Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
585/10.3TJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP20120112585/10.3TJPRT.P1
Data do Acordão: 01/12/2012
Votação: Y
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Litiga com abuso de direito o senhorio que, não obstante ser transmissário recente do locador, depois de decorridos trinta e três anos sobre o início do contrato de arrendamento, pede a sua resolução com base no uso do locado para fim diverso do que consta da escritura pública – comércio de estofador -, quando o mesmo vem sendo utilizado, ao longo daquele período, para habitação permanente do locatário e da sua família, com conhecimento do primitivo locador sem nunca manifestar qualquer oposição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 585/10.3TJPRT.P1 – 3ª Secção (apelações e recurso subordinado)
Juízos Cíveis do Porto

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Pinto de Almeida
Adj. Desemb. Maria Amália Santos

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B…, contribuinte n.º ……… e mulher, C…, contribuinte n.º ………, residentes na Rua … n.º …, …, Maia, intentaram acção declarativa que veio a seguir a forma de processo declarativo experimental, ao abrigo do Decreto-lei nº 108/2006, de 8 de Junho, contra D…, viúvo, a notificar na Rua … n.º …, R/chão, …, ….-… Porto, alegando, essencialmente, que o R., seu inquilino, destinou indevida e exclusivamente o locado à sua habitação quando, nos termos do contrato escriturado, o mesmo espaço estava destinado ao “exercício da actividade industrial de móveis e estofos”.
Tal forma de utilização e destino de arrendado, iniciados no ano de 1977 (data da celebração do contrato) não era do conhecimento dos A.A., nem dos antepossuidores e anteproprietários, que para tal nunca deram qualquer autorização, tendo sido completamente surpreendidos com tal facto.
Consignando que aquela situação é fundamento de resolução contratual do arrendamento, nos termos do art.º 1083º, nº 2, al. c), do Código Civil, terminam pedindo que seja:
1- Declarado resolvido o supra aludido contrato de arrendamento;
2- O R. condenado a restituir o arrendado livre de pessoas e coisas, nos termos do disposto no artigo 1087° do Código Civil; e
3- O R. condenado em custas e demais encargos legais.

Citado, o R. contestou, reconveio e pediu a condenação dos A.A. como litigantes de má fé.
Impugnou parcialmente os factos alegados pelos A.A.
Apesar do fim constante da escritura pública de arrendamento, ficou claro entre as partes celebrantes, em que o locador era o pai do A. marido, que o espaço em causa se destinava primordialmente à habitação do R. e da sua família, havendo possibilidades de ali exercer também a referida actividade industrial. Por isso, o R. agiu com erro na declaração ao subscrever um contrato que não espelhava aquilo que foi efectivamente acordado entre as partes. Sendo anulável, o contrato deve, no entanto, converter-se num contrato de arrendamento cujo fim seja também a habitação do R.
Subsidiariamente, invoca o abuso de direito dos A.A., alegando que o pai do A. marido se deslocava ao locado, designadamente para observar as obras que o R. ali realizava para melhorar as suas condições de habitabilidade, perfeitamente ciente daquela afectação e sem que fizesse alguma vez qualquer reparo que não fosse a felicitação pela realização daqueles trabalhos.
Os A.A. apenas intentaram a acção na sequência de uma inundação do locado e de um pedido de reparação de danos nela originados que o R. lhe apresentou.
Verificado o abuso de direito, conclui que o pedido da acção deve improceder.
Pela via reconvencional, alega danos causados no espaço arrendado pelo rompimento de um tubo na sua cozinha, mas proveniente do 1º andar, também propriedade dos A.A., rotura essa devida ao mau estado das canalizações do edifício.
Na perspectiva do reconvinte, não sendo sua a culpa na produção do dano, deve ser responsabilizado o senhorio pela substituição ou atribuição do valor de móveis e electrodomésticos danificados e pela execução das obras necessárias à substituição da canalização da cozinha, à reparação das paredes e dos tectos da cozinha, da sala de jantar, da casa de banho e do quarto (mais pequeno) que estejam deterioradas e com humidade.
Em matéria de litigância de má fé, invoca que os A.A. alteraram intencionalmente a verdade dos factos relevantes para a decisão da causa. Fazendo do processo e dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, faltando também à verdade dos factos, com o fim de impedir a descoberta da verdade e assim alcançar os objectivos a que se propõem com a presente acção (despejar o R.) e a que sabem não ter direito.
Concretiza esta posição com a alegação de que os A.A. sabem que ficou convencionado entre o R. e o primitivo senhorio que o locado também se destinava a habitação do mesmo, o que acontece há 33 anos, e que, ainda assim, alegaram que só tomaram conhecimento dessa situação quando vistoriaram o locado em Fevereiro de 2010.
Com efeito, o R. conclui assim, ipsis verbis:
«a) deve a presente acção ser julgada improcedente:
i) pois que, por padecer de erro na declaração – o que determina a sua anulabilidade – deverá o contrato de arrendamento celebrado com o Réu ser convertido em contrato de arrendamento onde se permita que o locado seja destinado, quer à habitação do Réu, quer ao exercício da actividade de estofador, como foi efectivamente convencionado entre as partes e, assim, seja este absolvido do pedido formulado;
Sem prescindir,
ii) caso assim não se entenda, deverá considerar-se ilegítimo o exercício do direito de resolução do contrato de arrendamento, por abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”, absolvendo-se o Réu do pedido;
b) deve a presente reconvenção ser julgada procedente e, por conseguinte, serem os Autores condenados:
i) a executar no locado as obras melhor identificadas nos artigos 79.° a 90.º deste articulado;
ii) a colocar no locado novos armários, um exaustor e um frigorifico, semelhantes aos que foram deteriorados ou, em alternativa, a pagar ao Réu uma indemnização pelos danos que lhe foram causados, que não poderá ser de montante inferior a € l .623,03 (mil, seiscentos e vinte e três euros e três cêntimos);
E, em todo o caso,
c) uma vez que os Autores litigam manifestamente de má fé nos presentes autos, devem os mesmos ser exemplarmente condenados no pagamento de multa e indemnização, cuja quantificação se deixa ao prudente arbítrio de V.a Exa., mas que não deverá ser inferior a € 2.000,00 (dois mil euros).».
Em articulado de réplica, os A.A. responderam às excepções e à reconvenção, designadamente por impugnação dos novos factos, reafirmando o seu desconhecimento, até ao dia 9.2.2010, da afectação que o R. fazia do locado e a inexistência de qualquer erro na declaração do R. consignada na escritura de arrendamento face aos seus próprios termos e respectiva explicação notarial.
Por outro lado, os danos constatados em vistoria realizada pela Câmara Municipal são inerentes às obras realizadas pelo R e à utilização abusiva que vinha fazendo com o desconhecimento dos A.A., pelo que é ele o responsável pela sua reparação.
Ampliou a causa de pedir da acção alegando agora também a construção ilegal de um marquise pelo R., causadora de graves danos no locado, também fundamento de resolução contratual ao abrigo do art.º 1083º, nºs 1 e 2, al.s a) e b), do Código Civil.
Conclui pela procedência do pedido da acção e improcedência da reconvenção, devendo ainda o R. ser condenado como litigante de má fé.
Contudo, na sequência de oposição do R., a ampliação da causa de pedir viria a ser rejeitada por despacho de fl.s 191 e 192.
Releva, no entanto, a redução do pedido reconvencional do R. à questão da indemnização cujo valor o requerente reduziu também para a quantia de € 1.556.00 correspondente ao custo da reparação que fez na sequência e por causa da inundação (art.º 273º, nº 2, do Código de Processo Civil).

Proferido despacho saneador tabelar, com fixação do valor da acção, foi designada data para a realização da audiência de julgamento, com gravação da prova.
A audiência teve lugar com assentada dos depoimentos de parte.
Foi depois proferida sentença que incluiu a fixação da matéria de facto e a respectiva fundamentação, como compete, e que culminou com o seguinte segmento decisório:
«Pelo exposto, julga-se a presente acção improcedente por não provada e absolve-se o Réu do pedido.
Mais, se julga a reconvenção improcedente por não provada e absolvem-se os Autores/reconvindos do pedido reconvencional.
Condenam-se ainda os Autores na multa de 3 UC’s como litigantes de má fé e ainda numa indemnização ao Réu a arbitrar.
Custas da acção a cargo dos Autores e custas da reconvenção a cargo do Réu.» (sic)

Da sentença recorreram os A.A. e o R. em recurso principal ou independente e, o último ainda em recurso subordinado condicionado ao não conhecimento da ampliação que requereu relativamente à apelação dos A.A.
Nas alegações da sua apelação, os A.A. apresentaram as seguintes CONCLUSÕES:
«1-O arrendamento controvertido nos Autos, não configura um arrendamento habitacional, uma vez que nos termos do contrato de arrendamento celebrado por escritura Publica, o arrendado destina-se ao “exercício da actividade industrial de móveis e estofos”.

2-Tendo sido expressamente clausulada no referido contrato de arrendamento a proibição de não se lhe podendo dar outro destino sem o consentimento do locador dado por escrito, presume-se que quer o locador quer o locatário não se querem vincular entre si, senão pela forma escrita convencionada.

3-A utilização do arrendado para habitação do locatário, só é ilegítimo para efeitos de relações locatícia, integrando alteração do seu destino para o exercício da actividade industrial, no caso de a actividade industrial deixar de ser o destino dominante e ou principal.

4-O Réu confessou que “utiliza o arrendado para sua habitação e também para fazer uns biscates de estofador, ou em parte coberta do logradouro ou no quanto que foi do filho”, pelo que tal comprova que a utilização do arrendado para habitação é o destino principal e dominante.

5-Não tendo o Réu comprovado que os AA não deram autorização por escrito para aquela alteração do seu destino, não se pode presumir que a mesma foi dada ou reconhecida por qualquer outro meio.

6-A causa de pedir da presente acção é assim a alteração da mudança do fim e/ou destino o arrendado para habitação sem autorização dos Autores, a qual a existir sempre teria de ser dada por escrito.

7-Não tendo os AA dado qualquer autorização por escrito para tal mudança do destino, não agiram os AA com abuso direito, na proposição da presente acção.

8-Nem sequer litigam com má-fé, uma vez que não se provaram quaisquer factos que tal indiciem.

9-O R. não logrou provar qualquer facto que motivasse a sua confiança de que os Autores em nenhuma circunstância exerceriam o direito de resolução.

10-A Sentença recorrida, violou o disposto nos artigos 223º n.º 1, 1072 n.º 1 e 1083º n.º 2 al. c) do Código Civil.

11-A sentença recorrida fez má aplicação dos factos e do direito, pelo que deve ser revogado, no sentido de a presente acção ser julgada procedente e provada, com o que se fará a esperada e merecida Justiça.» (sic)

Por seu turno, inconformado com a decisão final da reconvenção, o R. alegou na sua apelação com as seguintes CONCLUSÕES:
«A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferido a 26.08.2011, que julgou improcedente o pedido reconvencional deduzido pelo réu, ora recorrente, D…;

B) Conforme se demonstrará, a referida sentença não fez uma correcta ponderação da prova produzida, pelo que a parte de que se recorre deverá ser revogada e substituída por decisão que julgue procedente o mencionado pedido reconvencional;

C) O réu peticionou nos autos que os autores fossem condenados a lhe pagar uma indemnização pelos danos que lhe foram causados em função do rompimento, na sua cozinha, do cano proveniente do 1.º andar;

D) Sendo que ficou provado em sede de audiência de julgamento que no seguimento da inundação o réu sofreu danos avultados (€ 1.113,03 + € 400,00 + € 110,00) – cfr. factos 20 a 27;

E) No entanto, o Tribunal a quo decidiu que o réu não conseguiu provar que, conforme alegou no artigo 83.º da contestação, “tais factos (rompimento do cano; infiltrações; etc.) tenham chegado ao conhecimento do senhorio antes da vistoria realizada pela Câmara Municipal”;

F) Ora, é precisamente neste ponto que o réu entende que o Tribunal a quo não julgou correctamente a prova produzida em sede de audiência;

G) De facto, ao contrário do que ficou decidido em 1.ª instância, resulta do depoimento das testemunhas E… (cfr. gravação efectuada sob o n.º 20110606104329_279406_64998, dos 10:10 aos 11:14 minutos) e F… (cfr. gravação efectuada sob o n.º 20110606114006_279406_64998, dos 4:45 aos 6:00 minutos) que o réu comunicou ao senhorio de então (ao Sr. M…) a inundação que ocorreu na sua cozinha, devido ao rompimento de um cano proveniente do 1.º andar, tendo solicitado àquele a execução das respectivas obras de reparação, ao que o senhorio respondeu, de forma peremptória, que não executava quaisquer obras, sendo que só depois o réu requereu a vistoria de salubridade junto da Câmara Municipal;

H) Tendo presente que o próprio Tribunal a quo considerou os testemunhos da Sr.ª F… e do Sr. E… isentos e credíveis – tendo dado como provados vários factos com base no depoimento prestado por aqueles – só com base na existência de um lapso por parte daquele é que se pode justificar o facto de não ter sido dado como provado que o senhorio teve conhecimento da inundação antes de ter sido requerida a vistoria à Câmara Municipal;

I) Acresce que, aquando da vistoria feita pelos técnicos do Município, o autor marido esteve presente e pôde constatar – tendo confessado tal facto em sede de depoimento de parte (cfr. gravação efectuada sob o n.º 20110325113438_279406_64998, entre os 6:13 e 11:00 minutos) – os danos existentes na cozinha do réu, bem sabendo que lhe competia fazer a obra de reparação em questão (até porque estavam em causa danos provocados no locado habitado pelo réu devido a um tubo proveniente de um outro locado, sito no primeiro andar, de que o senhorio do réu também é proprietário).

J) Importa, ainda, relembrar que a inundação ocorreu em Dezembro de 2009 e a vistoria teve lugar em Fevereiro de 2010, sendo que o réu aguentou toda esta situação até Agosto de 2010, verificando que os autores, enquanto senhorios, nunca manifestaram qualquer intenção de executar a obra que lhes competia, o que levou o réu a ter de a executar – atenta a urgência inerente à mesma;

K) Por fim, tendo o Sr. M… doado o imóvel ao seu filho (ou seja, ao autor), este assumiu a posição de senhorio com os mesmos direitos e deveres que integravam a esfera jurídica do anterior senhorio;

L) Pelo que, perante a inexecução da obra que lhe incumbia e face aos danos causados ao réu no seguimento do rompimento do tubo, mal andou o Tribunal a quo ao não condenar os autores reconvintes no pedido contra os mesmos deduzido;

M) Assim, a sentença de que se recorre, na parte que indefere o pedido reconvencional, deverá ser revogada e substituída por outra que condene os autores a pagarem ao réu a quantia de € 1.556,00, visto que ficou provado neste processo que do rompimento do tubo e devido à não reparação do mesmo pelo senhorio, resultaram danos para o réu em montante até superior àquele.» (sic)
Pugna, assim, o R. pela revogação da sentença na parte em que decidiu o pedido reconvencional, com substituição por outra decisão que julgue aquele pedido procedente, condenado os A.A. a pagar ao réu a quantia de € 1.556,00.

O R. apresentou ainda contra-alegações e recurso subordinado relativamente à apelação dos A.A., onde apresentou as seguintes CONCLUSÕES:
A) Os autores interpuseram recurso da douta sentença proferido a 26.08.2011, que absolveu o réu dos pedidos formulados por aqueles na petição inicial;

B) Alegam aqueles que o Tribunal a quo fez um correcto julgamento da matéria de facto (uma vez que não recorrem da mesma), entendendo, no entanto, que o julgador não subsumiu, de forma correcta, os factos dados como provados à matéria de direito;

C) Defendem, nomeadamente, que qualquer alteração ao contrato de arrendamento teria de ter sido feita por escrito, conforme consta da escritura pública que, segundo aqueles, foi lida em voz alta e cujo teor terá sido explicado aos presentes;

D) No entanto, relembre-se que, do facto de constar esta expressão do contrato, não resulta que o teor do mesmo tenha sido explicado aos presentes de forma cuidada atendendo ao grau de formação dos presentes, e nomeadamente do réu que tem a 4.ª classe (conforme resulta do documento n.º 6, junto com requerimento do réu apresentado no dia 26.10.2010);

E) Acresce que, também daquele facto não decorre que o réu tenha apreendido o teor que formalmente passou a constar do contrato de arrendamento;

F) Aliás, de toda a factualidade subjacente à celebração daquele contrato resulta, de facto, que se o réu tivesse conhecimento que não poderia habitar a casa, nunca teria assinado o mesmo,

G) Pois, ficou dado como provado que o réu decidiu tomar de arrendamento o locado em causa no seguimento de uma comunicação feita pelo G… no sentido de que aquele (e a sua família) teriam de deixar a pensão onde viviam (facto 10),

H) Resultando do facto 11 que “o réu tomou conhecimento que o locado sito na Rua …, n.º …, rés-do-chão, no Porto, iria ficar devoluto, pelo que propôs ao G… tomar de arrendamento para habitação aquele espaço”;

I) Assim, decorre do exposto que o réu, quando assinou a escritura pública, não tinha consciência do teor da mesma, sabendo, em contradição do que consta daquela, que o senhorio (o Sr. B…) lhe tinha dito que se fizesse obras no locado podia viver no mesmo e exercer a actividade de estofador – tal como resulta do depoimento das testemunhas E…, H… e I…;

J) Deste modo, dúvidas não existem de que o locado foi dado de arrendamento ao réu para o mesmo lá viver, juntamente com a sua família, sendo que ser-lhe-ia ainda permitido exercer a actividade de estofador,

K) Sendo, assim, evidente que o contrato de arrendamento não reflecte exactamente aquilo que foi acordado;

L) Deste modo, atento os depoimentos supra transcritos, deveria constar da matéria de facto dada como provada que “ficou claro entre as partes (designadamente entre o réu e o senhorio), aquando da negociação, que o imóvel se destinaria, antes de mais, para servir de habitação, havendo a possibilidade de aquele exercer também no espaço em causa a actividade de estofador” – cfr. artigo 31.º da contestação;

M) Neste seguimento, estabelece o artigo 247.º do Código Civil que “quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro”;

N) Consequentemente, o contrato assinado pelo réu padece de erro na declaração, o que determina a sua anulabilidade;

O) Acresce que decorre do artigo 293.º do Código Civil que “o negócio nulo ou anulado pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais de substância e de forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade”;

P) De facto, caso o réu se tivesse apercebido que o que estava escrito no contrato não coincidia com o que havia sido convencionado, o contrato ter-se-ia celebrado, mas nos termos efectivamente acordados, estabelecendo-se, nomeadamente, que o locado se destinaria à habitação do inquilino, permitindo-se no entanto que o mesmo também exercesse naquele espaço a actividade de estofador;

Q) Desta forma, o contrato de arrendamento celebrado – que padece do vício de erro na declaração – deveria considerar-se convertido num contrato de arrendamento cujo fim seja a habitação do Réu, como sempre aconteceu,

R) Pelo que andou mal o Tribunal a quo ao ter decidido que não existiam elementos de facto suficientes para concluir pela desconformidade entre a vontade e a declaração plasmada na escritura pública,

S) Razão pela qual aqui se requer, expressamente (nos termos do disposto no artigo 684.º-A do Código de Processo Civil), a ampliação do objecto do recurso à questão acabada de expor, prevenindo-se, assim, a necessidade da sua apreciação;

T) Posto isto, note-se que o senhorio sempre autorizou o réu, tendo-o dito de forma expressa, a viver no locado, sendo indiferente que a referida autorização não tenha sido dada por escrito;

U) Não obstante, note-se que o Tribunal a quo não julgou improcedentes os pedidos dos autores por considerar que o primitivo senhorio havia dado autorização ao réu para viver no mesmo;

V) De facto, o Tribunal a quo deu como provado que o senhorio primitivo sempre teve conhecimento de que o réu vivia no locado, de que aquele se deslocava frequentemente ao imóvel, que o mesmo chegou inclusivamente a visitar a falecida esposa do réu no locado, quando a mesma estava acamada e que o mencionado senhorio nunca fez alusão a qualquer violação do contrato de arrendamento!;

W) Mas mais, em sede de depoimento de parte, o próprio autor marido indicou que o pai, o Sr. M… (originário senhorio), lhe havia apresentado o Sr. D… como sendo a pessoa que ali vivia…;

X) Apesar desta factualidade – tão explícita – veja-se que os autores ainda têm o desplante de vir defender a tese que destes factos não resulta que o primitivo senhorio tivesse conhecimento do uso efectivo que era dado ao imóvel,

Y) E que o que releva para efeito de apreciar os pedidos formulados, não será o facto de o réu viver no locado, mas sim o facto de os senhorios não saberem que a actividade principal do mesmo não era a actividade de estofador!;

Z) Ora, raciocínios destes são de tal forma rebuscados – e destituídos de fundamento legal – que apenas servem para enfatizar a má-fé com que os autores efectivamente litigam neste processo!
AA) Neste seguimento, esclareça-se que o artigo 1083.º n.º 2 alínea c) do Código Civil determina que constitui fundamento de resolução do contrato de arrendamento, por parte do senhorio, “o uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina”, sendo este o fundamento jurídico dos pedidos formulados pelos autores (cfr. artigo 19.º da petição inicial);

BB) Para o efeito, os autores alegaram que tiveram conhecimento no dia 09.02.2010 que não é exercida no locado qualquer actividade industrial de móveis e estofos, o qual é utilizado exclusivamente como habitação do réu (cfr. artigos 10.º e 11.º do petitório);

CC) Diz-se ainda naquele articulado que “tal forma de utilização e destino de arrendamento, não era do conhecimento dos AA, nem dos seus antepossuidores e anteproprietários, que para tal nunca deram qualquer autorização, tendo sido completamente surpreendidos com tal facto.” – cfr. artigos 15.º a 18.º do libelo inicial;

DD) Deste modo, o que está em causa no processo em apreço é saber, tão-somente, se o réu dá ao locado um uso diferente daquele que alegadamente foi convencionado (o que, como já se demonstrou, nem é o caso)

EE) E, ainda que assim acontecesse, se os senhorios tinham conhecimento desse facto;

FF) Ora, conforme resulta dos autos, o senhorio primitivo bem sabia (ou seja, sempre soube) que o réu vivia no locado juntamente com a sua família,

GG) Donde resulta que, mesmo que tivesse existido alguma violação do contrato de arrendamento por parte do réu (por uso diferente daquele que foi convencionado), ainda assim os pedidos dos autores nunca poderiam ser julgados procedentes, por manifesto abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, visto que os senhorios bem sabiam que ao locado estaria a ser dado uso diferente do convencionado;

HH) Assim, revela-se destituído de todo e qualquer fundamento o alegado pelos autores no sentido de que estes só poderiam ter reagido contra a suposta violação do contrato de arrendamento se soubesse que o exercício da actividade industrial não era a actividade principal utilizada no arrendado; II) Mas o afrontamento à Justiça e ao Direito, por parte dos autores, não se fica por aqui;

JJ) Com efeito, dizem os autores que o facto de o pai do autor ter chegado a visitar a falecida esposa do Réu “nada demonstra em termos de conteúdo do seu conhecimento.”;

KK) Dizem, nomeadamente, que não se encontra provado que aquele “conhecia e sabia que o Réu habitava o arrendado como utilização principal e dominante”;

LL) No entanto, já alegam na petição inicial que quando o autor marido entrou no locado, no dia 09.02.2010, juntamente com a vistoria já se apercebeu que o locado era utilizado exclusivamente como habitação, visto que do mesmo constava uma mobília de quarto de dormir, uma mobília de sala de jantar e estar, etc.

MM) Ou seja, trocando tudo isto por miúdos, significa que o senhorio primitivo que se deslocava regularmente ao locado e que chegou a visitar a mulher do réu quando esta estava acabada (o que implica ter ido ao quarto do réu), não se apercebeu que o locado se destinava a habitação;

NN) Contudo, já o senhorio actual, que entrou no locado pela primeira vez no dia 09.02.2010, no âmbito de uma vistoria de salubridade (em que nem sequer foi aos quartos de dormir – conforme resulta do depoimento de parte do mesmo – cfr. gravação efectuada sob o n.º 20110325113438_279406_64998 –, bem como das fotografias da sala de estar e da sala de jantar que aquele juntou com a Réplica), apercebeu-se imediatamente que o réu não exercia qualquer actividade de estofador e que destinava o locado a habitação!;

OO) Assim, aquele que vai ao quarto de dormir visitar um doente em fase terminal não se apercebe que o fim principal do locado é habitação, mas aquele que vai à cozinha ver uns canos rotos, já se apercebe que afinal o destinado dado ao locado é habitação!;

PP) Ora, é manifesto que o dito pelos autores não faz nenhum sentido, sendo evidente a forma como deturpam/mentem nestes autos e pretendem ludibriar o Tribunal!;

QQ) Por outro lado, a tudo isto acresce que os autores já sabiam que o réu vivia no locado pois quando o autor marido foi indagado pelo Tribunal sobre a forma como o réu lhe foi apresentado pelo seu pai, disse que este respondeu do seguinte modo: “É o senhor que vive aqui, é o senhor que está dentro desta casa. É o senhor que vive ali”;

RR) Note-se, com efeito, que o réu não foi apresentado como o senhor que trabalha no armazém do rés-do-chão (como, aliás, seria habitual se o senhorio primitivo tivesse a convicção de que a principal actividade exercida no locado era a de estofador);

SS) Bem pelo contrário! De facto, o réu foi apresentado como aquele que morava na casa do rés-do-chão!,

TT) Não existindo, assim, margens para dúvidas de que os senhorios (tanto o primitivo, como o actual), bem sabiam que o réu ali vivia;

UU) Posto isto, revela-se ainda irrelevante para a correcta apreciação da causa saber se a esposa do primitivo senhorio e se a esposa do actual senhorio sabiam, ou não, da utilização que era dada pelo réu ao locado;

VV) Na verdade, note-se que o locado foi dado de arrendamento ao réu apenas pelo senhorio primitivo, verificando-se que foi esteve que sempre tratou das questões relacionadas com o arrendado (como a própria esposa do primitivo senhorio admitiu no depoimento prestado),

WW) E consubstanciando os actos de dar de arrendamento e de execução dos respectivos contratos meros actos de administração, então os mesmos podiam ser legitimamente praticados apenas por um dos cônjuges;

XX) Acresce que também consta dos autos que, aquando da doação do imóvel feita pelo primitivo senhorio ao seu filho, estes deslocaram-se ao prédio e o primitivo senhorio apresentou o réu ao seu filho (ou seja, ao novo senhorio), como sendo o Sr. que vive no rés-do-chão, o que demonstra, como resulta da sentença, que nem o primitivo senhorio, nem o novo senhorio desconheciam que o réu vivia no locado!;

YY) Assim, manifesta-se totalmente indiferente para o correcto julgamento da presente causa, se a esposa do primitivo senhorio, ou se a esposa do actual senhorio, conheciam ou não o uso dado ao locado;

ZZ) Por outro lado, não se esqueça que o actual senhorio assume a posição de senhorio na relação arrendatícia, com os mesmos direitos e deveres reconhecidos ao primitivo senhorio, pelo que aquele nunca poderia exercer legitimamente nenhum direito e, se fosse exercido pelo primitivo senhorio, consubstanciaria abuso de direito!;

AAA) Dizem ainda os autores – invocando o Acórdão do STJ, de 24.05.2011 – que do facto de o primitivo senhorio nunca ter feito qualquer alusão a qualquer violação do contrato de arrendamento não resulta que tivesse sido criada a convicção no réu de que os autores jamais exerceriam o direito à resolução do arrendamento,

BBB) Alegando também que o mero decurso do tempo nunca seria adequado a criar a convicção de que os autores jamais exerceriam aquele direito;

CCC) Sucede que, no caso em apreço, não estamos perante uma situação de mero decurso do prazo (que, por si só, se revela bem diferente da que consta do acórdão invocado visto que naquele está em causa um período de 5 anos e no caso dos autos está em causa em período com mais de 30 anos);

DDD) De facto, decorre dos depoimentos supra transcritos que aquando da celebração do contrato de arrendamento, o senhorio primitivo deu autorização para o mesmo habitar no locado dado de arrendamento;

EEE) Acresce que decorre ainda dos depoimentos das testemunhas E…, J… e I… que, para além de ter dado autorização para o efeito, o senhorio sempre soube que o réu vivia no locado;

FFF) Por outro lado, decorre ainda do depoimento das testemunhas E…, J…, F… e I… que o senhorio primitivo se deslocava regularmente ao locado, sendo que os inquilinos também lhe ligavam regularmente;

GGG) Assim, resulta dos depoimentos que o locado arrendado sempre se destinou essencialmente para habitação, no qual o réu também exercia (como continua a exercer) a sua actividade de estofador,

HHH) E que a forma como o espaço era efectivamente utilizado pelo réu (a título principal para habitação) sempre foi do conhecimento do senhorio,

III) Até por ser visível do exterior…;

JJJ) Situação que se arrasta desde 1977, data em que o contrato foi celebrado, ou seja, há mais de 34 anos, sem que o senhorio alguma vez tenha feito um único reparo ao réu no sentido de que o locado não se destinaria a habitação;

KKK) Tanto assim aconteceu que, logo na sua contestação, o réu indicou como sua testemunha o primitivo senhorio,

LLL) O qual, embora aparentasse boa saúde da última vez em que esteve no locado (nomeadamente, quando foi apresentar o seu como novo proprietário do prédio aos inquilinos, em Dezembro de 2009), estranhamente nunca compareceu em Tribunal (apesar dos esforços feitos nesse sentido);

MMM) Contudo, apesar de não se ter ouvido aquela testemunha (que estranhamente terá ficado incapacitado para ser ouvido pelo Tribunal), certo é que os depoimentos prestados (e supra transcritos) revelam-se mais do que suficientes para sustentar as conclusões que constam da sentença e que levaram à improcedência dos pedidos dos autores e à sua condenação como litigantes de má-fé,

NNN) Sendo evidente que o senhorio primitivo sempre se comportou no sentido de aceitar, e até de congratular o réu (face às obras que iam sendo feitas por este), com o uso que ia sendo dado ao locado,

OOO) Bem sabendo que o que havia sido convencionado é que tinha autorizado a utilização do mesmo para habitação do inquilino e para exercício da actividade de estofador,

PPP) Não se podendo dizer que se está perante um mero caso de decurso do tempo!;

QQQ) Não obstante, sempre se diga que o mero decurso do tempo no caso em apreço, face à sua longevidade, sempre seria suficiente para consubstanciar o abuso de direito, conforme nos ensina Gravato de Morais (in “Novo Regime do Arrendamento Comercial”, Reimpressão da Edição de Setembro de 2006, Almedina, pp. 113 e 114), citando Baptista Machado (cfr. “Resolução do Contrato de Arrendamento Comercial. Uso do Prédio para ramo diferente”, in CJ, Ano IX, tomo 2, pp. 14 a 22), e resulta dos Acórdãos da Relação do
Porto, de 26.03.1998, processo n.º 9731182, da Relação de Lisboa, de 24.01.2008, processo n.º 10615/2007-2, da Relação de Lisboa, de 07-01-2007, processo n.º 7478/06-6, da Relação de Lisboa, no Acórdão de 29.04.2004, processo n.º 2548/2004-6, todos in www.dgsi.pt;

RRR) Ora, no caso em apreço, o senhorio, apesar de saber que o réu vivia no locado, nada fez durante mais de 33 anos, tendo-se comportado, aliás, no sentido de aprovar a utilização que vinha sendo feita, pelo que a Doutrina e Jurisprudência supra invocada tem total aplicabilidade ao caso em apreço, SSS) Razão pela qual bem andou o Tribunal a quo ao considerar que os autores, ao exercerem o suposto direito de resolução do contrato de arrendamento, estariam não só a abusar do eventual direito que teriam,

TTT) Como, atentos os factos alegados na petição inicial e na réplica, litigaram com manifesta má-fé;

UUU) A este respeito, refira-se apenas a título de exemplo que os autores alegaram no artigo 19.º da réplica (depois, note-se, de o réu ter exercido a sua defesa e de ter dito que o senhorio primitivo ia regularmente ao locado) que os anteriores proprietários nunca haviam entrado no arrendado depois de ter sido celebrado o contrato de arrendamento;

Posto isto,

VVV) De acordo com o estatuído no artigo 684.º-A n.º 1 do Código de Processo Civil, “no caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação”;

WWW) Por tal, o réu, nos artigos 13.º a 33.º das contra-alegações suscitaram do erro na declaração aquando da celebração do contrato de arrendamento, defendendo, ao contrário do que resulta da sentença, que existem elementos factuais nos autos que permitem verificar a ocorrência do referido erro e que o Tribunal a quo deveria ter convertido o contrato de arrendamento para fim não habitacional, em contrato de arrendamento habitacional, como efectivamente ficou convencionado entre as partes;

XXX) No entanto, para o caso de se considerar que a matéria suscitada em sede de ampliação do objecto do recurso só pode ser conhecida em sede de recurso subordinado, dá-se aqui por reproduzido, para os devidos e legais efeitos, tudo quanto se disse nos artigos 13.º a 33.º das contra-alegações, considerando-se o referido recurso subordinado devidamente interposto,

YYY) Devendo o Tribunal considerar, no seguimento do conhecimento desta matéria, que houve erro na declaração aquando da celebração do contrato de arrendamento entre o réu e o senhorio primitivo, determinando a conversão do mesmo em contrato de arrendamento para fim habitacional,

ZZZ) Julgando improcedentes, também por este motivo, os pedidos formulados pelos autores na petição inicial.
Terminou no sentido da confirmação da sentença recorrida ou, caso assim não se entenda, se julgue procedente o pedido efectuado em sede de ampliação do objecto do recurso ou, sem prescindir, em sede de recurso subordinado, convertendo-se o contrato de arrendamento para fim não habitacional, em contrato de arrendamento para fim habitacional, conforme foi efectivamente acordado entre as partes,

Os A.A. não ofereceram contra-alegações aos recursos principal e subordinado do R.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.
O objecto dos recursos está delimitado pelas conclusões das apelações dos A.A. e do R. e da ampliação da apelação dos A.A. a pedido do R. enquanto parte vencedora, ou do recurso subordinado do R., acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do acto recorrido e não sobre matéria nova, excepção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 660º, nº 2, 684º e 685º-A, do Código de Processo Civil[1], na redacção que foi introduzida pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, aqui aplicável).
O Tribunal deve apreciar todas as questões decorrentes da lide, mas não tem que o fazer relativamente a todos os argumentos ou raciocínios das partes; fá-lo-á apenas em quanto for necessário para resolver cada questão[2].
Dado o seu número e diversidade de questões, há que estabelecer um ponto de ordem na apreciação dos recursos.
A apelação dos A.A. recai sobre a decisão da acção e respeita apenas a matéria de Direito, enquanto a apelação do R. recai apenas sobre a reconvenção e tem por objecto a modificação da decisão em matéria de facto e uma questão de Direito, partindo da pretendida modificação para obter a procedência do pedido reconvencional.
Nas contra-alegações, o R., prevenindo a necessidade da sua apreciação, requereu a ampliação do recurso dos A.A. para conhecimento da questão do erro na declaração e seus efeitos --- fundamento em que o R. decaiu, apesar de vencedor na acção. Para o efeito entendeu por bem impugnar também a matéria de facto, defendendo que deveria ter ficado demonstrada a matéria do quesito 31º da contestação, relevante no âmbito da mesma questão do erro obstáculo.
Para o caso de não ser de admitir a ampliação da apelação[3] dos A.A., o R., subsidiariamente, aduz os mesmos fundamentos a título de recurso subordinado àquela apelação.
No rigor da regra, deveria começar-se pelo exame do erro em matéria de facto, modificando-a se necessário, quer no âmbito da ampliação da apelação dos A.A., quer nos termos da apelação do R.
Todavia, como a reapreciação da matéria de facto fixada na 1ª instância é uma questão subsidiária, suscitada na ampliação pretendida pelo R., nos termos do art.º 684º-A, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, para o caso de procederem as questões suscitadas pelos A.A. na sua apelação, e a impugnação da matéria de facto efectuada pelo R. na sua apelação é exclusiva da reconvenção, faz todo o sentido que comecemos por apreciar a apelação dos A.A. Nesta, só no caso de proceder o fundamento do recurso, haveremos de ponderar, por necessidade, subsidiariamente, os fundamentos, de facto e de Direito, da respectiva ampliação.
Em último lugar tomaremos conhecimento da apelação do R.

Atento o critério, estão para apreciar e decidir as seguintes questões:
A- Na apelação dos A.A.
1- Se houve mudança do fim a que se destinava o arrendamento e, na afirmativa, se releva abuso de direito dos A.A. e deve manter-se a afectação diversa que vem sendo dada ao locado pelo R.;
2- Caso procedam os fundamentos suscitados pelos A.A. --- de que houve afectação do locado a fim diverso do contratado e não há abuso de direito, pelos quais a acção houvesse de ser julgada procedente --- importará conhecer da ampliação pretendida pelo R., --- ou recurso subordinado, se o fundamento invocado não relevar como ampliação --- em cujo âmbito, se conhecerá da almejada modificação da matéria de facto e da eventual existência de erro na declaração do R. aquando da celebração do contrato-promessa; e
3- Se os A.A. litigam de má fé.

B- Finalmente, pelos fundamentos da apelação do R., conhecer-se-á da modificação de determinada matéria de facto, exclusiva da reconvenção, apreciando-se, depois, criticamente, o direito do apelante à indemnização pretendida.
*
III.
São os seguintes os factos considerados provados na 1ª instância:

1. O direito de propriedade sobre prédio urbano de rés-do-chão e andar e logradouro, situado na Rua …, nº … a …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 3547 do Livro B-10 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … no artº5454, encontra-se registado a favor do Autor marido, desde Novembro de 2009.
2. Por contrato de arrendamento outorgado por escritura pública de 27 de Janeiro de 1977 no 7º Cartório Notarial do Porto deu o ante proprietário daquele prédio, de arrendamento ao Réu o rés-do-chão do referido prédio.
3. Consta da referida escritura que o destino de exercício da actividade industrial de móveis e estofos, não lhe podendo ser dado outro destino, sem o consentimento do locador, dado por escrito.
4. Foi aquele arrendamento feito pelo prazo de um ano, tacitamente prorrogável por iguais e sucessivos períodos de tempo, contando o seu início a partir do dia 1 de Fevereiro, pela renda mensal de € 4,99, pago no 1º útil do mês anterior àquele a que disser respeito no domicilio de quem o representar para tal efeito.
5. Actualmente o valor da renda mensal é de € 45,00.
6. Nos termos daquele contrato, ficam a cargo e são da responsabilidade do locatário “todas as obras de conservação e limpeza de que o local carecer” e “o locatário poderá colocar na fachada do edifício correspondente ao rés-do-chão, qualquer reclamo ou anúncio se, para tanto, tiver consentimento escrito do locador”.
7. O R. tem a sua habitação instalada no locado.
8. O réu e a sua falecida mulher regressaram de Angola em 1975, com o filho de ambos.
9. O Réu, juntamente com a sua família, foi alojado pelo G… numa pensão no Porto.
10. No final de 1976, o G… comunicou ao Réu que teria de deixar a pensão.
11. O Réu tomou conhecimento de que o locado sito na Rua …, nº …, rés-do-chão, no Porto, iria ficar devoluto, pelo que propôs ao G… tomar de arrendamento para habitação aquele espaço.
12. No rés-do-chão em causa existia um quarto, uma divisão mais pequena, uma cozinha e uma casa de banho.
13. O locado encontrava-se muito degradado.
14. O senhorio (pai do actual proprietário) deslocava-se ao imóvel arrendado de forma regular.
15. O senhorio chegou a visitar a falecida esposa do réu quando estava acamada.
16. O senhorio nunca fez qualquer alusão a qualquer violação do contrato de arrendamento.
17. Em Dezembro de 2009, o Réu deparou-se com a cozinha inundada devido ao rompimento do tubo de escoamento das águas de saneamento do 1º andar.
18. O Réu requereu à Câmara Municipal …, a realização da referida vistoria que veio a ter lugar em Fevereiro de 2010 e que se destina a condenar o senhorio a fazer as obras em falta.
19. A instalação de rede de abastecimento de água encontra-se deteriorada na zona da cozinha.
20. Devido à humidade decorrente da inundação existem rebocos degradados nas paredes e no tecto da cozinha.
21. Os móveis que existiam na cozinha, um colocado na parte superior e outro na parte inferior, acabaram por apodrecer.
22. A humidade existente na cozinha alastrou para a sala de jantar.
23. Existem humidades na casa de banho e no quarto mais pequeno.
24. O exaustor e o frigorífico estragaram-se com a água.
25. Um exaustor como o que estava na cozinha custa cerca de € 110,00.
26. Um frigorifico semelhante ao que o Réu tem em funcionamento custa à volta de € 400,00.
27. Uns móveis da cozinha semelhantes aos que aquele tinha custam cerca de € 1.113,03.
*
*
A- A apelação dos A.A.
1- A questão é saber se houve mudança do fim a que se destinava o arrendamento e, na afirmativa, se releva abuso de direito dos A.A. e deve manter-se a afectação diversa que vem sendo dada ao locado pelo R.
Está provado que o R. recebeu de arrendamento o rés-do-chão em causa por contrato celebrado como pai do A. marido no dia 27 de Janeiro de 1977, tendo passado a ocupá-lo no imediato mês de Fevereiro.
Ficou consignado na escritura pública que enformou o negócio que o locado se destinava ao exercício da actividade industrial de móveis e estofos, não lhe podendo ser dado outro destino, sem o consentimento do locador, dado por escrito.
Porém, o R. tem a sua habitação instalada no locado. Pode mesmo assentar-se em que ali tem instalada a sua habitação e da sua família desde o início do contrato, para onde transferiram a residência --- depois de terem deixado de habitar numa pensão da cidade do Porto --- onde então existia um quarto, uma divisão mais pequena, uma cozinha e uma casa de banho.
Não há nenhum facto provado que seja expresso quanto ao momento em que o R. e a sua família passaram a habitar no locado, mas a conjugação dos respectivos itens 3º, 7º, 9º, 10º, 11º e 12º (para os quais remetemos) aponta claramente no sentido de que essa instalação da residência familiar ocorreu logo no início do contrato, em Fevereiro de 1977, por então se terem visto na necessidade de deixar de habitar numa pensão da cidade do Porto. Ocorreu, assim, na altura uma mudança de residência.
Esta é matéria que foi perfeitamente alegada e confessada pelo R. em depoimento de parte, conforme assentada lavrada na 1ª sessão de audiência e à qual, aliás, os próprios A.A., no capítulo III das suas alegações de recurso (fl.s 229) reconhecem tratar-se de uma confissão do R. nos seguintes termos:
«III
1) Porém, porque resultam de confissão do Réu constante da acta da audiência de julgamento de 25/03/2011, importa ainda ter em conta os seguintes factos: -
- Desde o início do contrato (o Réu) utiliza a casa como habitação e também para fazer uns biscates de estofador.
- Esta actividade exerce-a ou no logradouro que tem uma parte coberta, ou no quarto que já foi do filho; Esta parte coberta tem à volta de l metro x 6 m2, localiza-se debaixo da varanda do vizinho.
….» (sic)
E acrescentam os A.A. nas mesmas alegações:
«Em face dos factos invocados pelos A.A., dos factos dados como provados e dos factos confessados atrás referidos, resulta incontroverso que o arrendamento em discussão e apreciação nos autos não é um arrendamento habitacional, uma vez que se trata de um contrato de arrendamento para fins de exercício de “actividade industrial de móveis e estofos”, que foi efectivamente outorgado pelo Réu pela forma solene de escritura publica …
Resulta também demonstrado que ao locado, não podia ser dado outro destino, sem o consentimento do locador dado por escrito.» (sic)
Defendem, assim, os A.A. que o senhorio nunca deu autorização por escrito, como competia, nos termos do contrato, para a alteração do fim a que se destinava o locado e que o R. também não provou que a actividade principal que ali exerce é a de estofador, pelo que a sua afectação à habitação familiar viola a natureza comercial do arrendamento resultante do contrato.
Acrescentam que o demandado não logrou demonstrar factos dos quais se possa extrair que “o R. criou uma situação de confiança quanto à aceitação de qualquer contrato de arrendamento para habitação” e que ele próprio não se poderia convencer disso dado o teor da escritura pública em cujos termos a mudança do destino do arrendado só podia ser efectuada se tolerada e consentida pelo senhorio por forma escrita.
Por isso, concluíram que não existe abuso de direito quando resolvem o contrato por afectação do locado a fim diverso do contratado.
Vejamos.
Não temos a mínima dúvida quanto à proibição contratual de afectação do locado a fim diverso daquele que foi previsto no contrato --- exercício da actividade industrial de móveis e estofos ---, sem autorização escrita do senhorio (v.d. artigo primeiro da respectiva escritura pública, a fl.s 11 dos autos e ponto 3º dos factos provados).
Era ao R. que competia alegar e provar a autorização, enquanto matéria de excepção, impedindo o efeito jurídico pretendido pelos A.A. (art.º 342º, nº 2, do Código Civil). Mais: era ao R. que cabia demonstrar que, apesar de ter fixado ali a sua residência, continuava a exercer a sua actividade industrial no espaço arrendado, assim, que, apesar de tudo, mantinha a afectação destinada pelo contrato. Não tendo demonstrado este facto, ficamo-nos pela afectação do espaço à habitação do demandado, fim manifestamente diverso daquele para o qual o arrendamento foi contratado. O ónus da prova traduz-se, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto (trazida ou não pela mesma parte).
A proibição de não aplicar a coisa a fim diverso daquele a que ela se destina e a possibilidade de resolver o contrato com aquele fundamento tem sido consagrada na lei (art.ºs 1038º, al. b) e 1047º do Código Civil, na redacção que precedeu a vigência do RAU[4], art.ºs 3º e 64º, nº 1, al. b) do RAU, e, actualmente, o art.º 1038º, al. c), 1072º, nº 1 e 1083º, nºs 1 e 2, al. c), do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro[5]), pelo que temos também como seguro afirmar o direito actual do A. marido, na qualidade de senhorio, de resolver o contrato nos termos daquele art.º 1083º, nº 2, al. c) do Código Civil.
O cerne da questão desloca-se, no entanto, do problema da falta de autorização do senhorio para a afectação da fracção à sua habitação, para a eventual verificação do abuso de direito, a título de excepção peremptória. Ou seja, os A.A. têm o direito à resolução do contrato, mas poderá verificar-se um conjunto de circunstância que bloqueiem ou paralisem o seu exercício, impedindo a produção dos seus efeitos (art.ºs 493º, nºs 2 e 3 e 496º do Código de Processo Civil), justamente, pela verificação da ilegitimidade do exercício do direito, acaso se revele que o titular excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (art.º 334º). A priori legítimo, se feito de forma que ofenda manifestamente a boa fé, os bons costumes ou o seu fim social ou económico, em suma, o sentimento jurídico socialmente dominante, torna-se ilegítimo, daí advindo a paralisação dos respectivos efeitos, tudo se passando como se aquele direito não existisse na esfera patrimonial do titular, sobrando apenas a sua aparência.
Pode entender-se juridicamente por exercício abusivo do direito “um comportamento que tenha a aparência de licitude jurídica --- por não contrariar a estrutura formal-definidora (legal ou conceitualmente) de um direito, à qual mesmo externamente corresponde --- e, no entanto, viole ou não cumpra, no seu sentido concreto-materialmente realizado, a intenção normativa que materialmente fundamenta e constitui o direito invocado, ou de que o comportamento realizado se diz exercício”[6].
Como ensina Menezes Cordeiro[7], o âmbito extenso de que o venire contra factum proprium se pode revestir requer uma delimitação prévia, ainda que empírica e provisória, do alcance figurativo da fórmula. Deste modo só se considera como venire contra factum proprium a contradição directa entre a situação jurídica originada pelo factum proprium e o segundo comportamento do autor. Haverá venire contra factum proprium, em primeira linha, numa de duas situações: quando uma pessoa, em termos que, especificamente, não a vinculem, manifeste a intenção de não ir praticar determinado acto e, depois, o pratique e quando uma pessoa, de modo também a não ficar especificamente adstrita, declare pretender avançar com certa actuação e, depois, se negue.
Uma das funções essenciais do Direito é sem dúvida assegurar expectativas. A tutela das expectativas das pessoas é essencial a uma ordenação que pretenda ter como efeito a estabilidade e a previsibilidade das acções. Como se sabe, a confiança é um poderoso meio de redução da complexidade” social, limitando a quantidade e a variedade de informação que tem de ser elaborada pela pessoa na sua vida social, e desempenhando uma função de desoneração da formação de expectativas em cada caso e a partir do nada.
Numa certa perspectiva, poderíamos dizer que a sua necessidade radica fundo nas próprias estruturas comunicacionais do “mundo-da-vida”, pois a desconfiança mútua permanente dilaceraria por certo quaisquer possibilidades de comunicação aberta, possibilitando uma acção apenas estratégica[8].
E trata-se --- importa notar --- não só de uma forma de protecção extra-negocial da confiança como de uma protecção não apenas ‘negativa”, mas “positiva”, na medida em que o confiante pode exigir a “correspondência” a essa confiança, isto é, ser colocado na situação correspondente ao cumprimento da vinculação em que confiou, e não apenas na situação em que estaria se não tivesse depositado confiança no comportamento alheio.
Como refere ainda o citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça[9], “subjacente à proibição do venire contra factum proprium está a ideia de que os riscos originados na credibilidade da conduta anterior do agente não devem ser suportados por quem, dentro da normalidade da vida da relação, acreditou na mensagem irradiada pelo significado objectivo da conduta do mesmo agente.
Esta justificada crença baseada na conduta de outrem, encontra-se abrangida pelo princípio da confiança, que é um princípio ético-jurídico fundamentalíssimo e que a ordem jurídica não pode deixar de tutelar, sob pena de tornar insegura ou mesmo paralisar toda a interacção humana.
Donde, a actuação contrária à confiança justificadamente adquirida, correspondendo àquela parte da fórmula legal (art.º 334º) que considera ilegítimo o exercício de um direito quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos peia boa fé, não pode deixar de ser proibida.
A violação do princípio da confiança, revela normalmente um comportamento com que, razoavelmente, não se contava, face à conduta anteriormente assumida e às legítimas expectativas que gerou --- “venire contra factum proprium” --- que se enquadra na expressão legal “manifesto excesso”.
Como escreve o Prof. Menezes Cordeiro, “o venire contra factum proprium postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro – o factum proprium – é, porém, contrariado pelo segundo.[10]”
Para estarmos perante uma hipótese de venire contra factum proprium --- e não apenas de qualquer outra forma de tutela da confiança ---, terá de se poder afirmar a contrariedade directa entre o anterior e o actual comportamento. Será o caso, designadamente, quando a confiança foi dirigida a uma determinada situação jurídica ou a uma conduta futura do agente, que vem a ser contrariada pela sua posterior atitude. E deve rejeitar-se a aplicação automática dos pressupostos mencionados, após a sua enumeração e verificação no caso concreto. Antes todos deverão ser globalmente ponderados, em concreto, para se averiguar se existe efectivamente uma “necessidade ético-jurídica” de impedir a conduta contraditória, designadamente, por não se poder evitar ou remover de outra forma o prejuízo do confiante, e por a situação conflituar com as exigências de conduta de uma contraparte leal, correcta e honesta, com os ditames da boa fé em sentido objectivo.
Menezes Cordeiro[11], refere, lapidarmente, que são quatro os pressupostos da protecção da confiança, ao abrigo da figura do “venire contra factum proprium”:
“1°- Uma situação de confiança, traduzida na boa-fé própria da pessoa que acredite numa conduta alheia (no factum proprium);
2.° Uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do factum proprium seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis;
3.° Um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma actividade na base do factum proprium, de tal modo que a destruição dessa actividade (pelo venire) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara;
4.° Uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no factum proprium) lhe seja de algum modo recondutível.”
Assim, a conduta do agente, para ser integradora do “venire” terá, objectivamente, de trair o “investimento de confiança” feito pela contraparte, importando que os factos demonstrem que o resultado de tal conduta constituiu, in concreto, uma clara injustiça.
Na jurisprudência, como se refere no Ac. STJ de 21.01.2003[12], “a proibição de comportamentos contraditórios é de aceitar quando o venire contra factum proprium atinja proporções juridicamente intoleráveis, traduzido em chocante contradição com o comportamento anteriormente adoptado pelo titular do direito”.
Do acórdão desta Relação de 31.1.2008[13] extrai-se que “quando o titular do direito se deixou cair numa longa inércia sem a respectiva exercitação, susceptível de criar na contraparte a fundada convicção de que o direito não mais será exercido e que a sua posição jurídico-substantiva se encontra consolidada, nela tendo investido, em conformidade, as suas expectativas e o seu capital é ilegítimo e abusivo em tais circunstâncias, o exercício do direito, que, por isso, não deve ser reconhecido”.
Volvendo ao caso sub judice, temos como hialina a posição sufragada na sentença recorrida no sentido da existência de abuso de direito por parte dos A.A. no pedido de resolução do contrato.
O R. instalou-se com a sua família na fracção em causa e ao abrigo do mesmo contrato de arrendamento no início do ano de 1977, mostrando-se decorridos mais de 33 anos sobre aquela data.
Desde o início de Fevereiro de 1977 que o R. e a sua família fazem do locado o espaço da sua habitação permanente, depois de terem deixado de habitar numa pensão também na cidade do Porto. Ali passaram a viver o seu dia-a-dia durante mais de três décadas.
Dadas as circunstâncias em que o R. e família passaram a ocupar a fracção, e pese embora os termos do contrato, dificilmente o senhorio contratante (pai do A. marido) deixaria de saber que o R. iria afectar aquele espaço à habitação, ainda que fosse de admitir que ali também exercesse a sua indústria de estofador de móveis. É que, além do mais, no rés-do-chão em causa existia um quarto, uma divisão mais pequena, uma cozinha e uma casa de banho, que conferiam ao espaço aptidão para habitação. Mas a verdade é que também não se tendo provado a indicada afectação comercial do locado, deve entender-se que a não tinha. E se a não tinha, a algum fim o R. afectava o espaço.
Neste conspecto e tendo o pai do A. permanecido senhorio durante os mais de 30 anos do contrato de arrendamento, desde o seu início, mandam as regras da experiência da vida e da normalidade do comportamento humano que o mesmo conhecesse razoavelmente o fim a que o R. destinava o espaço arrendado e que não era aquele que constava da escritura pública pela qual formalizaram o arrendamento e em que um e outro intervieram directamente[14].
Este entendimento sai reforçado pela provas efectiva de que o pai do A. se deslocava ao imóvel regularmente e que até chegou a visitar a falecida mulher do R. quando ela esteve acamada. Quanto mais não fosse nesta situação, no interior da própria residência, o senhorio não poderia deixar de observar directamente o fim a que o locado estava destinado, sendo fácil também a constatação do eventual exercício do comércio pelo habitual movimento de mercadorias e pessoas (fornecedores e cliente) que implica no próprio estabelecimento comercial.
Ora, tendo decorrido mais de três décadas de contrato, em plena execução, sem que, como se provou, o senhorio tivesse feito alguma vez alusão a qualquer violação do contrato de arrendamento, é por demais evidente que se conformou com a referida afectação permanente à habitação que, ao arrepio do contrato, o R. deu à fracção.
Já no contrato o senhorio se dispunha a conceder autorização para outro destino do espaço locado, contanto que o R. a solicitasse. Conferindo tal utilização sem que reparo algum tivesse efectuado, o senhorio como que se conformou com a situação, autorizando-a tacitamente (art.º 217º, nº 1).
Foi neste voluntário silêncio do senhorio que, naquele tempo em que sempre habitou o locado e pagou a renda, o R. formou uma convicção legítima, fundada, de que poderia ali habitar e, decorrida a maior parte desse tempo, que jamais o senhorio obstaria a que ali residisse, ainda que essa continuasse a ser a única afectação do espaço.
O facto do senhorio não ter efectuado qualquer reparo quanto ao destino dado ao locado ao longo de tanto tempo não poderia ter deixado de criar no R. uma expectativa segura de que nunca lhe iria ser efectuada qualquer advertência no sentido de destinar o local ao fim previsto no contrato. Qualquer pessoa, medianamente esclarecida e avisada, colocada nas circunstâncias em que o R. se encontra, confiaria em que poderia ali continuar a residir, tudo se passando como se de um contrato destinado à habitação de tratasse.
Impor agora ao R. o fim contratualmente previsto, ou melhor, a resolução do contrato por incumprimento daquele fim, constituiria uma verdadeira e surpreendente traição ao seu interesse respeitado e protegido pelo primitivo senhorio ao longo de décadas, assim, numa conduta contraditória, manifestamente reprovável e violadora do princípio da boa fé[15]; por isso injusta e intolerável à luz do nosso ordenamento jurídico.
É neste sentido que se tem movimentado a jurisprudência.[16]
Com efeito, é um imperativo ético-jurídico evitar, no caso, a resolução contratual e os seus efeitos, prejudiciais ao R. A tal não obsta o facto do A. marido ter sucedido ex lege a seu pai apenas recentemente na posição de senhorio, pois que tal transmissão da posição contratual do locador, nesta matéria não interfere na execução do contrato, não podendo, por isso, ser prejudicada a protecção da confiança criada na pessoa do R. pelo pai do A. (art.º 1057º e 426º). Daí que se venha entendendo que não é legítimo ao novo senhorio pedir a resolução do contrato com fundamento em factos anteriores à data da transmissão e já exauridos nessa mesma data[17].

2- Da ampliação da apelação
Atenta a decisão que se impõe para a primeira questão da apelação --- a improcedência da acção ---, tem-se como prejudicada a apreciação da segunda questão, da ampliação da apelação (ou, no entender do recorrido, do recurso subordinado, se de ampliação não se tratasse) requerida pelo recorrido.

3- Da litigância de má fé dos A.A.
Julgando a acção improcedente, a 1ª instância condenou os A.A. como litigantes de má fé, por uma razão essencial: A pretensão dos A.A. estriba-se no facto do R. habitar no locado sem o seu conhecimento. Contudo ficou provado que os A.A. sabiam que o R. ali habitava.
Os A.A. negam que alguma vez tenham tomado conhecimento daquele facto antes de 9 de Abril de 2010, e só nesta data por então ter sido efectuada uma vistoria à fracção. Afirmam-no não apenas no recurso, mas logo na petição inicial (cf. respectivos art.ºs 10º a 15º e 18º).
Não confundamos os A.A. com os pais do A. marido. Uma coisa é o conhecimento do senhorio primitivo, contratante em 1977 e senhorio até Novembro de 2009, outra, bem diferente, é o conhecimento da situação por parte do actual senhorio, para quem aquele transmitiu a propriedade do imóvel onde se situa o locado apenas a partir daquela mesma data.
E o quê que nos factos provados contraria a alegação dos A.A.?
- Nada que agora releve em virtude factos pessoais!
Mantém-se a possibilidade de não ter sido do conhecimento dos demandantes, antes de 9 de Abril de 2009 que o R. afectava o locado à sua habitação. Talvez até nem conhecessem os termos do contrato! Daí que não seja possível afirmar que negaram um facto de que tinham conhecimento pessoal, “alterando a verdade dos factos”.
Com efeito, na não verificação da situação que serviu de condenação dos A.A. como litigantes de má fé, ou de qualquer dos fundamentos previstos sob as al.s a) a d) do nº 2 do art.º 456º do Código de Processo Civil, por acção dolosa ou gravemente negligente dos mesmos, haverá quer revogar a sua condenação como litigantes naquela qualidade.
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B- A apelação do R.
O R. reduziu o seu pedido reconvencional à indemnização, também esta reduzida para a quantia de € 1.556,00 correspondente ao custo das obras que teve que realizar no locado na sequência e por causa da inundação.
Além de senhorio do rés-do-chão, o A. é proprietário de todo o edifício e logradouro desde Novembro de 2009, atento facto provado sob o item 1º e a presunção de propriedade (não ilidida) emergente do registo predial a seu favor (art.º 7º do Código do Registo Predial).
Em Dezembro de 2009 ocorreu uma inundação na cozinha do R. devido ao rompimento do tubo de escoamento das águas de saneamento do 1º andar.
A instalação da rede de abastecimento de água encontra-se deteriorada na zona da cozinha.
Dali resultaram diversos danos ou prejuízos cujo valor provado o reconvinte reduziu para a quantia de € 1.556,00.
Na sentença, o pedido foi julgado improcedente com o fundamento de que o R. não logrou demonstrar que os danos tivessem chegado ao conhecimento do senhorio antes da vistoria realizada pela Câmara Municipal …; não sendo, assim, possível imputar a inércia do senhorio os danos que resultaram do rompimento de um cano proveniente do 1º andar.
A vistoria teve lugar em Fevereiro de 2010, ou seja, cerca de dois meses depois do facto lesivo, mas o referido processo iniciou-se ainda no dia 29 de Dezembro de 2009, a pedido do R., como resulta de um documento emitido pela Câmara Municipal (cf. fl.s 51).
Na perspectiva do apelante, o facto descrito sob o artigo 83º da contestação/reconvenção deveria ter tido resposta afirmativa, tendo por base os depoimentos testemunhais de F… e de E….
Dispõe o dito artigo 83º: “Prontamente informado do que se estava a passar, o senhorio não procedeu à execução de qualquer obra, pelo que o Réu viu-se obrigado a requerer à Câmara Municipal … a realização de uma vistoria de salubridade.”
Os A.A. não responderam à apelação do R.
Estão reunidos os requisitos de que a lei do processo faz depender a reapreciação da decisão em matéria de facto, nos termos dos art.ºs 685º-B, nºs 1 e 2, e 712º, nº 1, al. a) e nº 2, do Código de Processo Civil.
Apenas no enquadramento jurídico dos factos relativo ao pedido reconvencional a sentença (onde também se devem dar, fundamentadamente, como provados e não provados os factos relevantes para a decisão da causa[18]) refere que “o R. não logrou demonstrar que tais factos (rompimento do cano; infiltrações, etc.) tenham chegado ao conhecimento do senhorio antes da vistoria realizada pela C.M. ….”
Ouvida a prova indicada pelo recorrente, confirmam-se os trechos dos depoimentos das duas referidas testemunhas transcritos para as alegações da apelação.
Ouvidas ainda as duas testemunhas arroladas pelos A.A., verifica-se que nada sabem sobre este assunto. A K… é filha dos A.A. e sabe apenas que o pai recebeu uma carta da Câmara Municipal …, comparecendo então junto da edilidade, mas nada mais sabe sobre o assunto. L… é mulher do anterior senhorio (e mãe do A.), tendo referido que eram assuntos do marido, de que não estava a par.
Como assim, não há referências probatórias --- que não seja o depoimento de parte do A. marido --- que contrariem as referências efectuadas pelas ditas duas testemunhas arroladas pelo R. O E… é o vizinho do R., residente no 1º andar do mesmo edifício e, igualmente, inquilino dos A.A.; F… vive em união de facto com o R. na espaço arrendado desde o ano de 2001.
Destes dois depoimentos não resultam sinais de que os seus autores estivessem a faltar à verdade. Não foi posta em crise a sua razão de ciência, as relações de vizinhança e de intimidade existentes e as referências efectuadas afiguram-se sinceras e fundamentadas, em especial a prestação da companheira do R. que não deixou de responder com o seu desconhecimento quando foi perguntada sobre factos que favoreciam o R., deixando a ideia de que apenas se pronunciou sobre as situações a que assistiu, na medida do seu conhecimento e com verdade.
Mesmo o tribunal recorrido não desvalorizou estes dois depoimentos; pelo contrário, a eles atendeu para dar outros factos como provados, sem que justificasse o seu não aproveitamento quanto à matéria do art.º 83º da contestação, a que ambas foram indicadas pelo R.
A F… foi peremptória ao afirmar que só depois do R. ter contactado o senhorio e deste se ter recusado a fazer as obras é que solicitaram a vistoria à Câmara Municipal.
É certo que falou da existência de humidade na casa desde data anterior à inundação, mas foi clara ao afirmar também que a inundação foi a causa determinante dos danos, “quando os azulejos começaram a deitar água”.
Embora não distinguindo expressamente se o R. denunciou a inundação e os danos junto do senhorio antes ou depois da vistoria que solicitou à Câmara Municipal, a testemunha E… confirmou a prontidão com que o R. se dirigiu ao senhorio. E para descrever a rapidez com que os equipamentos da cozinha ficaram afectados, disse, dirigindo-se ao ilustre advogado de uma das partes: “O Sr. não faz ideia do que é o rebentamento de um tubo!”
Como vimos, o processo de vistoria foi iniciado logo no final de Dezembro de 2009, assim, no mesmo mês em que o R. se deparou com a inundação.
O A. marido esteve presente na vistoria (logo em Fevereiro de 2010) e até tirou fotografias ao interior da habitação, contudo e apesar do resultado daquela diligência administrativa, não fez as obras. Face àquela inércia, fizeram-nas o R. e o inquilino do 1º andar, em conjunto, no mês de Setembro seguinte, dividindo a despesa, já que a inundação também provocou danos no arrendado do último.
Dada a prontidão da denúncia, só a passividade consciente do próprio A. poderá ter contribuído para o agravamento dos danos, sendo de dar como assente, com a necessária segurança, com base nas referidas provas e a partir da alegação do facto constante sob o artigo 83º da contestação, pelo menos que:
Logo que se verificou a inundação, o R. informou o senhorio sobre o que se estava a passar e, ainda assim, este recusou-se a executar qualquer obra de reparação”.
Com efeito, não fica a dúvida de que foi inércia dos A.A. na reparação, e não do R., que ditou a verificação e eventual agravamento dos danos ditado pelo decurso do tempo em más condições.
Cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário (art.º 1074º). Está em causa a reparação de um dano resultante do mau funcionamento por deterioração das tubagens, mais de 30 anos depois do início do contrato.
Com aquele facto provado, justamente aquele por falta do qual a sentença julgou o pedido reconvencional improcedente, resta-nos contrariar aquela decisão recorrida em função da modificação operada na matéria de facto, julgando procedente a reconvenção; porém, com a redução do pedido operada no processo pelo reconvinte, que o delimitou ao valor da indemnização dos prejuízos, este também reduzido para a quantia de € 1.556,00.
Neste enfiamento, deve julgar-se a apelação do R. procedente
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SUMÁRIO (art.º 713º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1- Litiga com abuso de direito o senhorio, transmissário muito recente da posição de locador, que, decorridos trinta e três anos sobre o início do contrato de arrendamento, pede a sua resolução com base na destinação efectiva do locado à habitação do locatário e família, constando no contrato escriturado que o arrendamento tem por fim o comércio de estofador, quando ao longo daquele longo período de tempo o inquilino sempre afectou o locado à sua habitação permanente e disso o primeiro locador teve conhecimento sem que manifestasse qualquer oposição.
2- A passividade do senhorio ao longo mais de três décadas, significando respeito pelo fim concretamente dado ao locado, criou legitimamente no arrendatário a confiança em que aquele jamais obstaria à sua habitação, de tal modo que a procedência do pedido de resolução do contrato constituiria agora uma conduta contraditória do locador, manifestamente reprovável e intolerável à luz dos princípios que enformam o nosso ordenamento jurídico, em especial do princípio da boa fé.
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IV.
Pelo exposto, de facto e de direito, acorda-se nesta Relação em julgar:
A- Improcedente a apelação dos A.A., por isso prejudicado o conhecimento da ampliação ou do recurso subordinado requeridos pelo R., assim se confirmando a decisão da acção; e
B- Julgar procedente a apelação do R. e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida quanto à matéria da reconvenção, condenando-se agora os A.A. reconvindos no pagamento ao R. da indemnização de € 1.556,00 (mil, quinhentos e cinquenta e seis euros).
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Quanto custas:
- Da apelação dos A.A., pelos mesmos.
- Da apelação do R., pelos A.A., sendo que as custas da reconvenção, na 1ª instância são proporcionais ao decaimento (atenta a redução do pedido reconvencional manifestada no requerimento de fl.s 154 e seg.s).
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Porto, 12 de Janeiro de 2012
Filipe Manuel Nunes Caroço
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Maria Amália Pereira dos Santos Rocha
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[1] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[2] Cf. Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, Coimbra, 4ª edição, p.s 54, 103 e 113 e seg.s.
[3] Note-se que a ampliação do objecto do recurso, a requerimento do recorrido, nos termos do art.º 684º-A do Código de Processo Civil, funciona já como uma espécie de recurso subordinado do recorrido para a hipótese de proceder o recurso do recorrente e abrange a situação de causas de pedir ou de meios de defesa alternativos ou subsidiários, embora o recorrido não seja vencido (cf. Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, 2009, pág. 85). [4] Decreto-lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro que aprovou o Regime do Arrendamento Urbano.
[5] Que aprovou o NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano).
[6] Castanheira Neves, “Lições de Introdução ao Estudo do Direito”, edição copiografada, Coimbra, 1968/69, pág. 391, citado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.1.2003, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. I, pág. 64.
[7] Da Boa Fé no Direito Civil”, vol. II, Coimbra, 1984, págs. 760 e 761.
[8] Sobre a Proibição do Comportamento contraditório (Venire Contra Factum Proprium) no Direito Português (in Boletim da Faculdade de Direito – Volume Comemorativo, Coimbra 2003, pág.s 269 e seg.s.
[9] Agora, citando Baptista Machado, Tutela da Confiança e Venire Contra Factum Proprium, Obras Dispersas, vol. I, Braga, 1991, pág. 352.
[10] Da Boa Fé no Direito Civil” – Colecção Teses, pág. 745.
[11] In “Revista da Ordem dos Advogados”, Ano 58, Julho 1998, pág. 964.
[12] Proc. 2970/02 da 1ª secção – Relator Ex. Conselheiro Dr. Azevedo Ramos, citado no acórdão da Relação do Porto de 23/5/2005 www.dgsi.pt.
[13] Proc. nº 0735715, in www.dgsi.pt.
[14] É permitido às instâncias extrair conclusões ou ilações da matéria de facto dada por provada, esclarecendo-a e completando-a, nos termos do art.º 349º do Código Civil (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.12.2008, proc. nº 08B3154, in www.dgsi.pt).
[15] A boa-fé (normativa) referida no art.º 334º não é mais que uma regra de conduta que impõe às pessoas o dever de lealdade nas relações e procedimento honesto, evitando causar lesão na esfera jurídica alheia e colaborando na realização ou, ao menos, não frustrando a satisfação das legítimas expectativas de outrem que fundadamente confiou em determinada conduta e nela assentou a sua actuação e investimento (protecção da confiança) - como se pode deduzir das normas dos art.ºs 227º, 334º e 762º, nº 2 , do Código Civil. Neste sentido, Coutinho de Abreu, Do Abuso de Direito”, Almedina, 2006, pág. 55.
[16] Cf., entre outros, os acórdãos desta Relação de 30.10.1997, proc. nº 9730259 e de 3.3.2005, proc. nº 0530531, in www.dgsi.pt, e da Relação de Lisboa de 7.1.2007, proc. nº 7478/06-6 e de 24.1.2008, proc. nº 10615/2007-2, in www.dgsi.pt, e ainda acórdão da Relação de Guimarães de 22.2.2011, proc. nº 2019/06.9TBVCT.G1, publicado na mesma base de dados.
[17] Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, 2ª edição rev. e act., Almedina, pág. 480.
[18] Cf. art.º 15º, nºs 1 e 2, do Decreto-lei nº 108/2006, de 8 de Junho, que aprovou o Regime Processual Civil Experimental.