Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ERNESTO NASCIMENTO | ||
Descritores: | PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL PRINCÍPIO DA ADESÃO | ||
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Nº do Documento: | RP201207111/09.3TAVLG.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/11/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Consagra o artigo 71° do CPP o princípio da adesão. II - Nos termos do artigo 73º, n.º 1 do CPP, “o pedido de indemnização civil pode ser deduzido contra pessoas com responsabilidade meramente civil(...)”. III – No entanto, o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal tem sempre que ser fundamentado na prática de um crime, tem de ter na sua base uma conduta criminosa, que determina o funcionamento do princípio da adesão. IV – Nos autos investiga-se a prática de um crime de falsificação. V – O demandante deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido pelos factos integradores do tipo legal de falsificação que lhe vem imputado na acusação pública. VI – E deduziu pedido de indemnização civil contra o D..., SA., por este, negligentemente, no período de apresentação a pagamento, previsto no artigo 29° da Lei Uniforme do Cheque, ter recusado o pagamento do cheque, violando assim o disposto no artigo 32° da LUCH. VII - A causa de pedir quanto a esta pretensão, é assim, inequivocamente, a responsabilidade extracontratual do demandado, estruturada em torno dos artigos 483° C Civil e 14° do Decreto 13.00, resultante, não da falsa declaração do arguido, mas antes da falta de diligência do Banco ao não cumprir o disposto no artigo 32° da LUC. VIII – Por isso não pode ser demandado nestes autos. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo comum singular 1/09.3TAVLG do 2º Juízo Criminal da Maia Relator - Ernesto Nascimento Adjunto – Artur Oliveira Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório I. 1. No processo supra identificado em epígrafe, 1. deduziu o Magistrado do MP acusação contra o arguido B…, imputando-lhe a prática de factos que qualificou como susceptíveis de integrar, a prática, como autor material e sob a forma consumada, de um crime de falsificação de documento, p. e p. à data dos factos, pelo artigo 256º/1 alínea b) C Penal e, actualmente, pelo artigo 256.º, alínea d) do mesmo diploma e, 2. deduziu o ofendido C…, pedido de indemnização civil contra o arguido B… e contra o D…, S.A., peticionando a sua condenação solidária no pagamento da quantia € 75.250,00, acrescida de juros legais, correspondente ao dano de natureza patrimonial que alega ter tido. Efectuado o julgamento foi proferida sentença, onde se decidiu: 1. como questão prévia, julgar o tribunal materialmente incompetente para conhecer o pedido de indemnização civil formulado por C… contra o D…, SA. e, em conformidade, se absolveu o réu/demandado da instância; 2. julgar a acusação totalmente procedente por provada e em consequência se condenou o arguido B…, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º/1 alínea d) C Penal, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de € 7,50, o que perfaz a quantia total de € 1.350,00 e, 3. julgar a parte subsistente do pedido de indemnização civil, totalmente procedente por provado e em consequência se condenou o demandado B…, a pagar ao demandante C… a quantia de € 75.250,00 , acrescida de juros moratórios contados à taxa legal desde a data da notificação ao demandado do pedido. I. 2. Inconformados, com o assim decidido, quer quanto à questão prévia, quer na parte condenatória da sentença, interpuseram recurso, respectivamente, o demandante e o arguido, apresentando, cada um, aquilo que qualificam como de conclusões, mas que nem num sentido deveras abrangente do que se deve entender como de resumo das razões do pedido, se pode qualificar como tal e, que por isso aqui se não procede à sua transcrição, apenas se enunciam as questões aí, por ambos, abordadas: - quanto ao recurso do demandante: andou mal a decisão recorrida ao julgar o tribunal a quo incompetente, m razão da matéria, para conhecer da eventual responsabilidade civil extra-contratual do demandado D…, SA.; isto porque, nos termos do artigo 73º/1 C P Penal o pedido de indemnização civil pode também ser deduzido contra pessoas com responsabilidade meramente civil, como é o caso do demandado D…, SA.; e o demandado aceitou a revogação do cheque por conta da declaração do arguido e dessa forma recusou o seu pagamento durante o período de apresentação a pagamento previsto no artigo 29º da LUCheq, violando o disposto no artigo 32º do mesmo diploma, o qual aponta para a ineficácia de qualquer ordem de revogação dos cheques durante o prazo legal de apresentação, o que o faz incorrer em responsabilidade civil por factos ilícitos, nos termos dos artigo 14º do Decreto 13004 e 483º C Civil; o conhecimento desta questão deve ser feita neste processo, invocando o princípio de adesão, por razões de celeridade, eficácia e economia, que estão na génese daquele; o que acontece, de resto, nas acções destinadas à efectivação de responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, em caso e existência de seguro, em que é admissível a intervenção principal provocada no âmbito de pedido de indemnização civil; - quanto ao recurso do arguido: deve ser considerado que quem tem legitimidade para apresentar queixa, bem como para deduzir pedido cível, é E…, que era o portador do cheque, que figurava como tomador e que foi quem o apresentou a pagamento e, não, que o fez, em ambos os casos, C…, que não foi beneficiário de qualquer endosso e que pese embora seja exequente no processo que conduziu à penhora, não tinha legitimidade para o fazer; donde deve ser revogada a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que por falta de legitimidade, julgue extinto o procedimento criminal contra o arguido e deve ser julgado improcedente o pedido cível, pela mesma falta de legitimidade de quem o formulou; por outro lado, o tribunal não poderia julgar como provado, o ponto 3. dos factos provados, no que respeita ao facto de ter participado no acordo celebrado entre o exequente e o executado F…, invocando, para tanto, as suas próprias declarações e o depoimento da testemunha, seu pai, F… e do funcionário bancário, G…, que o cheque haja sido emitido e entregue ao ofendido para pagar uma dívida, sendo este o seu legítimo portador, até porque da análise do cheque resulta que o mesmo foi preenchido pelo arguido á ordem de E…, que era o seu legítimo portador; também dos depoimentos transcritos na motivação, resulta a verificação do vício da vontade, declarado por si próprio, pois que o cheque foi emitido e entregue sob forte pressão psicológica e sem ter a noção das consequências do seu acto; quanto aos pontos 10. e 11. o arguido não alcançou para si ou para terceiros, um benefício, pois que por virtude do cheque passou a ser executado, em outro processo, juntamente com o seu pai e, mesmo que assim se não entenda o portador poderia proceder á execução do cheque, que foi apresentado a pagamento dentro do prazo legal e não foi por causa da sua declaração relativa à existência de erro e vício da vontade que o ofendido viu frustrada a sua cobrança; os pontos 8. e 9. e parte do 3., atentos os depoimentos das testemunhas F… e H…; o tribunal deveria ter julgado como provados todos os factos julgados como não provados, atentos os depoimentos transcritos, teria que se julgar como provado que o arguido desconhecia que se tinha constituído fiador, com renúncia ao benefício da excussão prévia, que em momento algum lhe foi explicado tal instituto, nem quais as legais consequências dele resultantes, bem como que não estava consciente da obrigação que estava a assumir; discorda depois do julgamento acerca da subsunção dos factos no tipo legal de falsificação, ideológica, que exige que o acto exarado em documento além de falso seja também, juridicamente relevante; voltando, neste segmento a defender que o ofendido não ficou impedido, por via da sua conduta, de obter a cobrança coerciva do seu crédito, pois que o arguido por virtude da emissão do cheque, passou, também a executado; e poderia o portador do cheque proceder à sua execução, dado que foi apresentado a pagamento dentro do prazo legal, pelo que nunca seria por causa da sua declaração da existência de erro e vício da vontade que viu frustrada a cobrança do seu crédito; donde, mesmo que se considere como falsa a sua declaração, a mesma não tem relevância jurídica, ficando, por isso, fora do alcance da norma contida no artigo 256º/1 alínea d) C Penal; donde, afirma que não resulta verificado o elemento subjectivo do tipo, a intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado ou de alcançar para si ou para outrem um benefício ilegítimo, o que se traduz num dolo específico. I. 3. Apenas o D… respondeu ao recurso, apresentado pelo demandante cível pugnando pelo seu não provimento. II. Subidos os autos a este Tribunal, dele teve vista o Exmo. Sr. Procurador da República, que emitiu parecer, reportado tão só, ao recurso da parte criminal, no sentido da improcedência do recurso interposto pelo arguido. Seguiram-se os vistos legais. Teve lugar a conferência com observância de todo o legal formalismo. Cumpre agora apreciar e decidir. III. Fundamentação III. 1. Como é por todos consabido, são as conclusões, resumo das razões do pedido, extraídas pelo recorrente, a partir da sua motivação, que define e delimita o objecto do recurso, artigo 412º/1 C P Penal. Assim, as questões suscitadas pelos recorrentes, para apreciação pelo tribunal de recurso, são, atendendo à sua precedência lógica, as seguintes: 1. recurso do demandante saber se o D…, SA. assume a qualidade, exigida pelo artigo 73º/1 C P Penal, de pessoas com responsabilidade meramente civil, para efeito de poder ser demandado no pedido cível deduzido pelo demandante; 2. recurso do arguido: saber se, quer a queixa, quer o pedido cível, foram apresentados por quem para o efeito dispõe de legitimidade; saber se existem factos erradamente julgado e, a questão da subsunção dos factos ao Direito. III. 2. Vejamos então, o mérito de cada um dos recursos. III. 2. 1. Recurso do demandante III. 2. 1. 1. É do seguinte teor o segmento da sentença reportada à questão prévia, cuja decisão vem impugnada pelo demandante cível: “o ofendido C… formulou pedido de indemnização civil contra o arguido e contra o D…, S.A., pretendendo ser ressarcido de danos patrimoniais, peticionando, assim, a condenação solidária no pagamento da quantia € 75.250,00, acrescida de juros legais. Alega, para o efeito, que o D…, S.A. tem legitimidade passiva pois que ao abrigo do artigo 73º/1 C P Penal, o pedido de indemnização civil pode ser deduzido contra pessoas com responsabilidade meramente civil. Na contestação apresentada ao pedido de indemnização civil, o D…, S.A. suscita, como questão prévia, o facto de a matéria que eventualmente fundamentaria a responsabilidade do Banco, se tratar de matéria cuja apreciação cabe apenas e tão só aos tribunais civis. Vejamos se lhe assiste razão. Por força do princípio da adesão, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei (artigo 71º C P Penal quer antes quer depois da revisão operada pela Lei nº 59/98 de 25 de Agosto). A dedução do pedido cível em processo penal é a regra e a dedução em separado a excepção (vide artigos 71º, 72º e 75º C P Penal), sem prejuízo de quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal, o tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis – n.º 3 do artigo 72º. O princípio da adesão em processo penal é de tal forma abrangente, que, nos crimes de acusação particular, a lei retira efeitos penais do comportamento assumido pelo lesado em matéria cível, quando afirma no n.º 2 do artigo 72º que no caso de o procedimento depender de queixa ou de acusação particular, a dedução do pedido perante o tribunal civil pelas pessoas com direito de queixa ou de acusação vale como renúncia a esse direito. No entanto, o regime de adesão não implica uma acção cível qualquer, mas tão-somente um pedido de indemnização civil para ressarcimento de danos causados por uma conduta considerada como crime. O n.º 1 do artigo 377º C P Penal, quando manda condenar a indemnização civil, tem como pressuposto que esta indemnização resulte de um facto ilícito criminal e, no fundo, tendo como base o artigo 483º do C Civil. Daí a alusão a que o pedido seja fundado: não é qualquer pedido, mas sim o fundado na responsabilidade aquiliana. Só o pedido de indemnização civil «fundado na prática de um crime» pode ser «deduzido no processo penal respectivo» (artigo 71º C P Penal). A responsabilidade civil, a apreciar em processo penal, se não é sempre consequência de uma condenação por infracção penal, tem no entanto por suporte a imputação de um crime, com verificação dos seus elementos constitutivos e de uma subsunção à fattispecie legal, Ac. do STJ de 07.05.1997, Processo n. 1234/96- 3. Secção. Ora, não é na falsificação imputada ao arguido que o demandante C… alicerça a pretensão formulada contra o D…, S.A., mas sim na falta de diligência do Banco que recusou, no período de apresentação a pagamento, previsto no artigo 29º da Lei Uniforme do Cheque (doravante designada por LUC), o pagamento do cheque, violando assim o disposto no artigo 32º da LUC, o qual aponta para a ineficácia de qualquer ordem de revogação dos cheques, durante o prazo legal de apresentação dos cheques. A causa de pedir é assim, na acção enxertada no caso em apreço, uma eventual responsabilidade extracontratual do Banco, e não a prática de um crime, como se exige no artigo 71º C P Penal. Efectivamente, o facto que, eventualmente, fundamentaria a responsabilidade do Banco não é a falsa declaração do arguido, mas antes a falta de diligência do Banco, (ao não cumprir o disposto no artigo 32º da LUC). Por tudo o que alinhavamos, entendemos que não funciona "in casu" o princípio da adesão consagrado no referido artigo 71º C P Penal. É legalmente inadmissível no processo penal e ao tribunal criminal falece competência, em razão da matéria, para dele conhecer, o pedido cível que não se funda em indemnização por danos ocasionados pelo crime ou não se fundamenta na responsabilidade civil do agente pelos danos que, com a prática do crime causou, pois que a acção cível que adere ao processo penal é a que tem por objecto a «indemnização por perdas e danos emergentes do crime», e só essa – vide artigos 128º do CP/82 e 129º do CP/95) e ainda Acórdãos do STJ de 25.02.1998, Processo n. 97/98 e, de 12.01.2000, Processo n. 1146/99 – 3ª Secção. A propósito veja-se também o Acórdão do STJ de 96.11.06, processo n.º 48738, onde se lê “...se o pedido não é de indemnização por danos ocasionados pelo crime, e se não se funda na responsabilidade do agente pelos danos que com a prática do crime causou, então o pedido é legalmente inadmissível no processo penal. (...) Assim sendo, falece ao Tribunal criminal competência em razão da matéria.” Também no Acórdão do STJ de 97.07.09, Acs STJ, V, 2, 260 se diz “...Resulta do princípio da adesão que a competência do tribunal criminal em matéria de indemnização civil restringe-se àquela que é fundada na prática de um crime, mais concretamente na responsabilidade civil extracontratual com base em factos ilícitos, ficando pois excluída a responsabilidade contratual, já que a obrigação de indemnizar ou de restituir, com fonte em incumprimento do vínculo creditório, escapa à competência dos tribunais penais.” Consequentemente, pelos danos causados por um facto que não é susceptível de integrar um tipo legal de crime e que viola, exclusivamente, uma obrigação em sentido técnico, não pode pedir-se a respectiva indemnização no processo penal. O tribunal criminal, é incompetente, em razão da matéria, para conhecer da eventual responsabilidade civil extracontratual do D…, S.A.. A incompetência em razão da matéria é de conhecimento oficioso e determina a absolvição do Réu/Demandado da instância (artigos 101º, 102º/1 e 105º/1 C PCivil, ex vi artigo 4º C P Penal). Em face do exposto, julga-se este tribunal materialmente incompetente para conhecer o pedido de indemnização civil formulado por C… contra o D…, S.A. e, em conformidade, absolve-se o Réu/Demandado da instância. Custas pelo Demandante, na proporção de metade devido até ao momento. Registe e notifique”. III. 2. 1. 2. A esta argumentação que contrapõe o recorrente? Defende o recorrente que, nos termos do artigo 73º/1 C P Penal o pedido de indemnização civil pode também ser deduzido contra pessoas com responsabilidade meramente civil, como é o caso do demandado D…, SA. E que, por isso, andou mal a decisão recorrida ao julgar o tribunal a quo incompetente, em razão da matéria, para conhecer da eventual responsabilidade civil extra-contratual deste demandado, impõe-se aqui neste processo, nos termos do princípio de adesão, por razões de celeridade, eficácia e economia, que estão na sua génese, o conhecimento de tal pedido, estruturado, no facto de o demandado ter aceite a revogação do cheque por conta da declaração do arguido e dessa forma ter recusado o seu pagamento durante o período de apresentação a pagamento previsto no artigo 29º da LUCheq, violando o disposto no artigo 32º do mesmo diploma, o qual aponta para a ineficácia de qualquer ordem de revogação dos cheques durante o prazo legal de apresentação, o que o faz incorrer em responsabilidade civil por factos ilícitos, nos termos dos artigo 14º do Decreto 13.004 e 483º C Civil. Para fundamentar esta sua pretensão chama à colação as acções destinadas à efectivação de responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, em caso e existência de seguro. III. 2. 1. 3. Vejamos. A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil, dispõe o artigo 129º C Penal. Consagra o artigo 71º C P Penal, o princípio da adesão, dispondo que, “o pedido de indemnização cível fundado na prática de um crime é deduzido no processo respectivo”. Sendo esta a regra, que comporta, no entanto, excepções que não vêm ao caso. Deste regime resultam vantagens para a vítima, a par de vantagens gerais. Intervindo no processo penal, a vítima economiza tempo e dinheiro. O processo é mais célere e mais barato que o processo cível. Por outro lado, aproveita as provas carreadas para o processo pelo MP e demais entidades. Também o interesse geral, lucra com o enxerto cível. A sua obrigatoriedade constituiria remédio a uma eventual inércia probatória do MP. Além disso, a descoberta da verdade, a que tende o processo penal, beneficiaria com os elementos de prova fornecidos pela vítima e, por outro lado, ainda, a prevenção geral e especial torna-se mais eficaz, uma vez que à pena em si, é acrescentada a indemnização pelos danos sofridos, cfr, Costa Pimenta, in C P Penal, anotado, 2ª edição, 235/6. Nos termos do artigo 73º/1 C P Penal, “o pedido de indemnização civil pode ser deduzido contra pessoas com responsabilidade meramente civil (…)”. O pedido e indemnização civil deduzido em processo penal tem sempre que ser fundamentado na prática de um crime, tem de ter na sua base uma conduta criminosa, que determina o funcionamento do princípio da adesão. No caso concreto o demandante deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido e contra o D…, SA., pretendendo ser ressarcido de danos patrimoniais, peticionando, assim, a condenação solidária no pagamento da quantia € 75.250,00, acrescida de juros legais. Estrutura esta sua pretensão, quanto ao primeiro demandado, nos factos integradores do tipo legal de falsificação que lhe vem imputado na acusação pública e quanto ao segundo – o que aqui está em causa - na falta de diligência, ao recusar, no período de apresentação a pagamento, previsto no artigo 29º da Lei Uniforme do Cheque, o pagamento do cheque, violando assim o disposto no artigo 32º da LUC, o qual aponta para a ineficácia de qualquer ordem de revogação dos cheques, durante o prazo legal de apresentação dos cheques. A causa de pedir quanto a esta pretensão, é assim, inequivocamente, não os factos que constituem crime, não a”prática de um crime” como é para o arguido, mas sim, a responsabilidade extracontratual do demandado, estruturada em torno dos artigos 483º C Civil e 14º do Decreto 13.004. Efectivamente, o facto que, eventualmente, fundamentaria a responsabilidade do Banco não é a falsa declaração do arguido, mas antes a falta de diligência do Banco - ao não cumprir o disposto no artigo 32º da LUC. Donde o banco não surge no âmbito de uma qualquer das duas relações materiais controvertidas, definidas pelo demandante, como tendo responsabilidade meramente civil. Existirá responsabilidade civil, [1] no confronto, tão só, da causa de pedir, em que se estrutura a pretensão contra si deduzida e nenhuma responsabilidade no tocante aos factos, invocados no pedido contra o arguido - afinal, os que constituem crime – que se reconduzem à falsa declaração que o arguido fez constar na declaração que enviou ao banco e que este fez constar do cheque, como motivo do não pagamento. A responsabilidade do banco, tal como vem estruturada pelo demandante, surge, em momento cronologicamente posterior àquela de onde emerge a do arguido, em relação à qual não assume qualquer relevo, nem repercussão e não se pode ter como tendo, em relação à do arguido “responsabilidade meramente civil”. Estaremos, no caso configurado pelo demandante, em que o banco não paga o cheque, depois de o arguido ter declarado, falsamente, que emitira o cheque com falta ou vício de vontade, perante uma responsabilidade civil do banco, subsequente à responsabilidade civil do arguido. E, já não perante uma responsabilidade civil que tenha origem, que tenha como causa de pedir os mesmos factos em que assenta a responsabilidade criminal imputada ao arguido. Responsabilidade meramente civil tem o comitente e tem a seguradora – para utilizar o exemplo invocado pelo recorrente - no tocante ao pedido cível fundado na prática de um crime praticado pelo comissário, no exercício da condução automóvel. O que se não confunde nem nenhum ponto de contacto tem com o caso dos autos. Donde, este segmento do pedido cível não pode ter lugar no processo penal, por não verificado, manifestamente, o requisito de que depende – ser fundado na prática de um crime ou emergir de um crime. Assim, bem andou a decisão recorrida ao considerar como legalmente inadmissível e carecer o tribunal criminal de competência, em razão da matéria, para dele conhecer. Improcede, pois o recurso interposto pelo demandante, pois que o entendimento sufragado na decisão recorrida não violou nenhuma das normas supra invocadas - atinentes ao caso concreto – nem o artigo 77º C P Penal, que manifestamente nenhum contributo traz para o caso em apreço. III. 2. 2. Recurso do arguido. III. 2. 2. 1. Vejamos como habitualmente, o que se consignou na sentença recorrida em termos de fundamentação de facto. Factos Provados. “1. No dia 26 de Setembro de 2008, no âmbito do processo executivo n.º 1794/2001 do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Valongo, em que eram exequente C… e executado F…, realizou-se uma penhora de diversos bens do executado, na residência deste. 2. Na altura, para evitar a remoção desses bens, o executado celebrou com o exequente um acordo mediante o qual se comprometia a pagar o montante em dívida – € 76.000,00 - em 301 prestações, a primeira no valor de € 750,00 e as restantes no valor de € 250,00. 3. Também na mesma altura, ficou como fiador, com renúncia ao benefício de excussão prévia, o filho de F…, ora arguido, o qual, estando presente e tendo participado no acordo celebrado, entregou à agente de execução, I…, o cheque n.º ………. da sua conta ……….. do D…, por si totalmente preenchido e assinado no valor de € 75.250,00. 4. Tal cheque, que garantia o pagamento das 300 prestações de € 250,00 acima referidas, destinava-se a ser substituído por outro de valor inferior em € 250,00 logo que a segunda prestação nesse valor fosse entregue e só seria apresentado a pagamento caso essa prestação não fosse paga. 5. Acontece que não foi paga nem a 2ª prestação, nem qualquer outra, pelo que, a 11.11.2008 E… apresentou o cheque a pagamento, tendo o mesmo sido devolvido no dia seguinte, por mandato do banco sacado, com a menção de “falta ou vício na formação da vontade”. 6. É que a 28 de Outubro de 2008, o arguido comunicou ao D… de …, por escrito, conforme declaração de fls. 33 que aqui se dá por reproduzida, que o cheque n.º ………. da sua conta ……….. foi passado “por erro ou vício da vontade”. 7. Esta declaração foi reiterada, a 29.10.2008, altura em que o arguido referiu que quando emitiu o aludido cheque não tinha consciência do acto que estava a praticar. 8. Tais declarações foram feitas apenas com intuito de evitar o pagamento do aludido título pelo banco sacado, como veio a acontecer. 9. O arguido sabia, porém, que esse cheque tinha sido por si consciente e voluntariamente emitido e entregue, para pagar uma dívida ao ofendido, pelo que este era seu legítimo portador. 10. B… actuou de forma livre, deliberada e consciente, elaborando e assinando pelo seu próprio punho duas declarações nas quais fez constar que o cheque fora emitido com um erro ou vício de vontade que nunca ocorreu, o que o arguido bem sabia. 11. B… quis dessa forma impedir o banco sacado de pagar a quantia titulada pelo cheque por si emitido, como impediu, com intenção de, deste modo alcançar benefício para si e impedir o débito desse montante na respectiva conta ou evitando a devolução dos cheques por falta de provisão, com a consequente inibição do uso de cheques. 12. O arguido quis ainda causar prejuízo patrimonial ao ofendido em montante igual ao titulado no mencionado cheque. 13. O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente sabendo a sua conduta proibida e punida por lei. 14. O arguido emitiu o cheque supra mencionado a pedido do seu pai, para evitar que os bens deste fosse removidos. 15. O arguido tem o 12.º ano de escolaridade. 16. O arguido é militar de carreira no exército, auferindo mensalmente a quantia de € 600,00, exercendo tal actividade em Lisboa, onde se encontra durante a semana. 17. Aos fins-de-semana o arguido permanece na casa de um irmão, contribuindo com uma média de € 150,00 para as despesas domésticas. 18. O arguido não possui antecedentes criminais. 19. O arguido estava convencido de que os seus pais iriam pagar as prestações a que se obrigaram”. Factos não provados “O arguido desconhecia que se tinha constituído fiador, com renúncia ao benefício de excussão prévia. Em momento algum lhe foi explicado o instituto da fiança, com renúncia ao benefício de excussão prévia, nem quais as consequências legais resultantes do mesmo. O arguido não estava consciente da obrigação que estava a assumir”. Porque tal questão releva igualmente para a discussão do recurso, vejamos, também, o que em sede de fundamentação se deixou exarado no que concerne à convicção assim formada pelo Tribunal. “Para formar a sua convicção, o tribunal, tendo sempre em atenção o disposto no artigo 127º C P Penal, isto é, considerando o princípio de que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção, bem como as excepções que este princípio comporta, consagradas na Lei, baseou-se na análise critica e ponderada de toda a prova produzida em audiência e constante dos autos, com recurso a juízos de experiência comum. Assim: o Tribunal fundou a sua convicção, quanto aos factos provados constantes das alíneas 1) a 4), 8) a 13) e 19) da matéria de facto provada, com base nas declarações prestadas pelo arguido, conjugadas com o depoimento prestado pela testemunha F… (pai do arguido) e I… (agente de execução que interveio na penhora referida em 1)), e ainda com o documento de fls. 8 (original do cheque) e documentos de fls. 46 a 52 (certidão do auto de penhora). Relativamente aos factos das alíneas 5) a 7) o Tribunal atendeu às declarações prestadas pelo próprio arguido e pelo seu pai e, ainda, aos documentos de fls. 32 e 33 (pedido de revogação de cheque e carta remetida pelo arguido ao Banco). Em julgamento, o arguido B… apresentou a seguinte versão dos factos: declarou que ouviu a proposta de acordo apresentada ao seu pai (pelo mandatário do exequente), no momento da diligência de penhora, e que emitiu o cheque em causa nos autos para formalizar/assegurar esse mesmo acordo (por forma a evitar a imediata penhora com remoção dos bens móveis existentes na habitação). Mais acrescenta que perguntou se se responsabilizava pela dívida, ao assinar e entregar o cheque, e que lhe terão respondido que não. Refere ainda que não foi esclarecido dos termos do acordo. Por fim, mencionou que, uns dias depois da diligência de penhora, após ter lido os documentos que assinara, apercebeu-se que a responsabilidade passaria para si e então decidiu dirigir-se ao Banco e requer a revogação do cheque, pois que o tinha emitido sob pressão, sem consciência do que estava a fazer. Ora, não vinga esta tese apresentada pelo arguido. Na verdade, resulta claro de toda a prova produzida em audiência de julgamento, que o arguido tinha consciência de que se estava a responsabilizar perante o demandante ao emitir o cheque, tanto mais que refere que depois o cheque seria pago ou trocado por outro cheque do pai. Ora se assim ficou estabelecido, é porque a declaração que o arguido estava a emitir o vincularia perante o demandante, e que estava a assumir uma obrigação face a este. Assim sendo, o arguido não convence o Tribunal quando afirma que lhe terão dito que não se estava a responsabilizar para nada. Por outro lado, o facto de o arguido estar convencido de que os seus pais iriam pagar as prestações a que se obrigara, não invalida a consciência da obrigação que assumiu ao emitir o cheque. A testemunha I…, solicitadora de execução, que interveio na diligência de penhora realizada no dia 26 de Setembro de 2008 na residência do pai do arguido, prestou depoimento claro e bastante credível. Esta testemunha confirmou que o cheque foi emitido pelo arguido para evitar que se efectivasse a penhora com remoção dos bens que estava agendada. Esclareceu, assim, que o auto de penhora, do qual consta o acordo referido, foi lido e explicado em voz alta ao arguido, nomeadamente a questão do benefício de excussão prévia. Mais refere que o pai do arguido foi alertado nos seguintes termos “se sabia onde estava a meter o filho?”. Referiu ainda que o arguido por diversas vezes terá dito à testemunha que confiava no pai e que sabia o que estava a fazer. Esta versão dos factos foi confirmada pela testemunha J…, que esteve presente na referida diligência de penhora, para a ajudar a remover os bens, e que, apesar de ser filho do demandante, prestou um depoimento sereno e coerente, merecendo credibilidade. Por sua vez, o pai do arguido, F…, referiu expressamente que, a fim de evitar a penhora com remoção dos bens da residência, pressionou o filho a emitir o cheque, e que depois seria ele que iria pagar. Tanto que lhe terá dito “Fica descansado, que eu resolvo isto”. Então se o seu filho não estava a assumir nenhuma obrigação, porque razão diria isto? Por outro lado, se o arguido estava consciente que não se estava a vincular de forma alguma perante a dívida do pai, porque razão diria “Confio no meu pai”? Também esta testemunha F… referiu que o auto de penhora não foi lido em voz alta. No entanto, e tal como atrás já dissemos, esta versão não convence o Tribunal. Por fim, resulta claro que a atitude do arguido perante o Banco, e ao emitir aquelas declarações de vontade de revogação do cheque, foi uma estratégia para o não pagamento do cheque, tanto mais que a testemunha F… disse expressamente que “foi a conversar com várias pessoas…e depois eu vi que estava entalado, e que estava a prejudicar o meu filho e (…) que o negócio cada vez estava a correr pior…e eu não sabia como resolver e informaram-nos que era melhor dar o…ele dizer que passou o cheque…nem sei bem expressar…vício de má vontade…ou qualquer coisa do género…para ir ao banco…”. Por fim, e a instâncias do Ministério Público, a testemunha F… confirma que o arguido sabia que assinava o cheque para garantia da dívida. Resulta evidente que no momento da diligência da penhora foi vivenciada pelo arguido e pelo seu pai uma situação de tensão psicológica, a qual é compreensível face à iminência de penhora com remoção dos bens móveis da casas onde habitavam, mas isso por si só não afasta a consciência do arguido de que, efectivamente, se estava a co-responsabilizar pela dívida. Foi, assim, com base nesta convicção que o Tribunal deu como não provados os factos enunciados nos artigos a) a c) da matéria de facto não provada. Concluindo, conjugando a factualidade supra descrita com as regras da experiência comum, afigura-se-nos inegável que o arguido, praticando os actos dados como provados, quis dessa forma impedir o banco sacado de pagar a quantia titulada pelo cheque por si emitido, como impediu, com intenção de, deste modo alcançar benefício para si e impedir o débito desse montante na respectiva conta ou evitando a devolução dos cheques por falta de provisão, com a consequente inibição do uso de cheques. Também quis ainda causar prejuízo patrimonial ao ofendido em montante igual ao titulado no mencionado cheque, agindo de forma deliberada, livre e consciente sabendo a sua conduta proibida e punida por lei. Quanto às condições sociais, pessoais e económicas do arguido (alíneas 15) a 17) dos factos provados), o tribunal atendeu ao depoimento do pai do arguido, F…, que se mostraram credíveis, o qual depôs de forma clara e convincente. Por fim, o Tribunal teve ainda em atenção, no que concerne à ausência de antecedentes criminais pelo arguido (alínea 18) da matéria de facto provada), o teor do Certificado de Registo Criminal de fls. 147”. III. 2. 2. 2. Vejamos então. III. 2. 2. 2. 1. A legitimidade – quer para o exercício do direito de queixa, quer para a dedução do pedido de indemnização cível. Entende o arguido que, in casu, deve ser considerado que quem tem legitimidade para apresentar queixa, bem como para deduzir pedido cível, é F…, que era o portador do cheque, que figurava como tomador e que foi quem o apresentou a pagamento e, não, quem o fez, em ambos os casos, C…, que não foi beneficiário de qualquer endosso e que pese embora seja exequente no processo que conduziu à penhora, não tinha legitimidade para o fazer. Daqui, pugna por que deve ser revogada a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que por falta de legitimidade, julgue extinto o procedimento criminal contra o arguido e deve ser julgado improcedente o pedido cível, pela mesma falta de legitimidade de quem o formulou. Apreciando. Como é consabido e, constitui jurisprudência uniforme, o entendimento, de que os recursos se destinam a reexaminar decisões proferidas por jurisdição inferior, visando apenas apurar a adequação e legalidade das decisões sob recurso, e não a obter decisões sobre questões novas, não colocadas perante aquelas jurisdições. Donde, visando o recurso apenas a reapreciação de questões colocadas anteriormente e não a apreciação de outras novas, o Tribunal superior não pode conhecer de argumentos ou fundamentos que não foram presentes ao tribunal de que se recorre. Se assim é, como inequivocamente é, então ambas as questões suscitadas neste segmento do recurso pelo arguido não podem ser apreciadas, neste tribunal, o que aconteceria ex novo, uma vez que nenhuma delas foi objecto de apreciação na decisão recorrida, constituindo, em qualquer dos casos, questões suscitadas pela 1ª vez pelo arguido. Isto, sem embargo de se reconhecer, que o crime de falsificação de documento constitui um crime de natureza pública, onde – ao contrário do que defende o arguido – como requisito de procedibilidade para a legitimidade do MP para o exercício da acção penal não é necessário que seja o ofendido, enquanto titular do interesse jurídico tutelado pela norma se queixe, bastando que qualquer pessoa que tenha notícia de um dele dê conhecimento, ao MP, a qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal, cfr. artigos 48º e 244º C P Penal. E da mesma forma, como é sabido, para que exista novação, é necessário que seja expressamente manifestada a vontade de contrair uma nova obrigação – a derivada da responsabilidade cartular – em substituição da antiga – a relação subjacente – uma vez que o “animus novandi” se não presume, tendo, pelo contrário, de ser inequivocamente manifestado, cfr. artigo 859º C Civil. III. 2. 2. 2. 2. Os erros de julgamento. Neste segmento, defende o arguido que, o tribunal, 1. não poderia julgar como provado, o ponto 3. dos factos provados, “também na mesma altura, ficou como fiador, com renúncia ao benefício de excussão prévia, o filho de F…, ora arguido, o qual, estando presente e tendo participado no acordo celebrado, entregou à agente de execução, I…, o cheque n.º ………. da sua conta ……….. do D…, por si totalmente preenchido e assinado no valor de € 75.250,00” no que respeita ao facto de ter participado no acordo celebrado entre o exequente e o executado F…, invocando, para tanto, as suas próprias declarações e o depoimento da testemunha, seu pai, F… e do funcionário bancário, G…, que o cheque haja sido emitido e entregue ao ofendido para pagar uma dívida, sendo este o seu legítimo portador, até porque da análise do cheque resulta que o mesmo foi preenchido pelo arguido á ordem de E…, que era o seu legítimo portador; também dos depoimentos transcritos na motivação, resulta a verificação do vício da vontade, declarado por si próprio, pois que o cheque foi emitido e entregue sob forte pressão psicológica e sem ter a noção das consequências do seu acto; quanto aos pontos 10. e 11. “B… actuou de forma livre, deliberada e consciente, elaborando e assinando pelo seu próprio punho duas declarações nas quais fez constar que o cheque fora emitido com um erro ou vício de vontade que nunca ocorreu, o que o arguido bem sabia” e “B… quis dessa forma impedir o banco sacado de pagar a quantia titulada pelo cheque por si emitido, como impediu, com intenção de, deste modo alcançar benefício para si e impedir o débito desse montante na respectiva conta ou evitando a devolução dos cheques por falta de provisão, com a consequente inibição do uso de cheques” o arguido não alcançou para si ou para terceiros, um benefício, pois que por virtude do cheque passou a ser executado, em outro processo, juntamente com o seu pai e, mesmo que assim se não entenda o portador poderia proceder á execução do cheque, que foi apresentado a pagamento dentro do prazo legal e não foi por causa da sua declaração relativa à existência de erro e vício da vontade que o ofendido viu frustrada a sua cobrança; os pontos 8. e 9. “tais declarações foram feitas apenas com intuito de evitar o pagamento do aludido título pelo banco sacado, como veio a acontecer” e “o arguido sabia, porém, que esse cheque tinha sido por si consciente e voluntariamente emitido e entregue, para pagar uma dívida ao ofendido, pelo que este era seu legítimo portador” e parte do 3. – já supra transcrito - atentos os depoimentos das testemunhas F… e H…; 2. deveria ter julgado como provados todos os factos julgados como não provados, “o arguido desconhecia que se tinha constituído fiador, com renúncia ao benefício de excussão prévia”; “em momento algum lhe foi explicado o instituto da fiança, com renúncia ao benefício de excussão prévia, nem quais as consequências legais resultantes do mesmo” e “o arguido não estava consciente da obrigação que estava a assumir”, atentos os depoimentos transcritos, teria que se julgar como provado que o arguido desconhecia que se tinha constituído fiador, com renúncia ao benefício da excussão prévia, que em momento algum lhe foi explicado tal instituto, nem quais as legais consequências dele resultantes, bem como que não estava consciente da obrigação que estava a assumir. Apreciando. Como é sabido, por via de regra, o tribunal de recurso não vai à procura de uma convicção autónoma fundada na sua própria interpretação da prova, mas antes verificar se a factualidade definida na decisão em apreciação se mostra adequadamente ancorada na análise crítica efectuada das provas. Da mesma maneira, a alteração solicitada em recurso de um qualquer facto só é de proceder, quando de forma clara e convincente o juízo alternativo apresentado sobre a sua definição como provado ou não provado, evidencie o seu melhor fundamento em relação ao apresentado pela instância. Se assim é, se o Tribunal da Relação não procede a um segundo julgamento de facto, pois que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância, não pressupõe a reanálise pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzida, mas tão-só o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido mencionados no recurso e das provas, indicadas pelo recorrente, que imponham (e não apenas, sugiram ou permitam) decisão diversa, estamos perante uma reapreciação restrita aos concretos pontos de facto que o mesmo entende incorrectamente julgados e às razões dessa discordância. Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível). Como vimos já dos autos resulta que, para evitar a remoção dos bens acabados de penhorar ao pai, este chegou a acordo com o exequente – para o pagamento da quantia exequenda em 300 prestações - na presença do advogado deste e da solicitadora de execução e o filho, passou o cheque, para garantia do valor da totalidade da dívida, que se destinava a ser substituído logo que a 2ª prestação fosse paga, estava presente – mas não participou do acordo celebrado, nunca teve noção de estar a assumir, a título principal, uma dívida do pai, que até lhe disse que iria resolver a situação, tendo por isso passado cheque sob forte pressão psicológica e sem a noção das consequências do seu acto, donde, posteriormente se aconselhou no banco sacado, sobre como proceder, tendo a testemunha H… dito para pedir o regresso do cheque e a anulação do negócio, ao que respondeu que não conseguia entrara em contacto e não o conseguia reaver, tendo então emitido a declaração ajuizada – confirmada no dia imediato – naturalmente com vista a obviar que o cheque fosse pago quando apresentado a pagamento e, só o seria se o pai falhasse com o pagamento da 2ª prestação, como aconteceu. Obviamente, que no confronto dos excertos transcritos, das suas próprias declarações e dos depoimentos do pai e do funcionário bancário, como impondo decisão de sentido diverso do afirmado na decisão recorrida, com a pormenorizada, acabada, consistente, concludente e convincente, análise crítica ali feita que se exige a alteração do sentido do decidido. Assim, se, como é certo, a convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando seja obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova ou, então, quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum; desde que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, se deve acolher a opção do julgador da 1ª instância, então, não merece acolhimento a crítica que é dirigida ao decidido. Donde, em relação aos factos impugnados no confronto com os elementos concretos de prova invocados como impondo decisão diversa, não se evidencia, no juízo alcançado na decisão recorrida, algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque a resposta dada pela 1ª instância tem suporte no artigo 127° C P Penal e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se. A sentença recorrida não só não está insuficientemente fundamentada, como, cumpre, sem reparo, a exigência de motivação, de forma a convencer – como convence - os seus destinatários. E da análise que faz nada nos permite um pronunciamento de censura quanto ao juízo, quer, de credibilidade, quer de verosimilhança, atribuído aos meios de prova em que se estrutura e fundamenta. Com efeito, das concretas passagens transcritas pelo arguido, nenhuma por si só, ou conexionadas todas entre si, permite afirmar que se haja errado ao julgar qualquer facto. Nenhum dos transcritos excertos é de molde a colocar em causa a afirmação dos factos provados – impugnados: que o arguido participou no acordo, celebrado entre o pai e o exequente, assumindo, na qualidade de fiador, a garantia do pagamento da dívida do pai, na iminência da remoção dos bens acabados de penhorar, a este e, por isso passou neste contexto, de premência e urgência - seguramente satisfazendo a exigência do exequente, nesse sentido - o dito cheque, em nome do advogado do exequente ali presente, de resto e que a declaração que fez no sentido de o cheque ter sido emitido com falta ou vício da vontade, tinha como objectivo evitar que o mesmo fosse pago, se apresentado a pagamento, como veio a ser, por violação do acordado por parte do pai. Da mesma forma, não permite, muito menos exigem as suas declarações, os depoimentos do pai e do funcionário bancário que se altere o julgamento dos factos não provados e passem a ser tidos como provados – sob pena de manifesto e inequívoco erro notório na apreciação da prova - que, recorde-se são do seguinte teor: - o arguido desconhecia que se tinha constituído fiador, com renúncia ao benefício de excussão prévia; em momento algum lhe foi explicado o instituto da fiança, com renúncia ao benefício de excussão prévia, nem quais as consequências legais resultantes do mesmo; o arguido não estava consciente da obrigação que estava a assumir. Em resumo, não obstante a prova não poder ser abundante – como nunca poderia ser no contexto dos factos e por estarmos perante factos, a maioria deles, do foro do psíquico, a serem avaliados, por isso, mesmo de acordo com a materialidade objectiva apurada e perante o desiderato a eles subjacente, o certo é que a realidade apurada em julgamento, se revela, circunstanciada, consistente, motivada e aparentemente coerente e concludente. O que não pode ser, fundadamente, colocado em causa, por nenhum dos excertos transcritos pelo arguido. Assim, é de manter o julgamento da matéria de facto, no tocante, quer aos factos provados, quer aos não provados, cujo julgamento vem impugnado e, sendo certo que por se não vislumbrarem, também, qualquer dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410º C P Penal – do conhecimento oficioso, como é sabido – há que ter a matéria de facto definida na decisão recorrida, como definitivamente assente. III. 2. 2. 2. 4. A qualificação jurídico-penal dos factos. Finalmente, discorda o arguido, do julgamento acerca da subsunção dos factos provados no tipo legal de falsificação, que não pode deixar de ser, ideológica, sendo certo que se exige que o acto exarado em documento além de falso seja também, juridicamente relevante. Para afirmar tal entendimento, volta, neste segmento, a defender que o ofendido não ficou impedido, por via da sua conduta, de obter a cobrança coerciva do seu crédito, pois que o arguido por virtude da emissão do cheque, passou, também a executado; e poderia o portador do cheque proceder à sua execução, dado que foi apresentado a pagamento dentro do prazo legal, pelo que nunca seria por causa da sua declaração da existência de erro e vício da vontade que viu frustrada a cobrança do seu crédito; donde, mesmo que se considere como falsa a sua declaração, a mesma não tem relevância jurídica, ficando, por isso, fora do alcance da norma contida no artigo 256º/1 alínea d) C Penal; donde, afirma que não resulta verificado o elemento subjectivo do tipo, a intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado ou de alcançar para si ou para outrem um benefício ilegítimo, o que se traduz num dolo específico. Como é sabido, o artigo 256º/1 alínea d) C Penal, criminaliza a conduta de quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante. O bem jurídico protegido pelo crime de falsificação é o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório, no que respeita à prova documental. Este tipo legal, é integrado, não só, pela falsificação material, como, igualmente, pela falsificação ideológica, o que abrange a falsificação intelectual e a falsidade em documento. A falsificação do documento releva enquanto falsificação da declaração, normalmente, corporizada no escrito, inteligível para a generalidade das pessoas, que permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, artigo 255º alínea a) C Penal. O que releva, para efeitos do crime de falsificação é a falsificação da declaração enquanto documento e não o objecto em que esta é incorporada. A falsificação pode assumir formas diversas: falsificação material e ideológica. Na falsificação material o documento não é genuíno; na falsificação ideológica o documento é inverídico. A falsidade material verifica-se quando o documento não corresponde ao genuíno na sua parte extrínseca ou quando o documento é genuíno originariamente, mas é alterado posteriormente, (fabrico de documentos falsos e alteração de documentos verdadeiros), cfr. Marques Borges, in Dos crimes de falsificação e documentos, moedas, pesos e medidas. O que não é o caso do documento em apreço. A falsidade intelectual verifica-se quando o documento é genuíno, não foi alterado, mas não traduz a verdade por haver uma desconformidade entre o documento e a declaração. Consiste numa alteração da verdade, do conteúdo do documento, cfr. Helena Moniz, in o Crime de falsificação de documentos, 208 “Documento para efeito do crime de falsificação é a declaração e não o objecto em que esta é incorporada sendo por isso fácil compreender que aquilo que constitui a falsificação de documentos é não a falsificação do documento enquanto objecto que incorpora uma declaração, mas a falsificação da declaração enquanto documento. Por seu turno, na falsidade em documento integram-se os casos em que se presta uma declaração de facto falsa juridicamente relevante, trata-se, pois, de uma narração de facto falso”, cfr. Helena Moniz in Comentário Conimbricense do C Penal. “No caso de declaração falsa de facto falso, inscrito em documento, temos, antes de mais, a incorporação, naquele meio material, de um facto falso e se aquele facto falso é juridicamente relevante, então, estaremos, também, perante um caso de falsidade em documento, protegido pelo tipo legal de falsificação de documentos, pois a declaração de facto falso juridicamente relevante inscrita em documento constitui por si só uma conduta com uma ilicitude distinta, da simples declaração não representada em nenhum meio material; o agente é punido por este tipo legal de crime, não pelo facto de ter narrado falsamente, mas pelo facto de ter integrado facto falso juridicamente relevante em documento, pois só assim viola a segurança e a credibilidade do tráfico jurídico-probatório, no que diz respeito à prova documental. O caso será diferente se estivermos perante integração e documento de narração falsa de facto falso, não juridicamente relevante – já não será um caso de crime de falsificação de documentos, pois falta um elemento do tipo legal de crime – o facto juridicamente relevante”, cfr. Helena Moniz, in “O crime de falsificação de documentos, da falsificação intelectual e da falsidade em documento”, 2004, 226. Donde, entende esta autora, ob e loc. citados, 232, que, “o crime de falsificação ideológica de documentos se verifica, então, sempre que o documento não está conforme com a declaração - isto é o documentado é diferente do declarado – sendo caso nítido de falsificação de documento, sob a forma de falsificação intelectual, ou seja, desconformidade entre o documento, no sentido de declaração documentada e a declaração, sendo punido pela alínea a) e não pela alínea b) ou, então, quando o documento, embora conforme com a declaração incorpora, porém, um facto falso juridicamente relevante, pois que o facto declarado não corresponde à realidade – falsidade em documento – no que se traduz um conceito amplo de falsificação ideológica, abarcando 2 situações distintas – a falsificação intelectual e a falsidade em documento”. No caso importa dirigir a nossa atenção à falsificação ideológica na modalidade de falsidade em documento. Aqui se integram, os casos em que se presta uma declaração de facto, falso, juridicamente relevante. A comunicação ao banco de que o cheque foi passado por erro ou vício de vontade, que leva a que o mesmo faça consta tal do verso do mesmo como razão para o seu não pagamento, reconduz-se à prestação de uma falsa declaração, inserta na declaração entregue ao banco e, que por essa via vem a ser incorporada no cheque – constituindo aquela e, este, de resto, documentos para o efeito do tipo de ilícito de falsificação, já que contém declarações corporizadas em escrito, inteligíveis pelo menos para um certo círculo de pessoas, declarações que são idóneas para provar facto juridicamente relevante. Será que aquela declaração integra a noção de mentira irrelevante, ou, pelo contrário, a noção de falsidade juridicamente relevante?, cfr. Helena Moniz, ob cit. 91. Contem esta declaração, factos juridicamente relevantes? Do ponto de vista estritamente jurídico, seguramente que sim. Facto juridicamente relevante é todo aquele facto que cria, modifica ou extingue uma relação jurídica. Não há dúvida que a comunicação ao banco sacado que, contra a verdade, o cheque foi passado por erro ou com vício da vontade, constitui facto juridicamente relevante – como se veio, de resto, a evidenciar – com a sua recusa de pagamento, por parte do banco sacado, com tal fundamento - independentemente do acerto de tal entendimento em face do ordenamento jurídico em vigor, para o caso de a declaração surgir dentro do período de apresentação a pagamento. A declaração é falsa, o que coloca a questão de saber se era susceptível de fazer integrar o tipo legal de falsas declarações, p. e p. pelo artigo 360º C Penal. Porém esta falsa declaração insere-se num documento que por virtude dela, se tornou apto a introduzir uma modificação na situação jurídica da fracção objecto do contrato de compra e venda. Esta incorporação de declarações falsas no documento, integra falsidade intelectual do mesmo, na medida em que é fabricado a partir da narração de um facto falso, que é juridicamente relevante para o fim em vista, Ac RE de 25.2.2003, in CJ, I, 267. Como defendeu o Prof. Figueiredo Dias, in Actas, 1993, 298, deve fazer-se uma interpretação restritiva, papel a desempenhar pela doutrina. Seguindo este rumo, a falsidade em documentos é punida quando se tratar de uma declaração de facto falso, mas não todo e qualquer facto falso, apenas aquele que for juridicamente relevante, isto é aquele que for juridicamente apto a constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica. Como da mesma forma não é qualquer falsa declaração que pode ser punida à luz do tipo legal de burla, mas apenas aquela que uma vez incorporada no documento acrescenta algo mais à ilicitude da conduta que a simples declaração oral, cfr. Helena Moniz in Comentário Conimbricense. Declarar, contra a verdade que o cheque foi emitido por erro ou com vício da vontade, contém, em si mesmo, uma declaração dispositiva, manifestação de vontade e narrativa, manifestação de ciência ou de verdade – visando tentar obstar ao seu pagamento. Pelo que não correspondendo à verdade, estamos, em termos objectivos, perante uma falsificação ideológica ou intelectual de documento que narra facto juridicamente relevante. Como da mesma forma será que tal declaração incorporando facto juridicamente relevante, foi feita com a finalidade de o arguido obter, para si, um benefício ilegítimo ou um prejuízo para outrem? Concluindo-se que objectivamente se verificam os pressupostos do tipo legal em análise, recorde-se, no entanto, que tal não basta. Essencial, é a verificação do elemento subjectivo: que o agente actue com a intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado ou de alcançar para si ou para terceiro, um beneficio ilegítimo. O dolo não se presume. Não resulta de forma automática que quem falsifica um documento - não o fazendo por mero prazer de falsificar - actue com o intuito de obter um benefício ou com a intenção de causar um prejuízo a outrem, que de outro modo não conseguiria ou conseguiria mais dificilmente. Na sentença recorrida, deu-se como provado, para além da objectividade dos factos ainda que, Tais declarações foram feitas apenas com intuito de evitar o pagamento do aludido título pelo banco sacado, como veio a acontecer. O arguido sabia, porém, que esse cheque tinha sido por si consciente e voluntariamente emitido e entregue, para pagar uma dívida ao ofendido, pelo que este era seu legítimo portador. B… actuou de forma livre, deliberada e consciente, elaborando e assinando pelo seu próprio punho duas declarações nas quais fez constar que o cheque fora emitido com um erro ou vício de vontade que nunca ocorreu, o que o arguido bem sabia. B… quis dessa forma impedir o banco sacado de pagar a quantia titulada pelo cheque por si emitido, como impediu, com intenção de, deste modo alcançar benefício para si e impedir o débito desse montante na respectiva conta ou evitando a devolução dos cheques por falta de provisão, com a consequente inibição do uso de cheques. O arguido quis ainda causar prejuízo patrimonial ao ofendido em montante igual ao titulado no mencionado cheque. O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente sabendo a sua conduta proibida e punida por lei. Obviamente, que, como apurado vem, o objectivo - de resto, atingido, no imediato - foi o de evitar que o exequente fosse pago da quantia que o pai do arguido lhe devia e cujo pagamento este havia garantido, com a emissão do dito cheque. Improcedem, assim, todos os segmentos do recurso do arguido. IV.DISPOSITIVO Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedentes, ambos, os recursos apresentados, quer pelo demandante cível C…, quer pelo arguido B…, confirmando-se, a sentença nos segmentos, por ambos impugnados. Taxa de justiça, individualmente, por cada um dos recorrentes, que se fixa no equivalente a 5 UC,s. Elaborado em computador, revisto pelo Relator, o 1.º signatário. * Porto, 2012.Julho.11Ernesto de Jesus de Deus Nascimento Artur Manuel da Silva Oliveira ________________ [1] “Como fixou jurisprudência o STJ através do Acórdão de 28FEV2008, “uma instituição de crédito sacada que recusa o pagamento de cheque, apresentado dentro do prazo estabelecido no art. 29.º da LUCH, com fundamento em ordem de revogação do sacador, comete violação do disposto na 1.ª parte do art. 32.º do mesmo diploma, respondendo por perdas e danos perante o legítimo portador do cheque, nos termos previstos nos artigos 14º 2.ª parte do Decreto 13.004 e 483º/1 C Civil”. Neste Acórdão distinguem-se nitidamente duas situações, a revogação pura e simples (sem qualquer justificação) do cheque, durante o período de apresentação a pagamento, e as situações de “revogação” por justa causa, havendo nestes casos uma proibição legítima de pagamento do cheque, que não pode ser negada. O artigo 32º da LUCh, sem proibir, comina com a ineficácia a revogação pura e simples, pelo que, não produzindo efeitos a revogação do sacador, o banco sacado não pode recusar o pagamento durante esse período; se o fizer está a conferir efeitos a um acto que a lei expressamente diz não os produzir, sendo ilegal a recusa do sacado em pagar o cheque ao portador. Porém, certas situações concretas, como o furto do cheque, o seu extravio ou falsificação ou mesmo qualquer outra situação que afecte a vontade da emissão ou entrega do cheque ao portador, justifica ou legitima a proibição do pagamento transmitida ao banco sacado pelo sacador, e que o banco tem de cumprir, mesmo que a ordem de proibição surja durante o período de pagamento. O artigo 14º do Decreto 13.004, de 27JAN1927, mantém-se em vigor, não tendo sido revogado pelo artigo 32º da LUCh, uma vez que a 2.ª parte do preceito não contraria a disciplina do cheque consagrada na lei internacional, como é perfeitamente conciliável com ela. Mesmo a ter-se por revogada a 2.ª parte daquele artigo 14º, não passaria a ser licita a revogação pura e simples do cheque durante o período da apresentação a pagamento. Durante esse período, a ineficácia da revogação manter-se-ia, conforme determina o artigo 32º da LUCh, de modo que o acatamento, pelo banco sacado, de uma tal ordem de revogação, e consequente recusa de pagamento, continuaria a constituir um acto ilícito por violação directa desse preceito legal, implicando responsabilidade extracontratual, nos termos gerais de direito comum - artigos 483º e 487º C Civil. Haverá motivo justificado se o cheque foi roubado ou furtado, se se extravia, se foi falsificado ou, em geral, se se encontra na posse de terceiro em consequência de acto fraudulento ou apropriação ilegítima (cf. § único do artigo 14º do Decreto 13.004 – outra disposição cuja vigência também não é pacífica – e o artigo 8º/3 do Decreto Lei 454/91, de 28DEZ, alterado pelo Decreto Lei 316/97 de 19NOV. Mais abrangente, parece o Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária (SICOI) – Instrução 125/96 – que aceita como motivo justificado para a recusa de pagamento do cheque, além das situações referidas, também a coacção moral, incapacidade acidental ou qualquer situação em que se manifeste falta ou vício na formação da vontade, exigindo, porém, que o motivo do não pagamento seja indicado pelo sacador no verso do cheque. O banco sacado não está eximido de agir com a máxima diligência, só aceitando os motivos justificantes para o não pagamento no período legal de apresentação, quando disponha de indícios sérios de que a situação comunicada pelo sacador se verificou ou, pelo menos, dadas as circunstâncias concretas de cada caso, tinha grande probabilidade de se ter verificado. Assim, alegando o sacador furto ou roubo do título, por exemplo, deverá o sacado exigir a competente participação crime (se não acompanhar a ordem de não pagamento) ou, tratando-se de incapacidade, a eventual prova dela (que muitas vezes será documental). Dizer-se que o cheque foi obtido por vício ou falta de vontade é alegar um puro conceito de direito que nada diz sobre a situação concreta (ou sobre a situação de facto) em que o cheque foi emitido e entregue ao portador. Não existe, nestes casos, qualquer justificação concreta, séria e plausível para a revogação do cheque, que assim terá de ter-se por uma revogação pura e simples ordenada pelo sacador sem justificação atendível e, portanto, que o sacado não pode validamente atender face ao disposto no artigo 32º da LUCh. Não é, seguramente, uma qualquer qualificação jurídica que constitui a justa causa da revogação, mas os factos que a ela se podem (ou não) subsumir. No caso concreto, o banco sacado ao aceitar a ordem de revogação dos cheque, que continha uma justificação que, afinal, absolutamente nada informa, que não contém qualquer facto, que não dá conta das circunstâncias, motivos ou situações, que apenas qualifica abstractamente situações desconhecidas, agiu com imprudência manifesta, sem a diligência que lhe era exigível como profissional qualificado que é”, cfr. Acórdão STJ de 29ABR2010, consultável no site da dgsi. |