Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00031330 | ||
Relator: | SOUSA PEIXOTO | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO A PRAZO RENOVAÇÃO COMUNICAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP200105280110420 | ||
Data do Acordão: | 05/28/2001 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | T TRAB STA MARIA FEIRA | ||
Processo no Tribunal Recorrido: | 893/99 | ||
Data Dec. Recorrida: | 12/21/2000 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO. | ||
Área Temática: | DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB. | ||
Legislação Nacional: | DL 64-A/89 DE 1989/02/27 ART45 N1 N3 ART46 N1. CCIV66 ART224 N1 ART279 C. | ||
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Sumário: | I - A comunicação de não renovação do contrato tem natureza receptícia. II - Por isso, só produz efeitos quando chegar ao poder efectivo do trabalhador ou quando entrar na sua esfera de acção. III - Se a carta contendo aquela comunicação foi recebida por terceira pessoa, a pedido do trabalhador, a comunicação tornou-se eficaz na data em que a carta foi recebida por aquela pessoa. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na secção social do Tribunal da Relação do Porto: 1. Maria ..... propôs a presente acção emergente de contrato individual de trabalho contra M.....-Indústrias de ....., Ldª, pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe a importância de 412.429$00, correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo do contrato (6.9.99), acrescida de juros de mora desde a citação. Alegou ter sido admitida ao serviço da ré, em 6.9.98, mediante contrato de trabalho pelo prazo de três meses, mas que tal contrato deve ser considerado celebrado pelo prazo de seis meses pelo facto de a justificação nele aposta (primeiro emprego) não permitir a celebração por prazo inferior a seis meses. Que trabalhou ininterruptamente até 7.3.99, data em que a ré lhe comunicou que estava despedida, alegando que o seu contrato tinha terminado no dia anterior. A ré contestou, alegando que fez cessar o contrato no final do sexto mês (6.3.99), através de carta enviada à autora em 23.2.99. A autora respondeu, alegando que só tomou conhecimento da carta quando foi notificada da contestação. Realizado o julgamento, a acção foi julgada parcialmente procedente, tendo a ré sido condenada a pagar á autora a quantia de 4.820$00 de diferenças na retribuição de férias e no subsídio de Natal. A autora recorreu, suscitando as questões que adiante serão referidas. A ré contra-alegou, pedindo a confirmação da sentença e a condenação da autora em multa e indemnização, como litigante de má fé. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: 2. Os factos Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos: a) Em 6.9.98, a autora e a ré celebraram um contrato de trabalho com a duração de três meses, nos termos do qual a autora, a partir de tal data, passaria a trabalhar sob as ordens e instruções da ré, na fábrica de calçado da ré, situada na Rua ....., ...... . b) A autora foi retribuída com base no salário de 47.100$00 e no subsídio de alimentação de 270$00 por cada dia de trabalho prestado. c) A cláusula do prazo de duração do contrato foi justificada em virtude de a autora andar à procura do 1º emprego. d) A autora manteve-se ininterruptamente ao serviço da ré desde a data da sua admissão até 6.3.99. e) Em 23.2.99, a ré denunciou o contrato enviando à autora a respectiva comunicação de denúncia para 6.3.99. f) Essa comunicação foi enviada para a morada da autora constante dos registos da ré (designadamente do impresso para a inscrição na Segurança Social subscrito pela autora). g) A autora nunca comunicou qualquer mudança de residência à ré. h) Essa carta teve o destino habitual de outras cartas destinadas à autora, isto é, entrega à pessoa cuja rubrica consta do AR de fls. 35. i) No dia 7.3.99, a ré não permitiu que a autora prestasse trabalho na sua fábrica de calçado e comunicou-lhe que o seu contrato tinha terminado no dia anterior. j) A partir de então, a ré não mais permitiu que a autora prestasse trabalho na sua fábrica de calçado. l) A ré pagou à autora, em 31.3.99, 12.635$00 de vencimento, 1.300$00 de subsídio de alimentação, 7.850$00 de proporcionais de subsídio de Natal e 23.500$00 de proporcionais de férias e de subsídio de férias. A decisão sobre a matéria de facto não foi impugnada pela recorrente, mas a boa decisão da causa impõe que a mesma seja ampliada, para esclarecer as condições em que a carta de denúncia do contrato foi recebida. Concretamente, importa esclarecer se a pessoa que recebeu a carta tinha autorização da recorrente para isso. O esclarecimento deste ponto é fundamental, uma vez que a comunicação da não renovação do contrato de trabalho a termo, tendo natureza recipienda, só produz efeitos quando chega ao poder do trabalhador ou quando é dele conhecida (artº 224º do CC). O esclarecimento referido importa que a matéria de facto seja ampliada, mas tal ampliação não implica a anulação do julgamento, uma vez que todos os elementos de prova constam do processo, por ter havido gravação da prova testemunhal. Este tribunal está, pois, em condições de proceder à referida ampliação. E depois de ter ouvido o depoimento da pessoa que assinou o aviso de recepção de fls. 35 (a testemunha Manuel .....) todas as dúvidas ficam desfeitas. A testemunha declarou efectivamente que era ela quem recebia o correio da recorrente, por esta trabalhar fora de casa. Que o fazia a pedido da recorrente e do seu companheiro, por estes morarem num apartamento do seu sogro situado perto da sua oficina de automóveis. Que mesmo depois da recorrente ter mudado de residência, continuou a receber, a pedido dela, o correio que lhe era dirigido, correio que depois o seu companheiro vinha buscar. Disse, ainda, que todo o correio recebido foi entregue à recorrente. Face ao teor do depoimento da testemunha Manuel ....., decide-se aditar à matéria de facto provada os seguintes factos: m) A ré enviou à autora a carta fotocopiada a fls. 21. n) Essa carta foi recebida 25.2.99 pela testemunha Manuel ..... e foi entregue à autora. o) Habitualmente era aquela testemunha quem recebia o correio que vinha dirigido á autora e fazia-o a pedido desta. 3. O direito A única questão suscitada pela recorrente diz respeito à eficácia da comunicação de denúncia do contrato. A recorrente entende que a recorrida não fez prova de que ela tinha recebido ou tomado conhecimento da carta de denúncia do contrato e que não ficou demonstrado que ela tivesse alguma coisa a ver com o facto de a carta ter sido entregue a outra pessoa. Vejamos se tem razão. Não se discute a natureza do contrato de trabalho que foi celebrado entre as partes. Como consta do documento de fls. 6, trata-se de um contrato a termo pelo prazo de três meses, com início em 7.9.98. Também não se discute que o contrato deve ser considerado celebrado pelo prazo de seis meses, uma vez que o motivo justificativo do prazo nele aposto (procura de 1º emprego) não permitia a sua celebração pelo prazo de três meses (vide artºs 45º, nºs 1 e 3, do regime jurídico aprovado pelo DL nº 64-A/89, de 27/2, que passaremos a designar por LD). O termo do contrato ocorria, portanto, às 24 horas do dia 7.3.99 (artº 279º, al. c), do CC). Para evitar a sua renovação, a recorrida tinha de comunicar à recorrente até oito dias antes de o prazo expirar, por forma escrita, a sua vontade de não o renovar (artº 46º, nº 1, da LD). A comunicação de não renovação do contrato tem natureza receptícia, o que significa que, nos termos do artº 224º do CC, só se torna eficaz quando chega ao poder do trabalhador ou quando for dele conhecida. No caso concreto, para ser eficaz, ou seja, para evitar a renovação do contrato, a comunicação de não renovação do contrato tinha de chegar ao poder da recorrente ou ser dela conhecida até ao dia 27.2.99. A recorrida comunicou a sua intenção de não renovar o contrato nos termos da carta de fls. 21 que foi recebida pela testemunha Manuel ....., em 25.2.99. A questão que se coloca é a de saber se tal comunicação produziu os seus efeitos ou não, uma vez que a carta foi recebida por terceira pessoa e não estar provado em que data foi entregue à recorrente. A matéria de facto dada como provada na 1ª instância podia suscitar dúvidas acerca da resposta a dar àquela questão, mas as dúvidas deixaram ter razão de ser face ao aditamento de que foi alvo supra. Está agora claro que a carta foi recebida por terceira pessoa, mas a pedido da própria recorrente e, sendo assim, deve-se entender que a carta chegou ao poder da recorrente na data em que foi recebida pela testemunha Manuel ....., ou seja, em 25.2.99. É o que resulta do disposto na primeira parte do nº 1 do artº 224º do CC que consagra a teoria da recepção, nos termos da qual a declaração produz efeitos desde que o destinatário passa a estar em condições de a conhecer. Não é necessário que chegue à posse do destinatário. Basta que entre na sua esfera de acção (Mota Pinto, Teoria Geral, Coimbra, 1973, pag. 397). Como se diz na RLJ, 102º, 143-144, o que importa é que a declaração seja colocada ao alcance do destinatário, que este seja posto em condições de, só com a sua actividade, conhecer o seu conteúdo. Mas, se porventura o não conhecer, isso nada afecta a perfeição ou eficácia da declaração, evitando-se assim fraudes e evasivas por parte do destinatário. Ora, não há dúvidas de que a carta entrou na esfera da recorrente na data em que foi recebida pela testemunha Manuel ..... . A partir daí, a recorrente ficou em condições de conhecer o conteúdo da mesma e, se tal não aconteceu, foi por culpa sua. Relevante é a data em que a testemunha assinou o aviso de recepção e não a data em que a carta veio a ser entregue à recorrente, que, aliás, se ignora. Deste modo, temos de concluir que a declaração emitida pela recorrida de não renovação do contrato produziu efeitos em 25.2.99, ou seja, 10 dias antes do termo do contrato, o que leva à improcedência do recurso. 4. Da má fé A recorrida pediu que a recorrente fosse condenada como litigante de má fé, mas, salvo o devido respeito, não tem razão. Como resulta do que acima ficou exposto, a matéria de facto dada como provada na 1ª instância não permitia concluir pela manifesta improcedência do recurso. A posição sustentada pela recorrente era sustentável, por não estar provado que a pessoa que recebeu a carta estivesse autorizada a fazê-lo e por não estar provado que a tivesse entregue à recorrente. Não há, por isso, razões para condenar a recorrente como litigante de má fé. 5. Decisão Nos termos expostos, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida. Custas pela recorrente. PORTO, 28 de Maio de 2001 Manuel José Sousa Peixoto Carlos Manuel Pereira Travessa João Cipriano Silva |