Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0553159
Nº Convencional: JTRP00038314
Relator: RAFAEL ARRANJA
Descritores: INDEFERIMENTO LIMINAR
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
NOVA PETIÇÃO
Nº do Documento: RP200507110553159
Data do Acordão: 07/11/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: I - A lei processual civil permite a apresentação de novo petição inicial em caso de indeferimento liminar da primeira, com fundamento na manifesta improcedência do pedido.
II - Se o primeiro indeferimento se baseou na falta de alegação de determinados factos, não se está perante “situação irremediável”, que justifique a recusa de nova petição, já que o Autor pode alegar nela os elementos factuais que antes não alegara.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B.........., LDA, inconformada com o despacho de fls 40/41, que lhe indeferiu a apresentação de nova petição inicial de embargos de terceiro, interpôs o presente recurso de agravo.

Na respectiva minuta formulou as seguintes conclusões:

1- O nº 1 do artigo 234º-A do Código de Processo Civil, em conjugação com o disposto no artigo 476º do mesmo diploma legal, conferem à agravante a faculdade de apresentar uma segunda petição inicial, devidamente corrigida;

2- O nº 1 do artigo 234º-A citado faculta essa possibilidade, mesmo no caso, verificado nestes autos, de o Juiz entender que é manifestamente improcedente o pedido formulado na primeira petição inicial;

3- A este entendimento conduz a literalidade dos preceitos em causa, bem como sempre o recomendaria o respeito pelo princípio da economia processual implícito no espírito do Legislador ao promover as várias alterações que introduziu, particularmente, no artigo 234º-A do Código de Processo Civil;

4- O Mº Juiz fundamentou a sua decisão em doutrina e jurisprudência anteriores à actual redacção do nº 1 do artigo 234º-A do Código de Processo Civil, e do tempo em que autores e tribunais polemizavam acerca da admissibilidade / inadmissibilidade de apresentação de nova petição inicial, questão definitivamente resolvida pelo Legislador nos artigos 234º-A, nº 1 e 476º do C. P. Civil;

5- O douto despacho recorrido faz incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 354º, 234º, nº 4, al. a) e 234º-A, nº 1, do Código de Processo Civil.

O Mmº Juiz “a quo”, sustentou a decisão recorrida.

Após os vistos legais, cumpre decidir.
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O pertinente quadro factual é o seguinte:

A ora Agravante, por apenso à execução para pagamento de quantia certa nº ..../04..TB.........., deduziu embargos de terceiro, que foram indeferidos liminarmente, por manifesta improcedência do pedido.

Notificada desta decisão, veio a Embargante/Agravante apresentar nova petição inicial, a qual foi novamente indeferida, com fundamento no facto de o vício de que padecia a primeira petição, não ser remediável.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – CPC= 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3 (Diploma a que pertencem as normas a seguir mencionadas sem indicação de origem)

Emerge, assim, como questão a decidir, a de saber se podia ser negada à ora Agravante a faculdade de apresentar uma nova petição inicial.

A Embargante, face ao indeferimento liminar da 1ª petição, apresentou uma 2ª, ao abrigo dos artºs 234º-A e 476º.

Argumenta o Mmº juiz a quo que tal procedimento lhe está vedado, na medida em que o mesmo pressupõe que o vício determinante do 1º indeferimento é remediável, o que não acontece in casu, pois o motivo determinante do indeferimento liminar da 1ª p.i. foi a manifesta improcedência do pedido.

Não podemos concordar com o assim decidido.

Vejamos.

O artº. 234º-A, em caso de indeferimento liminar da petição, por manifesta improcedência do pedido, remete para o artº. 476º, que permite (sob a epígrafe “Benefício concedido ao autor”) a apresentação de nova petição inicial.

Quer dizer, o artº. 234º-A, expressamente, permite a apresentação de novo articulado em caso de indeferimento liminar do primeiro com fundamento na manifesta improcedência do pedido – precisamente como aconteceu in casu.

Diz-se, é certo, na decisão recorrida, que a faculdade de apresentação de nova petição pressupõe que o vício determinante do indeferimento seja remediável.

Lê-se, na decisão que indeferiu a 1ª petição (fls 19 e ss), o seguinte:

“…a embargante não invocou o facto jurídico de onde promana esse seu alegado direito de propriedade sobre os ajuizados bens móveis, porquanto não esclarece qual a forma por que adquiriu essa propriedade – aquisição originária ou derivada”.

Ou seja, o indeferimento teve por base, no fundo, a falta de alegação de determinados factos.

Sendo assim, como é, não podemos dizer que estamos perante uma “situação irremediável”, uma vez que, nada impede que, na nova petição, o autor alegue a necessária factualidade.

É o próprio Autor citado na decisão recorrida (Prof. A. Reis, local citado) que ensina que (sendo certo que tudo depende de ser ou não remediável ou removível a causa do indeferimento) a doutrina do artigo 476º está principalmente em correlação com as alíneas a) e b) do artº. 474º, nº 1, isto é, que o artº. 476º terá aplicação se o vício de que padece a petição for algum dos previstos nessas als..
Ora, um desses males era, precisamente, a ineptidão da petição inicial (474º, nº 1, al. a)), gerada, entre outras causas, pela falta da causa de pedir (198º, nº 2, al. a) e 498º, nº 4), ou seja, pela falta do “facto jurídico de que deriva tal direito de propriedade”, como referido pelo Mmº Juiz a quo.
O mesmo Autor, exemplifica que o artº. 476º já não terá aplicação se o indeferimento for fundado na 1ª parte, da al. c), do artº. 474º, nº 1, o que se compreende, pois nessa hipótese estamos face a uma acção proposta fora de tempo, isto é, face a um vício, esse sim, irremediável.

Finalmente, como bem refere a Agravante, não são despiciendas as razões de celeridade processual, subjacentes ao entendimento aqui prosseguido.

Procedem, destarte, as conclusões da minuta
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DECISÃO

Pelo exposto, concede-se provimento ao agravo e revoga-se a decisão recorrida.

Sem custas.
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Porto, 11 de Julho de 2005
José Rafael dos Santos Arranja
Jorge Manuel Vilaça Nunes
António Augusto Pinto dos Santos Carvalho