Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RODRIGUES PIRES | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA VENDA DE PAIS A FILHOS DECLARAÇÃO DE CONSENTIMENTO À VENDA | ||
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Nº do Documento: | RP201109271424/09.3TBGDM.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/27/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Tendo sido celebrado entre os pais e uma sua filha um contrato-promessa através do qual os primeiros prometeram vender e a segunda prometeu comprar um imóvel e tendo a outra filha, bem como o seu marido, autorizado a celebração desse contrato, há que concluir que estes, se bem que de forma tácita, já emitiram declaração de consentimento à venda, uma vez que o incumprimento da obrigação de emitir a declaração de venda por parte dos promitentes vendedores pode levar a que o tribunal se substitua a estes, proferindo, por via da execução específica, sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, nos termos do art. 830°, n° 1 do Cód. Civil. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 1424/09.3 TBGDM.P1 Tribunal Judicial de Gondomar – 2º Juízo Cível Apelação Recorrente: B… Recorridos: C… e D… Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Pinto dos Santos Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO A autora B…, residente na Rua …, …, …, Gondomar, intentou a presente acção, subordinada à forma do processo declarativo comum ordinário, contra os réus C… e D…, residentes na …, …, …, por via da qual pretende sejam os réus “condenados a cumprirem com o prometido, emitindo-se sentença que produza os efeitos da declaração negocial” dos mesmos. Alegou que, por escrito de 16.11.1999, celebrou um contrato pelo qual prometeu comprar aos respectivos progenitores, E… e F…, que prometeram vender, pelo preço de 7 500 000$00, o prédio urbano composto de casa de r/c e andar, sito na …, … – …, …, Gondomar, inscrito na matriz predial sob o art. 8963 e não descrito na Conservatória do Registo Predial. Os réus, filha e genro dos promitentes vendedores, assinaram o referido escrito, no qual se continha uma cláusula em que autorizavam a celebração do contrato-promessa e prometiam autorizar a celebração do contrato prometido. Apesar de “várias tentativas” para que os réus autorizem a celebração do contrato prometido, conforme prometeram fazer, estes “escusam-se” a tal. Tem, assim, direito a obter sentença que produza os efeitos da prometida declaração de consentimento. Caso não se entenda deste modo, devem os réus ser condenados ao “pagamento da quantia valor do imóvel pelo preço acordado - €37.500,00” Citados os réus, apenas a ré contestou. Começou por arguir a ilegitimidade passiva, por os réus estarem na acção desacompanhados dos promitentes vendedores. Acrescentou que o contrato-promessa é nulo, por não ter havido reconhecimento presencial das assinaturas nem a certificação, pelo notário, da existência de licença de utilização do prédio prometido vender. No mais, disse não corresponder à verdade que tivesse prometido dar o seu consentimento à prometida compra e venda, tanto assim que é do seu conhecimento que a autora não tem capacidade financeira para pagar o preço. Recorda-se que, por pressão da autora, assinou um papel, mas tem a consciência de que não assinou nenhum contrato-promessa. Concluiu, assim, que deve ser absolvida da instância ou, quando assim se não entenda, do pedido. A autora replicou dizendo que os promitentes vendedores não têm de ser chamados à acção, pois o que está em causa não é a venda em si mesma, mas o consentimento para ela, e que todos os intervenientes no contrato-promessa acordaram em prescindir do reconhecimento presencial das assinaturas, pelo que é “infundada” a arguição da nulidade. Depois de uma tentativa de conciliação que resultou frustrada, a autora veio esclarecer, na sequência de convite que para esse fim lhe foi dirigido, que aquilo que pretende é que o tribunal emita uma sentença “de suprimento do consentimento dos réus” e que, caso essa pretensão não proceda, pretende a condenação dos réus no pagamento de uma indemnização de 37.500,00€, pela frustração da expectativa que tinha de compra do prédio identificado no contrato-promessa. Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a arguição da excepção dilatória da ilegitimidade passiva e se afirmou, de forma tabelar, estarem verificados os demais pressupostos de validade e regularidade da instância. Seguiu-se a fixação dos factos assentes e da base instrutória. Realizou-se audiência de discussão e julgamento, em cujo termo foi decidida, por despacho, a matéria de facto controvertida. Seguidamente, proferiu-se sentença cuja parte decisória tem a seguinte redacção: “...não obstante estar verificada a excepção dilatória de falta de interesse processual, decide-se conhecer do mérito da causa, com fundamento no disposto no nº 3 do art. 288º do Código de Processo Civil, no sentido de julgar a acção improcedente e, em consequência, absolver os réus C… e D… do pedido formulado pela autora B….” Inconformada com esta sentença, dela interpôs recurso de apelação a autora que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões: I. B… intentou a presente acção declarativa emergente de contrato-promessa de compra e venda contra C… e D…, pedindo que os réus fossem condenados a cumprir com o prometido, ou seja, prometeram autorizar a venda da casa dos pais à irmã aqui autora, ou a pessoa por esta a designar, logo deveria o Ilustre Tribunal emitir sentença que produza os efeitos da declaração negocial dos aqui réus, dando o consentimento na venda, uma vez que a isso não se opõe a natureza da obrigação assumida. II. Invocou, em síntese, que a autora e os réus celebraram, em 16 de Novembro de 1999, um contrato em que os réus prometeram autorizar a venda do imóvel sito na …, n.ºs …/., da freguesia de …, concelho de Gondomar, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 8963, composto por casa de R/C e andar pelo preço de €37.500,00. III. Venda esta a realizar entre seus pais E… e F… à sua irmã B… ou a pessoa por esta a designar. IV. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Gondomar em que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu os réus C… e D… do pedido formulado pela autora B…. V. Salvo o devido respeito (...), o Tribunal «a quo» não decidiu bem. VI. Pela prova produzida, a autora detém um documento assinado pelos réus, em que autorizam a venda do imóvel propriedade dos pais à filha aqui autora. VII. Apesar de prometerem autorizar, recusam-se a assinar uma declaração a consentir a venda. VIII. A ora autora tem interesse processual, no sentido de obter uma sentença que impossibilite a faculdade dos réus poderem arguir a anulabilidade da venda, uma vez que, no escrito já haviam consentido na venda, mostrando-se inexistente a exceção dilatória da falta de interesse processual. IX. Caso assim fosse a autora poderia lançar mão do escrito que detém e outorgar a escritura de compra e venda com os seus pais de forma plena e sem vícios. X. Pelo exposto, ficou demonstrada a fulcral razão que assiste à autora em poder outorgar escritura de compra e venda com os seus pais, sem a necessidade de quaisquer declarações de autorização supervenientes, por parte dos aqui réus. XI. Denota-se um erro na apreciação da prova, a nosso humilde entender e salvo douta opinião a contrario, o Tribunal “a quo” só poderia dar provimento ao pedido da autora e emitir sentença com força bastante de consentimento por parte dos aqui réus na venda do imóvel dos pais à aqui autora. XII. Até porque a decisão do tribunal ”a quo” confere razão à autora e apenas se limita a absolver os réus, alegando que não existe necessidade de autorização de venda por parte dos réus, uma vez que já o consentiram no escrito junto aos autos. XIII. Salvo o devido respeito que é muito, deverá a sentença ser alterada no sentido de explanar a autorização dos réus na venda por parte dos pais à filha, ora autora ou pessoa por si a designar. XIV. Desta feita, suprindo a palavra “promete” por “autoriza” constante do escrito, fará o Ilustre Tribunal inteira e sã Justiça. A sentença recorrida deve pois ser alterada, considerando-se procedentes os pedidos formulados pela apelante, com as legais consequências. Não foi apresentada resposta. Cumpre, então, apreciar e decidir. * Aos presentes autos, face à data da sua entrada em juízo, é aplicável o regime de recursos resultante do Dec. Lei nº 303/2007, de 24.8.* FUNDAMENTAÇÃOO âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 684º, nº 3 e 685º – A, nº 1 do Cód. do Proc. Civil. * A questão a decidir é a seguinte:Apurar se, no caso “sub judice”, ocorre a excepção dilatória de falta de interesse processual. * OS FACTOS A factualidade dada como provada pela 1ª Instância é a seguinte: 1. A autora e a ré são filhas de E… e F… (documento de fls. 54 a 59). 2. Os réus são casados entre si, segundo o regime da comunhão de adquiridos (documento de fls. 54 a 59). 3. Por escritura pública de 16 de Novembro de 1999, lavrada no Cartório Notarial de …, E… e F… declararam vender aos réus, que no mesmo acto declararam comprar, pelo preço de 15.000.000$00, o prédio urbano correspondente a uma casa de r/c, andar e garagem, sito na …, n.º …, freguesia de …, concelho de Gondomar, inscrito na matriz urbana sob o art. 14358 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º 5306/060999 (documento de fls. 54 a 59). 4. No mesmo acto, a autora e o respectivo marido, G…, declararam dar o seu consentimento à referida compra e venda, cf. documento de fls. 54 a 59 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. 5. Do escrito datado de 16 de Novembro de 1999, denominado Contrato-Promessa de compra e venda, consta que E… e F…, como 1.ºs outorgantes, e a autora, como 2.ª outorgante, declararam celebrar “o presente contrato sujeito às cláusulas seguintes: 1.ª Os 1.ºs outorgantes são donos e legítimos possuidores de um prédio imóvel ainda não descrito na Conservatória do Registo Predial competente, mas inscrito na matriz predial urbana sob o art. 8963 da freguesia de …, Gondomar, composto de casa de r/c e andar, sito na …, n.ºs … a …, em …, Gondomar. 2.ª Pelo presente contrato os 1.ºs outorgantes prometem vender à 2.ª outorgante, ou a quem ela designar, o referido imóvel, livre de ónus e encargos, e pelo preço de 7.500.000$00, a pagar com a celebração da escritura pública de compra e venda do contrato definitivo. (…) 4.ª A escritura de compra e venda será outorgada em cartório notarial, dia e hora a designar pelos 1.ºs outorgantes. (…) 6.ª Este contrato fica sujeito à execução específica, nos termos do art. 830º do Código Civil. 7.ª As partes prescindem reciprocamente do reconhecimento presencial das assinaturas e do controlo notarial da existência de licença de utilização do referido imóvel. 8.ª A celebração do contrato definitivo revogará a sujeição ao regime da colação por efeitos da doação efectuada pelos aqui 1.ºs outorgantes à sua filha aqui 3.ª outorgante da quantia de 35.000.000$00, efectuada nesta data, doação essa que, portanto, ficará dispensada da colação.” 6. Do mesmo escrito consta uma cláusula, a 3.ª, segundo a qual os aqui réus, na qualidade de 3.º outorgantes, declararam “autorizar desde já o presente contrato e prometem autorizar a celebração do contrato definitivo”, tudo conforme documento de fls. 19 – 20, que aqui damos por integralmente reproduzido. 7. No escrito referido no ponto anterior, E… e F…, a autora e os réus, através dos respectivos punhos, manuscreveram os seus nomes (resposta aos números 1 a 4 e 8 da base instrutória). 8. Depois da outorga daquele escrito, a autora falou com a ré, no sentido desta autorizar a realização da prometida venda (resposta ao n.º 5 da base instrutória). 9. Nessas ocasiões a ré respondeu à autora que depois logo se via (resposta ao n.º 6 da base instrutória). 10. Os primeiros outorgantes e a autora mantêm a intenção de outorgar a escritura de compra e venda do aludido imóvel (resposta ao n.º 7 da base instrutória). * O DIREITO1 - O art. 877º, nº 1 do Cód. Civil estabelece que «os pais e avós não podem vender a filhos ou netos, se os outros filhos ou netos não consentirem na venda; o consentimento dos descendentes, quando não possa ser prestado ou seja recusado, é susceptível de suprimento judicial.» Porém, se a venda vier a ser efectuada não é nula, mas tão só anulável, podendo essa anulação, conforme flui do nº 2 desta mesma disposição legal, ser pedida pelos filhos ou netos que não deram o seu consentimento, dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento da celebração do contrato, ou do termo da incapacidade, se forem incapazes. Com a proibição da venda a descendentes pretende-se obstar a que, sob a capa da compra e venda, se efectuem doações simuladas a favor de algum ou alguns dos descendentes, com o fim de evitar a sua imputação nas respectivas quotas legitimárias, assim se prejudicando os restantes. É certo que estes poderiam sempre reagir através da competente acção de simulação (cfr. art. 240º do Cód. Civil), mas as dificuldades de prova dos seus pressupostos levaram o legislador a optar pela solução mais expedita de exigir o consentimento dos descendentes, sem o que a venda poderia ser anulável.[1] O consentimento, de acordo com o art. 219º do Cód. Civil[2], não está sujeito a forma especial, mesmo que essa forma venha a ser exigida para o contrato de compra e venda e pode, inclusive, ser prestado tacitamente nos termos gerais (art. 217º). Tal consentimento pode, no entanto, ser objecto de suprimento por parte do tribunal quando seja recusado por algum descendente ou quando não possa ser por ele prestado, como sucede na hipótese de o descendente em causa ser incapaz, estar ausente ou estar impedido por outra causa. O processo de suprimento em caso de recusa acha-se regulado no art. 1425º do Cód. do Proc. Civil e o de suprimento por outras causas no art. 1426 do mesmo diploma.[3] No caso dos autos, foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda, através do qual a ora autora prometeu comprar e os seus pais prometeram-lhe vender o prédio imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o art. 8963 da freguesia de …, Gondomar, composto de casa de r/c e andar, sito na …, n.ºs … a …, em …, pelo preço de 7.500.000$00. Desse mesmo contrato consta uma cláusula (a 3ª), na qual se diz que os aqui réus (filha e genro dos primeiros outorgantes no contrato) declaram autorizar, desde já, tal contrato e prometem autorizar a celebração do contrato definitivo. Daqui decorre que os progenitores comuns da autora e dos réus se obrigaram a vender o prédio por um determinado preço, de tal forma que o incumprimento da sua obrigação de emitir a declaração de venda pode levar a que o tribunal se substitua aos vendedores, proferindo, por via da execução específica, sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, nos termos do art. 830º, nº 1 do Cód. Civil. Aliás, a sujeição deste contrato-promessa ao regime da execução específica consta expressamente da sua cláusula 6ª. Ora, ao declararem o seu consentimento ao assumir dessa obrigação por parte dos promitentes vendedores, com todas as consequências que daí podem derivar, designadamente em caso de incumprimento, os réus mais não fizeram do que consentir na própria venda, ainda que o tenham feito de forma tácita. Como de forma muito expressiva se diz na sentença recorrida “a referência à promessa de autorizar a venda acaba, assim, por ser uma excrescência verbal: os réus não tinham que prometer consentir pois...já tinham consentido.” Assim sendo, há que concluir que, no contexto do contrato-promessa aqui em apreciação, os réus, se bem que de forma tácita, já emitiram declaração de consentimento à venda, pelo que não há necessidade de que o tribunal a eles se substitua, emitindo a declaração de consentimento. Citando uma vez mais a sentença recorrida: “A sentença que assim decidisse seria meramente redundante. Nenhuma novidade traria.” 2. Sucede que estando nós perante acção constitutiva – e não meramente declarativa - tal nos remete para a questão da falta de interesse processual. O interesse processual[4] consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial. É o interesse em utilizar a arma judiciária – em recorrer ao processo. Não se trata de uma necessidade estrita, nem tão-pouco de um qualquer interesse por vago e remoto que seja; trata-se de algo de intermédio: de um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, por isso tornando legítima a sua pretensão a conseguir por via judiciária o bem que a ordem jurídica lhe reconhece.[5] Consiste o interesse processual na necessidade de usar o processo, exprimindo por isso mesmo a necessidade ou situação objectiva de carência judiciária por parte do autor face à pretensão que deduz, carência que tem de ser real, justificada e razoável.[6] Por seu turno, Miguel Teixeira de Sousa[7] diz-nos que o interesse processual se desdobra num interesse em demandar (do autor) e num interesse em contradizer (do réu): o interesse em demandar é o interesse na obtenção da tutela judicial e afere-se pelas vantagens decorrentes dessa tutela para a parte activa; o interesse em contradizer é o interesse na não concessão dessa tutela e avalia-se pelas desvantagens impostas ao réu pela atribuição daquela tutela à contraparte. Assim, o autor não tem nenhum interesse em demandar quando não extrair nenhuma vantagem da concessão da tutela judiciária e o réu não tem interesse em contradizer quando a concessão dessa tutela não lhe importar nenhuma desvantagem. Prosseguindo, escreve o mesmo autor que “o interesse processual não pode ser afirmado ou negado em abstracto: apenas comparando a situação em que a parte (activa ou passiva) se encontra antes da propositura da acção com aquela que existirá se a tutela for concedida, se pode saber se isso representa um benefício para o autor e uma desvantagem para o réu. Se a situação relativa entre as partes não se alterar com a concessão dessa tutela judiciária, então falta o interesse processual.” É controvertido se o interesse processual constitui pressuposto processual. Manuel de Andrade, salientando que a lei não é explícita, evidencia algumas hesitações, escrevendo que, em bom rigor, o interesse processual parece tratar-se não de um simples pressuposto processual, mas sim de uma condição da acção, pois a falta de interesse processual significa não ter o demandante razão para solicitar e conseguir a tutela judicial pretendida.[8] Já Lebre de Freitas ao escrever sobre esta questão diz que o interesse processual não se trata do interesse em demandar e do interesse em contradizer a que se refere o art. 26º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil, o qual, radicado no direito substantivo, se relaciona com o pressuposto da legitimidade. Trata-se, sim, do interesse em recorrer aos tribunais para tutela do interesse material. Acontece que da função do processo civil, destinado a tutelar interesses protegidos pelo direito material, mediante a composição de conflitos de interesses dela carecidos, se retira que os tribunais não devem ser sobrecarregados com acções inúteis, pelo que é exigível um interesse sério para o recurso a juízo, sendo, nesta medida, o interesse processual um pressuposto e constituindo a sua falta uma excepção dilatória inominada.[9] Por sua vez, Antunes Varela[10] refere que nas acções constitutivas – como sucede com a presente – a sanção para a falta do interesse processual consistirá na absolvição do réu da instância. O tribunal deve abster-se de conhecer do mérito da causa, precisamente por faltar um pressuposto processual da acção (o interesse em agir). Em sentido idêntico se pronuncia Anselmo de Castro[11], referindo que nem a isso obsta a sua não inclusão nos arts. 494º, nº 1 e 288º, nº 1, al. e) do Cód. do Proc. Civil, uma vez que aquele primeiro preceito está redigido em termos de admitir outras excepções dilatórias (pressupostos processuais) para além das aí enumeradas. Neste quadro, à semelhança do que se fez na sentença recorrida, é de qualificar o interesse processual como pressuposto processual, entendendo-se que a sua falta constitui excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição da instância (cfr. arts. 288º, nº 1, al. e), 493º, nºs 1 e 2, 494º e 495º todos do Cód. do Proc. Civil).[12] 3. Por conseguinte, sucedendo que, face ao que se deixou explanado em 1., ocorre no caso “sub judice” uma situação de falta de interesse processual, há, por esse motivo, que julgar verificada a correspondente excepção dilatória inominada, como o fez a 1ª Instância. Improcede, assim, o recurso interposto pela autora, o que importará a integral confirmação da sentença recorrida, para cuja argumentação, pormenorizada e correcta, no mais se remete. * Sumário (art. 713º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil): I – Resulta do disposto no art. 877º do Cód. Civil que os pais podem vender a filhos desde que os outros filhos consintam na venda. II – Esse consentimento, de acordo com o art. 219º do Cód. Civil, não está sujeito a forma especial, mesmo que essa forma venha a ser exigida para o contrato de compra e venda e pode, inclusive, ser prestado tacitamente nos termos gerais (art. 217º). III – Tendo sido celebrado entre os pais e uma sua filha (aqui autora) um contrato-promessa através do qual os primeiros prometeram vender e a segunda prometeu comprar um imóvel e tendo a outra filha, bem como o seu marido (aqui réus), autorizado a celebração desse contrato, há que concluir que estes, se bem que de forma tácita, já emitiram declaração de consentimento à venda, uma vez que o incumprimento da obrigação de emitir a declaração de venda por parte dos promitentes vendedores pode levar a que o tribunal se substitua a estes, proferindo, por via da execução específica, sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, nos termos do art. 830º, nº 1 do Cód. Civil. IV – Não há assim necessidade de que o tribunal se substitua aos réus, emitindo a respectiva declaração de consentimento, conforme pretende a autora, pelo que “in casu” ocorre uma situação de falta de interesse processual. V – O interesse processual é de qualificar como pressuposto processual, entendendo-se que a sua falta constitui excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, conducente à absolvição da instância. * DECISÃONos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela autora B…, confirmando-se a sentença recorrida. Custas a cargo da autora/recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido. Porto, 27.9.2011 Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires Márcia Portela Manuel Pinto dos Santos __________________ [1] Cfr. Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, Vol. III (Contratos em Especial), 5ª ed., págs. 41/2; Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed., pág. 170. [2] Estatui-se neste artigo que «a validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir.» [3] Cfr. Menezes Leitão, ob. cit., pág. 42. [4] Também frequentemente designado por interesse em agir. [5] Cfr. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 79/80. [6] Remédio Marques, in “A Acção Declarativa à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 2009, 2ª ed., pág. 393. [7] In “O Interesse Processual na Acção Declarativa”, AAFDL, 1989, pág. 6, citado na sentença recorrida. [8] Ibidem, pág. 82. [9] In “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, Coimbra Editora, 2ª ed., pág. 339 (em colaboração com Montalvão Machado e Rui Pinto). [10] In “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1ª ed., pág. 179 (em colaboração com Sampaio e Nora e Miguel Bezerra) [11] In “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. II, Almedina, 1982, pág. 254. [12] Cfr. neste sentido, por ex., Ac. Rel. Porto de 26.3.2009, p. 0830329 e Ac. Rel. Guimarães de 15.2.2007, p. 2612/06-2, ambos disponíveis in www.dgsi.pt, Ac. Rel. Coimbra de 16.9.1997, BMJ nº 469, págs. 664/5 e Ac. Rel. Lisboa de 12.3.1992, CJ, ano XVII, tomo II, págs. 128/130. |