Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | VIEIRA E CUNHA | ||
| Descritores: | PROPRIEDADE HORIZONTAL INOVAÇÃO FACTOS QUE RESULTAM DA INSTRUÇÃO E DISCUSSÃO DA CAUSA RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO PRESSUPOSTOS | ||
| Nº do Documento: | RP20121120912/11.6TBLSD.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/20/2012 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - O n°3 do art° 264° CPCiv permite que, ainda na fase de instrução ou na discussão de facto da causa, a parte a que o facto não oportunamente alegado aproveite requeira, a convite do juiz ou não, que os factos complementares que a prova produzida tenha patenteado, com consequente aditamento da base probatória e possibilidade de resposta e contraprova da parte contrária, sejam levados em conta na decisão; sem essa manifestação de vontade, o facto não pode ser considerado. II - Fechar um ou vários espaços numa garagem comum, seja com paredes fixas, seja com paredes ou divisórias amovíveis, é uma inovação, na acepção do art° 1425° n°1 CCiv. III - Se não se demonstra que o Réu obteve a necessária aprovação de dois terços dos condóminos para "fechar" com paredes o seu lugar de garagem, é ilícita a construção, sem prejuízo do disposto no art° 1425° n°2 CCiv. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | ● Rec. 912/11.6TBLSD.P1. Relator – Vieira e Cunha (decisão de 1ª instância de 10/05/2012). Adjuntos – Desembargadores Maria Eiró e João Proença Costa. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Súmula do Processo Recurso de apelação interposto na acção com processo comum e forma sumária nº912/11.6TBLSD, do 1º Juízo da Comarca de Lousada. Autora – Condomínio do Edifício …, representado por B…, Ldª. Réu – C…. Pedido Que a Ré se condene o Réu a demolir a vedação do respectivo lugar de garagem, de forma a repor a situação originária, de acordo com a propriedade horizontal. Tese do Autor O Réu é dono e possuidor de uma fracção autónoma, no condomínio Autor, da qual faz parte integrante um lugar de garagem. Sem autorização dos demais condóminos, e contra o título de constituição da propriedade horizontal, o Réu tapou o respectivo lugar de garagem com tijolos e cimento, nele tendo colocado um portão. Tese da Ré Teve autorização verbal do administrador do condomínio, em 2003, para fechar o seu lugar de garagem, inexistindo alguma vez oposição dos restantes condóminos, designadamente no decurso do lapso de tempo entretanto ocorrido. Não violou as limitações impostas pelo disposto no artº 1422º CCiv. Sentença Na sentença proferido pelo Mmº Juiz “a quo”, e na procedência da acção, o Réu foi condenado a demolir a vedação do lugar de garagem afecto à fracção autónoma designada pela letra “J”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, .º bloco, que faz parte do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na …, nº …, freguesia …, concelho de Lousada, de forma a repor a situação originária, de acordo com a propriedade horizontal. Conclusões do Recurso de Apelação: 1 – O Tribunal “a quo” ao decidir como decidiu não fez uma correta interpretação de toda a factualidade apurada na audiência de Julgamento. 2 - Que o Réu é dono e legítimo possuidor de uma fracção autónoma, designada pela letra J, correspondente aos Rés do Chão esquerdo, .º Bloco, que faz parte do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na … nº …, freguesia …, concelho de Lousada. 3 - A Fracção encontra – se descrita na Conservatória do Registo Predial de Lousada, sob o nº 00750 –J, da freguesia …, com a inscrição de transmissão G-1 a favor do Réu. 4 - Da Fracção propriedade do Réu, faz parte de um lugar de Garagem. 5 - O Réu decidiu Transformar o lugar de garagem atribuído à fração de que é proprietário, numa garagem fechada, tendo para tal tapado o respectivo lugar com tijolos e cimento, bem como colocado um portão. 6 - Alterando, desta forma, o titulo de constituição de propriedade horizontal sem que, para tal tenha obtido a respectiva autorização dos restantes condóminos do edifício. 7 - O Réu foi intimado pelo Autor, e pelos próprios condóminos para que procedesse à demolição das obras realizadas, de forma a repor a situação originária. 8 - O Réu sempre ignorou tais intimidações, mantendo a atual situação. 9 - O lugar de garagem, devidamente demarcado está afeto ao uso exclusivo do condómino titular da Fração. 10 - Sustentou o Tribunal "a quo" que o lugar de garagem destinado à fração do Réu presume-se comum a menos que o titulo constitutivo os afecte a um uso exclusivo artigo 1421º nº 3 do CC. 11 - No caso em apreço o Réu decidiu transformar o lugar de garagem atribuído à fração de que é proprietário numa garagem fechada, tendo para tal tapado o respectivo lugar com tijolos e cimento, bem como colocado um portão e alterando, desta forma, o título de constituição de propriedade horizontal sem que para tal tenha obtido a respectiva autorização dos restantes condóminos do edifício. 12 - Concluindo que, o lugar de garagem afecto exclusivamente à fração do Réu não permite o tapamento, pois apenas o proprietário pode murar, tapar e não o condómino sobre parte comum, ainda que com exclusividade de afetação. 13 – Contudo no entender dos recorrentes não assiste razão ao Tribunal “a quo” ao ter decidido nesse sentido quer quanto `questão de direito quer quanto à matéria factual. 14 – Analisemos o depoimento da Testemunha D… gravado no sistema integrado da Gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 09/05/2012 das 14:57:19 às 15:05:06 “(…) Advogada do réu: Sabe do que se está aqui a falar. O que eu lhe queria perguntar era o seguinte, o Sr. na altura era o administrador, recorda-se de terem tido alguma conversa acerca deste assunto, disto ter sido discutido entre os condóminos? Recorda-se o que é que se passou à conta disto quando isto aconteceu? Testemunha: Ora bem, na altura lembro-me do Sr. C…, não me lembro quando nem, lembro-me de vir falar comigo na garagem, e ter perguntado se podia fechar a garagem e eu como administrador do condomínio disse-lhe, olhe, primeiro tem que pedir autorização em Assembleia, com autorização da Assembleia com uma votação de 2/3 podia construir, se não, se eles não autorizassem a lei em princípio nada prevê, se não prevê, desde que não haja interferência na luminosidade, na questão de manobras, etc., poderá fechar, uma vez que é lugar de garagem e não garagem. Se alguém quiser contestar, pronto então que conteste (…)” (…) Advogada do réu: Se essas paredes, ou essa garagem fechada iria impedir o acesso a essa porta? Testemunha: Não, não., não porque essa era aquele lugar que estava mesmo encostado a, a essa, a essa entrada e não… Advogada do réu: Ou seja, mesmo fechando aquilo não iria impedir de alguma forma o acesso? Testemunha: Não, não, não impediu, nem manobras, pelo que vi, pelo que eu vi na altura, que eu estava mesmo no fundo da garagem, que ele falou comigo, em princípio, só depois das paredes feitas é que eu poderia ver melhor, mas na altura. 15 - No depoimento da testemunha E… gravado no sistema integrado da Gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 09/05/2012 das 14:49:30 às 14:56:46 (…) Advogada da autora: Ah, Sr. E…, o Sr. E… mora no mesmo bloco que o Sr. C…. Testemunha: Mora, sim, sim. Advogada da autora: Portanto, a sua garagem é perto da dele? Testemunha: É relativamente perto. Advogada da autora: Incomoda-o, fazer as manobras, alguém que tenha. Testemunha: A mim não. Advogada da autora: A si não. Testemunha: A mim não. (…) (…) Advogada da autora: Sr. E…, há quantos anos é que foi construída aquela garagem? Testemunha: Eu não tenho, não posso precisar mesmo há quantos anos, mas se foi, ou foi 2003, ou 2002. Advogada do réu: Olhe, diga-me só uma coisa, o Sr. já disse que, é assim, aquilo ultrapassa, ou seja, os lugares de garagem estão demarcados com uma linha branca, uma risca ou, no chão não é… Testemunha: Não, passa, queima a linha branca… Advogada do réu: Queima, está em cima da linha branca ou está para lá, para dentro da linha ou para fora da linha? Testemunha: Tapou a linha branca toda. Advogada do réu: Está em cima da linha branca. Testemunha: Sim, sim. Advogada do réu: Então está nos limites do lugar.(…) 16 - No analisemos o depoimento da testemunha F… gravado no sistema integrado da Gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 09/05/2012 das 15:05:46 às 15:09:35 (…) Advogada do réu: Há quantos anos é que a Sra. mora lá? Testemunha: Eu estou lá, eu quando fui para lá aquilo já estava feito, estou lá à 7, mais ou menos 7/8 anos. Advogada do réu: Há 7/8 anos e aquilo já estava feito. Testemunha: Sim, perto de 8 anos, sim.(…) (…) Advogada do réu: Por aquilo que a Sra. vê do lugar de garagem aquilo está, está para lá das linhas de demarcação, ou está dentro dos limites do lugar? Testemunha: Eu penso que está nas linhas. Penso que ele fez pelas linhas.(…) 17 - No depoimento da testemunha G… gravado no sistema integrado da Gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 09/05/2012 das 14:37:50 às 14:48:58. (…) Advogada do réu: Na altura, quando foram para lá viver, ou seja, os lugares de garagem já estavam, estavam identificados para cada fração, vocês foram escolhendo? Testemunha: Estavam. Advogada do réu: Como é que as coisas funcionaram? Testemunha: Estavam, já estavam marcados no chão, os lugares de garagem. Advogada do réu: Estavam marcados por linhas brancas? Como é que estavam demarcados os lugares de garagem? Testemunha: Estão por linhas, mas agora a cor não lhe sei dizer… Advogada do réu: Mas na altura que os Srs. foram para lá? Testemunha: Olhe, na altura em relação à garagem, inclusivamente, como era no inicio, eu inclusivamente, quis trocar de lugar de garagem. E o construtor disse que não era possível, eu queria, a minha garagem não é muito acessível para um carro grande, só cabe lá um carro pequeno, ele disse que não era possível, e ficou lá. Advogada do réu: Ou seja, já estavam, já estavam identificados? Testemunha: Já estavam identificados os lugares(…) 18 – Quanto ao depoimento da testemunha H… gravado no sistema integrado da Gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 09/05/2012 das 15:10:05 às 15:17:41 Advogada do réu: Olhe, a Sra. há quantos anos é que vive lá? Testemunha: É assim, tenho o apartamento há 9 anos, mas morar lá mesmo, moro há 8. Advogada do réu: Quando a Sra. foi para lá morar já existia…? Testemunha: Já existia a garagem. Advogada do réu: Já existia a garagem. 19 - Ora dos depoimentos aqui transcritos resultam ainda provados os seguintes factos que o aqui recorrente considera aqui relevante para a decisão da causa e que não foram tidos em consideração 20 - Ora em sede de inquirição das testemunhas ficou provado que o Réu verbalmente pediu autorização à Administração do Condomínio que administrava o prédio no ano de 2003 para proceder ao fecho do seu lugar de garagem, tendo sido consentido por essa Administração uma vez que na propriedade horizontal nada estabelece que os lugares de garagem possam ser vedados. 21 - Há cerca de nove anos que o recorrente fechou o lugar de garagem à vista de toda a gente e sem oposição quer dos condóminos quer da atual administração de condomínio que tomou posse no dia 3 de Janeiro de 2005. 22 - O recorrente agiu de boa fé na convicção que estava a usufruir de um direito que lhe assistia enquanto proprietário do referido lugar de garagem. 23 - Os lugares de garagem identificados por letras estavam afectos ao uso exclusivo de cada fração, tendo mesmo sido referido por a testemunha G… que aquando a aquisição do seu imóvel não lhe foi permitido trocar o seu lugar de garagem por outro. 24 - O Réu ao tapar o seu lugar de garagem obedeceu aos limites do referido lugar nem prejudicou o acesso dos restantes condóminos aos seus lugares de garagem. 25 - Com o tapamento o recorrente não vedou qualquer entrada de luz ou obstruiu a iluminação dos corredores de passagem. 26 - Ora estando cada condómino sujeito ás limitações impostas aos proprietários das coisas imóveis com uma simples marcação no pavimento a eventual tapagem do seu espaço de garagem terá de respeitar como respeitou rigorosamente os direitos dos demais condóminos, ou seja com a operação de vedação do espaço de parqueamento o condómino terá de respeitar rigorosamente os riscos do pavimento para que não resulte impedido ou dificultado o acesso dos demais condóminos aos respectivos locais. 27 - Por outro se da escritura da constituição da propriedade horizontal consta que da fração autónoma designada pela letra J faz parte a garagem designada pela letra J, deve considerar-se ilidida a presunção a que alude o artigo 1421º nº 2 alínea d) do Código Civil, de que tal garagem é comum, desde que se respeite as limitações impostas pelo artigo 1422º do Código Civil. 28 - Ora dos documentos juntos com a petição ou da prova testemunhal arrolada nenhum facto determina outra presunção que não esta. 29 - Pelo que assiste ao recorrente a legitimidade para proceder ao fecho da garagem. Por contra-alegações, o Autor sustenta o bem fundado da sentença recorrida. Factos Apurados 1. O Réu é dono e legítimo possuidor de uma fracção autónoma, designada pela letra “J”, correspondente ao Rés do Chão Esquerdo, .° Bloco, que faz parte do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na … n.° …, freguesia …, concelho de Lousada. 2. A fracção encontra-se descrita na Conservatória do Registo predial de Lousada sob o nº 00750-J, da freguesia …, com inscrição de transmissão G-1 a favor do Réu. 3. Da fracção propriedade do R., faz parte um lugar de garagem. 4. O R. decidiu transformar o lugar de garagem atribuído à fracção de que é proprietário, numa garagem fechada, tendo, para tal, tapado o respectivo lugar com tijolos e cimento, bem como colocado um portão 5. Alterando, desta forma, o titulo de constituição de propriedade horizontal sem que, para tal, tenha obtido a respectiva autorização dos restantes condóminos do edifício. 6. O R. foi intimado pelo A., e pelos próprios condóminos, para que procedesse à demolição das obras realizadas, de forma a repor a situação originária. 7. O R. sempre ignorou tais intimações, mantendo a actual situação. 8. O lugar de garagem, devidamente demarcado está afecto ao uso exclusivo do condómino titular da fracção J. 9. A actual administração de condomínio foi eleita no dia 3 de Janeiro de 2005 (acta de assembleia de fls. 8ss., conforme fundamentação infra). Fundamentos As questões colocadas pelo presente recurso de apelação são as seguintes: Saber se se devem considerar provados os seguintes factos: - O Réu verbalmente pediu autorização à Administração do Condomínio que administrava o prédio no ano de 2003 para proceder ao fecho do seu lugar de garagem, tendo sido consentido por essa Administração uma vez que na propriedade horizontal nada estabelece que os lugares de garagem possam ser vedados (resposta explicativa à alegação dos artºs 5º a 7º da Contestação, antes julgada “não provada”). - Há cerca de nove anos que o recorrente fechou o lugar de garagem “à vista de toda a gente e sem oposição quer dos condóminos quer da atual administração de condomínio” (artº 11º da Contestação, não considerado pela decisão recorrida) que tomou posse no dia 3 de Janeiro de 2005. - O recorrente agiu de boa fé na convicção que estava a usufruir de um direito que lhe assistia enquanto proprietário do referido lugar de garagem. - Os lugares de garagem identificados por letras estavam afectos ao uso exclusivo de cada fração (parcialmente já respondido, na resposta positiva ao artº 14º da Contestação). - O Réu ao tapar o seu lugar de garagem obedeceu aos limites do referido lugar nem prejudicou o acesso dos restantes condóminos aos seus lugares de garagem (artºs 8º e 18º da Contestação, inconsiderados na decisão recorrida). - Com o tapamento o recorrente não vedou qualquer entrada de luz ou obstruiu a iluminação dos corredores de passagem (artº 12º da Contestação, inconsiderado na decisão recorrida). Em consequência, saber se assistia ao Recorrente legitimidade substantiva para proceder ao fecho do respectivo “lugar de garagem”. Vejamos então mais detalhadamente. I Em primeiro lugar, a matéria de facto impugnada, para o que foram levados em conta os depoimentos testemunhais, ouvidos na íntegra a partir do suporte CD, para além da alegação e documentos constantes do processo.Em primeiro lugar saber se se deve considerar provado que “o Réu verbalmente pediu autorização à Administração do Condomínio que administrava o prédio no ano de 2003 para proceder ao fecho do seu lugar de garagem, tendo sido consentido por essa Administração uma vez que na propriedade horizontal nada estabelece que os lugares de garagem possam ser vedados” (resposta explicativa à alegação dos artºs 5º a 7º da Contestação, antes julgada “não provada”). Nada autoriza a alteração da resposta “não provado”. Na verdade, o depoimento chave para a resposta dada é o do antigo administrador do condomínio D…. Esta testemunha asseverou, em resumo, a instâncias das ilustres advogadas de ambas as partes e do Mmº Juiz, que o Réu falou consigo na garagem; não lhe pediu autorização, aliás a testemunha não disse que autorizava, toda a responsabilidade seria do condómino, na vedação do lugar de garagem, tendo ele apenas, ex-administrador, exprimido uma opinião no sentido de que a lei “nada prevê e por isso o problema era dele”. Mantém-se desta forma a resposta antes dada. Seguidamente, pretende-se se julgue provado que “há cerca de nove anos que o recorrente fechou o lugar de garagem à vista de toda a gente e sem oposição quer dos condóminos quer da actual administração de condomínio que tomou posse no dia 3 de Janeiro de 2005”. O segmento “à vista de toda a gente e sem oposição quer dos condóminos quer da actual administração de condomínio” foi alegado no artº 11º da Contestação e inconsiderado pela decisão recorrida; a matéria restante não consta do douto articulado. A matéria inconsiderada foi-o bem, na parte em que se invoca o facto notório de uma construção de três paredes, dentro da garagem comum, ser efectuada “à vista de toda a gente”, leia-se, de todos os interessados com acesso à garagem comum rectius condóminos. Tal matéria não está necessitada de prova – artº 514º nº1 CPCiv. Na parte relativa à falta oposição dos condóminos ou da administração, a pretensão do Recorrente não pode colher – as únicas testemunhas que depuseram à matéria, os condóminos G…, E… e F…, foram bem claros ao expressar que os condóminos achavam “que não era legal” (F…) e todos eles no sentido de que, desde o início que o assunto era levado a Assembleia, pelo desconforto dos demais condóminos, embora apenas esta administração tenha levado o assunto até ao seu necessário fim judicial. Quanto ao número de anos passados desde a construção da garagem, bem como à data da posse da actual administração, este último item é apenas passível de prova documental através das actas das assembleias de condomínio, como necessário documento ad probationem – cf. artº 1º D-L nº 268/94 de 25 de Outubro (no mínimo – interpretações doutrinárias como a de Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2000, pg. 258, entendem encontrarmo-nos perante uma formalidade ad substantiam) – como dos autos consta a acta de eleição do actual administrador (fls. 8ss.), acrescentou-se já este segmento à factualidade provada, conforme supra. O número de anos passados desde a construção da garagem depara-se com o obstáculo da não alegação prévia, isto é, o obstáculo a que se reporta o ónus de alegação – artº 264º nº1 CPCiv. As excepções ao princípio constantes do nº3 da norma referida são assim explicadas pelo Prof. Lebre de Freitas, Anotado, pg. 468, cit. in Ac.R.G. 4/10/07 Col.IV/294: “o que o nº3 permite é que, ainda na fase de instrução ou na discussão de facto da causa, a parte a que o facto em falta aproveite alegue, a convite do juiz ou não, os factos complementares que a prova produzida tenha patenteado, com consequente aditamento da base probatória e possibilidade de resposta e contraprova da parte contrária”. Assim, conclui agora o douto acórdão, relatado pelo Desemb. Carvalho Guerra: “mesmo que se entendesse que o facto dado como provado pelo tribunal se pudesse enquadrar no conceito de complemento ou de concretização do que fora alegado na petição inicial, a verdade é que não se verificou aquela manifestação de vontade por parte da Autora em se aproveitar do facto dado como provado e nunca chegou a ser introduzido explicitamente no processo, pelo que não podia ser considerado na decisão”. Não podendo ser considerado na decisão, também não pode ser considerado por esta instância de recurso. Nestas matérias, em resumo, nada existe a acrescentar aos “factos provados”. Depois, pretende-se a prova do seguinte facto: “o recorrente agiu de boa fé na convicção que estava a usufruir de um direito que lhe assistia enquanto proprietário do referido lugar de garagem” – mais uma vez, por se tratar de facto não alegado no processo, remetemos para a fundamentação anterior. Nada existe, neste particular, pois, que acrescentar aos “factos provados”. Mais tarde, pretende-se a prova de que “os lugares de garagem identificados por letras estavam afectos ao uso exclusivo de cada fracção” – o facto está já contemplado na resposta positiva à alegação 14ª da Contestação (facto 8º), pelo que entendemos que a matéria restante (relativa à generalidade dos condóminos e dos lugares de garagem) irreleva para a sorte da acção. Uma vez mais, nada a acrescentar. Seguidamente, pretende-se a prova de que “o Réu ao tapar o seu lugar de garagem obedeceu aos limites do referido lugar nem prejudicou o acesso dos restantes condóminos aos seus lugares de garagem” (alegação dos artºs 8º e 18º da Contestação). Salvo o muito e devido respeito, tal matéria não se encontra provada. Sendo certo que o Réu construiu “sobre a linha delimitadora do seu lugar de garagem” (como afirmou a generalidade das testemunhas), não está esclarecido se uma tal linha pertencia integralmente à fracção do Réu e ao respectivo lugar de garagem, pois que, na medida em que é delimitadora, não está esclarecido, repete-se, que a linha pertença exclusivamente ao lugar do Réu ou ao lugar do Réu e ao proprietário da parcela de solo (maxime o condomínio) contígua – nenhuma testemunha o referiu. Muito menos se encontra provado que o Réu não tenha prejudicado os demais condóminos – a referência negativa foi efectuada pela generalidade das testemunhas (v.g., os já mencionados G…, E… e F…), quer no que respeita às manobras de viaturas, quer no que respeita à saída das escadas ou elevadores de acesso, através da porta corta-fogo. Finalmente, pretende-se se julgue provado que “com o tapamento o recorrente não vedou qualquer entrada de luz ou obstruiu a iluminação dos corredores de passagem”. De forma alguma se logrou a prova de uma tal matéria. As já referidas testemunhas mencionaram que parte da iluminação comum serve agora para iluminação interior da garagem; por outro lado, é do conhecimento da generalidade das pessoas que a construção de paredes inteiras em espaços comuns prejudica a iluminação natural desses espaços. Mantém-se assim, na íntegra, a matéria de facto provada, dependente de prova testemunhal, tal como proveniente de 1ª instância. II A procedência do pedido, tal como resultou da condenação proferida em 1ª instância, impõe-se, sob todos os pontos de vista.Se o título constitutivo da propriedade horizontal alude a que as fracções autónomas são constituídas por “habitação” e “lugar de garagem”, não se pode afirmar que este “lugar de garagem” é um “bem comum”. Tal, porém, não descaracteriza a presunção a que alude o artº 1421º nº2 al.d) CCiv, na exacta medida em que as partes comuns podem ficar afectas ao uso exclusivo de determinados condóminos. O “lugar de garagem”, se não é um “bem comum”, também não é de considerar também como integrando a fracção autónoma “tout court”, isto se é materializado por uma garagem de acesso e utilização comum – melhor se caracteriza assim o “lugar de garagem” como um direito ao uso exclusivo, por certa fracção autónoma, de certas zonas das partes comuns, direito previsto no artº 1421º nº3 CCiv, como oportunamente salientou o já citado (no douto acórdão recorrido) Ac.R.P. 10/5/2010, in www.dgsi.pt. pº 3019/05.1TVPRT.P1, relatado pela Desembª Anabela Luna de Carvalho. Desta forma, o que se encontra efectivamente em causa é mesmo a inovação nas partes comuns, a qual não pode ser feita “à custa da ocupação do pavimento da garagem e da utilização de paredes exteriores para apoio das paredes de vedação” (afirmava-se já no Ac.R.P. 9/3/89 Bol.385/612, relatado pelo Consº Fernandes Magalhães). Neste aspecto, o artº 1422º CCiv começa por impor aos condóminos proibições próprias das relações de vizinhança. Já o artº 1425º regula aquilo que classifica como “inovações”, estipulando, no seu nº1, que “as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio”; e, no seu nº2, que “nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns”. Como bem assinala o Ac.R.L. 17/11/94 Col.V/107, relatado pelo Consº Silva Pereira, a diferença de regimes pode justificar-se pela diferença nas “inovações” previstas na norma: no nº1 referido, especialmente as alterações introduzidas na substância ou na forma da coisa; no nº2, especialmente as modificações relativas à afectação ou destino da coisa, sejam elas ou não benéficas para a coisa comum. Acompanhamos in totum a doutrina do mencionado acórdão, que prossegue (louvando-se nos Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, Anotado, III, pg. 371): “Afigura-se-nos que fechar um ou vários espaços numa garagem comum, seja com paredes fixas, seja com paredes ou divisórias amovíveis, é uma inovação.” “Um acto desses representa, antes do mais, uma alteração relevante na forma da garagem, querendo com a forma significar-se tão só o aspecto da garagem (não importa se para melhor, se para pior). E não se diga que uma obra dessa natureza, mormente se forem colocadas paredes fixas, não se desvia do projecto inicial que serviu à construção do prédio. Certamente no projecto do prédio os espaços de garagem não estão fechados, senão o problema nem se punha.” “Depois, há uma alteração de substância. Uma garagem comum da dimensão da aqui considerada (…) quer-se ampla e corrida, de modo a permitir o máximo arejamento e a iluminação possível, e o fechar de um ou mais, poucos ou muitos, espaços de estacionamento tem reflexos necessários no arejamento e na iluminação do conjunto.” Assim o decidiram igualmente os Ac.R.L. 25/1/96 Col.I/105, relatado pelo Consº Silva Paixão, e Ac.R.L. 15/12/09 Col.V/108, relatado pelo Desemb. Rijo Ferreira. Significativo também, e muito apropriado à hipótese dos autos, é a definição de “inovações” constante de Rui Vieira Miller, A Propriedade Horizontal no Código Civil, 1998, pg. 214: “obras que tenham em vista uma alteração do prédio, como originariamente foi concebido, com o fim de proporcionar a um, a vários, ou à totalidade dos condóminos, maiores vantagens ou melhores benefícios, ainda que só de natureza económica”. Em suma, sem necessidade de outras supérfluas considerações, se não se demonstra que o Réu obteve a necessária aprovação de dois terços dos condóminos para “fechar” com paredes o seu lugar de garagem, é manifesta a ilicitude da construção, pelo que a substância do dispositivo da douta sentença recorrida é de manter. Em obiter dicta final (porque para lá dos factos provados), não deixaremos de salientar, em todo o caso, que a inovação em causa será sempre ilícita se “prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, das coisas comuns”, como refere o disposto no artº 1425º nº2 CCiv (cfg., mutatis mutandis, o discorrido no Ac.R.L. 26/4/01 Col.II/118). A fundamentação poderá ser resumida desta forma: I – O nº3 do artº 264º CPCiv permite que, ainda na fase de instrução ou na discussão de facto da causa, a parte a que o facto não oportunamente alegado aproveite requeira, a convite do juiz ou não, que os factos complementares que a prova produzida tenha patenteado, com consequente aditamento da base probatória e possibilidade de resposta e contraprova da parte contrária, sejam levados em conta na decisão; sem essa manifestação de vontade, o facto não pode ser considerado. II – Fechar um ou vários espaços numa garagem comum, seja com paredes fixas, seja com paredes ou divisórias amovíveis, é uma inovação, na acepção do artº 1425º nº1 CCiv. III – Se não se demonstra que o Réu obteve a necessária aprovação de dois terços dos condóminos para “fechar” com paredes o seu lugar de garagem, é ilícita a construção, sem prejuízo do disposto no artº 1425º nº2 CCiv. Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República, decide-se neste Tribunal da Relação: Julgar improcedente, por não provado, o recurso interposto e, em consequência, confirmar integralmente a douta sentença recorrida. Custas a cargo do Apelante. Porto, 20/XI/2012 José Manuel Cabrita Vieira e Cunha Maria das Dores Eiró de Araújo João Carlos Proença de Oliveira Costa |