Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | COELHO VIEIRA | ||
Descritores: | AMEAÇA AGRAVADA CRIME PÚBLICO | ||
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Nº do Documento: | RP20120502284/10.6GBPRD.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/02/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC. PENAL. | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO. | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Assume natureza de crime público a ameaça agravada ou qualificada nos termos dos Artigos 153º/1 e 155º/1 al.a) do C.Penal [Red. Lei 59/2007 de 4/9] | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. Nº 284/10.6GBPRD.P1 ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO No T. J. de Paredes ( 1º Juízo Criminal ) foi proferido o seguinte despacho: (…) Autue como processo comum, com intervenção de Tribunal Singular. * O Tribunal é competente.O arguido B….. encontra-se acusado da prática de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal e um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º, nº 1 e 155º, al. a), do Código Penal. O ofendido C….. a fls. 166 veio declarar que desiste da queixa apresentada. Notificado o arguido nos termos do artigo 51º, nº 3 do Código de processo Penal, nada disse, pelo que o seu silêncio equivale a não oposição à desistência de queixa. A Digna Magistrada do Ministério Público pronunciou-se pela homologação da desistência apenas relativamente ao crime de ofensa à integridade física simples, por entender que o crime de ameaça pelo qual o arguido vem acusado tem natureza pública (fls. 172). Decidindo. No que concerne ao crime de ofensa à integridade física simples é manifesto que o mesmo reveste natureza semi-pública conforme resulta do disposto no artigo 143º, nº 2 do Código Penal. Questão diversa poderá entender-se relativamente aos crimes de ameaça imputado ao arguido, p. e p. pelo artigo 153°, n° 1 e 155º, nº 1, al. a), ambos do Código Penal. Coloca-se, assim, a questão de saber se o mesmo admite ou não desistência de queixa e, desde já se diga que a resposta terá de ser afirmativa. Na verdade, a alínea a) do n° 1 do artigo 155° do Código Penal não contém, ao nível do tipo-de-ilicíto, qualquer elemento diverso ou mais grave do que se encontra já tipificado no n° 1 do artigo 153° do Código Penal, onde o preceito alude já a crimes contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, muitos deles, consequentemente, punidos com pena de prisão superior a 3 anos. Nem sequer se vislumbra que seja possível executar a prática de crime contra a vida por meios que constituam um crime com pena de prisão não superior a 3 anos. Contrariamente ao que sucede com as demais alíneas do n° 1 do artigo 155° do Código Penal, a alínea a) limita-se, assim, a prever uma moldura agravada por factos que se encontram integralmente previstos no artigo 153°, n° 1 do Código Penal. Seria, com efeito, uma contradição punir como crime de ameaça o anúncio a outrem da prática de um crime contra a vida e dizer que neste caso o procedimento criminal depende de queixa (cfr. 153°, n° 2 do Código Penal) e, ao mesmo tempo, por força da alínea a), do n° 1, do artigo 155°, só porque nos encontramos, sistematicamente, mediante uma previsão constante de preceito autónomo, afirmar estaremos perante um crime público porque, afinal, o mal ameaçado, se se concretizasse, seria sempre punido, em princípio, com uma pena superior a 3 anos de prisão. Assim, e não desconhecendo a abundante jurispridência em sentido diverso, entendemos que a única leitura legítima, por isso, do artigo 155°, n° 1, alínea a), do Código Penal é, assim, a de considerar este preceito como uma regra de determinação de uma moldura penal agravada, que não contende com a matéria de proibição do crime de ameaça, nem confere distinta natureza ao mesmo no que tange à exigência de queixa. Pelo exposto, e sem necessidade de outras considerações entendemos ser admissível a desistência de queixa formulada nestes autos, já que a ela não se opuseram os arguidos. Pelo exposto, tendo em conta o disposto no artigo 116º, nº 2 do Código Penal e 51º, nº 2 do Código de Processo Penal, julgo válida e juridicamente relevante a desistência formulada nos autos, pelo que a homologo, declarando extinto o presente procedimento criminal. * Sem custas, por não haver assistente constituído (artigo 515º, nº 1, al. d), do Código de Processo Penal, a contrario).* Notifique.* Oportunamente arquivem-se os autos.(…) XXX Inconformada com o decidido, a Digna Magistrada do MP veio interpor recurso, o qual motivou, aduzindo as seguintes:-CONCLUSÕES: 1 - Antes da reforma do Código Penal, aprovada pela Lei n.º 59/2007, de 04.09, o crime de ameaça simples e o crime de ameaça qualificado, previstos no mesmo preceito legal, assumiam natureza semi-pública; 2 - A reforma realizada com a Lei 59/2007 veio retirar a natureza semi-pública ao crime de ameaça agravada, autonomizando-o no artigo 155º; 3 - Tal preceito incriminador surge como autónomo e distinto relativamente ao tipo base previsto no artigo 153º do Código Penal; 4 - Sendo o crime de ameaça agravado um crime qualificado, que não depende de queixa, é irrelevante a desistência de queixa; 5 - O despacho recorrido violou a lei, mais precisamente o artigo 155º, n.º 1, al. a) do Código Penal e o artigo 48º do CPP; Deve o despacho recorrido ser revogado, ordenando-se a sua substituição por outro que não homologue a desistência de queixa quanto ao crime de ameaça agravado e ordene o recebimento da acusação pública tendo em vista o prosseguimento dos autos para julgamento do crime de ameaça qualificado. Todavia, V. Exas. decidirão, como sempre, consoante for de Lei e de Justiça. PAREDES, 14.11.2022 A Procuradora-Adjunta, XXX O arguido veio responder ao recurso, defendendo, em suma, a bondade da decisão recorrida.XXX Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2, do CPP, não tendo sido deduzida resposta.XXX COLHIDOS OS VISTOS LEGAIS CUMPRE DECIDIR:-De acordo com as conclusões da motivação do recurso a questão nuclear que se coloca é a de saber se, no caso dos autos, o procedimento criminal pelo crime de ameaça agravada continua a depender de queixa ou, como nada consta do art. 155º, do CP, passou a ser crime público. A questão já foi por nós decidida (m. relator e Exmº adjunto), designadamente no nosso Ac. de 7/09/2011 m. Relator e Exmº Adjunto in www.dgsi.pt; no nosso Proc. Nº 540.08, deste TRP (entre outros e de acordo com Jurisprudência deste Tribunal que cremos largamente maioritária). Continuamos a assim ponderar e decidir. Ali escrevemos que:- (…) Apreciemos então a questão colocada uma vez que importa determinar se o crime de ameaça agravado imputado ao arguido é de natureza pública ou semi-pública. Não há dúvidas que, na vigência do Código Penal na versão original aprovada pelo DL nº 400/82, de 23/9 e na versão revista aprovada pelo DL nº 48/95, de 15/3, o crime de “ameaça” (previsto no artigo 155 nº 1 do CP na versão original e no artigo 153 nº 1 na versão revista em 1995) e o de “ameaça agravado” (previsto no artigo 155 nº 2 do CP na versão original e no artigo 153 nº 2 na versão revista em 1995), eram de natureza semi-pública (artigo 155 nº 3 do CP na versão original e artigo 153 nº 3 do CP na versão revista em 1995)[1], o que significava que dependiam de queixa do respectivo ofendido/queixoso e poderiam ser objecto de desistência dessa mesma queixa até à publicação da sentença em 1ª instância (artigo 114 do CP na versão original e artigo 116 na versão revista). Com efeito, antes da reforma aprovada pela Lei nº 59/2007, de 4/9, a forma qualificada do crime de ameaça (que consistia na circunstância de a ameaça ser com a prática de um crime punível com pena de prisão superior a 3 anos) estava prevista na mesma norma que previa a forma simples ou base do tipo legal. A ratio da agravação consistia, como diz Taipa de Carvalho[2], “na razoável consideração legislativa de que há, no geral dos casos, uma proporção directa entre a gravidade do crime objecto de ameaça e a perturbação da paz individual e da liberdade de determinação: quanto mais grave aquele for maior será esta perturbação.”Por isso, concluiu que essa agravação se traduzia num crime de ameaça qualificado pela gravidade do crime ameaçado. Assim, o tipo base ou simples e o tipo qualificado do crime de ameaça (previstos na mesma norma) tinham natureza semi-pública antes da entrada em vigor da Lei nº 59/2007, de 4/9. Essa conclusão resultava claramente da lei, não só apelando aos argumentos histórico e sistemático, como ao literal e decorria igualmente da própria técnica legislativa utilizada, quando no final (nº 3) da norma (quer do artigo 155 do CP na versão original, quer do artigo 153 do mesmo código na versão revista em 1995) previa que “o procedimento criminal dependia de queixa” (o que significava que tanto abrangia a forma simples, como a forma qualificada do crime de ameaça). No entanto, com a reforma introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4/9, o legislador entendeu alterar a natureza do crime de ameaça agravado ou qualificado. Isso mesmo se deduz comparando o disposto nos artigos 153 e 155 do Código Penal, na versão de 2007[3], com as anteriores redacções das normas que previam o crime de ameaça (quer na versão original, quer na versão revista em 1995). Com efeito, enquanto o crime base (previsto no artigo 153 do CP na versão de 2007) manteve a natureza semi-pública (ver nº 2 do mesmo artigo), o mesmo já não sucedeu com o crime qualificado (previsto agora também no artigo 155, onde não se faz qualquer referência à dependência de queixa para o procedimento criminal). Neste último referido preceito legal (artigo 157) prevêem-se, desde a reforma de 2007, agravantes aplicáveis quer ao crime de ameaça, quer ao crime de coacção. A anterior agravante do crime de ameaça (prevista no artigo 155 nº 2 do CP na versão original e prevista no art. 153 nº 2 do CP na versão de 1995) passou a estar prevista no artigo 155 nº 1-a) do Código Penal, sendo consequentemente revogado o disposto no nº 2 do artigo 153 do CP na versão de 1995 (passando o seu nº 3 a ser o nº 2). Foram ainda acrescentadas na mesma norma (artigo 155 do CP, após reforma de 2007) outras circunstâncias que se relacionam (usando as palavras de Paulo Pinto de Albuquerque[4]), com a “especial fragilidade da vítima” (artigo 155 nº 1-b) do CP), com a “especial relevância social da vítima, que é visada no exercício das suas funções ou por causa delas” (artigo 155 nº 1-c) do CP), com a “especial gravidade da violação dos deveres do coactor que actua na qualidade de funcionário, mas com grave abuso da sua autoridade” (art. 155 nº 1-d) do CP) e com um “resultado especialmente gravoso da ameaça ou coacção: suicídio ou a tentativa de suicídio cometido pela vítima ou pela pessoa sobre a qual o mal deve recair” (artigo 155 nº 2 do CP). Tais circunstâncias (agravantes que, no caso do nº 1, revelam “um maior desvalor da acção”[5]), reportando-se quer ao crime de ameaça, quer ao crime de coacção, traduzem um acréscimo da ilicitude em relação ao tipo base ou fundamental. Nessa medida, verificando-se qualquer das circunstâncias agravantes previstas no artigo 155 do CP, após a reforma de 2007, o crime de ameaça (ou de coacção) passa a ser qualificado. Tratando-se de crime qualificado obviamente que é distinto, diferente do tipo fundamental, percebendo-se que o legislador lhe confira diferente natureza, à semelhança do que sucede com outros tipos legais (v.g. artigos 203 e 204 do CP). O legislador quando confere natureza pública a determinado tipo de crimes, nomeadamente quando são qualificados, tem precisamente em vista acautelar interesses públicos que se prendem nomeadamente com a segurança da sociedade e com a paz pública (interesses esses que não podem depender da vontade de particulares apresentarem ou não queixa). De resto, não existe qualquer outra norma a conferir a natureza de crime semi-público (ou a fazer depender de apresentação de queixa o procedimento criminal) no caso de se verificar a agravação prevista no artigo 155 do CP, na versão de 2007. Nessa medida, não se pode defender (como se fez no despacho sob recurso) que apesar das agravantes imputadas ao arguido (alíneas a) e c) do nº 1 do art. 155 – e não apenas alínea a) o tipo legal é tão só o de ameaça tipificado no artigo 153 do CP. É que não se trata apenas da agravação da pena, mas antes de crime (de ameaça) qualificado ao nível do tipo de ilícito (como sucede no caso do nº 1 do artigo 155, onde se prevêem circunstâncias que revelam um desvalor mais acentuado da acção do agente) e de crime agravado pelo resultado (como sucede no caso do nº 2 do mesmo artigo 155). No que aqui interessa analisar, não há dúvidas que ao arguido foi imputado o crime de ameaça agravado ou qualificado previsto nos artigos 153 nº 1 e 155 nº 1-a) do CP, que é distinto do crime base previsto no artigo 153 do mesmo código. Tal crime qualificado não depende de participação, sendo de natureza pública. Nessa medida é irrelevante a desistência de queixa quanto ao crime de ameaça agravado aqui em apreço[6]. Essa conclusão resulta claramente da reforma de 2007, como acima já explicamos, apelando mais uma vez aos argumentos histórico, sistemático e literal, bem como à própria técnica legislativa utilizada pelo legislador[7]. (…) Ainda no mesmo sentido, cfr. nosso Ac. de 27/04/2011, subscrito pelo ora relator como adjunto, no m. site,:- Comparando as versões do Código Penal - versão original - aprovada pelo DL n.º 400/82, de 23.09, - versão revista - aprovada pelo DL 48/95, de 15.03 - versão da reforma - aprovada pela Lei n.º 59/2007, de 04.09, relativamente ao crime de “ameaça” podemos delas concluir: Quer na versão original quer na sua versão revista, o crime de “ameaça” (previsto no artigo 155º nº 1 do CP na versão original e no artigo 153º nº 1 na versão revista em 1995) e o de “ameaça agravado” (previsto no artigo 155º nº 2 do CP na versão original e no artigo 153º nº 2 na versão revista em 1995), revestiam sem dúvida natureza semi-pública (artigo 155º nº 3 do CP na versão original e artigo 153 nº 3 do CP na versão revista em 1995), por o respectivo procedimento criminal depender de queixa do ofendido (queixoso), podendo tal queixa ser objecto de desistência até à publicação da sentença em 1ª instância (artigo 114º do CP na versão original e artigo 116º na versão revista). Antes da reforma aprovada pela Lei nº 59/2007, de 4/9, a forma qualificada do crime de ameaça (que consistia na circunstância de a ameaça ser com a prática de um crime punível com pena de prisão superior a 3 anos) estava prevista na mesma norma que previa a forma simples ou base do tipo legal. O tipo base ou simples e o tipo qualificado do crime de ameaça (previstos na mesma norma) tinham natureza semi-pública antes da entrada em vigor da Lei nº 59/2007, de 4/9. Essa conclusão resultava claramente da lei, relevando especialmente o argumento literal e a técnica legislativa utilizada, quando no último número da norma – o nº 3 – (quer do artigo 155º do CP na versão original, quer do artigo 153º do mesmo código na versão revista em 1995) se previa que “o procedimento criminal dependia de queixa” (abrangendo tanto a forma simples, como a forma qualificada do crime de ameaça, previstos nos anteriores nºs 1 e 2). Com a reforma introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4/9, emerge com clareza que o legislador quis alterar a natureza do crime de ameaça agravado ou qualificado, o que resulta da comparação do disposto nos artigos 153º e 155º do Código Penal, na versão de 2007, com as anteriores redacções das normas que previam o crime de ameaça (quer na versão original, quer na versão revista em 1995). Com efeito, da comparação dos actuais artigos 153º e 155º decorre que, enquanto o crime base (previsto no artigo 153º do CP na versão de 2007) manteve a natureza semi-pública (nº 2 do mesmo artigo), o mesmo já não sucedeu com o crime qualificado (previsto agora também no artigo 155º, onde não se faz qualquer referência à dependência de queixa para o procedimento criminal). Neste último referido preceito legal (artigo 155º) prevêem-se, desde a reforma de 2007, agravantes aplicáveis quer ao crime de ameaça, quer ao crime de coacção (respectivamente previstos nos artigos 153º e 154º). A anterior agravante do crime de ameaça (prevista no artigo 155º nº 2 do CP na versão original e prevista no art. 153º nº 2 do CP na versão de 1995) passou a estar prevista no artigo 155º nº 1-a) do Código Penal, sendo consequentemente revogado o disposto no nº 2 do artigo 153º do CP na versão de 1995 (passando o seu nº 3 a ser o nº 2). Foram ainda acrescentadas na mesma norma (artigo 155º do CP, versão da reforma de 2007) outras circunstâncias agravantes que se relacionam - com a “especial fragilidade da vítima” (artigo 155º nº 1-b) do CP), - com a “especial relevância social da vítima, que é visada no exercício das suas funções ou por causa delas” (artigo 155º nº 1-c) do CP), -com a “especial gravidade da violação dos deveres do coactor que actua na qualidade de funcionário, mas com grave abuso da sua autoridade” (art. 155º nº 1-d) do CP) - e com um “resultado especialmente gravoso da ameaça ou coacção: suicídio ou a tentativa de suicídio cometido pela vítima ou pela pessoa sobre a qual o mal deve recair” (artigo 155º nº 2 do CP)- Vide Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2010, 2ª edição revista e actualizada, pag. 479): Tais circunstâncias agravantes (no caso do nº 1, revelam “um maior desvalor da acção”, vide Paulo Pinto de Albuquerque, Ob citada, pag. 479, nota 2), reportando-se quer ao crime de ameaça, quer ao crime de coacção, traduzem um acréscimo da ilicitude em relação ao tipo base ou fundamental. Nessa medida, verificando-se qualquer das circunstâncias agravantes previstas no artigo 155º do CP, após a reforma de 2007, o crime de ameaça (ou de coacção) passa a ser qualificado. Tratando-se de crime qualificado é obviamente diferente do tipo fundamental, percebendo-se que o legislador lhe atribua natureza diferente, à semelhança do que sucede com outros tipos legais, como ocorre entre o tipo fundamental e o tipo qualificado de furto, respectivamente artigos 203º e 204º do C.P., ou entre o tipo fundamental e os tipos qualificado pelo resultado e qualificado de ofensa à integridade física, respectivamente previstos no artigo 143º, 144º e 145º do C.P. Concluindo, o artigo 155º não contém norma que faça depender de apresentação de queixa o procedimento criminal dos tipos qualificados de ameaça e de coacção e também não se encontra norma autónoma que, referida ao artigo 155º, a estabeleça, pelo que, na falta dessa expressa consagração, tem de concluir-se que os crimes de ameaça e de coacção qualificados, em função das circunstâncias elencadas nas alíneas do nº 1 ou em função do resultado previsto no nº 2, têm a natureza de crimes públicos. A solução legislativa de não manter a natureza semi-pública do tipo qualificado de ameaça é, por último, a solução mais harmoniosa com a opção de qualificar a ameaça pelas mesmas circunstâncias que qualificam a coacção e na mesma norma legal (não se colocando em relação a este último crime a questão da sua natureza pública, atenta a sua evidência, em face das anteriores redacções do artigo 157º do CP versão original e 155º versão do DL 48/95, de 15 de Março e da Lei 65/98, de 2 de Setembro). Não há dúvidas que ao arguido foi imputado o crime de ameaça agravado ou qualificado previsto nos artigos 153º nº 1 e 155º nº 1 c) do CP, que é distinto do crime base previsto no artigo 153º do mesmo código. Tal crime qualificado, como demonstramos, não depende de participação, sendo de natureza pública. (…) Face a tudo o que vem de ser expendido, concluímos que o recurso deve proceder. XXX Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em conceder provimento ao recurso, pelo que revogam a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que encaminhe os autos para julgamento.Sem tributação. PORTO, 02/05/2012 José João Teixeira Coelho Vieira José Carlos Borges Martins ___________________ [1] Artigo 155º (Ameaças) do Código Penal, na versão aprovada pelo DL nº 400/82, de 23/9: 1 - Quem ameaçar outrem com a prática de um crime, provocando-lhe receio, medo ou inquietação ou de modo a prejudicar a sua liberdade de determinação, será punido com prisão até 1 ano ou multa até 100 dias. 2 - No caso de se tratar de ameaça com a prática de crime a que corresponda pena de prisão superior a 3 anos, poderá a prisão elevar-se até 2 anos e a multa até 180 dias. 3 - O procedimento criminal depende de queixa. Artigo 153º (Ameaça) do Código Penal, na versão revista pelo DL nº 48/95, de 15/3: 1 - Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. 2 - Se a ameaça for com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias. 3 - O procedimento criminal depende de queixa. [2] Américo Taipa de Carvalho, em “anotação ao art. 153 (ameaça), in FIGUEIREDO DIAS, Jorge (dir.), Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 345. [3] Artigo 153º (Ameaça) do Código Penal, na versão aprovada pela Lei nº 59/2007, de 4/9: 1 - Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias. 2 - O procedimento criminal depende de queixa. Artigo 155º (Agravação) do Código Penal, na versão aprovada pela Lei nº 59/2007, de 4/9: 1 - Quando os factos previstos nos artigos 153 e 154 forem realizados: a) – Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos; ou b) – Contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez; c) – Contra uma das pessoas referidas na alínea l) do nº 2 do artigo 132, no exercício das suas funções ou por causa delas; d) – Por funcionário com grave abuso de autoridade; o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso do artigo 153, e com pena de prisão de um a cinco anos, no caso do nº 1 do artigo 154. 2 - As mesmas penas são aplicadas se, por força da ameaça ou da coacção, a vítima ou a pessoa sobre a qual o mal deve recair se suicidar ou tentar suicidar-se. [4] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2008, p. 419. [5] Ibidem. [6] No mesmo sentido, entre outros, Acórdãos do TRP de 1/7/2009, proferido no processo nº 968/07.6PBVLG.P1 (relatado por Isabel Pais Martins), consultado no ITIJ e de 6/1/2010, proferido no recurso nº 540/08.3TAVLG.P1 (relatado por António Gama). [7] Aliás, como se refere no citado Ac. do TRP de 1/7/2009, “a solução legislativa de não manter a natureza semipública do tipo qualificado de ameaça é, por último, a mais harmónica com a opção de qualificar a ameaça pelas mesmas circunstâncias que qualificam a coacção.” |