Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00037652 | ||
Relator: | MÁRIO FERNANDES | ||
Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR APREENSÃO DE VEÍCULO NOTIFICAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP200501270436913 | ||
Data do Acordão: | 01/27/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | PROVIDO. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Ordenada, no âmbito de um procedimento cautelar, a apreensão e entrega de um veículo, se a audiência da parte contrária, é admissível, não tendo sido possível encontrar a dita viatura e no sentido de obter a sua efectiva entrega, ordenam-se a notificação do requerido do que foi determinado no âmbito da providência advertindo-o que - não havendo motivos para a oposição ou recurso - ficava sujeito à cominação estabelecida no artº 391, do CPC. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: 1. RELATÓRIO. “Banco X.........., S. A.”, com sede na .........., n.º .., .........., veio intentar procedimento cautelar especificado de entrega judicial e cancelamento de registo, ao abrigo do disposto no art. 21, do DL n.º 149/95, de 24.6, contra B.........., residente na Rua .........., n.º ., .........., tendo em vista nomeadamente o decretamento da providência de entrega da viatura marca “Volvo”, com a matrícula “..-..-QO”, a qual havia sido objecto de contrato de locação financeira celebrado entre Requerente e Requerido. Produzidas as provas oferecidas pelo Banco-requerente, veio a ser proferida decisão final, sem prévia audiência do requerido, a deferir o procedimento em causa, nessa medida se tendo ordenado a apreensão e entrega da identificada viatura, devendo aquela (apreensão) ser efectivada através da autoridade policial competente. No seguimento do assim ordenado, foi tentada a aludida apreensão, mas sem sucesso, tendo a entidade policial competente informado nos autos “não ser possível apreender o veículo em referência, pelo facto de não ter sido visto a circular ou estacionado e, contactado o requerido, disse não possuir consigo os respectivos documentos”. Notificado o Requerente do teor de tal diligência conducente à efectivação da ordenada apreensão, veio o mesmo, após melhor explicitar a sua pretensão, requerer, em face de não ter sido possível encontrar a dita viatura e no sentido de obter a sua efectiva entrega, a notificação do Requerido “do que foi determinado no âmbito da providência, advertindo-o que – não havendo motivos para a oposição ou recurso – ficava sujeito à cominação do disposto no art. 391, do CPC”. Sobre este requerimento veio a recair despacho do seguinte teor: “Com efeito a desobediência à decisão proferida em providência cautelar poderá fazer incorrer a parte na prática de crime de desobediência qualificada. Mas tal só poderá acontecer depois da parte ter sido devidamente notificada da respectiva decisão. Por ora, verifica-se que a parte ainda não foi sequer notificada da decisão proferida nos autos, uma vez que a entrega ainda não foi concretizada. Assim sendo, não pode, por ora, o requerido ser notificado com a cominação referida”. Do assim decidido interpôs recurso de Agravo o Banco-requerente, tendo apresentado alegações em que concluiu pela revogação daquele despacho, devendo ser substituído por outro a ordenar a notificação do Requerido para dar cumprimento à providência decretada, com a cominação prevista no art. 391, do CPC. Inexiste resposta a considerar. Corridos os vistos legais, cumpre tomar conhecimento do mérito do agravo, sendo que a instância mantém a sua validade. 2. FUNDAMENTAÇÃO. A factualidade a reter para o conhecimento do objecto do recurso vem já suficientemente explanada no relatório supra, pelo que nos dispensamos de aqui a repetir. Em função das conclusões apresentadas pelo agravante, o objecto do recurso poderá circunscrever-se à questão única de saber se, no condicionalismo descrito nos autos, se impunha a notificação do Requerido com a cominação legal que decorre do disposto no art. 391, do CPC. De referir que o tribunal “a quo”, diante do teor do requerimento formulado pelo Requerente (v. fls. 49 destes autos) – acima transcrevemos os seus termos essenciais – entendeu não lhe dar seguimento, argumentando que, podendo ocorrer a notificação com a respectiva cominação (cit. art. 391), a mesma (notificação) só fazia sentido após o Requerido ter sido notificado do teor da providência decretada, o que no caso dos autos só poderia ocorrer após a efectivação da entrega ordenada, dado o procedimento solicitado e deferido se ter processado sem a audiência prévia do Requerido. Já o agravante vem defender nada impedir o cumprimento de tal notificação, com a cominação resultante do citado art. 391, dado, através da dedução dessa sua pretensão, ter prescindido da ordenada entrega da mencionada viatura a anteceder a notificação ao Requerido do teor da decisão proferida no procedimento cautelar (art. 385, n.º 6 do CPC). Analisemos da justeza da objecção oposta ao despacho agravado. Numa primeira análise e ponderando o formalismo que vem previsto na lei processual, a posição assumida na decisão agravada apresenta-se como a mais correcta, já que a notificação ao Requerido do teor do procedimento deferido deve ser posterior à concretização da medida naquele ordenada – entrega da aludida viatura – tendo presente que aquele (procedimento) corre termos sem audiência prévia do próprio Requerido (v. art. 385, n.º 6 do CPC). Para além disso, a tutela penal prevista no art. 391 do CPC, com a inerente cominação do mesmo resultante, pressupõe necessariamente a notificação do teor do procedimento solicitado. Sucede, contudo, que o agravante, em face do insucesso da diligência ordenada para a efectivação da entrega da aludida viatura, veio requerer a notificação ao Requerido da própria decisão tomada no aludido procedimento, com a simultânea advertência de que o incumprimento da sua parte da entrega da mencionada viatura, caso àquela (decisão) não reagisse por oposição ou recurso, ficava sujeito à cominação do disposto no citado art. 391. Na base em que o agravante pretendeu “queimar” uma das etapas que fazem parte do percurso normal subsequente à decisão tomada em procedimento cautelar deferido sem audiência do requerido – vem demonstrado que não foi possível proceder à apreensão do identificado veículo, diligência executiva a processar no próprio procedimento – assim se pretendendo antecipar o acto de notificação que em princípio deveria ocorrer após a ordenada apreensão, cremos, à partida, não ser rejeitável, já que o aludido formalismo legal previsto para situações como dos autos teve em vista no essencial a eficácia do cumprimento de medida cautelar, portanto em benefício também dos interesses imediatos do demandante, para além do efectivo cumprimento de uma ordem judicial – v., neste último sentido, Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, III Vol., 3.ª ed., págs. 189 a 191. Pretendemos com este raciocínio demonstrar que, no condicionalismo em que nos autos nos movemos, não seria de todo rejeitável a pretensão do agravante de se avançar para a notificação do Requerido nos termos pretendidos, quando é o próprio a reconhecer que o efeito surpresa perseguido, com a não audiência prévia do requerido, se encontra prejudicado, ao ser desconhecido o exacto local onde a mencionada viatura se encontra. É que o formalismo legalmente previsto pode ser adequado ao fim perseguido na acção, desde que garantidos os elementares direitos das partes no processo (nomeadamente o contraditório), cabendo ao tribunal determinar a prática dos actos que melhor se adequam ao fim do processo (art. 265-A, do CPC) – v., neste sentido, Lopes do Rego, “Comentários ao Código de Processo Civil”, em anotação ao citado artigo. Reconhecida em tese geral a viabilidade e legalidade da pretensão deduzida, nem por isso aqui se esgota a análise da problemática que vimos analisando, posto que, mesmo a admitir a antecipação da pretendida notificação à efectivação da medida decretada (entrega da dita viatura), importa avaliar se a tutela penal prevista no citado art. 391, enquanto meio coercivo de cumprimento de medida cautelar, é aplicável a todo o tipo de procedimento ou se aquele normativo deve estar sujeito a uma interpretação restritiva quanto à sua aplicação. Neste âmbito e colhendo apoio na motivação do legislador para a introdução na lei processual de um tal tipo de normativo – veja-se preâmbulo do DL n.º 329-A/95, de 12.12 que reformou o CPC/61, ao aí referir “no que se reporta à garantia da efectivação da providência cautelar, propõe-se a incriminação como desobediência qualificada do acto traduzido no respectivo desrespeito” – cremos ser legítima a interpretação de que a aplicação do mesmo pode funcionar indistintamente quanto a qualquer medida cautelar que ordene um comportamento, positivo ou negativo. Estamos assim próximos da tese defendida por Arantes Geraldes, ao raciocinar que para fazer funcionar o aludido normativo, como meio coercivo (tutela penal) e persuasivo do cumprimento de medida cautelar, “é indiferente que se trate de medida conservatória ou antecipatória, que envolva a intimação do requerido para a prática de certo acto ou para se abster de determinada conduta ou que imponha a obrigação de entregar quantia pecuniária ou de efectuar outra prestação” – in ob. cit., págs. 325 a 327, ao contrário do defendido por Lebre de Freitas in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, em anotação ao cit. art. 391, para quem este último normativo deve estar sujeito a uma interpretação restritiva, sendo apenas aplicável, à excepção de expressa previsão legal, a comportamentos que revelem da parte do requerido a criação de situações impeditivas da exequibilidade da media cautelar decretada ou da própria decisão a tomar contra o requerido no processo principal. Nesta perspectiva e interpretação a dar à aplicabilidade do citado normativo (art. 391), não vemos motivos para denegar seguimento à notificação pretendida pelo agravante e nos precisos termos em que a requereu, sendo que esta posição está em melhor consonância com a concretização do que ordenado foi nos autos e tendo presente que o tribunal não se pode alhear da efectiva execução de uma sua ordem, quando e na medida em que lhe é solicitada a sua intervenção para tal fim em termos justificados. 3. CONCLUSÃO. Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao agravo e, nesta medida, determina-se que o despacho recorrido seja substituído por outro que defira a notificação do Requerido nos termos solicitados pelo Banco-requerente e acima explicitados. Sem custas nesta instância, por não serem devidas. Porto, 27 de Janeiro de 2005 Mário Manuel Baptista Fernandes Fernando Baptista Oliveira José Manuel Carvalho Ferraz |