diploma, se encontrem em qualquer das seguintes situações:
a) Localizadas nas sedes dos Concelhos;
b) Que não tenham pelo menos 50 sócios com as quotas em dia;
c) Que permaneçam há mais de um ano sem órgãos constituídos nos termos legais;
d) Que prossigam actividades que não correspondam aos seus fins estatutários de promoção social e cultural e que sejam manifestamente prejudiciais para a comunidade."
No referido acórdão, o Tribunal Constitucional decidiu no sentido da inconstitucionalidade do referido normativo por violação do disposto nos artigos 46º, nº 2, 168º, nº 1, alínea b), e 229º, nº 1, alínea a), da Constituição.
14)O FCCP será naturalmente gerido por quem as Casas do Povo e/ou os organismos em que se associem decidam dever realizar tal gestão .
O IGFSS poderá, eventualmente, ainda exercer alguma actividade de gestão idêntica à do FCCP no que concerne àquelas Casas do Povo a que se reporta o nº 2 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90.
15) O artigo 168º do CC dispõe, quanto à forma e publicidade das associações, o seguinte:
"1. O acto de constituição de associações, os estatutos e as suas alterações devem constar de escritura pública.
"2. O notário deve, oficiosamente, a expensas dos associados, comunicar a constituição e estatutos, bem como as alterações destes, à autoridade administrativa e ao Ministério Público e remeter ao jornal oficial um extracto para publicação.
"3. O acto de constituição, os estatutos e as suas alterações não produzem efeitos em relação a terceiros, enquanto não forem publicados nos termos do número anterior".
16) MANUEL DE ANDRADE ,"Teoria Geral da Relação Jurídica", vol. I, Coimbra, 1966, pág. 173.
17) O artigo 183º do CC reporta-se à declaração de extinção nos termos seguintes:
"1.Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo anterior, a extinção só se produzirá se, nos trinta dias subsequentes à data em que devia operar-se, a assembleia geral não decidir a prorrogação da associação ou a modificação dos estatutos.
"2. Nos casos previstos no nº 2 do artigo precedente, a declaração de extinção pode ser pedida em juízo pelo Ministério Público ou por qualquer interessado.
"3. A extinção por virtude da declaração de insolvência dá-se em consequência da própria declaração.
18) O artigo 17º do Decreto-Lei nº 4/82, revogado pelo artigo 9º do Decreto-Lei nº 246/90, de 27 de Julho, dispunha, no tocante ao destino dos bens das Casas do Povo, no caso da sua extinção:
"1. Extinta uma Casa do Povo, se subsistirem bens que lhe tenham sido doados ou deixados com qualquer encargo ou que estejam afectados a outro fim, o tribunal, ouvida a Junta e a requerimento do Ministério Público, de qualquer associado ou interessado ou ainda de herdeiros do doador ou do autor da deixa testamentária, atribuí-los-á com o mesmo encargo ou afectação, a outra pessoa colectiva que prossiga, na mesma área, fins semelhantes.
"2. Os bens não abrangidos pelo número anterior reverterão para o Fundo Comum das Casas do Povo.
"3. Em caso de fusão de Casas do Povo, os bens da associação extinta são integrados no património da associação que dela resultar".
19) O processo especial de atribuição ao Estado ou a outra pessoa colectiva dos bens das pessoas colectivas extintas consta dos artigos 1507º-B, 1507º-C e 1507-D do CPC (artigo 1507º-A do CPC).
Na petição inicial indicar-se-á um projecto concreto do destino dos bens a atribuir, a que será dada publicidade, por anúncio num dos jornais mais lidos da localidade da sede da pessoa colectiva extinta e pela afixação de editais na referida sede e à porta do tribunal (artigo 1507º-B).
São citados para poderem deduzir oposição, no prazo de 20 dias, contados da última citação, o Ministério Público e os liquidatários da pessoa colectiva extinta, se não forem os requerentes da atribuição, os representantes da pessoa colectiva beneficiária, salvo se esta for o Estado e o Ministério Público o requerente, os testamenteiros do doador e do autor da deixa testamentária se conhecidos forem, e é admitida a intervenção na causa de quem nesta revele interesse legítimo (artigo 1507º-C).
Decorrido o prazo da contestação, procederá o juiz às diligências que julgue pertinentes, se for caso disso, e decidirá, podendo impor deveres, restrições e cauções necessários à realização dos encargos ou fins a que os bens estavam afectos, cabendo sempre recurso da decisão, com efeito suspensivo (artigo 1507º-D).
20) PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, "Noções Fundamentais de Direito Civil", vol. I, Coimbra, 1965, págs. 76 e segs. que neste passo seguiremos de perto.
21) Os Decretos-Leis nºs 245/90 e 246/90 serão adiante analisados. Adianta-se que o artigo 5º do primeiro dos referidos diplomas é do seguinte teor:
"1. A implantação de serviços locais em sedes ou delegações de Casas do Povo, nos termos do nº 4 do artigo 1º, não determina a transição, para a titularidade dos centros regionais da segurança social, da propriedade ou dos contratos de arrendamento das sedes e delegações das Casas do Povo que sejam integralmente financiadas ou cuja renda seja paga por verbas do orçamento da Segurança Social, salvo na situação prevista no número seguinte.
"2. O património das Casas do Povo referidas no número anterior que, embora unicamente afectas a fins da segurança social, já não disponham de órgãos constituídos nos termos legais, passa para a titularidade do centro regional da segurança social da respectiva área, mediante portaria do membro do Governo responsável pela Segurança Social.
"3. Quando abranja bens sujeitos a registo, a transferência do património será comunicada aos respectivos conservadores, para que estes procedam oficiosamente aos necessários registos.
"4. A sucessão no direito de arrendamento implica a transição de todos os direitos e obrigações emergentes dos contratos respectivos e será comunicada aos correspondentes senhorios".
22) A primitiva redacção deste artigo, antes da sujeição a ratificação deste diploma, era a seguinte: "À medida que forem sendo instalados os serviços locais dos centros regionais da segurança social, serão nestes integradas as Casas do Povo existentes na sua área de jurisdição".
23) Exórdio do Decreto-Lei nº 549/77.
24) O CRSS de Lisboa foi criado pelo Decreto Regulamentar nº 3/81, de 15 de Janeiro, que teve em conta a complexidade dos problemas e situações deste distrito.
25) Veja-se a nota 3.
26) Aquele despacho foi publicado no "Diário da República", I Série, de 18 de Dezembro de 1984.
27) MARCELLO CAETANO, "Manual de Direito Administrativo", vol. I, Coimbra, 1990, págs. 112 a 134; KARL LARENZ, "Metodologia da Ciência do Direito", (trad.), Lisboa, 1969, pág. 369; BAPTISTA MACHADO, "Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador", Coimbra, 1990, págs. 183-188; OLIVEIRA ASCENSÃO, "O Direito, Introdução e Teoria Geral", Lisboa, 1987, págs. 345 e segs.; CASTRO MENDES, "Introdução ao Estudo do Direito", Lisboa, 1984, págs. 252-255.
28) PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, "Código Civil Anotado", vol. I, Coimbra, 1987, págs. 58 e 59.
29) Discorrer-se-á mais adiante sobre o pressuposto de transferência patrimonial relativo ao facto de as Casas do Povo estarem exclusivamente afectas a fins de segurança social.
30) Nos pareceres elaborados por técnicos da área da segurança social ressalta uniformidade quanto aos seguintes pressupostos de aplicação do artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90:
implantação de um serviço local na Casa do Povo respectiva;
estar essa Casa do Povo unicamente afecta às tarefas da segurança social, ficando desactivada em consequência do regime previsto no Decreto-Lei nº 245/90;
não dispor a Casa do Povo de órgãos directivos constituídos nos termos legais e com mandato válido;
ser a Casa do Povo integralmente financiada ou cuja renda seja paga por verbas do orçamento da Segurança Social.
No que concerne a outros aspectos resulta, porém, certa divergência.
Com efeito, num primeiro parecer, foi entendido que o conceito de património a que alude o nº 2 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 245/90 abrange todo o património das Casas do Povo, entendido como o conjunto de relações jurídicas activas e passivas susceptíveis de avaliação pecuniária e não apenas os direitos de propriedade ou de arrendamento dos imóveis onde se encontrem instaladas, e que se as Casas do Povo tivessem receitas próprias, por exemplo quantias em depósitos bancários ou imóveis geradores de rendas, não poderia ocorrer a referida transferência patrimonial.
Depois, em nota informativa da Inspecção-Geral da Segurança Social, sem pôr em causa a interpretação do conceito de património com a maior amplitude, pronunciou-se aquela entidade no sentido de tecnicamente nada haver que constitua obstáculo à transferência do património das Casas do Povo para os CRSS ,ainda que nele se integrem depósitos bancários.
Finalmente, em parecer posterior, entendeu-se que a transição para os CRSS de bens das Casas do Povo, desactivadas pela instalação de serviços locais, é excepcional e se restringe à propriedade e aos contratos de arrendamento das sedes e delegações, e que a atribuição dos restantes bens dependia do pedido previsto nos artigos 1507º-B a 1507-D do Código Processo Civil (Parecer nº 235/DCJ, de 21 de Novembro de 1991, da Direcção-Geral de Apoio Técnico à Gestão, nota de 27 de Fevereiro de 1992, enviada ao Chefe de Gabinete do Secretário de Estado da Segurança Social, pelo ofício nº 287, de 9 de Março de 1992, e Parecer-Informação nº 42/92, de 30 de Junho de 1992, do Gabinete Jurídico da Direcção-Geral de Apoio Técnico à Gestão, dos quais há informação no processo).
31) LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, "Teoria Geral do Direito Civil", vol. I, tomo I, Lisboa, 1983, pág. 131.
32) LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, obra citada, pág. 133; L. CABRAL MONCADA, "Lições de Direito Civil - Parte Geral", vol. II, Coimbra, 1955, pág. 12; MANUEL ANDRADE, obra citada, vol. I, págs. 205 e 206.
33) SOUSA FRANCO, "Finanças Públicas e Direito Financeiro", Coimbra, 1990, pág. 277, que neste passo se segue muito de perto.
34) Exórdio do Decreto-Lei nº 477/80.
A orgânica e funcionamento da Direcção-Geral do Património do Estado consta do Decreto-Lei nº 518/79, de 28 de Dezembro, e do Decreto Regulamentar nº 44/80, de 30 de Agosto.
35) MARCELLO CAETANO, obra citada, tomo I, pág. 218.
36) ENRIQUE SAYAGUÉS LASO, "Traité de Droit Administratif", Paris, 1964, págs. 247 e segs.; J. M. AUBY "Droit Administratif Spécial - 2e. Année", Paris, 1958, págs. 87 e segs.
37) No parecer nº 335/DCT, de 12 de Novembro de 1991, da Direcção-Geral de Apoio Técnico à Gestão, a que já se fez referência, diz-se a propósito:
"O conhecimento profundo da realidade das Casas do Povo, colhido ao longo do tempo em que a Segurança Social tutelou o respectivo funcionamento, motivou que algumas destas pessoas colectivas mantinham uma vida que se pode qualificar de fictícia, dado que as populações onde se inserem têm vindo a desinteressar-se dos actos eleitorais dos corpos gerentes e/ou do cumprimento do dever de pagamento de quotas, sendo a tutela que nomeava comissões administrativas e, através de verbas do orçamento de Segurança Social, financiava as actividades desenvolvidas, incluindo o pagamento das rendas mensais devidas pelo arrendamento das instituições e das remunerações do pessoal, entre outras.
Por outro lado, muitas Casas do Povo foram deixando de desenvolver as actividades que lhes são próprias e específicas, mantendo-se só como locais de prestação de serviços de Segurança Social".
38) Recorde-se que na primeira versão do artigo 41º do Decreto-Lei nº 549/77, de 31 de Dezembro, se estabeleceu que "à medida em que forem instalados os serviços locais dos centros regionais de segurança social, serão nestes integradas as Casas do Povo existentes na sua área de actuação".
39)As conclusões que seguem resultam da informação constante do processo fornecida pela entidade consulente, e a que já se fez referência.
40) Acórdão do Tribunal Constitucional, citado supra, nota 13, que neste passo se segue de perto.
41) J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, "Constituição da República Portuguesa Anotada", 1º vol., Coimbra, 1984 , págs. 332 a 335, que neste ponto se seguem de perto.
42) O Tribunal Constitucional referiu ,na decisão já mencionada, sobre a imposição da extinção das Casas do Povo por decisão judicial, o seguinte:
"Isto vale, naturalmente, para as Casas do Povo que ainda tenham existência real, não para aquelas que apenas tenham existência legal. De facto, quanto às Casas do Povo unicamente afectas a fins de segurança social, que já não dispunham de órgãos constituídos nos termos legais e eram integralmente financiadas por verbas do orçamento da Segurança Social (que, inclusive, pagava a renda dos imóveis que elas ocupavam) quanto a essas, o membro do Governo responsável pela Segurança Social, partindo dessa situação de facto (ou seja, partindo do desaparecimento real da Casa do Povo) transferiria o respectivo património, por portaria, para o centro regional da segurança social da respectiva área (cf. artigo 5º, nºs 2, 3 e 4, do Decreto-Lei nº 245/90, de 27 de Julho)".
43) Estão sujeitos a registo, além do mais, os factos jurídicos que determinem a aquisição do direito de propriedade sobre prédios, o arrendamento por mais de seis anos e as suas transmissões ou sublocações, excepto o arrendamento rural, e o direito de propriedade sobre veículos automóveis (artigos 2º, nº 1, alíneas a) e m), do Código do Registo Predial, e 5º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro).
44) Cfr. a situação paralela prevista no artigo 84º, nº 4, do Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro. |