Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00040097 | ||
| Relator: | PINTO DE ALMEIDA | ||
| Descritores: | DEFEITOS DE CONSTRUÇÃO EMPREITEIRO VENDEDOR RECONHECIMENTO PERSISTÊNCIA DOS DEFEITOS CADUCIDADE | ||
| Nº do Documento: | RP200702220730350 | ||
| Data do Acordão: | 02/22/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | REVOGADA A SENTENÇA. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Se no contexto de contrato de empreitada/compra e venda o comprador denuncia defeitos que o empreiteiro/vendedor reconhece e em vão tenta eliminar, tem de entender-se que com a frustrada actuação visando a eliminação dos defeitos ocorre um segundo incumprimento a que se devem aplicar as regras legais, mormente, os prazos aplicáveis à primeira interpelação para a eliminação. II - No decurso do novo prazo apenas se podem fazer valer os direitos emergentes dos defeitos da frustrada eliminação, ou da prestação substitutiva, e não de quaisquer outros de que padecesse o cumprimento originário. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. B………., na qualidade de administrador do prédio urbano designado por “C……….”, sito na ………., Vila Real, instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra D………., Lda. Pediu que a ré seja condenada a eliminar os defeitos de construção enunciados na petição inicial e a indemnização, em execução de sentença, pelos danos patrimoniais sofridos. Como fundamento, alegou, em síntese, que: No exercício da sua actividade de construção civil e posterior venda de prédios ou fracções destes a ré construiu e vendeu o prédio denominado “C……….”, sendo que tal edifício ficou concluído e as suas fracções vendidas após emissão de Alvará de Licença de Utilização, emitido pela Câmara Municipal de Vila Real em 16 de Junho de 2000 Desde 2001 começaram a manifestar-se manchas de humidade nas superfícies das paredes das divisões dos quartos de dormir que possuem janelas voltadas a norte; perante tais anomalias e defeitos, a autora, bem como alguns condóminos, solicitaram à aqui ré, por diversas vezes, desde 2001, que assumisse as suas responsabilidades, enquanto entidade construtora do referido prédio. A ré apresentou contestação invocando, para além do mais, a caducidade do direito dos autores a reclamar a reparação dos aludidos defeitos; impugnou ainda a matéria vertida na petição inicial. A autora replicou, defendendo a improcedência da excepção de caducidade arguida pela demandada. No saneador, por entender que o processo fornecia todos os elementos necessários, o Sr. Juiz conheceu da invocada excepção de caducidade, julgando-a procedente e, em consequência, absolveu a ré do pedido de eliminação dos defeitos nas partes comuns efectuado pelo autor B………., na qualidade de administrador do Condomínio do Prédio Urbano designado por “C……….”, sito na ………., Vila Real. Discordando desta decisão, dela interpôs recurso o autor, de apelação, tendo apresentado extensas conclusões que se podem sintetizar deste modo: 1. A denúncia dos defeitos ocorreu primeiramente no ano de 2001, tendo a Ré procedido aos trabalhos de reparação que lhe competiam, sendo que posteriormente a esta data foram surgindo novos defeitos, que são da responsabilidade da Ré, já que foi esta quem construiu o prédio e eliminou, ainda que deficientemente, os defeitos primeiramente denunciados. 2. Dúvidas não subsistem (já que a própria Ré o confessa) que a Ré procedeu à reparação dos defeitos denunciados pelo Autor e pelos restantes condóminos no ano de 2001, mas que, com tal reparação, os defeitos não só se mantiveram, como ainda foram agravados. 3. Os defeitos surgidos posteriormente a tal reparação efectuada pela Ré (cuja data não resultou apurada nos presentes autos) foram mais uma vez denunciados pelo Autor e restantes condóminos. 4. É sobre a Ré que recai o ónus da prova de que os prazos legais já haviam decorrido, o que, salvo o devido respeito, não conseguiu aquela provar com a sua contestação, onde se limitou a dizer que a denúncia dos defeitos ocorreu no ano de 2001, omitindo no entanto factos absolutamente relevantes para se poder aferir, com rigor, da questão caducidade. 5. Se é certo que o Autor e os restantes condóminos denunciaram pela primeira vez os defeitos do imóvel no ano de 2001, certo é também que relativamente a estes defeitos, procedeu a Ré, ainda que deficientemente, aos trabalhos de reparação que, não sendo eficazes, deram origem a novos defeitos, que o Autor e os restantes condóminos denunciaram em data posterior àquela, e que não resultou apurada nos presentes autos. 6. Sendo esta a data relevante para se aferir da caducidade. 7. O Meritíssimo Juiz a quo, deveria ter-se abstido de apreciar tal questão no despacho recorrido e relegar o seu conhecimento e decisão para a sentença, uma vez que o conhecimento e decisão da invocada excepção da caducidade, depende da apreciação de factos que foram impugnados, e como tal constituem matéria controvertida entre as partes. 8. Por outro lado, e tal como consta do douto despacho recorrido, o Autor, nos artigos 32º e seguintes da sua Réplica, alegou que após as reclamações efectuadas no ano de 2001 pelo condomínio e condóminos, "a ré procedeu a trabalhos e eliminação de defeitos, tal como foi alegado em 17º da petição inicial e confessado pela ré no art. 25º da sua contestação. Porém, tais trabalhos esconderam, mas não eliminaram os defeitos, já que posteriormente vieram a tornar-se novamente visíveis". 9. Assim, entende o Autor que o prazo de caducidade foi impedido no momento em que a Ré procedeu a tais trabalhos de reparação e por tal motivo, apelou, na sua réplica, para o regime do artigo 331º do Código Civil. 10. Manifestamente, no caso em apreço nos presentes autos, ocorreu um reconhecimento por parte da Ré, do direito do Autor, que se traduziu na eliminação dos defeitos reclamados por este (o que é confessado pela própria Ré), sendo que tal reconhecimento impeliu a verificação da caducidade. 11. Porque se trata de imóvel destinado por sua natureza a longa duração, há que ter particular acuidade na resolução deste tipo de litígios, o que não se coaduna com a apreciação de tal questão num simples despacho, pelo que sempre deveria o Meritíssimo Juiz a quo, relegar o seu conhecimento e decisão para a sentença, já que o conhecimento e decisão da invocada caducidade, depende da apreciação de factos que foram impugnados, e como tal constituem matéria controvertida entre as partes. 12. Pelo que o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro onde seja seleccionada a matéria de facto a provar. Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido, no sentido formulado pelo agora recorrente. A ré contra-alegou, concluindo pela improcedência da apelação. Após os vistos legais, cumpre decidir. II. Questões a resolver: Está em causa a excepção de caducidade, julgada procedente na decisão recorrida, suscitando o Recorrente duas sub-questões: - a ré não fez prova do decurso do prazo de caducidade, como lhe competia; - mesmo a admitir-se que essa prova tenha sido feita, a caducidade foi impedida pelo reconhecimento do direito. III. Na decisão recorrida foram julgados provados os seguintes factos: 1) No exercício da sua actividade de construção civil e posterior venda de prédios ou fracções destes a construiu e vendeu o prédio denominado “C……….”, sendo que tal edifício ficou concluído e as suas fracções vendidas (tudo pela ré) após emissão de Alvará de Licença de Utilização, emitido pela Câmara Municipal de Vila Real em 16 de Junho de 2000; 2) Desde 2001 começaram a manifestar-se manchas de humidade nas superfícies das paredes das divisões dos quartos de dormir que possuem janelas voltadas a norte; 3) Perante tais anomalias e defeitos, a autora, bem como alguns condóminos, solicitaram à aqui ré, por diversas vezes, desde 2001, que assumisse as suas responsabilidades, enquanto entidade construtora do referido prédio. 4) A presente acção deu entrada em Juízo em 9 de Junho de 2005. IV. Cumpre apreciar as questões acima indicadas. Nos termos do art. 1225º do CC (como todos os preceitos adiante citados sem outra menção): 1. Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219° e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente. 2. A denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia. 3. Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, previstos no artigo 1221°. 4. O disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado e reparado. Perante esta disposição legal, pode afirmar-se que[1]: a) aí se prevêem três prazos: - um ano para fazer a denúncia dos defeitos, prazo que se conta a partir do descobrimento dos defeitos (arts. 1220°, n° 1 e 916°, n° 2); - um ano, a partir da denúncia, para pedir a indemnização ou a eliminação dos defeitos; - cinco anos, a contar da entrega da fracção, dentro dos quais terá que ser feita a denúncia e proposta a acção de indemnização ou reparação do imóvel; b) os referidos prazos são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, atento o disposto pelo nº 3 (aditado pelo DL 267/94, de 25/10); c) como resulta, desde logo, da sua epígrafe e também da letra expressa do nº 1, o que define o campo de aplicação do art. 1225º, distinguindo-o, por exemplo, do art. 1221º, é que aquele tem por objecto “edifícios ou outro imóveis destinados por sua natureza a longa duração”; d) o preceituado nos nºs 1 a 3 do art. 1225º é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado – cfr.- nº 4. Estes prazos - contemplados para a "empreitada" - devem ser, assim, aplicados à compra e venda de coisa imóvel defeituosa, por natureza, destinada a longa duração, a fim de se exigir a indemnização ou a eliminação ou reparação dos defeitos existentes. Para tal solução apontam, de resto, razões ponderosas, desde a analogia das situações até ao carácter de interesse e ordem pública da responsabilidade do empreiteiro ou construtor, passando pelos efeitos socialmente injustos da aplicação ao comprador do imóvel com defeitos de um curto prazo de caducidade do seu direito de acção com vista à reparação dos mesmos. Do mesmo modo, Calvão da Silva[2] refere que, quando na compra e venda o alienante tenha sido o construtor do imóvel, mas inexiste e apesar de inexistir empreitada entre ele e o comprador, aos defeitos da coisa transmitida deve aplicar-se o regime do art. 1225º e não o do art. 916º. A denúncia dos defeitos deve, pois, ser feita, no prazo de um ano a partir do descobrimento destes; sendo também de um ano, a contar da denúncia, o prazo para pedir a indemnização ou a eliminação dos defeitos. Cumpre, porém, referir, como ressalva P. Romano Martinez[3], que, tendo havido uma tentativa frustrada de eliminação do defeito, não se justifica que o prazo de garantia continue a contar-se desde a data da entrega. Existirá também, nesse caso, um segundo cumprimento defeituoso ao qual devem aplicar-se as mesmas regras do primeiro, designadamente as respeitantes a prazos[4]. Todavia, no decurso deste novo prazo só se podem fazer valer os direitos derivados de defeitos da eliminação ou da prestação substitutiva, e não quaisquer outros de que padecesse o cumprimento originário. Por outro lado, dispõe o art. 328º que o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine. E nos termos do art. 331º: 1. Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo. 2. Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido. Como é sabido, a caducidade pode ser impedida, mas não interrompida. O impedimento corresponde à efectivação do direito, não gera novo prazo, ficando o direito definido sujeito às disposições que regem a prescrição[5]. Para que o reconhecimento constitua causa impeditiva da caducidade, é preciso, segundo Vaz Serra, que este seja tal que tenha o mesmo efeito que teria a prática do acto sujeito a caducidade. Assim, se se trata de prazo de propositura de uma acção judicial, deve ser tal que torne o direito certo e faça as vezes da sentença, porque tem o mesmo efeito que a sentença pela qual o direito fosse reconhecido[6]. Todavia, como afirma P. Romano Martinez[7], esta interpretação restritiva não está de acordo com a letra da lei e leva a salvaguardar situações abusivas. O art. 331º nº 2 fala só em reconhecimento do direito, não exigindo que tal confirmação revista o mesmo valor do acto que deveria ser praticado em seu lugar. Se assim fosse, as situações de impedimento da caducidade seriam diminutas; mas mais importante que a questão literal é o facto de aquela interpretação restritiva levar a aceitar como válidas situações de manifesto abuso do direito. Acrescenta o mesmo Autor que se deverá admitir que o reconhecimento do defeito, com promessas de solucionar o diferendo, constitui um impedimento da caducidade, pois não está em contradição com a letra do art. 331º nº 2 e permite evitar que se considerem válidas situações violadoras do princípio da boa fé, designadamente da regra do não venire contra factum proprium. Contudo, não é qualquer atitude do vendedor ou do empreiteiro que pode ser reputada como sendo um reconhecimento: o procedimento do responsável tem de ser claro, no sentido de aceitar que o cumprimento se apresenta como defeituoso. Neste sentido se pronuncia também J. Cura Mariano[8], ao afirmar que se é o empreiteiro quem, de forma inequívoca, reconhece a existência do direito no decurso do prazo de caducidade, mesmo que não pratique os actos equivalentes à sua realização, não há razão nenhuma para manter a protecção a uma situação de incerteza que já não se verifica pelo reconhecimento efectuado. O reconhecimento deve, pois, ser expresso, concreto ou preciso, de modo a não subsistirem dúvidas sobre a aceitação, pelo devedor, dos direitos do credor, não sendo suficiente a simples admissão vaga ou genérica desse direito[9]; mas não será exigível que tenha de revestir o mesmo valor do acto que deveria ser praticado. Após esta breve síntese do regime jurídico aplicável, analisemos as questões suscitadas. Será importante, parece-nos, começar por precisar a factualidade pertinente, alegada pelas partes nos respectivos articulados. Na p.i. alegou o autor que: - Desde 2001, começaram a manifestar-se manchas de humidade nas superfícies das paredes das divisões dos quartos de dormir que possuem janelas voltadas a norte – art. 13°. - Além das manchas de humidade mencionadas, surgiram fissuras em diversos locais de todas as fracções – art. 14°; - E eclodiram danos no revestimento do pavimento, composto por parquet flutuante na maioria das fracções do referido prédio – art. 15°; - Perante tais anomalias e defeitos, o Autor, bem como alguns condóminos, solicitaram à aqui Ré, por diversas vezes, desde 2001, que assumisse as suas responsabilidades, enquanto entidade construtora do prédio supra descrito – art. 16°; - Tendo então a ré, durante este tempo, procedido apenas a alguns trabalhos de reparação – art. 17°; - Acontece, porém, que tais trabalhos de reparação levados a cabo pela Ré, além de escassos, foram mal executados, já que a maioria dos defeitos não só se mantiveram, como ainda foram agravados – art. 18°; - De facto, as fissuras nas paredes têm-se vindo a alastrar – art. 19°; - A conduta de exaustão da chaminé da secção esquerda do edifício não funciona correctamente, não cumprindo com as funções para a qual está destinada – art. 20°; - Na parede exterior do alçado voltado a Norte, verifica-se uma extensa mancha de humidade e aglomeração de fungos junto do algeroz – art. 21°; - Tal mancha é elucidativa da deficiente instalação do algeroz, propiciando a infiltração de água para o interior do prédio – art. 22°; - No enfiamento das janelas, observa-se a existência de manchas de humidade, resultantes do deficiente isolamento daquelas zonas, atendendo aos contornos do paramento da estrutura do prédio em questão e aos danos observados no interior das divisões afectadas – art. 23°; - Na cave do prédio, onde se situam as garagens, verifica-se a existência de manchas de humidade em diversas paredes – art. 24°; - Apesar de várias promessas no sentido de resolver tais problemas, até ao presente, a Ré nada fez para os resolver – art. 37°. Na contestação, a Ré defendeu-se por excepção, alegando designadamente: - ... Os eventuais defeitos referidos nos arts. 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º e 26º da douta p.i. foram conhecidos desde o ano de 2001 – art. 17°; - ... no entanto, o autor apenas deu entrada da presente acção em Junho de 2005, ou seja quatro anos após o conhecimento dos ditos defeitos – art. 20°. Depois de impugnar cada um dos factos alegados na p.i., acrescentou: - A ré procedeu à reparação de todos os defeitos que eram da sua responsabilidade, logo que tal lhe foi solicitado pelo autor e pelos condóminos cujas fracções apresentaram pequenos defeitos – art. 25°. Na réplica, o autor alegou: - ... A entrada da presente acção em tribunal - 9 de Junho de 2005 - ocorreu antes do prazo de cinco anos, o que impediu a verificação da caducidade - artigo 331° do Código Civil – art. 28°; - ... Após as reclamações efectuadas no ano de 2001 pelo condomínio e condóminos, a Ré procedeu a trabalhos de eliminação de defeitos, tal como foi alegado no artigo 17º da petição inicial e confessado pela Ré no artigo 25º da sua contestação – art. 32°; - ... Porém, tais trabalhos esconderam mas não eliminaram os defeitos, já que posteriormente vieram a tornar-se novamente visíveis – art. 33°; - ... De acordo com o já citado artigo 1225º nº 1 do Código Civil, o prazo de caducidade começaria novamente a correr após tais reparações, pelo que terminaria em 2006 – art. 34°. Começamos por observar que esta perspectiva assumida pelo autor não se nos afigura correcta, uma vez que parece confundir prazo de caducidade com prazo de garantia. Como acima referimos, o prazo de caducidade do direito de exercício da acção é, no caso, de um ano a contar da denúncia do defeito; direito que terá de ser exercitado, em qualquer caso, dentro do prazo de cinco anos a partir da entrega. No recurso essa perspectiva foi, de algum modo, corrigida, suscitando agora o autor as já enunciadas questões, que podem esquematizar-se nestes termos: - Por um lado, foram denunciados defeitos em 2001, tendo a ré procedido à reparação; esses defeitos surgiram depois novamente, sem que se tivesse demonstrado quando tal ocorreu. Daí que, por não se ter apurado a data do aparecimento destes defeitos, a ré não tenha provado o decurso do prazo de caducidade, como lhe competia; - Por outro lado, a ré procedeu a trabalhos de reparação de defeitos, trabalhos que, todavia, apenas esconderam mas não eliminaram esses defeitos. Daí que deva entender-se que houve reconhecimento por parte da ré, o que é causa impeditiva da caducidade (art. 331º nº 2). Será de referir que a ré, apesar de confessar que "procedeu à reparação de todos os defeitos da sua responsabilidade", impugnou toda a matéria de facto articulada na p.i. sobre a existência de defeitos. Por isso, foi com propriedade que na decisão se aludiu a "alegados" defeitos. Também contrariamente ao que parece poder depreender-se das alegações de recurso, nos seus articulados o autor não alegou que, depois da reparação efectuada pela ré, surgiram novos defeitos. O que o autor alegou foi que, após os trabalhos de reparação, os defeitos, na sua maioria, não só se mantiveram como ainda foram agravados (art. 18º da p.i.); alegação que foi claramente confirmada na réplica (art. 33º). Portanto, como decorre da alegação do autor, estão verdadeiramente em causa apenas os defeitos que, por virtude da alegada má execução dos trabalhos de reparação, acabaram por não ser efectivamente eliminados, tendo voltado a aparecer, alguns dos quais agravados. Neste enquadramento, pode questionar-se se estamos perante um caso de tentativa de reparação dos defeitos denunciados, a configurar, como acima afirmámos, um segundo cumprimento defeituoso, ao qual se devem aplicar as mesmas regras do primeiro. Ou se, no fundo, estaremos face a defeitos idênticos aos denunciados, isto é, perante os mesmos defeitos, uma vez que, apesar da reparação, esses defeitos não foram realmente removidos ou corrigidos; situação que pode envolver reconhecimento dos defeitos, susceptível de impedir a caducidade. Cremos que esta segunda hipótese, que parece mais ajustada à matéria de facto alegada pelo autor, é prejudicial em relação à primeira, mas, em qualquer caso, existe matéria de facto controvertida para cuja averiguação se torna necessário o prosseguimento dos autos. Com efeito, vindo a apurar-se a referida identidade dos defeitos, a reparação tentada pela ré, apesar de frustrada, será claramente reveladora da aceitação e reconhecimento pela ré da existência de defeitos, podendo constituir causa impeditiva da caducidade, nos termos do art. 331º nº 2. Nesta hipótese, a situação aproxima-se da analisada no citado acórdão desta Relação, em que o réu aceitou a existência de defeitos e (apenas) iniciou trabalhos de reparação (que depois abandonou), o que foi tido como sinal seguro e inequívoco de reconhecimento para efeitos do citado normativo. Não sendo demonstrada a apontada identidade, estaremos perante um segundo cumprimento defeituoso, mas, como o recorrente alega, não está demonstrada a data em que surgiram esses novos defeitos. É à ré que incumbe a prova do decurso do prazo, como facto constitutivo da excepção (art. 342º nº 2). Prazo que, no caso, será o da acção para eliminação dos defeitos, que é de um ano a contar da respectiva denúncia (art. 1225º nºs 2 e 3), sendo certo que esta depende da data do conhecimento dos defeitos, cuja prova impende também sobre a ré (art. 343º nº 2). Assim, afigura-se-nos que a decisão sobre a excepção de caducidade foi prematura: decorre da factualidade alegada que pode haver identidade de defeitos (antes e depois da reparação), não podendo, desde já, excluir-se que possa ocorrer reconhecimento dos defeitos, como causa impeditiva da caducidade. Mesmo que não se verifique tal identidade: não está ainda provada a data do aparecimento e conhecimento dos defeitos, não existindo elementos seguros para, neste momento, concluir pelo decurso do prazo de caducidade. O ónus da prova pertence à ré, que para o efeito alegou que esses defeitos são já conhecidos desde 2001. Procedem, por conseguinte, as conclusões do recurso, devendo relegar-se o conhecimento da excepção de caducidade para final (cfr. art. 510º nº 1 b) do CPC). V. Em face do exposto, julga-se a apelação procedente, revogando-se o saneador-sentença recorrido, determinando-se o prosseguimento dos autos, relegando-se para final o conhecimento da excepção de caducidade. Custas pela apelada. Porto, 22 de Fevereiro de 2007 Fernando Manuel Pinto de Almeida Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo Mário Manuel Baptista Fernandes __________________________________ [1] Ac. do STJ de 18.2.2003, em www.dgsi.pt; seguimos de perto, nesta parte, a fundamentação do acórdão de 27.4.2006, por nós proferido, também ali publicado. [2] Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 98; também, P. Romano Martinez, Direito das Obrigações – Contratos, 135 e 463 e segs.. [3] Cumprimento Defeituoso, 326 e 327. [4] Neste sentido, também J. Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 123. [5] Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ 107-233 e 234; Aníbal Castro, A Caducidade, 2ª ed., 144 e 145. [6] Neste sentido, também Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 4ª ed., 296. [7] Cumprimento defeituoso, 427 e 428. [8] Ob. Cit., 123. [9] Ac. do STJ de 25.11.98, BMJ 481-430; também Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo IV, 225. |