Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00034038 | ||
Relator: | TELES DE MENEZES | ||
Descritores: | EMISSÃO DE CHEQUE DURANTE MEDIDA DE RESTRIÇÃO DO USO RESCISÃO | ||
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Nº do Documento: | RP200202070131949 | ||
Data do Acordão: | 02/07/2002 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | T J V VERDE 1J | ||
Processo no Tribunal Recorrido: | 81/01 | ||
Data Dec. Recorrida: | 05/29/2001 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR OBG. | ||
Legislação Nacional: | DL 454/91 DE 1991/12/28 ART1 N1. | ||
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Sumário: | I - A sanção consistente na rescisão do direito e emissão dos cheques encontra-se ligada à utilização indevida dos mesmos cheques, quer em nome próprio, quer em representação de outrem. II - A instituição de crédito é responsável pelo pagamento dos cheques emitidos pelos sócios de uma sociedade, a quem entregou módulos de cheques da conta da sociedade, sabendo que estavam inibidos da sua utilização. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Indústria de C....., Lda intentou a presente acção com processo ordinário contra a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Área Metropolitana do Porto CRL, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 6 000 000$00, acrescida de juros de mora à taxa legal, bem como na indemnização a liquidar em execução de sentença pelos danos decorrentes da presente acção, mormente as despesas com a cobrança dos títulos de crédito em questão. Alegou, resumidamente, que forneceu à sociedade Av....., Lda, representada pelos sócios gerentes Maria Manuela ..... e Avelino ....., produtos do seu comércio de carnes verdes, contra a entrega de cheques como meio de pagamento do preço respectivo, no valor peticionado de 16 000 000$00. Tais cheques diziam respeito à conta n.º ........, aberta na Ré à ordem de Av....., Lda. A Ré entregou aos mencionados representantes desta sociedade os módulos de cheques de que saíram os entregues à A., emitidos e preenchidos pelos representantes da titular da conta, os quais não foram pagos por falta de provisão. A mencionada entrega dos ditos módulos teve lugar quando Maria Manuela ..... e Avelino ...... já havia sido objecto de rescisão da convenção de cheque por má utilização, estando inibido do uso de cheque, o que a Ré bem sabia. A Ré contestou, dizendo que Av....., Lda nunca constou da listagem de utilizadores de cheques que oferecem riscos até às datas referidas pela A., havendo listagens específicas difundidas pelo Banco de Portugal para empresas, além de que a Ré não facultou cheques a Maria Manuela .....nem a Avelino ....., mas sim à sociedade atrás mencionada, que teve outros gerentes ao longo da sua existência e sempre gozou de crédito na praça, sendo detentora de personalidade jurídica autónoma. Mal a Ré teve conhecimento de que a sua cliente, a quem entregou os cheques, Av....., Lda tinha violado o espírito de confiança que deve presidir à circulação dos cheques rescindiu com ela a convenção do uso de cheques. A A. replicou, reafirmando a sua posição inicial. Procedeu-se ao saneamento e condensação do processo. Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido. A A. recorreu, concluindo desta forma a sua alegação: 1.º. A sociedade Av....., Lda não integrava a listagem de utilizadores de cheque que ofereciam risco nem tinha da mesma constar, pois que apenas constam dessa lista as pessoas singulares, isto é, no caso de se tratar de sociedades, os respectivos representantes legais. 2.º. A rescisão da convenção que atribua o direito de emissão de cheques é feita individualmente e não à sociedade. 3.º. É essa não só a prática do Banco de Portugal como, igualmente, o próprio sentido do n.º 1 do art. 1.º do DL n.º 454/91, de 28-12. 4.º. Tendo a apelada fornecido a Maria Manuela ..... e a Avelino ..... os impressos de cheques que estes, posteriormente, vieram a emitir e entregar à apelante, cheques esses que, apresentados a pagamento, vieram a ser devolvidos por falta de provisão, não poderão deixar de se considerar preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil previstos no art. 9.º do DL n.º 454/91, de 28.12 (na redacção anterior ao DL n.º 316/97, de 19.11). 5.º. A não se entender assim sempre se estaria em face de uma típica situação de desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade comercial: “o desrespeito pelo princípio da separação entre pessoa colectiva e os seus membros ou, dito de outro modo, derrogar o princípio da separação entre a pessoa colectiva e aqueles que por detrás dela actuam”. 6.º. No caso sub judice impõe-se a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, sob pena de se frustrarem os fins legítimos que a ordem jurídica visa tutelar. 7.º. Não é aceitável que a pretexto de serem entes jurídicos distintos e com personalidades jurídicas autónomas, se pretenda considerar normal e absolutamente legal a entrega de cheques a Maria Manuela ..... e a Avelino ..... quando estes faziam o giro comercial da sociedade Av....., Lda. 8.º. Além do conhecimento por parte da apelada que não podia nem devia, durante o período de inibição, facultar cheques à Maria Manuela ..... e ao Avelino ....., por se encontrarem inibidos, devendo, por isso, desde logo, proceder à rescisão da convenção de cheque com estes, o que tão pouco fez, aquela não desconhecia que a gerência da sociedade pertencia aos sócios Maria Manuela ..... e Avelino....., que estes eram detentores da maioria do capital social e que eram as únicas pessoas com poderes para movimentar a conta da sociedade e aí efectuavam movimentos bancários, saques e emissão de cheques. 9.º. "Importa não hipervalorizar o instituto da personalidade colectiva, aceitando cega e indiscriminadamente, sem atender aos fins que impuseram a sua criação, todas as consequências que dele decorrem por via lógico dedutiva". 10.º. A emissão e entrega dos cheques emitidos pela Maria Manuela ..... e por Avelino ..... foi condição essencial para que a apelante se convencesse da seriedade dos negócios celebrados com aqueles em nome e representação da sociedade Av....., Lda e para a determinar, como determinou, a investi-los na posse material da mercadoria transaccionada sem o recebimento imediato do respectivo preço em numerário. 11.º. Houve violação do disposto no n.º 2 do art. 3.º do DL n.º 454/91, de 28-12 (na redacção anterior ao DL n.º 316/97, de 19-11) por parte do banco, ora apelado, ao proceder à entrega dos módulos de cheques apurada nos autos, pelo que deverá a apelada ser obrigada a pagar, tendo em conta a sua falta ou insuficiência de provisão, os cheques fornecidos a Maria Manuela ..... e Avelino ..... e emitidos por estes a favor da apelante. 12.º. Trata-se, pois, de uma responsabilidade específica que tem como pressupostos a ilicitude (traduzida na entrega de módulos de cheques a quem está inibido do seu uso) e o dano (a falta de pagamento do cheque, quando apresentado a pagamento ao banco pelo seu legítimo portador). 13.º. E mesmo que se não considere a existência de uma responsabilidade específica sempre se estaria, no caso sub judice, numa situação em que o dever de indemnizar da apelada decorreria da responsabilidade genérica do art. 483.º do Cód. Civil, por estarem preenchidos, in casu, os respectivos pressupostos. 14.º. Assim, a decisão impugnada não pode manter-se, pois preteriu o disposto. nos art.s 1.º, 3.º, n.º 2 e 9.º do DL n.º 454/91, de 28-12 (na redacção anterior ao DL n.º 316/97, de 19-11) e 483.º do Cód. Civil. A apelada contra-alegou pedindo a confirmação da sentença. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. Factos provados: 1.º. A A. é uma sociedade comercial legalmente constituída, com sede em ....., que explora com intuitos lucrativos o comércio e indústria de carnes verdes - A). 2.º. A Ré é uma instituição bancária com sede na ..... e possuidora de várias agências na área metropolitana do ....., entre elas o balcão da ..... - B). 3.º. A Ré exerce uma actividade de crédito remunerada cobrando-se, designadamente, da emissão e entrega aos clientes de módulos de títulos de crédito com mandatos puros e simples de pagamento de quantias determinadas designados por cheques - C). 4.º. Av....., Lda era uma sociedade comercial legalmente constituída, matriculada na 3.ª CRC do Porto sob o n.º ..... e com sede na ....., que tinha por objecto a indústria e comércio de carnes – C’). 5.º. O seu capital social era de 200 000 000$00 e correspondia à soma das seguintes quotas: - duas no valor de 25 000 000$00 e 35 000 000$00 pertencentes a Avelino .....; - duas no valor de 25 000 000$00 e 35 000 000$00 pertencentes a Maria Manuela ......; - duas no valor cada uma de 40 000 000$00, pertencentes a Albino ..... - D). - 6.º. Por sentença proferida nos autos de processo .../..., da ... Secção do ... Juízo Cível da Comarca do Porto em 3.2.97 , foi a sociedade Av....., Lda declarada falida - E). 7.º. A gerência da sociedade Av...., Lda pertencia aos sócios Maria Manuela ..... e Avelino ..... - F). 8.º. Sendo necessária a intervenção destes dois gerentes para obrigar a sociedade – G). 9.º. Representada pelos sócios gerentes Maria Manuela ..... e Avelino ....., a sociedade Av....., Lda abriu na dependência da Ré na ..... uma conta para efectuar depósitos à ordem, a que foi atribuído pela Ré o n.º ..........- H) e I). 10.º. Da conta n.º ........ficou a constar, como condição necessária à respectiva movimentação, a assinatura conjunta de Maria Manuela ..... e de Avelino ..... - J). 11.º. Através da conta n.º ....... a Maria Manuela ..... e o Avelino ..... efectuavam os movimentos bancários, saques e emissão de cheques, tendo como objectivo o giro comercial da sociedade Av....., Lda - L). 12.º. A A. apresentou a pagamento, sem que obtivessem provisão, os seguintes cheques, que foram participados criminalmente: n.º ........, emitido em 13.11.1996, pelo valor de 500 000$00, cujo original de encontra junto aos autos de proc. n.º .../..., a correr termos pelo ... Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde; n.º ........., emitido em 20.11.96, pelo valor de 500 000$00, cujo original se encontra junto aos autos de proc. .../..., a correr termos pelo ... Juízo do Tribunal de Vila Verde ; n.º ........., emitido em 4.12.1996, pelo valor de 5000 000$00, cujo original se encontra junto aos autos de proc. n.º .../..., a correr pelo ... Juízo do Tribunal de Vila Verde; n.º ........., emitido em 11.12.1996, pelo valor de 500 000$00, cujo original se encontra junto aos autos de proc. n.º .../..., a correr termos pelo mesmo Tribunal; n.º .........., emitido em 8.1.1997, pelo valor de 500 000$00, objecto de arquivamento no inquérito n.º .../..., que correu termos pela 1.ª Delegação da Procuradoria da República de Vila Verde; n.º ..........., emitido em 22.1.1997, pelo valor de 500 000$00, objecto de arquivamento no mesmo inquérito; n.º ..........., emitido em 19.2.1997, pelo valor de 500 000$00, objecto de arquivamento no mesmo inquérito; n.º ........., emitido em 5.3.1997, pelo valor de 500 000$00, objecto de arquivamento no inquérito n.º .../..., que correu termos na mesma Delegação; n.º ........, emitido em 12.3.1997, pelo valor de 500 000$00, objecto de arquivamento no mesmo inquérito; n.º ........., emitido em 19.3.1997, pelo valor de 500 000$00, objecto de arquivamento no mesmo inquérito; n.º .........., emitido em 26.3.1997, pelo valor de 500 000$00, objecto de arquivamento no mesmo inquérito; n.º .........., emitido em 2.4.1997, pelo valor de 500 000$00, objecto de arquivamento no mesmo inquérito; n.º ........., emitido em 9.4.1997, pelo valor de 500 000$00, objecto de arquivamento no mesmo inquérito; n.º..........., emitido em 16.4.1997, pelo valor de 500 000$00, objecto de arquivamento no mesmo inquérito; n.º .........., emitido em 23.4.1997, pelo valor de 50 0000$00, objecto de arquivamento no mesmo inquérito - M). 13.º. O montante titulado pelos cheques emitidos à ordem da A, totaliza a quantia de 16 000 000$00, que quer a sociedade Av....., Lda quer Maria Manuela ..... quer Avelino ..... não pagaram à ª - N). 14.º. Maria Manuela ....., em 27.7.1995, foi objecto de rescisão da convenção de cheque por má utilização pelo Banco P – 1.º. 15.º. Tendo constado da lista de utilizadores de cheque que oferecem risco desde 24.8.95 até 24.8.97 – 2.º. 16.º. Avelino ..... foi objecto de rescisão da convenção de cheque, por má utilização, em 4.5.95 pelo Banco C e em 27.7.95 pelo Banco P – 3.º. 17.º. Tendo constado da lista de utilizadores de cheque que oferecem risco desde 1.8.95 até 1.8.97 - 4.º. 18.º. O Banco de Portugal emitiu circulares com as informações daqueles registos bancários a todas as instituições de crédito – 5.º. 19.º. A Ré recebeu e teve conhecimento dessas circulares emitidas pelo Banco de Portugal- 6.º. 20.º. A Ré tinha pleno conhecimento de que a Maria Manuela ..... e o Avelino ..... se encontravam inibidos do uso de cheque – 7.º. 21.º. Designadamente de proceder à emissão de cheques em nome próprio – 8.º. 22 .º. Tinha conhecimento a Ré de que não podia nem devia, durante o período de inibição, facultar cheques a Maria Manuela ..... e a Avelino ..... – 9.º. 23.º. À data da comunicação do Banco de Portugal, que se reportava apenas à Maria Manuela .....e ao Avelino ..... em nome próprio, a Ré não procedeu à rescisão da convenção de cheque quer com Maria Manuela ..... e o Avelino..... quer com a sociedade Av....., Lda – 10.º. 24.º. Após as datas de rescisão das convenções de uso de cheque referidas na resposta ao quesito 10.º, a Ré facultou à Maria Manuela .....e ao Avelino ..... diversos módulos de cheques da conta n.º ......... – 11.º. 25. º. Esses cheques foram utilizados e colocados em circulação pela Maria Manuela ..... e pelo Avelino ....., enquanto sócios gerentes da sociedade Av....., Lda – 12.º. 26.º. Designadamente, procedendo à sua assinatura e entrega a favor de terceiros para pagamento de diversos débitos, fornecimentos e transacções comerciais – 13.º. 27.º. No início do mês de Maio de 1995 a Ré, através da sua agência da ....., facultou a Maria Manuela ..... e a Avelino ..... um módulo de cheques – 14.º. 28.º. Tendo, com data de 8.8.95, procedido ao débito do respectivo custo na conta n.º ........ da sociedade Av....., Lda – 15.º. 29.º. No mês de Junho de 1996 a Ré, através da sua agência da ....., facultou à Maria Manuela ..... e ao Avelino ..... um novo módulo de cheques - 16.º. 30.º. Com data de 24.6.96, a Ré procedeu ao débito do respectivo custo de novo módulo de cheques - 17.º. 31.º. No início de Outubro de 1996, a Ré, através da sua agência da ...., facultou à Maria Manuela ..... e ao Avelino ..... um terceiro módulo de cheques – 18.º. 32.º. Tendo, com data de 9.10.96, procedido ao débito do respectivo custo na conta nº ....... da sociedade Av....., Lda – 19.º. 33.º. A Maria Manuela ..... e o Avelino ..... assinaram a favor da A., a quem os entregaram, os seguintes cheques; todos sacados sobre a conta n.º .........: n.º ........, com data de 18.12.1996; n.º ........, com data de 26.12.1996; n.º ........, com data de 2.1.1997; n.º ........, com data de 15.1.97; n.º ........, com data de 29.1.97; n.º ........, com data de 5.2.97; n.º ........, com data de 12.2.97; n.º ........, com data de 26.2.97; n.º ........, com data de 30.4.97; n.º ........, com data de 7.5.97; n.º ........, com data de 14.5.97; n.º ........, com data de 21.5.97; n.º ........, com data de 28.5.97; n.º ........, com data de 4.6.97; n.º ........, com data de 11.6.97; n.º ........, com data de18.6.97; n.º ........, com data de 25.6.97,todos e cada um deles pelo valor de 500 000$00 – 20.º. 34.º. Apresentados estes cheques a pagamento pela A. os mesmos não foram pagos pela Ré – 21.º. 35.º. Porque, no momento em que se examinou a conta sobre que foram sacados, se constatou que a quantia existente em depósito não chegava para o seu pagamento integral – 22.º. 36.º. A Ré colocou em todos esses cheques como motivo da sua devolução a expressão "falta de provisão" – 23.º. 37.º. Além desses cheques, a Maria Manuela ..... e o Avelino ..... assinaram a favor da A., a quem os entregaram, os cheques referidos na al. M) – 24.º. 38.º. Igualmente nestes cheques foi pela Ré exarado como motivo da sua devolução a respectiva "falta de provisão" – 25.º. 39.º. Todos os referidos cheques foram emitidos a favor da A, pela Maria Manuela ..... e pelo Avelino ..... para pagamento de débitos, fornecimentos e transacções comerciais efectuados por aquela à sociedade Av....., Ld, no montante de 16 000 000$00 – 26.º. 40.º. A emissão e entrega desses cheques foi condição essencial para que a A. se convencesse da seriedade dós negócios celebrados com Maria Manuela ..... e Avelino ..... em nome e representação da sociedade Av....., Lda – 27.º. 41.º. E para a determinar, como determinou, a investi-los na posse material da mercadoria transaccionada sem o recebimento imediato do respectivo preço em numerário – 28.º. 42.º. Sem a emissão e entrega dos cheques facultados pela Ré à Maria Manuela ..... e ao Avelino ....., a A. nunca teria efectuado fornecimentos no valor de 16 000 000$00 – 29.º. 43.º. Só foi possível à Maria Manuela ..... e ao Avelino ..... sacar os cheques supra referidos a favor da A. porque a Ré lhes facultou os respectivos títulos – 30.º. 44.º. A Ré facultou tais cheques à Maria Manuela ..... e ao Avelino ....., os quais se encontravam sob a cominação de inibição de uso de cheque e utilizadores de cheque que oferecem risco nos termos constantes dos documentos de fls 22 e 23 dos autos – 31.º. 45.º. Após a apresentação a pagamento do primeiro dos supra referidos cheques sacados pela Maria Manuela ..... e pelo Avelino ....., a Ré continuou a exarar em todos os restantes como motivo do não pagamento e da sua devolução a “falta de provisão" - 32.º. 46.º. Não tendo, em nenhum daqueles títulos, exarado a indicação da "rescisão da convenção de uso de cheque" – 33.º. 47.º. Tão pouco a Ré compeliu a Maria Manuela ..... e o Avelino ..... a procederem à entrega dos cheques que tinham em mãos – 34.º. 48.º. Av....., Lda era uma cliente antiga da Ré sendo uma firma credível e considerada sólida no mercado – 35.º. 49.º. Nunca constou da listagem de utilizadores de cheques que oferecem riscos até às datas referidas pela A. – 36.º. 50.º. Foram devolvidos os cheques atrás discriminados, todos com datas posteriores à entrega do último módulo, em 9.10.96 - 37.º. 51.º. A Ré enviou a Av....., Lda a carta de fls 168 dos autos, aqui dada por reproduzida – 38.º. 52 .º. Os cheques que vieram a ser devolvidos posteriormente e que já tinham sido entregues à A. pré ou pós datados, tinham exarada a expressão “falta de provisão” – 39.º. Na sentença considerou-se que Maria Manuela ..... e Avelino ..... foram objecto de rescisão de convenção de cheque, por má utilização dos mesmos, conforme comunicação do Banco de Portugal, mas que esta comunicação se reporta apenas aos mesmos, em nome próprio e não em representação de outrem; e que actuando em nome de outrem – a conta bancária em causa nos autos diz respeito Av....., Lda - jamais os referidos indivíduos foram inibidos do uso de cheque no período em questão nos autos, Entendeu-se que essa distinção é relevante, como salienta o n.º1 do art. 1.º do DL n.º 454/91, de 28-12 ( na redacção anterior ao DL n.º 316/97, de 19-11), por se estar perante dois entes jurídicos distintos e com personalidade jurídica autónoma - dum lado a pessoa singular, do outro a pessoa colectiva, cujos direitos e obrigações se não confundem. Por isso, concluiu-se que não se impunha à Ré a rescisão da convenção que atribuiu o direito de emissão de cheques sobre a conta n.º ........ a Av....., Lda, porque a utilizadora de tal direito e titular da conta, a sociedade representada por aqueles dois sócios, não pusera em causa o espírito de confiança que presidiu à circulação desses concretos cheques, nem constava a mesma sociedade da listagem de utilizadores de cheque que oferecem risco, prevista no art.º 3.º daquele diploma. Vejamos o n.º 1 do art. 1.º do mencionado DL n.º 454/91: «As instituições de crédito devem rescindir qualquer convenção que atribua o direito de emissão de cheques, quer em nome próprio quer em representação de outrem, por quem, pela respectiva utilização indevida, revele pôr em causa o espírito de confiança que deve presidir à sua circulação». A sanção consistente na rescisão do direito de emissão de cheques encontra-se ligada à utilização indevida dos mesmos cheques, quer em nome próprio quer em representação de outrem. Assim, o que se pune é o uso indevido de cheques, por forma a pôr em causa o espírito de confiança que deve presidir à sua circulação. Cremos que o assento tónico nesta matéria não deve colocar-se na distinção entre a actuação em nome próprio ou em representação de outrem, para chegar a uma dicotomia fictícia, qual seja a de se considerar que o perigo representado pelo utilizador quando age em nome próprio deixa de existir quando age em nome de outrem, mas nas condutas lesivas do interesse prosseguido pela lei, a confiança na circulação dessas ordens de pagamento, que a mostrar-se postergada por determinada pessoa, quer essa postergação seja a título pessoal ou em representação de outrem, a inibe do uso do cheque como meio de pagamento. Quer dizer que verificado que determinado indivíduo não merece confiança como utilizador de cheques, não é pelo facto de os cheques que determinaram essa constatação serem de uma conta pessoal ou de outrem que se deve estabelecer qualquer diferença. O que a lei quis prevenir foi que determinada pessoa que agiu mal, fazendo mau uso de cheques e por via do que foi inibida da sua utilização, emita cheques, quer o faça de conta sua quer de outrem. Previne-se a oportunidade de certa pessoa, que actuou em desconformidade com a lei, voltar a fazê-lo. Não se tornando necessário que o comportamento seja ilícito nas duas vertentes, isto é, na actuação em nome próprio e em representação de outrem, bastando que seja disjuntivo, isto é, levado a cabo numa ou noutra das duas circunstâncias. Entendemos, assim, que verificada a situação enquadrável na previsão da norma transcrita, geradora da desconfiança que se pretende evitar, a pessoa em causa não pode sacar mais cheques enquanto durar a proibição, estando a instituição de crédito impedida de lhos fornecer, quer digam respeito a um convénio com próprio quer a um convénio com terceiro, mas de que o agente tem a representação. É sabido que as pessoas colectivas, v.g. as sociedades comerciais, não emitem cheques, apenas o fazendo por intermédio dos seus representantes. Representantes que, se estiverem inibidos de emitir cheques, não o poderão fazer. Esse será, no nosso entendimento, o espírito da lei, em tudo conforme à sua letra. Desde que se emitam cheques que levem à aplicação da sanção, a pessoa que o faz fica impossibilitada, durante o período de inibição de voltar a emiti-los. A emissão é sempre um acto pessoal, quer aconteça em nome próprio quer em representação de outrem. O perigo existe em quem emite e não por conta de quem se emite. O desrespeito pela norma não provém nunca da pessoa colectiva ou sociedade, mas do emitente, do subscritor, sendo ele que formula o juízo de valor que subjaz à emissão. A inibição pode decorrer de duas situações, segundo o preceito transcrito: de actuação em nome próprio ou em representação de outrem, mas qualquer delas dá lugar à inibição daquele que emitiu o cheque. Por isso, inibidos os sócios gerentes da Av....., Lda do uso de cheques, durante o período da respectiva inibição, não podia a Ré fornecer-lhes módulos de cheques e permitir-lhes a respectiva utilização, ainda que da conta da sociedade de que eram sócios gerentes e não de conta pessoal. Ciente da restrição ao uso de cheques, a Ré deveria ter recusado a entrega dos mencionados módulos, assim evitando a emissão dos cheques constantes dos autos sem provisão. Como se vê, o perigo residiu em os emitentes serem os sócios gerentes da Av....., Lda, inibidos do uso de cheque, independentemente da titularidade da conta a que os cheques respeitam. É a desconfiança nos indivíduos que a lei pretende evitar (pela negativa, pois que pela positiva é a confiança na circulação dos cheques que pretende salvaguardar). O entendimento veiculado na d. sentença estabeleceu uma diferenciação que se nos afigura irrelevante para a defesa e protecção dos interesses em causa, na medida em que a actuação dos sócios de Av....., Lda é sempre sancionada como emitentes de cheques, a título pessoal, quer o façam por si e para si, quer o façam por si para a sociedade. Opera, por conseguinte, a responsabilidade da Ré, que ciente da proibição de uso de cheque por banda dos sócios, lhes entregou cheques da conta da sociedade que representavam para deles se servirem. Com efeito, ao entregar cheques aos sócios gerentes de Av....., Lda, ciente de que os mesmos se encontravam inibidos do respectivo uso, embora não por causa de saque sobre a conta da mencionada sociedade, a Ré postergou o comando ínsito no art. 3.º, n.º 2 do DL n.º 454/91, não obstante a inibição de que aqueles sócios haviam sido objecto haver decorrido de outra relação jurídica com instituições bancárias diversas. A inibição tem carácter geral qualquer que seja o banco em que exista a conta e depois da comunicação difundida pelo Banco de Portugal impõe-se a todas as instituições de crédito. Sabia a Ré que os cheques se destinavam a ser utilizados pelos sócios gerentes em representação da sociedade e que os mesmos estavam feridos de uma diminuição dos seus direitos enquanto utilizadores de cheques, pelo que deveria ter recusado a sua entrega, impondo-se-lhe a rescisão da convenção que atribuía aos sócios o direito de emissão de cheques em representação da sociedade. Entendemos, por conseguinte, que a Ré violou o dever de rescisão referido nos n.ºs 1 a 5 do art. 1,º daquele diploma, pelo que, nos termos do art. 9.º ficou obrigada ao pagamento dos cheques emitidos pelos inibidos e que não tiveram provisão. Pretende a apelante receber juros de mora contados sobre o valor de cada um dos cheques desde a data deles constante. Deve referir-se que, a este respeito não se vê que tenha havido interpelação da Ré a não ser com a citação, mas como a obrigação provém de facto ilícito, há mora do devedor independentemente de interpelação – al. b) do n.º 2 do art. 805.º do Cód. Todavia, a mora só ocorre coma apresentação dos cheques a pagamento e não com a sua emissão. A apelante formulou, ainda, um pedido de indemnização contra a apelada, da quantia a liquidar em execução de sentença pelos danos que esta lhe causou como consequência dos factos dos autos, designadamente todas as despesas já suportadas e a suportar com as diligências efectuadas para cobrança do valor de cada um dos títulos sub judice. Nesta parte a acção não pode proceder, porquanto do elenco dos factos provados não constam quaisquer prejuízos desta natureza, sendo certo que a relegação para liquidação em execução de sentença pressupõe que se provem os danos, com excepção do respectivo quantum – n.º 2 do art. 661.º do Cód. Proc. Civil. Face ao exposto, na procedência da apelação, revoga-se a sentença recorrida e, julgando-se a acção procedente por provada, condena-se a Ré a pagar à A, a quantia de dezasseis milhões de escudos (16 000 000$00), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a apresentação de cada um dos cheques a pagamento e sobre a correspondente quantia, até efectivo pagamento. Custas por A, e Ré, nesta e na 1ª instância, na proporção de 1/6, 5/6, respectivamente, Porto, 7 de Fevereiro de 2002 Trajano Seabra Teles de Menezes e Melo Mário Manuel Baptista Fernandes Leonel Gentil Marado Serôdio |