Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0755436
Nº Convencional: JTRP00040848
Relator: PINTO FERREIRA
Descritores: AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
CONTRATO DE ALUGUER DE VEÍCULO DE LONGA DURAÇÃO
Nº do Documento: RP200712100755436
Data do Acordão: 12/10/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: LIVRO 322 - FLS 123.
Área Temática: .
Sumário: I - O n.º 2 do art. 684.º- A do CPC prevê situações autónomas e independentes do n.º1, não exigindo uma pluralidade de acção e de defesa, não obstando que na ampliação seja posta em causa matéria de facto não impugnada pelo apelante.
II - Com esta faculdade visa-se dar ao recorrido a possibilidade de neutralizar a eficácia dos fundamentos do recurso, impugnando por sua vez a decisão recorrida.
III - Aplicar-se-à em muitas situações em que ao vencedor não seja legítimo recorrer, mesmo em recurso subordinado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

B………., intentou a presente acção contra C………., sendo que e dado o seu falecimento agora prosseguem os seus herdeiros, D………., E………., F………., G………., pedindo a condenação destes no pagamento da quantia de 2.798.713$00, os juros de mora já vencidos à taxa legal no valor 288.920$00 e ainda nos vincendos, desde pelo menos a interposição da presente acção, sobre o capital em dívida até integral pagamento.
Alega para tanto que no exercício da sua actividade de construção civil celebrou com o R., C………., um contrato de empreitada, da área de terraplanagens e aterros e que, após conclusão dos trabalhos da obra, o A. emitiu factura de 2.798.733$00, que os réus não pagaram.
O R., C………., contestou, pugnando pela improcedência da demanda, alegando que efectivamente contrataram a prestação de serviços da actividade do A e na base de preços unitários, por tipo de serviço. O A. emitiu e entregou ao R. as Facturas n.º 111 datada de 08/07/1999, de ESC. 1.521.000$00, que foi paga em 10/08/1999 e n.º 116 datada de 31/08/1999, de ESC. 1.064.700$00, que foi paga em 27/09/1999.
Como adiantamento e por conta dos serviços que a A, lhe ia prestando, o R. entregou-lhe cheques, que a A. recebeu, no montante total de Esc. 3.500.000$00.
Em princípios de Fevereiro do ano 2000, o A. apresentou ao R. a factura n.º 120, datada de 09/09/1999, em 2ª via por se ter extraviado o respectiva original num acidente de viação sofrido pelo H………., a quem o mesmo fora entregue, sem ser acompanhada de quaisquer documentos de suporte. Foi na conferência desta factura, emitida pelo montante de Esc. 2.058.130$00, com IVA a 17% incluído, que o R. detectou desconformidade relativamente, aos talões em seu poder, rubricados em confirmação dos serviços neles referidos e prestados. Quanto à mesma, ao R, apenas tinham sido entregues talões que, globalmente, importavam em Esc. 608.000$00, sem IVA.
Conclui o R. que o A. tem em seu poder a quantia de Esc. 3.500.000$00, que o R. lhe entregou entre 28/10/1999 e 18/01/2000, como contrapartida de serviços que iam sendo prestados e que apenas estavam documentados nos termos entre ambos acordados, quanto a Esc.3.449.686$50 c/ IVA (608.000$00 + 2.408.450$00 – 68.000$00 = 2.948.450$00; 2 948.450$00 x 17% = 501.236$50; 2.948.450$00 + 501.236$50 = 3.449.686$50), pelo que o R. nada deve ao A., encontrando-se este até com mais dinheiro em seu poder, adiantado pelo R., do que o valor dos serviços que prestou e documentou.

O A. notificado da contestação, veio replicar, impugnando a matéria alegada pelo R.

Elaborou-se despacho saneador e organizou-se a especificação e questionário.
Procedeu-se a julgamento e profere-se decisão em que se julga a acção improcedente e se absolvem os réus do pedido.
Inconformado recorre o autor.
Recebido o recurso, apresentam-se alegações e contra alegações.
Nestas, os réus ampliam o âmbito do recurso nos termos do art. 684º-A do CPC.
A esta ampliação do recurso responde o autor.
Colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do recurso.
*

II - Fundamentos dos recursos

Os limites dos recursos vem definido nas conclusões que são apresentadas - artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do CPC -.
Justifica-se, assim, a sua transcrição:

1. Nos presentes autos foi pedido a condenação do R. (e agora os seus herdeiros), aqui recorridos, a pagar ao A, aqui recorrente, a quantia de Esc. 2.798.733$00, bem como os juros vencidos e os vincendos até integral pagamento.
2. Sendo essa quantia devida pelo recorrido (falecido, e agora seus herdeiros) ao recorrente, em virtude de contrato de empreitada, celebrado entre ambos, em Setembro de 1999 e que após conclusão dos trabalhos/serviços pelo recorrente na obra, em Janeiro de 2000, este emitiu a competente factura n° 142, de 31 de Janeiro de 2000, no supra referido montante, e que não foi liquidada pelo recorrido (ora pelos seus sucessores).
3. Ora, tal pedido deveria ter sido julgado totalmente procedente, por provado, e consequentemente ser o recorrido (entretanto, falecido, e portanto, agora os seus herdeiros) condenado a pagar a quantia de Esc. 2.798.733$00 (actualmente € 13.960,02), mais os inerentes juros vencidos e vincendos, ao aqui recorrente, por lhe ser inteiramente devida.
4. E isto porque, resulta dos factos provados o seguinte (o sublinhado e o destacado é nosso):
- No exercício das respectivas actividades o autor e réu celebraram um contrato de prestação de serviços no mês de Setembro de 1999 - alínea C) da matéria de facto assente;
- O aqui autor durante os meses de Novembro a Dezembro de 1999 e princípio de Janeiro de 2000, executou a obra acordada - artigo 1° da base instrutória;
- Concluída a obra, o autor emitiu a factura n° 142 de 31 de Janeiro de 2000 (doc. 1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais) no valor de PTE. 2.798.733$00 (dois milhões setecentos e noventa e oito mil setecentos e trinta e três escudos) - artigo 2° da base instrutória;
- A factura vencia-se 30 dias após a data da sua emissão - artigo 3° da base instrutória.
5. Por outro lado, tal como resulta da fundamentação da decisão ora posta em causa, (o destacado é nosso): Nos presentes autos, logrou o A. fazer prova de tal factualidade, designadamente, a realização das obras e os preços, estando bem determinadas as obrigações da cada uma das partes, neste âmbito.”
6. Portanto, a única questão posta ao tribunal a quo era de saber se o pedido do aqui recorrente a obtenção do pagamento do preço do serviço que o recorrente prestou ao recorrido (falecido, entretanto) - é devido, ou não.
7. Ora, para não ser devida tal quantia pelo recorrido (agora pelos seus sucessores), este tinha que ter ale e provado qualquer facto extintivo, modificativo ou impeditivo de tal obrigação em concreto que de todo não sucedeu
8. Todavia, o recorrido (ora pelos seus sucessores) limitou-se a contestar apenas por impugnação e não formulou qualquer pedido “cruzado” contra o aqui recorrente
9. Aliás, os sucessores do recorrido, e somente eles, “lançaram a confusão”, e transformaram os presentes autos numa “causa de contabilistas”, tal como é afirmado pelo Meritíssimo Juiz a quo na fundamentação da sua decisão, numa tentativa manifesta de confundir o tribunal a quo, o que, infelizmente, conseguiram, porque foram absolvidos do pedido, o que de todo não se pode conceder.
10. Pois, atente-se nos seguintes factos dados como provados (sendo que o sublinhado e destacado é nosso):
k) o A. iniciou a sua prestação de serviços em Julho de 1999, tudo tendo decorrido normalmente até finais de 1999 - artigo 7°) da BI.
l) o A. emitiu e entregou ao R. as facturas n° 111, datada de 08/O 7/1999, de ESC. 1.521.000$00, que foi paga em 1 0/08/1999 e n°116, datada de 31/O 8/1999, de ESC. 1.064.700$00, que foi paga em 27/09/1999 - artigo 8°) da BI.
o) No fim do mês de Janeiro de 2000 o A. tinha concluído os serviços ajustados com o R. para a obra em causa - artigo 14°) da BI.
11. Ora, e salvo o devido respeito, o Meritíssimo Juiz a quo não interpretou tais factos provados ponderada e correctamente, os quais aliás não foram sequer impugnados por nenhuma das partes, e daí não retirou as evidentes conclusões.
12. Com efeito, contrariamente ao consignado na fundamentação da sentença, ora posta em crise, dos autos não resulta que (e o sublinhado é nosso) “o R. (ora seus sucessores), logra provar que na execução de tal contrato foram emitidas várias facturas.”. Muito pelo contrário!
13. O que resulta, e está nitidamente implícito nos factos dados como provados, é que existiram vários contratos de empreitada (prestação de serviços) celebrados entre o recorrente e o recorrido (ora seus sucessores), entre Julho de 1999 e Janeiro de 2000, e que eram pagos pelo recorrido ao recorrente, à medida que este ia concluindo os trabalhos/serviços de cada empreitada, e emitia as competentes facturas
14. Aliás, e mesmo que assim se não considere, o que só por mera hipótese académica se admite (isto é, ainda que apenas se julgue ter sido celebrado um único contrato de empreitada entre o aqui recorrente e recorrido (ora seus sucessores), e que, portanto, o preço da empreitada deveria ser liquidado à medida, ou consoante o andamento dos trabalhos que iam sendo executados, ou sempre que o recorrente apresentasse uma factura para liquidar por conta do valor global acordado), o recorrido (ora pelos seus sucessores) não logrou provar que:
- liquidou o valor constante da factura n° 142, peticionada nos autos;
- os serviços nela constantes não foram prestados integral e correctamente pelo aqui recorrente (ou sela, não alegou quaisquer defeitos) ou,
- não aceitou os serviços prestados pelo aqui apelante
15. Assim, estando reconhecidos e provados os factos constantes nas alíneas a), b), c), d) e), o e g) da fundamentação da decisão, e não existindo qualquer facto modificativo, extintivo ou impeditivo que limite, ou ponha em causa, a obrigação do pagamento do preço da empreitada, contratada pelo recorrido (ora os seus sucessores) ao aqui recorrente, o pedido da petição inicial tinha que ter procedido totalmente
16. Logo, o valor da factura n° 142, melhor supra descrita, é devido ao aqui recorrente pelo recorrido (ora os seus sucessores)
17. Tanto mais que, o Meritíssimo Juiz a quo, na sua fundamentação, diz e afirma ‘que o R. é certamente devedor do A…..”
18. Sendo certo que, o Tribunal a quo possuía todos os elementos e provas para saber qual o preço devido pelo (s) recorrido (s) ao aqui recorrente - concretamente o valor consignado na factura n° 142 e peticionado
19. E o Meritíssimo Juiz a quo não deveria ter ido mais além do que esta questão - isto é, a afirmação do direito do recorrente.
20. De facto, por efeito da mera celebração do contrato de empreitada, em Setembro de 1999, entre apelante e apelado (ora seus sucessores) - cfr. alínea e) dos factos provados, este ficou imediatamente constituído na obrigação de pagar ao apelante o preço acordado - artigo 1207° do Código Civil.
21. Atento todo o exposto, julgamos que o Meritíssimo Juiz quo e com o devido respeito, entendeu erradamente que dos factos apurados não é possível determinar e concluir qual a quantia devida (qual o preço da empreitada) pelo (s) apelado (s) ao aqui apelante
22. Mas, esta interpretação dos factos apurados pelo Tribunal a quo é errada, pois que, atentos os factos dados como provados, a interpretação (consequência jurídica) dos mesmos tinha que ser necessariamente diferente da consignada na decisão ora recorrida
23. Aliás, não existe qualquer prova inequívoca de molde a que a convicção do Meritíssimo Juiz a quo fosse no sentido de que a factura n° 142. de 31 de Janeiro de 2000, no valor de PTE 2.798.733$00, não é devida, por ora (?) - bem pelo contrário!
24. Houve, assim, um verdadeiro erro de julgamento/de substância (erro na apreciação da prova produzida e dada como provada), por parte do Meritíssimo Juiz a quo, que aqui se invoca e deve ser declarado com todas as suas consequências legais.
25. O aqui apelante impugna, portanto, a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 690°-A do CPC.
26. E consequentemente, a decisão da matéria de facto, proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, tem de ser alterada por esta Relação, uma vez que do processo constam elementos probatórios que impunham uma decisão/resposta diversa à que foi proferida, conforme o disposto no n° 1, n°2 e n°3 do artigo 712° do CPC.
27. Em conclusão, o Mmo Juiz a quo ao decidir como decidiu na sentença, ora posta em crise, interpretou incorrectamente as normas dos artigos 1207° (empreitada) e seguintes do Código Civil.
28. Sem prescindir, a decisão ora recorrida padece de vício de nulidade nos termos do disposto no artigo 668°, n° 1, alínea d), 2° parte do CPC
29. E isto porque, o Meritíssimo Juiz a quo na parte final da fundamentação da sua decisão, refere o seguinte (o sublinhado é nosso): Ainda que assim, não fosse, não resulta que por parte do R. (falecido) tenha ocorrido a aceitação da obra
30. Todavia, e salvo o devido respeito, o Meritíssimo Juiz a quo conheceu, pronunciando-se, sobre a questão da aceitação da obra executada pelo apelante, mas dela não podia tomar conhecimento
31. Pois, como se sabe, o nosso processo civil estabelece o sistema restritivo da disponibilidade objectiva, sendo as partes que delimitam o objecto do processo e, por conseguinte, o objecto da prova, cabendo-lhe o ónus de alegação dos factos e o ónus da prova sobre os factos alegados.
32. As excepções a este princípio/regra são escassas, nelas se incluindo apenas os factos notórios e os factos de que o tribunal tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções (artigo 514° do CPC), bem como os factos constitutivos de simulação ou fraude processual (artigo 665° do CPC).
33. Fora estes casos, está vedado ao juiz o conhecimento de factos principais diversos dos alegados pelas partes, assim como também não lhe é permitido utilizar ciência privada ou apreciar ultra petita.
34. Ora, no caso dos autos, o recorrido (e os ora seus sucessores) nunca e nada alegou (ou alegaram) na sua defesa, ou em qualquer outro momento, que à aceitação, ou não, da obra executada pelo recorrente.
35. Pelo que, não temos qualquer dúvida em afirmar que o Meritíssimo Juiz a quo conheceu de questão (aceitação da obra) de que não podia tomar conhecimento, sendo a sentença nula nessa parte - artigo 668°, n° 1, alínea d) do CPC
36. Aliás, permite-se ainda salientar que, contrariamente ao fundamentado na decisão recorrida (isto é, de que não houve aceitação da obra por parte do recorrido (falecido), decorre principalmente das alíneas e) f) e o) dos factos provados, bem como dos restantes. constantes na fundamentação daquela, que o recorrido recebeu a obra executada pelo aqui apelante
37. Pois, o apelado (recebeu a obra executada pelo apelante e nunca comunicou a este a existência de qualquer defeito, o que, nos termos do n° 5, do artigo 1218° do Código Civil, importa a aceitação da obra
38. E segundo Pedro Romano Martinez, in Contrato de Empreitada, Almedina, 1994. pág. 155: (...) A aceitação é presumida por lei na falta de verificação ou de comunicação (artigo 1218°, n° 5 do Código Civil). (...) Parece.., defensável uma solução idêntica à estabelecida no ar! 1218° n°5 para a hipótese de o dono da obra em falta quanto à aceitação.
39. Logo, é perfeitamente legítimo concluir-se que a omissão de aceitação imputável ao dono da obra, aqui recorrido (falecido), produz (e produziu) os efeitos de uma aceitação.
40. E neste mesmo sentido, veja-se, a título de exemplo. Ac. do STJ de 10.12.1987, TJ, 39 (1988), págs. 18 e 19 e Ac. da Relação de Lisboa de 03.05.1990, CJ. XV (1990), Tomo II, págs. 104 e segts.

Termos em que deve ser concedido provimento total ao presente recurso de apelação, alterando-se decisão quanto à matéria de facto, revogando-se a sentença apelada, substituindo-se por outra que acolha as conclusões supra expostas.

Há contra alegações dos réus e formulam, ao abrigo do art. 684-A n.º 2 do CPC, ampliação do âmbito do recurso no qual impugnam a decisão sobre a matéria de facto que incidiu sobre os quesitos 3º, 9º, 11º, 12º, 13º, 15º, 16º e 17º, sendo que o n.º 3 devia ser dado como “não provado” e os restantes como “provados”.
Indica os meios probatórios para o efeito, dado que a prova foi gravada.

Responde o autor e considera não ser admissível ao caso tal ampliação dado que o apelante havia delimitado o âmbito do seu recurso e este versava apenas sobre o erro de julgamento/de substância e nulidade da sentença por excesso de pronúncia e não impugnava concretamente qualquer quesito, nos termos impostos nos artigos 690º-A e 712º do CPC.
*

III - Factos Provados

a) O autor é empresário em nome individual na área da construção civil prestando serviços de terraplanagem e aterros com inerente aluguer de máquinas e viaturas para esse efeito – al. A) da MFA.
b) O réu é construtor civil e promotor imobiliário – al. B) da MFA.
c) No exercício das respectivas actividades o A. e R. celebraram um contrato de prestação de serviços no mês de Setembro de 1999 – al. C) da MFA.
d) O A. efectuou a movimentação de terras (terraplanagem), transporte das mesmas e fornecimento de materiais de construção, com aluguer de máquinas e camiões para esse efeito, na obra sita na ………., ………. - ………., Vila Nova de Gaia, que se destinava à construção de apartamentos (construção em altura) para venda– al. D) da MFA.
e) O aqui autor durante os meses de Novembro e Dezembro de 1999 e princípio de Janeiro de 2000, executou a obra acordada - artigo 1.º) da BI.
f) Concluída a obra, o autor emitiu a factura n.º 142 de 31 de Janeiro de 2000 (doc. 1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais) no valor de PTE. 2.798.733$00 (dois milhões setecentos e noventa e oito mil setecentos e trinta e três escudos) - artigo 2.º) da BI.
g) A factura vencia-se 30 dias após a data da sua emissão - artigo 3.º) da BI.
h) A. e R. ajustaram a prestação de serviços da actividade do A. na base dos seguintes preços unitários, por tipo de serviço: máquina pequena/grande 4.000$00/hora; camião pequeno 4000$00/hora; camião grande 5.500$00/hora; “toutvená” (brita) 3.800$00/m3; areia 3.800$00/m3; corte de estrada/máquina disco 1.150$00/m/linear; terra preta 17.500$00/carga - artigo 4.º) da BI..
i) Foi também ajustado entre ambos que as deslocações não eram pagas autonomamente, porquanto, para esse efeito, se consideraria 1 hora a mais na execução dos serviços - artigo 5.º) da BI..
j) A. e R, ajustaram ainda, por último, que os serviços a facturar pelo A, teriam por suporte talões respeitantes a cada serviço, devidamente rubricados por H………. ou pelo encarregado deste, empreiteiro a quem o R. adjudicou toda a obra de trolha da construção do prédio sito no ………., ………., em ………., talões em duplicado, sendo um destinado ao R. e outro ao A., para controle - artigo 6.º) da BI.
k) O A. iniciou a sua prestação de serviços em Julho de 1999, tudo tendo decorrido normalmente até finais de 1999 - artigo 7.º) da BI.
l) O A. emitiu e entregou ao R. as Facturas n.º 111 datada de 08/07/1999, de ESC. 1.521.000$00, que foi paga em 10/08/1999 e n.º 116 datada de 31/08/1999, de ESC. 1.064.700$00, que foi paga em 27/09/1999 - artigo 8.º) da BI.
m) Em princípios de Fevereiro do ano 2000, o A, apresentou ao R. a Fact. N.º 120, datada de 09/09/1999, em 2ª via por se ter extraviado o respectiva original num acidente de viação sofrido pelo H………, a quem o mesmo fora entregue - artigo 10.º) da BI.
n) Para acerto e rectificação de tal factura, A. e R. tiveram três reuniões, a última das quais em 15/02/2000, a que estiveram presente o referido H………. e I………., pessoa a quem estava confiada a supervisão dos custos da obra em causa - artigo 13.º) da BI.
o) No fim do mês de Janeiro de 2000 o A. tinha concluído os serviços ajustados com o R. para a obra em causa - artigo 14.º) da BI.
*

IV - O Direito

Surge-nos para apreciação dois recursos, sendo um o principal e outro uma ampliação realizada ao abrigo do art. 684º-A do CPC.
Iniciemos a apreciação pelo recurso do autor

IV - I - Do recurso do apelante/autor

Diremos que, segundo entendemos do seu recurso, considera o apelante que há erro de julgamento no sentido de que, perante os factos reconhecidos e dados como provados constantes das alíneas a), b), c), d), e), f) e g) e inexistindo qualquer facto extintivo ou modificativo que limitasse ou pusesse em causa a obrigação de pagamento do preço da empreitada, factos estes que não vêm agora impugnados, a decisão teria de ser outra e no sentido da procedência do pedido.
Daqui decorre, logicamente, que o apelante não impugna a matéria de facto dada como provada, nem faz recair censura sobre determinados e certos pontos concretos da matéria factual, nos termos exigidos nos artigos 690º-A e 712º n.º 1, ambos do CPC, mau grado o teor das conclusões 25 e 26, antes se podendo concluir que se satisfaz com ela, só que, para o apelante, esta é bastante e suficiente para dela se retirar uma outra integração jurídico/factual e levar antes à condenação dos réus e não à sua absolvição.
Daí que a observação efectuada pelos réus nas suas contra alegações de que o autor não cumpre os normativos dos artigos 690º-A e 712º do CPC não tenha interesse para a questão principal colocada no presente recurso pelo apelante.

Vejamos agora o cerne da questão, qual seja da prova ou não do pagamento do valor da factura n.º 142.

Resulta da matéria de facto provada e aceite pelas partes, a denúncia de que entre as partes em litígio, no exercício das respectivas actividades, celebraram um contrato de empreitada no mês de Setembro de 1999 e segundo o qual, o autor efectuou a movimentação de terras (terraplanagem), transporte das mesmas e fornecimento de materiais de construção, com aluguer de máquinas e camiões para esse efeito, na obra sita na ………., em ………., ………., Vila Nova de Gaia, que se destinava à construção de apartamentos por conta do réu.
E resultou ainda que o autor, durante os meses de Novembro e Dezembro de 1999 e princípio de Janeiro de 2000, executou a obra acordada e que, concluída esta, o autor emitiu a factura n.º 142, de 31 de Janeiro de 2000, documento com o n.º 1 que se encontra junto com a p.i. e que foi dado pelo tribunal a quo por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, no valor de PTE. 2.798.733$00 e cuja factura se vencia 30 dias após a data da sua emissão.
Ora, é esta e apenas esta a factura cujo pagamento o réu exige.
As facturas com os n.ºs 111, 116 e 120 nada têm a ver com estes autos e apenas seriam de atender se fosse invocado que o que aqui se pede (factura 142) constava já daquelas facturas, numa eventual duplicação de montantes.
Por outro lado, o facto provado em j) de que os serviços a facturar pelo A, teriam por suporte talões respeitantes a cada serviço, devidamente rubricados por H………. ou pelo encarregado deste, empreiteiro a quem o R. adjudicou toda a obra de trolha da construção do prédio sito no ………., ………., em ………., talões em duplicado, sendo um destinado ao R. e outro ao A., para controle, não belisca a restante matéria provada, por não ser facto impeditivo do seu pagamento, atento a matéria provada e que competia aos réus demonstrar - artigo 342º n.º 2 do CC -
E a circunstância de tal não constar na factura n.º 142, mas apenas “Bários serviços, máquinas e camiões, obra ……….” não será tão influente e de admirar, na medida em que mesmo a factura n.º 120, também passada entre as mesmas partes, não contém qualquer menção a horas de laboração, falando apenas em “serviços prestados” e aqui já ninguém questiona.
Ora, aos réus, como devedores, uma vez que se aceita a prestação do serviço efectuado, cumpria-lhes a demonstração do facto liberatório - art. 798º do CC -.
E não consta da matéria provada dos autos que o réu primitivo ou os actuais tivessem pago ao autor os serviços prestados e inseridos na factura pedida, ou seja, na que contém o n.º 142, nem que ocorra qualquer facto impeditivo ou extintivo daquele direito.
Deste modo e perante todos os factos provados, concretamente de a) a f) e o), podemos concluir que o autor provou o facto constitutivo do seu direito, como lhe competia - art. 342º do CC -
Ou seja e como reconhece a decisão apelada, o autor logrou provar que existiu uma relação contratual de empreitada, que efectuou serviços de terraplanagem para o réu primitivo e que emitiu a factura correspondente a tal serviço, sendo que não logrou o réu/réus provarem que tivessem efectuado o seu pagamento.
É que, para além do mais, a mesma sentença reconhece ainda “Em conclusão, terá de se dizer e afirmar que o réu é certamente devedor do A, mas sem que tal obrigação seja devida, por ora”, afirmação que traduz, quanto a nós, um reconhecimento da dívida dos réus.
Aliás, em reforço da opinião acima manifestada, vemos ainda que na fundamentação das respostas aos quesitos - fls. 274 -, o tribunal aponta a questão fulcral destes autos, qual seja os trabalhos que levaram à emissão da factura n.º 142 e o seu pagamento ou não e reconhece e expressamente declara posteriormente que quanto à correspondência das facturas e dos pagamentos, as testemunhas ouvidas não apresentaram depoimento suficientemente claro e preciso, de modo a que o tribunal concluísse pela versão factual do réu, sabendo-se que era sobre si que impendia o ónus de prova quanto ao pagamento.
Por isso que e ressalvando sempre o respeito por opinião contrária, não entendemos nem enquadramos a matéria factual dentro da visão do tribunal a quo e que satisfez a pretensão os réus, absolvendo-os.
É que, acresce ainda, em reforço desta tese, que se o tribunal dá como provado o que consta de certo documento, precisamente a factura n.º 142 e que aqui se discute, na qual se descreve a obra efectuada - serviços de máquinas e camiões -, bem como o local da sua efectivação e o seu montante - fls. 6 - e é dado como reproduzido para todos os efeitos legais -, sendo certo que a sua veracidade não foi posta em causa pela parte contrária - art. 374º e 376º do CC -, então tal documento tem a sua força probatória.
E a verdade é que tal documento respeita precisamente à factura n.º 142 e se insere o montante a pagar.
Denota-se, então, que o autor prestou a obra contratada com o então apelado, mas não demonstra este, nem se prova, qualquer facto impeditivo do pagamento da obrigação assumida e nem mesmo o pagamento do preço devido pelo serviço prestado - artigos 1207º e 1211º n.º 2 do CC -.

Finalmente a questão da aceitação da obra.

Da leitura de todo o processado, verificamos que este problema concreto da aceitação da obra esteve sempre ausente de todos os articulados, concretamente da banda do réu - a quem competia a sua alegação e prova para os efeitos do art. 1218º do CC - e não há consequentemente qualquer facto sobre tal matéria inserida nos quesitos e que merecesse qualquer resposta positiva ou traduzida na sentença ao abrigo do n.º 3 do art. 659º do CPC.
Daqui resulta que sobre a aceitação ou não aceitação da obra por banda do réu nada fosse por este afirmado e que podia até constituir, eventualmente, algum facto impeditivo do pagamento da factura.
Perante o silêncio do réu/réus sobre este particular há que entender que tacitamente a aceitou - arts 219º e 1211º n.º 2 e 1218º n.º 5, todos do CC -
Para Pedro Romano Martinez, in Contrato de Empreitada, Almedina, 1994, pág. 155 «……..A aceitação é presumida por lei na falta de verificação ou de comunicação (artigo 1218°, n° 5 do Código Civil). (...) Parece.., defensável uma solução idêntica à estabelecida no art. 1218° n°5 para a hipótese de o dono da obra em falta quanto à aceitação.

E por outro lado, não podia, nos termos do art. 668º n.º 1 al. d) do CPC, pronunciar-se sobre questão que lhe não fora colocada expressamente pelas partes, qual seja a aceitação ou não da obra efectuada pelo autor.
Como se afirmou já, esta matéria esteve ausente sempre do processo.

Ou seja e em conclusão, podemos e devemos considerar que o réu/réus não demonstram que liquidaram o valor constante da factura n° 142, peticionada nos autos, que os serviços nela constantes não foram prestados integral ou incorrectamente pelo aqui recorrente, ou mesmo que apresentassem os serviços quaisquer defeitos ou, finalmente, que não tivesse aceitado os serviços prestados pelo aqui apelante.

Deste modo, podemos concluir que, contrariamente ao decidido, a acção terá de proceder e o réu/réus serem condenados no pedido.

A procedência do recurso obriga, perante a ampliação que foi efectuada pelos recorridos ao abrigo do n.º 2, 2ª parte do art. 684º-A do CPC, a que seja apreciado essa ampliação, tornando a decisão, por ora, como condicional.
Passemos então a conhecer.

IV - II - Da ampliação do recurso

Dispõe o art.684º-A nºs 1 e 2 do CPC., sob o título “Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido”, que:

1º - No caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o Tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
2º - Pode ainda o recorrido, na respectiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este solicitadas.
3º- …………………………………………………………………………….”

Acontece que, no caso em apreço nos autos, prevenindo a hipótese de o recurso do apelante proceder, como de facto veio a suceder, os recorridos, nas suas contra alegações, ampliam o seu recurso ao abrigo do n.º 2, 2ª parte deste mesmo normativo - impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este solicitadas -, pretendendo deste modo que seja reapreciada a matéria de facto quanto às respostas dadas e relativas a certos quesitos.
Como deixamos já dito, esta faculdade concedida ao recorrido é-lhe atribuída expressamente na segunda parte do n.º 2 do citado artigo, sendo que os apelantes, na sua resposta se insurgem quanto à sua admissibilidade.
Ora, duma primeira leitura do normativo em questão, poderíamos concluir que algo obstava à apreciação da ampliação do recurso e daí que entendamos que sobre este deverão ser tecidas certas considerações para que recaia uma correcta e adequada interpretação.
Atentemos o que se tem dito sobre este problema.
Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol. III, pág. 231, explica o funcionamento do mecanismo deste artigo, dando mesmo um exemplo prático a que se reporta o n.º 2, situação essa bem semelhante à aqui em apreço.
Mas anota que o recorrido pode usar tal faculdade de impugnar certos e determinados pontos da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, para o caso de proceder a argumentação deste.
Também Lopes do Rego em Comentários ao CPC, vol. I, 2ª ed., pág. 575, faz observação a este novo normativo e prevê aí a possibilidade de renovação dos meios de prova gravados, aliada à substancial ampliação dos poderes de cognição da Relação, mas para facultar idêntica possibilidade ao recorrido de ampliação de recurso, de modo a poder este questionar a solução dada a certos e determinados pontos da matéria de facto.
Para Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 3º, págs. 36 e 37, considera que este normativo consagra a possibilidade de o recorrido, nas suas contra alegações, impugnar subsidiariamente a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pelo recorrente e considera ainda que se está perante uma norma inovadora, que tira partido da possibilidade de o recurso versar sobre a matéria de facto decorrente do registo de prova.
Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., fls. 146, que ousamos transcrever, explica que:
“O terceiro tipo de ampliação do objecto de recurso traduz-se na possibilidade dada ao recorrido de, na respectiva alegação e a título subsidiário, impugnar a decisão proferida sobre pontos concretos da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de triunfar a questão por este suscitada (n.º 2, 2ª parte). Pode, com efeito, acontecer que nem toda a matéria de facto alegada pela parte vencedora, em apoio da sua pretensão, tenha sido considerada como provada pelo tribunal de 1ª instância, não obstante este ter entendido que a julgada como provada era suficiente à obtenção do efeito jurídico por aquela visado; ora, se o recorrente questionar esta suficiência, pode o recorrido, a título subsidiário, impugnar a decisão sobre o segmento da matéria de facto que o tribunal a quo considerou como provado.” (sublinhado nosso).
E, por fim, citaremos José João Batista, Dos Recursos, 7.ª ed., pág. 57 que, "O mesmo n.º 2 do art. 6834-A (que deve ser entendido em conjugação com o actual art. 690-A, n.º 4), permite também que, em caso de recurso em que o recorrente impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrido venha, a título subsidiário, impugnar aquela decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a procedência das questões por este suscitadas (vide, adiante, n.º 23 e 26)".

Estas transcrições serviram e servem para centrar a questão que aqui e agora se coloca e que consiste em saber se esta ampliação do recurso, com impugnação agora pelo recorrido da matéria de facto pode ser admitida mesmo que o recorrente a não tenha questionado ou apenas e só quando haja por parte do recorrente o uso dessa faculdade de exigência de reapreciação de certos pontos da matéria de facto, no uso da faculdade do art. 712º n.º 1 a) e 2ª parte e n.º 2 do CPC.
Ou seja, apenas havendo o uso da faculdade dos arts. 712º e 690ºA do CPC por banda do recorrente, relativamente a certos pontos da matéria de facto, pode o recorrido ampliar o âmbito do recurso e impugnar outros pontos determinados e concretos da matéria de facto, para então obter o efeito contrário, no caso da procedência daquela, isto é, para se usar o n.º 2 do art. 684-A do CPC, na parte em que faculta a impugnação da matéria de facto será necessário e pressupõe-se que o recorrente também a tenha impugnado?
E se não ocorrer impugnação da matéria de facto por parte do recorrente nos termos fixados nos artigos 690º-A e 712º do CPC, não pode o recorrido ampliar o recurso para esse fim, usando o art. 684º-A n.º 2, 2ª parte do CPC?

Vejamos
Diremos, desde já, que há argumentos válidos para sustentar uma e outra tese.
E deixaremos anotado ainda que, no caso concreto em apreço, como deixamos acima referido, consideramos já que o recorrente não impugnou a matéria de facto e antes aceita mesmo todos os factos que nele estão contidos, só que entende que perante eles a decisão final da acção terá de ser diferente.
O enquadramento jurídico-fáctico a efectuar pelo tribunal dará uma outra decisão final, que deve ser favorável ao recorrente.
E este entendimento foi seguido e teve acolhimento por banda desta Relação, donde se ter considerado procedente o recurso por ele interposto, isto é, considerou-se que com os factos assentes e não impugnados pelo recorrente havia matéria factual suficiente para condenar os recorridos no pagamento dos serviços efectuados pelo recorrente e constantes da factura n.º 142, por não liquidada.
E depreendemos da leitura das opiniões acima manifestadas por Amâncio Ferreira e mais claramente mesmo por José Batista, a exigência desse pressupostos, como ainda da sua conjugação com as disposições legais citadas, para delas se retirar que se exige que haja impugnação da matéria de facto por banda do recorrente para que o recorrido também a possa usar, em sede de ampliação do âmbito do recurso permitida pelo n.º 2, 2ª parte, do art. 684º-A do CPC, mas sobre aquela matéria de facto que não foi impugnada pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitada - n.º 2 do art. 684-A do CPC -
Esta é a tese defendida pelo recorrente nas suas contra alegações.
E diremos nós, em seu apoio, que sobre o que são as “questões”, dispõe o art. 660º do CPC, pelo que, sendo que a questão concreta da modificabilidade da matéria factual não foi suscitada pelo apelante, logo, não podia o recorrido, ao abrigo do art. 684º-A n.º 2 do CPC, suscitá-la.
E para defesa desta tese e funcionando como um outro argumento, podemos dizer que este n.º 2 do art. 684º-A tem que ser interpretado e conjugado com o seu n.º 1, funcionando em sequência lógica e sistemática deste, sempre exigindo, tanto para o n.º 1 como para o n.º 2, que haja uma pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, donde que também se exija para aplicação deste n.º 2 que haja também uma pluralidade de fundamentos da acção (causas de pedir) e da defesa (excepções), para arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto.
Ou seja, o n.º 2 pode ser visto isoladamente, ou antes como sequência natural e lógica do n.º 1 e por isso ele se inicia com “Pode ainda o recorrido………………………………………………….”?
E para esta segunda hipótese se entenderia porque fala a norma na prevenção da hipótese de procedência das questões suscitadas pelo recorrente e que apenas possa incidir sobre matéria de facto não impugnada pelo recorrente, no superior entendimento de que exige a pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa.
Mas não se pode esquecer que este normativo surgiu em consequência da ampliação dos poderes de reapreciação da prova consagrado pelo DL. n.º 39/95.
Se considerarmos, porém, este n.º 2 do art. 684º-A do CPC como prevendo situações autónomas e independentes do n.º 1, não exigindo uma “pluralidade de fundamentos de acção e de defesa”, então nada obsta a que a ampliação seja apreciada pelo tribunal.
Isto porque se possibilita, nesta versão, que se dê guarida ao pedido dos apelados em casos como os que aqui julgamos, em que apenas há um fundamento da acção e da defesa, dando, assim, origem a um equilíbrio entre as partes envolvidas no processo e concretamente em sede de recurso.
Ora, no caso concreto e como atrás frisamos já, a causa de pedir consiste na efectivação de um contrato de empreitada, na área de terraplanagem e que se encontra consubstanciada na factura n.º 142, a qual não foi paga pelo reú/réus e a defesa destes em que a mesma se encontra paga, facto extintivo este que segundo nosso entendimento não demonstraram.
Assim sendo, sendo os apelados vencedores na 1ª instância, estava-lhes vedado tanto o recurso principal como o subordinado - artigos 680º n.º 1 e 682º, ambos do CPC -.
E daí a possibilidade concedida por este normativo para que, em situações como esta, em que a parte vencida possa sair agora vencedora, se possibilite ao então vencedor, arguir ou a nulidade da sentença ou a impugnação da matéria de facto não impugnada pelo recorrente.
Pretendeu-se assim salvaguardar que quem ficasse vencedor na acção em sede de 1ª instância, não ficasse completamente coarctado em se defender, em sede de recurso, podendo usar o n.º 1 nas condições aí expressas, ou seja, “no caso de pluralidade de fundamentos da acção e da defesa” e com o n.º 2 “arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto”, independentemente de haver ou não essa pluralidade de fundamentos da acção e da defesa.
Ou melhor e como se retira do Ac. STJ, de 2-02-06, em www.dgsi.pt, de que «…………..Com esta faculdade visa-se dar ao recorrido a possibilidade de, impugnando por sua vez a decisão recorrida, neutralizar a eficácia dos fundamentos do recurso».
E também no Ac. STJ, de 16-1-96, em CJSTJ, Tomo I, pág. 44, se anotava que a parte vencedora, não tendo legitimidade para recorrer, não podia ficar impedida de provocar uma nova apreciação dos fundamentos que conduziriam ao mesmo resultado.
Este não é, como já o dissemos, certamente o sentido das contra alegações do apelante deduzidas relativamente à ampliação do recurso, considerando que só ele interpôs recurso e delimitou o objecto do mesmo, sendo que este não incidiu sobre a matéria de facto provada, não a impugnando sequer, circunscrevendo-o apenas ao erro de julgamento/de substância e nulidade de decisão por excesso de pronúncia.
Mas consideramos que esta relação entre uma e outra - pedido de reapreciação da matéria de facto pelo recorrente como pressuposto ou condição para igual pedido pelo recorrido - não constitui exigência formal e substancial do n.º 2, 2ª parte, do art. 684º-A do CPC.
É que, para além do mais, a faculdade concedida por esta parte particular deste normativo não se pode confundir, nem se confunde, com o recurso subordinado do art. 683º do CPC.

Desta forma, por tudo o que se deixa dito, vamos apreciar as questões suscitadas pelos apelados à luz de tal dispositivo legal – ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido -, dado que se considera que não há obstáculo legal à aceitação dessa mesma ampliação do recurso formulada pelos recorridos, perante as conclusões do recorrente e entendemos, por outro lado, ser esta posição a mais razoável, por necessária à adequada protecção do recorrido, função que o normativo teve em conta.

Em conclusão, há então e necessariamente que apreciar a ampliação do pedido formulado pelos réus, nos termos do n.º 2 do art. 684º-A do CPC e em função do seu resultado final com eventual alteração ou não das respostas questionadas, ou manteremos a decisão condicional anteriormente formulada ou, se for dada razão aos apelados, decidiremos a seu favor e consideraremos pago o montante pedido pelo autor.

Com a ampliação do âmbito do recurso formulado em sede de contra alegações ao recurso do apelante, pretendiam recorridos verem alteradas o sentido das respostas dadas aos quesitos 3º, de “provado” para “não provado” e dos quesitos 9º, 11º, 12º, 13º, 15º, 16º e 17º, todos para “provado”.

Analisemos a solução a dar a esta questão

No quesito 3º perguntava-se se a factura devia ser paga a 30 dias após a sua emissão.
Respondeu o tribunal afirmativamente e consideramos que deve ser mantida a resposta dada.
Para tanto, bastará ler o depoimento escrito de J………., fls. 217, que trabalhou directamente com o Sr. C………. e embora o não diga de forma categórica, afirma, no entanto, que pensa que era esse o prazo de vencimento, pois se falava na obra que todas as facturas se venciam nesse prazo e, mesmo a instâncias do mandatário dos réus, reafirma novamente que era esse o prazo, informação que lhe foi prestada pelo Sr. H………., testemunha que aliás prestou depoimento como comum (fls. 258).
Mas para além deste facto, em si mesmo relevante, com a audição das cassetes que contêm o depoimento das testemunhas que se pretende sejam ouvidas, resulta que, embora a testemunha K………. refira que quanto a este aspecto nada sabe, o L………. reafirma também que concretamente e quanto a esta factura não sabe, mas sabe que neste tipo de serviço, normalmente, o seu pagamento é de 30 dias.
Por sua vez o M………. refere nada saber sobre a factura mas H………. refere a existência de uma factura perdida em acidente que foi vitima, que transportava em carta fechada, mas não sabe o seu valor nem data.
Ora, com os depoimentos supra referenciados e dados como afirmativos, acompanhados com os princípios fixados nos artigos 513º do CPC, sendo certo que a factura pedida e única aqui em discussão é a que contém o n.º 142 e, por outro lado, os factos que são do conhecimento geral - art. 514º n.º 1 do CPC -, consideramos que deve ser mantida a resposta dada ao quesito 3º, ou seja, que factura devia ser paga em 30 dias.

Analisemos agora as alterações das respostas que os réus pretendem ver efectuadas quanto aos quesitos 9º, 11º, 12º, 13º, 15º, 16º e 17º e todos com o sentido positivo.

Ouvimos todos os depoimentos que foram indicados como capazes de convencer este tribunal a ter outra posição diferente do tribunal da 1ª instância e analisamos estes com os documentos também referidos como suporte daquele entendimento.
E salvo melhor opinião, consideramos que não foram capazes de nos convencer, por forma a alterar as respostas dadas pelo tribunal de 1ª instância.
De igual modo, quanto aos documentos que pretendem que sejam analisados, concretamente de fls. 21, 22, 23, 247, 250 e 252, como ainda de fls. 35 a 59 e fls. 81 a 90, consideramos também não serem suficientes para uma eventual alteração dessas respostas.
Aliás, para uma completa interpretação do problema global e dentro dos condicionalismos típicos de uma reapreciação da matéria de facto com vista à sua modificabilidade - art. 712º do CPC -, deve também ser considerada a motivação dada pelo tribunal a quo quanto aos quesitos negativos que são contestados pelos réus, a qual se funda tanto no depoimento global das testemunhas, conjugadas com os documentos juntos aos autos, designadamente, facturas, talões de controle, cheques e correspondência trocada, estando aqui em causa a facturação dos trabalhos prestados e o entendimento diverso pelas partes quanto ao eventual pagamento, sendo que considera que não há prova documental inequívoca a demonstrar que tal pagamento o foi para a factura que aqui vem pedida (142).
Mais considera o tribunal que aqui em causa apenas se discute a factura n.º 142 e que não há prova clara da imputação do seu pagamento.
E reforça este entendimento com a prestação efectuada pela prova testemunhal quando considera sabe «que não foram os depoimentos esclarecedores quanto à correspondência das facturas e do pagamento, não apresentando depoimento suficientemente claro e preciso de modo a que o tribunal concluísse pela versão factual trazida pelo réu», sabendo-se «que sobre si impendia o ónus de prova quanto ao pagamento».
E esta correspondência entre as facturas e o seu pagamento era essencial para o apuramento da verdade dos factos trazidos aos autos pelos réus.
Ora, ouvindo o depoimento pessoal do autor, os depoimentos de todas as testemunhas, tanto do autor como dos réus e mais concretamente de H………., apesar da confusão do seu depoimento, baralhado tanto pelos Ilustre Mandatários como pelo próprio tribunal, isto apesar da sua qualidade de testemunha comum, cujo depoimento em vídeo-conferência fez o tribunal de 1ª instância sentir as dificuldades semelhantes às que sente um tribunal de 2ª instância quando ouve, de forma seca e árida os depoimentos gravados, e o Dr. N………., testemunha dos réus, mas com ligações para-familiares (namorado da filha do réu), sendo que, quanto a este, apenas respondeu a partir do quesito 11º, consideramos que as razões invocadas pelo tribunal a quo, de falta de correspondência entre a factura e o pagamento, por ausência de depoimentos claros e precisos, se mantém inteiramente válidas.
Isto é, a sensação com que ficou aquele tribunal é precisamente a mesma com que fica agora este.
Tudo sem esquecer os princípios do ónus de prova fixado no art. 342º do CC.
É que, por outro lado, não pode ser estranho a todo o comportamento do tribunal reapreciador e reexaminador o fixado nos artigos 690º-A e 712º do CPC e concretamente os princípios gerais que devem presidir a este matéria.
E sobre estes devemos ter presente neste particular o que consta do Preâmbulo do DL 39/95 de 15-02, segundo o qual esta faculdade deve ser entendida como uma possibilidade de reacção contra eventuais, mas sempre excepcionais, erros do julgador e apenas quando estes se revelem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade material e/ou ao esclarecimento cabal das dúvidas surgidas quanto a pontos certos e determinados da matéria factual impugnada.
Também que não pode ser exigido ao tribunal reexaminador que procure uma nova convicção sobre depoimentos cuja presença física lhe estão ausentes, sem poder mais inquirir e suscitar dúvidas ou retirá-las, mas procurar antes e sobretudo se a convicção formada no tribunal recorrido tem suporte razoável naquilo que a gravação demonstra, se essa "decisão foi adequada", pois controla-se apenas a justiça relativa dessa decisão, como refere Teixeira de Sousa, Estudo sobre o Novo Processo Civil, pág. 374.
Também nesta perspectiva se manifesta o Ac. STJ, de 13-03-02, Revista n.º 58/03, 7ª Secção, Sumários, Março de 2003, em www.stj.pt e se reforça no Ac. T. Constitucional, de 3-10-2001, em Ac. T. C., vol. 51, pág. 206 e segts.
E mais recentemente poderemos socorre-nos do Ac. STJ, de 14 de Março de 2006, em CJ/STJ, Tomo I, pág. 130 que considera que o objectivo da reapreciação facultada pelo art. 712º do CPV é, não o de proceder a um novo e global julgamento da matéria de facto mas apenas o de - pontualmente e sempre sobre a iniciativa da parte interessada - detectar eventuais erros de julgamento.

Outro dos elementos essenciais e que já acima referimos, será a fundamentação e motivação dada pelo tribunal de 1ª instância às respostas dadas e atender à impressão obtida dos depoimentos das testemunhas, isto quando cumpre o art. 653º n.º 2 do CPC, concretamente quando apontam a credibilidade e segurança do depoimento, bem como a análise das razões de ciência.

Para além destes princípios surgem ainda normas que constituem também princípios fundamentais do ordenamento jurídico processual português, como sejam, os princípios da imediação, oralidade e concentração e da livre apreciação da prova, do artigo 655° n.º 1 do CPC, segundo o qual esta “deve reflectir o resultado da conjugação de vários elementos de prova que na audiência ou em momento anterior foram sujeitos às regras da contraditoriedade, da imediação ou da oralidade" ­Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, pág. 209.
Ora, estes momentos, da imediação e oralidade, está parcialmente ausente na reapreciação da prova por uma simples e singelas cassetes gravadas.

Quanto ao apelo à prova testemunhal, há aqui a ter em conta a liberdade de apreciação da prova pelo julgador fixada pelos artigos 396°, 391° e 389°, todos do C. Civil, a qual significa "prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios preestabelecidos..........................” Prof. A. Reis, CPC Anotado, Vol. IV, pág. 544 -, sendo excepção os caso em que se impõe a conclusão a tirar de certo meio de prova, definindo-se também como o “tirar de conclusões em conformidade com as impressões recém-recolhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência que foram aplicáveis" - Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do C. Civil Revisto, pág. 157.
Acresce ainda e de harmonia com este princípio, o qual se contrapõe ao princípio da prova legal, que as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas - Prof. A Varela, Manual do Processo Civil, pág. 455-, sendo que o tribunal responde em sintoma com a convicção que tenha formado à cerca de cada facto quesitado, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.

Enfim e em resumo, por todos os motivos que acima referimos, podemos dizer que a matéria de facto que os réus pretendiam ver alterada, não tem sucesso, isto apesar da audição atenta e por vezes mesmo em repetição, dada a dificuldade de conjugação dos depoimentos, de toda a prova produzida em audiência.

Daqui resulta que não atenderemos ao pedido formulado de alteração da matéria de facto, concretamente, dos quesitos 3º, 9º, 11º, 12º, 13º, 15º, 16º e 17º, antes se mantendo, assim como se manterá, consequentemente, a alteração da decisão de fundo do problema, ou seja, que o réu não demonstrou o pagamento da factura n.º 142, factura que estava em causa nestes autos, donde a condenação dos réus no seu pagamento.
*

V - Decisão

Nos termos e pelas razões expostas, acorda-se em se julgar procedente o recurso do autor e se condenam os réus no pedido, apesar de se conhecer do recurso ampliado dos réus.
Custas da acção e do recurso pelos réus.
*

Porto, 10 de Dezembro de 2007
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira
Manuel José Caimoto Jácome