Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0150450
Nº Convencional: JTRP00030970
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
FALTA DE TÍTULO
INDEFERIMENTO LIMINAR
TRANSACÇÃO JUDICIAL
HOMOLOGAÇÃO
Nº do Documento: RP200104230150450
Data do Acordão: 04/23/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 1 J CIV GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recorrido: 5266-A/92
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROC EXEC.
Legislação Nacional: CPC95 ART45 N1 N2 ART46 A ART300 N4 ART933.
Sumário: I - Para que a transacção judicial homologada por sentença valha como titulo executivo, tem ela de ser constitutiva de uma obrigação, não cumprindo tal requisito crucial se apenas prevê a sua constituição.
II - Se nessa transacção a executada, então ré, apenas se obrigou a aceitar uma actualização da renda mediante actualização extraordinária ao abrigo do artigo 9 do Regime do Arrendamento Urbano ou através de arbitramento judicial, conforme a escolha da autora, tal compromisso não constitui título executivo e pressupõe actuações que exorbitam o contexto da acção executiva.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Maria .............., por apenso à acção de despejo, que moveu contra:
- Fábrica ............., L.da, requereu, em ../../...., pelo Tribunal Judicial da Comarca de ............... - Execução de Sentença na forma sumária:
Com os seguintes fundamentos:
- por transacção celebrada no dia ..-..-..... - Cláusula 4ª - nos autos principais (acção de despejo .../..) que correu por aquele ..°Juízo, a qual foi devidamente homologada por sentença transitada em julgado, foi acordado que finda a medida de gestão controlada que a executada tinha pedido, no processo de recuperação de empresa então em curso, e decorrido prazo de dois anos;
- a Autora, ora exequente, poderia requerer arbitramento judicial para determinação do valor locativo actualizado, do prédio urbano objecto do arrendamento, então em causa nos autos principais, se não houvesse acordo quanto à actualização da renda;
- a providência da gestão controlada que a Requerida solicitou no processo de recuperação de empresa, que correu sob o n°.../.., no ..º Juízo Cível deste Tribunal, terminou no dia ..-..-....;
- passado o período de dois anos a contar desta data, tem a ora exequente a faculdade de requerer arbitramento, (agora perícia), para determinar a renda do prédio urbano arrendado à requerida, que é o inscrito na matriz urbana de .......... (freguesia de ................) e descrito na Conservatória sob o n° ......;
- este prédio constitui um amplo estabelecimento fabril, e é composto de rés do chão e primeiro andar, com armazém, escritório, vestuários e sanitários, e está situado dentro da cidade de ........., sede desta comarca e tem a superfície coberta cerca de 7.720 m2, pelo que tem grande valor locativo;
- esse valor corresponde à renda anual de 18.528.000$00 (1.544.000$00/mês);
- a renda que actualmente a requerida está a pagar tem o valor de 960.000$00 anuais e a mesma requerida não deu o seu acordo à actualização da renda, alegando impossibilidade económica.
Concluiu pedindo que, ao abrigo do acordado na transacção judicial que pôs termo aos autos principais, em execução da sentença que a homologou, se procedesse à realização de perícia colegial para fixação de renda actualizada a pagar pela executada, que, para tanto, deverá ser citada para os termos desta execução.
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Foi proferido despacho a indeferir liminarmente a petição executiva, por se ter entendido que em função da cláusula da transacção invocada pela exequente, não se vislumbrar qual das obrigações assumidas pela ora executada não fora cumprida, e além disso, não ser possível, em processo executivo de sentença, requerer arbitramento e nenhuma das formas de processo executivo se amoldar aos termos do pedido.
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Inconformada recorreu a exequente que, alegando, formulou as seguintes conclusões:
1- Pela transacção judicial de 26.09.1995, constante dos autos principais, devidamente homologada por sentença transitada em julgado, a agravada obrigou-se a ajustar uma nova renda, considerando a de 80.000$00 que acordou pagar imediatamente, dois anos depois de terminar o período de aplicação da medida de gestão controlada a que esteve submetida, medida decretada em processo de recuperação de empresa que requereu.
2- Que esta obrigação tem o conteúdo de uma obrigação de prestação de facto positiva.
3- Que na mesma transacção foi acordado que a agravante, na falta de acordo sobre a nova renda, tinha a faculdade de requerer arbitramento judicial para determinação do valor locativo actualizado do prédio arrendado à agravada identificado no n°3 da petição inicial.
4- Que esta faculdade significa acordo sobre a forma de liquidar uma obrigação ilíquida, admitida e enquadrada pelos arts. 806° e 807° do Código de Processo Civil.
5- Não sendo necessário e até contraditório com a força executiva da sentença judicial
que homologou a transacção em que tal foi acordado, recorrer á forma de processo comum de declaração para obter cumprimento da obrigação assumida pela agravada.
6- O que até é imposto pelo princípio de economia processual, sendo certo que o processo executivo, quando uma obrigação é ilíquida, como acontece no caso “sub-judice”, admite a sua liquidação segundo a forma sumária do processo de declaração, em que é sempre admitida a prova pericial.
7- Não entendendo assim e indeferindo liminarmente a petição inicial, com fundamento nas razões transcritas no n°3 desta alegação, que aqui por brevidade se dão por reproduzidas, a M.ª Juíza “a quo” violou, no despacho recorrido, o disposto no n°2 art. 4° e arts. 265-A, 801°, e 807° todos do Código de Processo Civil.
Pelo que o referido despacho deve ser revogado, e ordenar-se o prosseguimento dos autos, como se julga que é de Direito.
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Não houve contra-alegações.
A Senhora Juíza sustentou o seu despacho.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir tendo em conta que os factos relevantes são os que constam do requerimento da exequente.
Fundamentação:
A questão objecto do recurso, delimitada pelo teor das alegações da recorrente, consiste em saber se a cláusula acordada na transacção, no processo de “despejo”, entre a ora exequente e a ora executada, é susceptível de ser executada, por constituir título executivo.
Na tal acção de despejo, as partes lavraram termo de transacção - em 26.9.1995-acertando que, quando findasse a medida de recuperação - gestão controlada - por dois anos, a que estava sujeita a executada-arrendatária de um imóvel da Autora-exequente, esta poderia requerer avaliação fiscal extraordinária, ao abrigo do art. 9° do RAU, ou, em alternativa, requerer arbitramento judicial do prédio arrendado, faculdade esta que só poderia ser exercida passados dois anos sobre o termo da gestão.
Tal prazo acha-se esgotado.
A exequente pretende que, pela via de execução de sentença, - [tal acordo foi homologado por decisão transitada em julgado] - se proceda a “perícia colegial para fixação da renda actualizada a pagar pela requerida” - renda essa que entende dever ser de 1.554.000$00 mensais.
Vejamos:
Nos termos do art. 45°, nº1, do Código de Processo Civil – “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”.
O n°2 estatui – “O fim da execução, para o efeito processual aplicável, pode consistir no pagamento de quantia certa, entrega de coisa certa ou na prestação de um facto quer positivo, quer negativo”.
No caso, o título executivo é a sentença homologatória do contrato de transacção judicial - -arts. 46° a) e 300°, n°4, do Código de Processo Civil.
Postulado da acção executiva “é o incumprimento de uma obrigação em sentido lato”- -“Curso de Processo Executivo Comum, à Face do Código Revisto”, de J. Remédio Marques, pág. 18.
Atenta a causa de pedir constante da petição executiva é manifesto que não pede a exequente, nem o cumprimento de uma obrigação de pagamento de quantia certa, nem visa a entrega de coisa certa - art. 928° do Código de Processo Civil.
Em tese, poderá considerar-se a existência de execução para prestação de facto positivo - art. 933° do Código de Processo Civil.
A agravante sustenta que a execução é deste tipo, ou seja, visa a execução de prestação de facto positivo.
A ser assim, teremos que apreciar se o pedido se amolda à tramitação contida em tal forma de processo executivo que os arts. 933° a 940° do Código de Processo Civil disciplinam.
Dispõe o art. 933°.
“1 - Se alguém estiver obrigado a prestar um facto em prazo certo e não cumprir, o credor pode requerer a prestação por outrem, se o facto for fungível, bem como a indemnização moratória a que tenha direito ou a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação e a quantia eventualmente devida a título de sanção pecuniária compulsória.
2 (...)
3 (...)
Salvo o devido respeito, se cotejarmos o pedido da exequente - a nomeação de peritos para determinarem o valor locativo do arrendado - e a tramitação prevista nos normativos citados, logo se conclui que o pedido executivo não se contém no âmbito da regulação normativa da execução para prestação de facto, tendo por base uma obrigação de facere.
Para que a transacção judicial, homologada por sentença, valha como título executivo, tem ela de ser constitutiva de uma obrigação, não cumprindo tal requisito crucial se apenas prevê a sua constituição.
As partes convencionaram na cláusula 4ª da transacção que, finda a medida de gestão controlada e decorridos dois anos, a renda seria ajustada.
Este compromisso previa a constituição de uma obrigação, definido o conceito como - “O vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação” - A. Menezes Cordeiro, "Direito das Obrigações", 1980, I, 9.
1A obrigação era a actualização da renda, dois anos, após ter cessado a medida de recuperação a que a ré estava submetida.
Na tal cláusula foram previstas duas modalidades para actualizar a renda, no caso de inexistir acordo:
l. Através de actualização extraordinária ao abrigo do art.9° do RAU (parte preambular), ou, em alternativa;
2. Através de arbitramento judicial, a requerer pela Autora.
Ora, de tal cláusula, resulta que à Autora foi possibilitada uma de duas modalidades visando a actualização da renda. Pelos vistos a Autora, ora exequente, pretende actuar o segundo termo da alternativa, uma vez que “requereu arbitramento”.
Sem dúvida que a exequente tem um documento através do qual a executada reconhece ser devedora de uma obrigação - o compromisso de que aceitaria uma actualização da renda.
Mas tal compromisso não tem virtualidade executiva, não só por não constituir título executivo, mas também, por não se enquadrar em qualquer forma de processo executivo previsto no Código de Processo Civil.
Este diploma não prevê, no art. 933° que, nas obrigações de facto positivo, haja lugar a arbitramento com vista à determinação do custo da prestação.
Nos termos de tal normativo, pode requerer a prestação por outrem, se o facto for fungível, bem como uma indemnização moratória ou indemnização pelo dano sofrido com a não realização da prestação.
O conceito de prestação previsto no art. 933° do Código de Processo Civil supõe que a obrigação já está definida, e seja certa.
No caso em apreço, na acção a ora executada-ré, apenas se obrigou a aceitar uma actualização da renda definindo, com a exequente-autora, os “meios ou modos” de que a Autora poderia lançar mão para lograr tal desiderato, não constituindo tal compromisso título executivo, por pressupor actuações que exorbitam o contexto da acção executiva, não permitindo o recurso imediato a esta; assim, ou as partes recorrem à avaliação extraordinária, para determinação da renda, nos termos previstos no RAU, ou requerem arbitramento judicial, que não pode ser obtido através da execução da sentença apresentada como título executivo.
“Qua tale”, o despacho recorrido, ao indeferir liminarmente a petição inicial da execução, ao abrigo do disposto no art. 811°-A, n°l, a) do Código de Processo Civil, por manifesta falta do título, não merece censura.
Decisão.
Nestes termos, acorda-se me negar provimento ao recurso, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas pela agravante.
Porto, 23 de Abril de 2001
António José Pinto da Fonseca Ramos
José da Cunha Barbosa
José Augusto Fernandes do Vale