Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0530280
Nº Convencional: JTRP00037779
Relator: ATAÍDE DAS NEVES
Descritores: OFENSAS À HONRA
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
LIBERDADE DE IMPRENSA
Nº do Documento: RP200503030530280
Data do Acordão: 03/03/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: I - O direito de liberdade de imprensa e o direito à consideração e à honra, ambos constitucionalmente garantidos, quando em confronto, devem sofrer limitações, de modo a respeitar-se o núcleo essencial de um e outro.
II - Sendo embora os dois direitos de igual garantia constitucional, é indiscutível que o direito de liberdade de expressão e informação, pelas restrições e limites a que está sujeito, não pode, ao menos em princípio, atentar contra o bom nome e reputação de outrem, sem prejuízo, porém, de em certos casos, ponderados os valores jurídicos em confronto, o princípio da proporcionalidade conjugado com os ditames da necessidade e da adequação e todo o circunstancialismo concorrente, tal direito poder prevalecer sobre o direito ao bom nome e reputação.
III - Designadamente assim sucede nos casos em que estiver em causa um interesse público que se sobreponha àqueles e a divulgação seja feita de forma a não exceder o necessário a tal divulgação, sendo exigível que a informação veiculada se cinja à estrita verdade dos factos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

B.........., sociedade anónima desportiva, com sede na ....., Avenida ....., ... - ..º Piso, ........, instaurou os presentes autos de acção declarativa com processo ordinário contra C.........., casado, futebolista, residente em ....., pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 38.000,00 €, acrescida de juros, , alegando, em síntese, que o Réu proferiu declarações em vários órgãos de comunicação social, ofendendo o seu bom nome e reputação, devendo por isso ser condenado a pagar a correspondente indemnização pelos danos de ordem não patrimonial por si sofridos, que computa em não menos de 38.000,00 €.

O Réu contestou, confessando as declarações que lhe são atribuídas, considerando corresponderem à verdade, considerando que algumas têm natureza pessoal, respeitando apenas à sua pessoa, sendo as restantes do conhecimento público.
Conclui não haver fundamento para a sua responsabilização civil, devendo a acção improceder, pedindo a condenação da A. como litigante de má fé.

Foi proferido despacho saneador, e, fixada a matéria de facto, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo o Réu do pedido.

Inconformada com esta decisão, dela interpôs a A. o presente recurso de apelação, oferecendo as suas alegações, que terminam com as seguintes conclusões.

A)
- Se um texto dirigido a uma generalidade de cidadãos, a respeito de uma entidade cotada em bolsa - pelo que não forçosamente interessando só a sejam todas “pessoas inteligentes” ou “gente no futebol” - contém dada informação cuja verdade é questionada pelo ª da acção respectiva, dar tal facto como provado só porque se entendeu que a mensagem se dirigia a “pessoas inteligentes e toda a gente do futebol” é medir em audiência pelo “analista”, em matéria cujo conhecimento não advém do exercício funcional, e sempre violar o regime do facto notório, tal como entendimento doutrinário e jurisprudencial;
- Ao dar como provado o que se refere em D (e F) da matéria de facto, violou-se o regime do art. 514º nº 1 e 2 do CPC.

B)
- se na análise de um texto se despreza a pontuação, pode incorrer-se no risco de ler o que lá não estava escrito, havendo a possibilidade de se buscar uma conclusão em contradição com a fundamentação, o que, além de erro de análise do artigo 237 do CC (impressão do declaratário, que não seria o normal) gera nulidade - artigo 666º nº 3 e 668º nº 1 al. c), ambos do CPC;
- isso ocorre da redacção da al. C), por contraponto com a conclusão de “mera indiscrição”, pois, a afirmação ali extratada tem uma parte que seria a conversa mantida quanto à saída ou não para ..... - “quod erat demonstrandum” - outra ainda o “que começou por dizer C.......... e outra, que a tal “pressuposição que a inibição passou pelo apoio do presidente D.......... a E.......... nas eleições da Liga (sic), tivesse sido contida em qualquer conversa de C.......... com F.......... ou outrem;

C)
- Tendo alegado ter o R.:
- Produzido afirmações - que não repudia! - e que se reportavam ao modo como a SAD tratou um jogador, sabendo-se que jogadores são “activo” da mesma:
- Feito enfoque em aproveitamento pessoal dos efeitos da gestão por parte dos Administradores;
- Serem esses factos de gestão causa dos “males do clube”, que “deveriam ponderar e deviam deixar sair”;
- Feito tais afirmações referentes a actos de gestão, em sintonia com o seu “empresário”, depois da afirmação deste a um semanário (em 3.08.02 - doc. nº 4 junto com a p.i.) visando os “responsáveis do B.........., uns dos que “ganham para não fazerem praticamente nada”, sintonia que aparece indiciada quando se faz alusão a relações entre o Presidente da SAD A. e um colaborador do seu “empresário”, dando conta de um telefonema, que, em relação ao tema da entrevista é um “pretexto”.
- Agido quando sabia que os factos eram falsos, mas que tal sempre lhe seria indiferente, apesar de os ter apresentado;
- E que daí resultou lesão - perigo de lesão - do bom nome da SAD enquanto no mercado de capitais, independentemente da descida - ou subida - de cotação das acções, pelo que se peticionaram somente danos não patrimoniais, reparáveis e a merecer a tutela do direito - artigo 37º nº 4 da C. Rep. E 484º do CC., terão sido cumpridos por parte do A. os deveres do artigo 467º nº 1 al. c) do CPC., invocando-se, parta além da licitude, as condições de acção necessárias e suficientes, mesmo na construção do Prof. Pessoa Jorge, apud “Pressupostos...”, in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal;

D)
- Ter-se, apesar das expressões que se deram como assentes - embora, por “forma simplista” se terem desconsideradas as demais alegadas, que integram o nível contextual, que vai para além do “audível - paralinguístico” (cfr. Carlos Sluki, apud Roman Lieberman, em “A criança e o divórcio”, ed. Res., pág 52) - concluindo não haver “antijuridicidade”, se “... a ilicitude se reporta ao facto do agente, à sua actuação, não ao efeito (danoso) que dele promana” e “... a mera violação do direito ao bom nome de alguém (na medida em que este direito se impõe a todas as pessoas) contém, já em si, a antijuridicidade do comportamento dos agentes, sendo necessariamente ilícito, salvo se tal ilicitude estiver afastada por qualquer circunstância justificativa do facto praticado e da violação ocorrida”, já que, para efeitos de responsabilidade civil neste caso, “pouco importa que o facto afirmado ou divulgado seja ou não verdadeiro - contanto que seja susceptível, ponderadas as circunstâncias do caso, de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que ela seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade”, temos que estavam preenchidos os requisitos para se discutir, mas em sede de prova, se não se excederem os “... três limites essenciais: o valor socialmente relevante da notícia; a moderação da forma de a veicular; e a verdade, medida esta pela objectividade, pela seriedade das fontes, pela isenção e pela imparcialidade do autor”.
- Quod erat demonstrandum !

Termina sustentando que deve ser revogado o despacho saneador - sentença para que se defina a matéria assente e controvertida, corrigindo-se o erro de interpretação dos artigos 483º e 484 do CCivil.

O Recorrido ofereceu as suas contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
Apontemos as questões objecto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas se não encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (art.s 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do CPC).

Para o efeito, reunamos aqui a matéria de facto que foi considerada provada:
A) No exemplar de 06 de Agosto de 2002, em entrevista ao jornal “X..........”, o Réu terá manifestado que “Parecia estar numa prisão”.

B) Nesse artigo imputa-se ao Réu as seguintes afirmações: “conquistei a liberdade para poder ser feliz, porque até agora mais parecia que estava numa prisão”, e “se as pessoas não contavam comigo, penso que me deveriam ter deixado sair, sem chegarmos ao ponto de ter de treinar à margem de tudo e todos...”.

C) Em entrevista ao jornal “Y..........”, publicada na edição de 06 de Agosto de 2002, afirmou que F.......... lhe comunicou que estaria livre para ser emprestado, impondo a excepção do emblema ...... “São questões internas dos clubes” referindo que “a inibição passou pelo apoio do presidente D.......... a E.......... nas eleições da Liga”.

D) Factos esses que correspondem à verdade.

E) Veio a dizer, em entrevista de 03 de Outubro de 2002, à W.........., que “Toda a gente no futebol e todas as pessoas inteligentes sabem que o B.......... actualmente vive uma fase difícil... tem andado uns anos à deriva... e as pessoas lá dentro têm que ponderar, têm que ponderar o bem e o mal, e o mal que está lá dentro deviam deixar sair”.

F) Afirmações essas que correspondem a factos de conhecimento público.

G) “X..........”, no seu exemplar de 09 de Outubro de 2002, contém uma entrevista com o Réu, na qual este disse: “O G.......... telefonou-me na véspera do jogo, dizendo-me que eu iria marcar um golo. Ontem deixou-me uma mensagem: C..........., como vês não me enganei!”.

H) Aproveitando para criticar o Administrador H.........., em relação ao qual diz: “é o Senhor H.........., porque na minha opinião é um homem sem palavra e um homem sem palavra para mim não é um homem.”, acusando-o de tirar proveitos financeiros do clube, “existe uma pessoa que até pretende que a equipa perca e que a equipa faça maus resultados para ir buscar novos jogadores...”

I) Posição esta que o Réu diz ser corroborada por “toda a gente no futebol e todas as pessoas inteligentes”.


Apreciando:

Com a presente acção pretende a A. ser indemnizada pelos prejuízos por si sofridos no seu bom nome e reputação em consequência das entrevistas que o R. C.......... deu ao Jornal “X..........” em 6 de Agosto de 2002, ao “Y..........” em 6 de Agosto de 2002, à W.......... em 3 de Outubro de 2002, de novo ao jornal “X..........” em 9 de Outubro de 2002.

Classifica demandante tais actos do R. como delitos de imprensa.
Na realidade, o delito de imprensa poderá verificar-se não só da parte do jornalista, como também da parte do entrevistado, que tem consciência que as suas declarações serão veiculadas no jornal para o qual aquele recolhe conteúdos.
A entrevista é, em termos jornalísticos, uma técnica de obtenção de informações por meio de informações a outrem. Pode ser do tipo pergunta resposta, quando a uma pergunta do jornalista sucede a resposta do entrevistado e pode ainda ser em “discurso indirecto”, quando as respostas do entrevistado são integradas num texto que revela outras informações. É o que sucede quando o texto escrito resultar de uma conversa havida entre o jornalista e o entrevistado, transcrevendo-a.[Ac. STJ de 13.3.96, processo nº 8540979, in www.dgsi.pt]
As entrevistas aqui em causa inserem-se neste segundo tipo de discurso indirecto, embora com destaque ao discurso do entrevistado mediante a introdução das “aspas”.
Embora assumindo o papel de entrevistado, o R. ora recorrido foi interveniente activo nas entrevistas em causa, tendo plena consciência de que aquilo que dissesse seria difundido através do órgão de imprensa seu interlocutor.
Daí que, a haver o delito a que a recorrente faz alusão, também ele entrevistado, seja seu autor.

Entendemos portanto útil tecer alguns considerandos a respeito da temática concernente ao uso e abuso de liberdade de imprensa:

Assim, a questão em análise e que importa dirimir prende-se com o conflito de dois direitos, constitucionalmente consagrados, com idêntico valor: o direito de liberdade de expressão e informação e o direito ao bom nome e reputação (cfr. Artigos 25.º , n.º 26.º, n.º 1, e 37º e 38º todos da C.R.P, sendo ainda tais direitos tutelados na lei ordinária nos art.º 70.º do C.C e e1 da Lei n.º 2/99 de 13 de Janeiro que aprovou a Lei da Imprensa).
A liberdade de expressão e informação na tripla vertente - direito de informar; de se informar e ser informado, sem impedimentos e restrições- pode considerar-se como uma manifestação essencial das sociedades e pluralistas, e nas quais a crítica e a opinião livres contribuem para a igualdade e aperfeiçoamento dos cidadãos e instituições(....).Todavia direito fundamental de idêntico valor protege a integridade moral do cidadão, nomeadamente o seu nome e reputação. [Ac. STJ de 12 01.00, in BMJ, 493º, 156]
Relativamente ao primeiro direito apontado, o direito de liberdade de expressão e informação, estabelece a lei fundamental no seu art.º 37º que “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento por palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e ser informados, sem impedimentos ou discriminações” e, no n.º 1 do art.º 38.º, estatui que “é garantida a liberdade de imprensa” o que implica nos termos do mesmo preceito “a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores literários.”. Finalmente o nº 4 assegura a todas as pessoas, singulares ou colectivas, o direito de indemnização pelos danos sofridos em resultado de infracções cometidas no exercício do direito de liberdade de expressão e informação.

Tão importante, assim, vem a ser assegurar o livre exercício dos direitos de informação e de livre expressão do pensamento, de que a liberdade de imprensa constitui modo qualificado [Ac. TC nº 113/97 de 5.2.97, in BMJ 464, pág. 119 (relator Conselheiro Bravo Serra)], enquanto “elemento imprescindível ao funcionamento e aperfeiçoamento das instituições democráticas” [Costa Andrade, in “Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal”, Coimbra, 1996, 39 e segs], como garantir o respeito pelos demais direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, em que, em idêntico plano constitucional, se inclui a da dignidade humana, dos direitos à integridade moral e ao bom nome e reputação [Ac. STJ de 26.2.2004, processo 03B3898, in www.dgsi.pt], à imagem, à palavra, à intimidade da vida privada e familiar e à presunção de inocência (art.s 25º, 26º e 32º da CRP).

Assim, a liberdade de expressão e de informação não é ilimitada estabelecendo a própria lei fundamental limites ao exercício da liberdade de imprensa, preceituando que as infracções cometidas no exercício dos direitos de expressão de pensamento e de informação ficam submetidos aos princípios gerais de direito criminal, sendo a sua apreciação da competência dos tribunais judiciais, assegurando a todas as pessoas, em condições de igualdade e eficácia o direito de resposta, bem como o direito de indemnização dos danos sofridos.

Também o art.º 3º da Lei 3/99 de 13/01 estabelece que “A liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática.”

O direito de liberdade de imprensa e o direito à consideração e à honra, ambos constitucionalmente garantidos, quando em confronto, devem sofrer limitações, de modo a respeitar-se o núcleo essencial de um e outro [Ac. STJ de 24.4.96, processo nº 97A652, in www.dgsi.pt].

Para resolver o conflito entre bens ou interesses de igual valor constitucional ter-se-á que obter a “harmonização” ou “concordância prática “do bens em colisão, traduzida numa mútua compressão por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível, respeitando o princípio jurídico constitucional da proporcionalidade (cfr. Art.º 18º, n.º 2 da CRP).

Sendo embora os dois direitos de igual garantia constitucional, é indiscutível que o direito de liberdade de expressão e informação, pelas restrições e limites a que está sujeito, não pode, ao menos em princípio, atentar contra o bom nome e reputação de outrem, sem prejuízo, porém, de em certos casos, ponderados os valores jurídicos em confronto, o princípio da proporcionalidade conjugado com os ditames da necessidade e da adequação e todo o circunstancialismo concorrente, tal direito poder prevalecer sobre o direito ao bom nome e reputação [Ac. STJ de 5/3/96, in CJ STJ, ano IV, T.I, pág. 122 e Ac. STJ de 27/6/95 in BMJ 460, pág. 693].
Designadamente assim sucede nos casos em que estiver em causa um interesse público que se sobreponha àqueles e a divulgação seja feita de forma a não exceder o necessário a tal divulgação [Ac. STJ de 26.9.2000, in CJ STJ, Ano VIII, 3, pág. 42], sendo exigível que a informação veiculada se cinja à estrita verdade dos factos [Ac. STJ de 3.10.95, in BMJ 450, 424].

A par destas limitações consagradas no texto constitucional, pelo respeito de outros valores, designadamente a honra e reputação das pessoas, a liberdade de imprensa está sujeita exigências, nomeadamente de seriedade e autenticidade, pois o direito de informar só existe e só se justifica, com vista a informar bem.
Resulta, assim, claro que a liberdade de imprensa e o direito de informação comportam limites impostos desde logo pela salvaguarda do bom nome e reputação tutelado pelos arts 26.º da CRP e 484º do C.C, e bem assim, outros limites entre os quais relevam a garantia da objectividade do que é informado.

Com efeito, como sujeito passivo da liberdade de informação, é direito do cidadão ser informado com rigor e exactidão, isto é receber informação verdadeira.
Daí que a lei da imprensa (Lei n.º 2/ 99) no seu art.º4 estabelece como limite da liberdade de imprensa a salvaguarda e do rigor e objectividade da informação, e também o próprio Código Deontológico do Jornalista e bem assim o seu Estatuto (aprovado pela Lei 1/99 de 13.1) imponha a este o dever de relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade, determinando que são deveres fundamentais dos jornalistas, entre outros “exercer a actividade com respeito pela ética profissional, informando com rigor e isenção.”

Tem entendido a doutrina que não há ofensa à honra, no exercício do direito de informação, quando o conteúdo desta seja verdadeiro, corresponda a um interesse público, e a forma de exposição seja correcta, isto é sem recurso a expressões vexatórias.
Podemos enumerar da seguinte forma os limites à liberdade de imprensa:
-relevo social do facto;
-verdade;
-moderação,
-ponderação e
-adequação na forma.

É ofensiva a informação desnecessariamente gravosa e susceptível de abalar o prestígio e bem nome da pessoa.[Neste sentido também o Ac. STJ de 18.3.97, processo nº 97A652, in www.dgsi.pt]

Se a notícia ultrapassa aqueles limites e atinge o direito ao bom nome e reputação das pessoas, o direito de informar não existe, não existindo, dessa forma qualquer conflito. Se, pelo contrário, atingiu o bom nome e reputação de qualquer pessoa mas foram observadas tais limitações, fica afastada a ilicitude desse facto, visto ser correcto o exercício da liberdade de imprensa.
O relevo social tem que relacionar-se directamente com o interesse público. “Factos noticiáveis de interesse público” serão todos aqueles que permitem a formação de um sentido crítico nos cidadãos na apreciação dos mesmos, o que supõe um exercício mais efectivo dos direitos e um melhor sentido das obrigações para com a sociedade [Maria da Glória Carvalho Rebelo in “A Responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão”, 41].
Quanto ao requisito da verdade da imputação escreve Figueiredo Dias [RLJ, 115, pág 137 e segs] que a mesma não significa verdade absoluta nem tem de corresponder integralmente ao facto histórico narrado. “.-. o que importa em definitivo é que a imprensa, no exercício da sua função pública não publique imputações que atinjam a honra das pessoas e que saiba inexactas, cuja exactidão não tenha podido comprovar ou sobre a qual não tenha podido informar-se convenientemente.”. Entende este Professor que, neste âmbito, para a sua comprovação, basta as exigências derivada das “legis artis” dos jornalistas, das sua convicções profissionais sérias, e que não se satisfaçam com a criação de um convencimento meramente subjectivo, mas antes que repousem numa base objectiva. Nestas circunstancias, é obvio que cabe ao jornalista a prova de que as imputações correspondem à verdade, ou que as tomou como tais depois de cumprido o dever de esclarecimento.
O direito de informar e o direito de ser informado têm necessariamente de ser exercidos com a salvaguarda do bom nome e da dignidade da pessoa humana e dos direitos individuais consagrados no texto constitucional [Ac. RP de 2.2.99, processo nº 9910617, in www.dgsi.pt].

No mesmo sentido, Maria Glória, “A informação verdadeira no âmbito da liberdade consagrada no art.º 37º CRP significa, pois, informação comprovada segundo os cânones da profissionalidade informativa (excluindo invenções, rumores ou meras insídias).

“A verdade entendida de forma absoluta não é possível. Se esta fosse exigível nestes termos a informação não se produziria senão nos casos em que a verificação dos factos possa dar-se e provar-se exactamente o que, em certas ocasiões é impossível. Portanto, não se pode exigir uma verdade absoluta e total, mas sim que a essência do facto seja verdadeira e, ainda que contenha inexactidões, tenha sido obtida de acordo com o padrão razoável de cuidado do profissional. Para tanto, bastará cumprir o dever de diligência por parte do profissional de informação que está obrigado a realizar aquelas comprovações necessárias para determinar a veracidade da notícia que se vai difundir, e a quem se pode e deve exigir que dê publicidade e notícias previamente confrontadas com dados objectivos.”

Por fim , quanto ao 3.º requisito escreve Figueiredo Dias "é indispensável à concreta justificação pelo exercício do direito de informação que a ofensa à honra se revele como meio adequado e razoável do cumprimento da função pública da imprensa; ou mais concretamente: de cumprimento do fim que a imprensa, no exercício da sua função pública, pretende atingir no caso concreto. Por isso mesmo, o meio utilizado não só não pode ser excessivo como deve ser o menos pesado possível para a honra do atingido. Qualquer excesso pode ser suficiente para empurrar a conduta para o âmbito do ilícito.”

Todavia a ofensa à honra pode concretizar-se não só através de imputação de factos, mas também na manifestação de juízos referentes à personalidade alheia acções e comportamentos de outrem. Nestes casos mesmo que os juízos tenham a ver com factos verdadeiros a notícia “só será licita no seu próprio conteúdo quando também não brigue com as regras correntes de adequação social, face à necessidade de aqui se defender a dignidade da pessoa humana, quaisquer que sejam os acidentes do seu percurso” [Capelo de Sousa, in “ O Direito Geral de Personalidade”, pág. 309].
A impossibilidade de provar a veracidade dos factos não se segue automaticamente a condenação do jornalista, mas apenas na medida em que tal juízo é desrazoável ou desproporcionado.

Quanto ao segundo direito apontado, a honra, constitui a mesma um bem jurídico também tutelado do ponto de vista civil. Estatui o art.º 70 do C.C que “A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”. Na personalidade moral integram-se, entre outros, o direito à honra e reputação.

A doutrina dominante adopta uma concepção dual de “honra”, vendo-a como uma bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior [Ac. RP de 2.10.2002, processo nº 0141459, in www.dgsi.pt].
Segundo os ensinamentos do Professor Capelo de Sousa, “A honra juscivilisticamente tutelada abrange desde logo a projecção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela Natureza igualmente a todos os seres humanos, insusceptível de perdida por qualquer homem em qualquer circunstância”.
Em sentido amplo, inclui o também o bom nome e reputação, enquanto síntese do apreço pelas qualidades determinantes de unicidade de cada indivíduo e pelos demais valores pessoais adquiridos pelo o indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político".

O direito ao bom nome e reputação “consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação” [Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª ed., pág. 180 e 181].

É a honra um “bem de personalidade e imaterial, que se traduz numa pretensão ou direito do indivíduo a não ser vilipendiado no seu valor aos olhos da sociedade e que constitui modalidade do livre desenvolvimento da dignidade humana, valor a que a Constituição atribui a relevância de fundamento do Estado português; enquanto bem da personalidade e nesta sua vertente externa, trata-se de um bem relacional, atingindo o sujeito enquanto protagonista de uma actividade económica, com repercussões no campo social, profissional e familiar e mesmo religioso” [Maria Paula G. Andrade, in “Da Ofensa do crédito e do bom nome”, 1996, pág. 97].

A tutela civil da honra, entendida da forma exposta, abrangida pelo art.º 70º CC, consubstancia-se na responsabilidade civil extracontratual consagrada nos arts. 483º e 484º do mesmo diploma legal.

Nos termos do mencionado art.º70º “Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de uma pessoa responde pelos danos causados. A ofensa do crédito ou bom nome prevista neste artigo, sendo um caso especial de facto antijurídico, deve considerar-se subordinada aos requisitos do art.º 483º do C.C.

Só deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem aquilo que, razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais.
O que pode ser uma ofensa ilícita em certo lugar, meio, época, ou para certas pessoas, pode não o ser em outro lugar ou tempo, do mesmo modo que a circunstância de ser ou não injuriosa uma palavra depende, em grande parte, da opinião, dos hábitos, das crenças sociais [Ac. RP de 31.1.96, processo nº 9540900, in www.dgsi.pt].

Almeida Costa, após considerar que um dos casos especiais de ilicitude previstos no Código Civil é o da ofensa do crédito ou do bom nome, conclui que “tem de haver imputação de um facto, não bastando alusões vagas e gerais. A regra consiste na irrelevância da veracidade ou falsidade do facto, mas, sempre que esteja em causa a protecção de interesses legítimos, parece de admitir-se a “exceptio veritatis”. Sublinhe-se, por fim, que o facto afirmado e difundido deve mostrar-se, ponderadas as circunstâncias concretas, susceptível de afectar o crédito ou a reputação da pessoa visada” [“Direito da Obrigações”, Coimbra, 8ª edição (revista e aumentada), Coimbra, 2000, pág. 508].
Também Menezes Cordeiro entende que a ofensa do crédito ou do bom nome está sujeita às regras gerais dos delitos, concluindo pela responsabilidade de quem, com dolo ou mera culpa, viola o direito ao bom nome e reputação de outrem, após o que afirma que “ é indubitável que a divulgação de um facto verdadeiro pode, em certo contexto, atentar contra o bom nome e a reputação de uma pessoa. Por outro lado, a divulgação de um facto falso atentatório pode não constituir um delito - por carência, por exemplo, de elemento voluntário. Por isso, a solução deve resultar do funcionamento global das regras de imputação delitual” [“Direito das Obrigações”, Vol. II, 1990, 349].
Segundo Antunes Varela, “pouco importa que o facto afirmado ou divulgado seja ou não verdadeiro - contanto que seja susceptível, ponderadas as circunstâncias do caso, de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa ara cumprir as suas obrigações (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que ela seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade” [“Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 9ª ed., pág. 567 e 568].

Atribuir a alguém uma conduta contrária e oposta àquela que o sentimento da generalidade das pessoas exige do homem medianamente leal e honrado é atentar contra o seu bom nome, reputação e integridade moral [Ac. STJ de 20.3.73, in BMJ 225, pág.222].


Os prejuízos estritamente morais implicados na ofensa do bom nome e reputação apenas calham aos indivíduos e às pessoas morais, para os quais a dimensão ética é importante, independentemente do dinheiro que poderá valer, já não às sociedades comerciais, pois a estas o bom nome e a reputação apenas interessam na justa medida da vantagem económica que deles podem tirar.

Para as sociedades comerciais, a ofensa do crédito e do bom nome apenas pode produzir, portanto, um dano patrimonial indirecto, isto é, o reflexo negativo que, na respectiva potencialidade de lucro, opera aquela ofensa [Ac. STJ de 25.3.2003, processo nº 03B3692, in www.dgsi.pt].

E é dentro do quadro legal, jurisprudencial e doutrinal acima exposto, e já muito nos alongámos, que o conflito submetido à nossa apreciação haverá de ser dirimido.

Apontemos então as várias questões colocadas pela recorrente nas suas conclusões:


1ª QUESTÃO (a supra referida sob a al. A)

Considera a recorrente que o tribunal recorrido violou o disposto no art. 514º nº 1 e 2 do CPC, ao considerar provados os factos supra descritos em D) e F).

Em D) diz-se que correspondem à verdade os factos referidos em C)- (Em entrevista ao jornal “Y..........”, publicada na edição de 06 de Agosto de 2002, afirmou que F.......... lhe comunicou que estaria livre para ser emprestado, impondo a excepção do emblema ..... “São questões internas dos clubes” referindo que “a inibição passou pelo apoio do presidente D.......... a E.......... nas eleições da Liga).

Em F) diz-se que os factos referidos em E (Veio (o R.) a dizer, em entrevista de 03 de Outubro de 2002, à W.........., que "Toda a gente no futebol e todas as pessoas inteligentes sabem que o B......... actualmente vive uma fase difícil... tem andado uns anos à deriva... e as pessoas lá dentro têm que ponderar, têm que ponderar o bem e o mal, e o mal que está lá dentro deviam deixar sair”) são do conhecimento público.

Sustenta a recorrente A. que estava vedado ao Senhor juiz socorrer-se da sua dimensão pessoal de conaîsseur do mundo e das questões do futebol, para ter considerado como provados aqueles factos (D e F), sendo que apenas do conhecimento adveniente do exercício funcional lhe era permitido lançar mão.

Como é sabido, um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição de cidadão, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos [Alberto dos Reis, in CPC Anotado, 3º, 259 e segs].
Não carecendo o facto notório nem de alegação nem de prova, não deve figurar no questionário.[ Ac. RP de 8.1.91, in BMJ 403, 487]

A circunstância de ser dispensada a sua alegação e prova não significa que os factos notórios não tenham de ser fixados pelas instâncias, sem prejuízo de o STJ poder apreciar a violação da norma legal, nos termos do art. 722º nº 2 do CPC. [Ac. STJ de 28.5.2002, Ver. Nº 1163/02.2, Sumários 5/2002]

Ponderando a questão, diremos que contrariamente ao que é dito pela apelante, a especificação de tais factos não decorreu do conhecimento que o Senhor Juiz tenha dos factos, colocado na posição de cidadão, uma vez que os factos em apreço constam dos articulados, designadamente dos artigos 25º, 26º, e 36º da contestação, que não foram postos em causa pela A..
De facto, dada a sua íntima conexão com o mundo específico do futebol, e em especial o B.........., não são tais factos do conhecimento geral dos cidadãos, podendo sê-lo, quando muito, do conhecimento de um grupo restrito, de que poderá fazer parte o Senhor Juiz a quo.
Tal não lhe permitiria, porém, considerar que aqueles factos (referidos em C) e E)) como provados.

Contudo, tendo tais factos sido alegados, pelo R., em tom confessório, bem andou o Senhor Juiz ao carreá-los para a matéria de facto assente.

Repare-se que no caso vertente, tendo o Senhor juiz procedido à reunião da matéria de facto assente em audiência preliminar, não consignou na respectiva acta, como deveria ter feito, a motivação de tal entendimento, ou seja não fundamentou o seu despacho decisório da matéria de facto.
De acordo como disposto no art. 712º nº 5 do CPC, se a decisão proferida sobre algum facto não estiver devidamente fundamentada, pode a Relação, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de 1ª Instância a fundamente.
Como decorre de tal preceito legal, a inexistência, insuficiência ou deficiência da motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto, apenas permite, em sede de recurso, que o Tribunal Superior, a requerimento da parte, determine que o Tribunal recorrido proceda à respectiva e adequada fundamentação.
De facto, “o dever de fundamentação da matéria de facto a que alude o art. 653º nº 2 do CPC não tem nada a ver com a fundamentação da sentença final a que alude o art. 668º nº 1 al. b) do mesmo Código. Aquele primeiro dever refere-se apenas à matéria de facto, enquanto o segundo aponta para a justificação da decisão final em face do direito substantivo aplicável” [Ac. da Relação de Évora, in BMJ nº429, pág.910].
Na verdade, como se decidiu no Ac. STJ de 10 de Janeiro de 2002 [Vide Abílio Neto, Código de processo civil anotado, 17ª edição, pág. 829], “a lei não estabelece qualquer sanção para a falta de fundamentação da decisão da matéria de facto, isso resultando, com especial evidência, da parte final do nº 5 do art. 712º do CPC, onde se diz que, se por impossível fundamentação... o juiz da causa limitar-se-á a justificar a impossibilidade”.
Não tendo a apelante feito uso da faculdade que lhes era conferida pelo já citado nº 5 do art. 712º do CPC, também este Tribunal não pode ordenar que o Tribunal recorrido proceda à fundamentação ou a nova fundamentação de tal decisão.

Contudo, afigura-se-nos que a questão, para além de se revelar improcedente, não tem relevância para a decisão da causa sub judice.
Na realidade, tal como acima ficou referido, para se apreciar e decidir se a conduta do R. é lesiva do bom nome e reputação da A., pouco importa que os factos por si difundidos correspondam ou não à realidade ou sejam ou não do conhecimento público.
O que importa é saber se, ponderadas as circunstâncias do caso, os mesmos são susceptíveis de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa ara cumprir as suas obrigações (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que ela seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade (vide doutrina e jurisprudência supra citadas).

Em conclusão, mantêm-se os pontos D) e F) da matéria de facto provada, por não serem factos notórios, mas resultantes dos articulados.


2ª QUESTÃO (a supra referida sob a al. B)

Segundo a recorrente, o senhor Juiz terá “desprezado a pontuação” dos artigos 7º e 8º da petição inicial, "que se reportam à entrevista do jornal “Y..........” de 6.8.02, o que o levou a concluir pela conduta menos discreta do R.

Analisando o ali alegado, e o vertido na al. C) da matéria de facto assentes, e procedendo à sua comparação com o conteúdo no artigo jornalístico em causa, verificamos que houve efectivamente uma ligeira distorção de leitura por parte do senhor Juiz, que apenas não considerou a partícula apassivante “se” depois do gerúndio “referindo”.
Assim procedendo, o Senhor Juiz manteve para a segunda frase o sujeito da primeira - o R. C.........., colocou no discurso deste aquilo que ele não disse - que a inibição passou pelo apoio do presidente D.......... a E.......... nas eleições da Liga, quando o que deveria ter consignado era o que no dito artigo de imprensa constava, ou seja - “São questões internas dos clubes”, começando por dizer C.........., pressupondo-se (ou referindo-se - segundo a alegação da A.) que a inibição passou pelo apoio do presidente D.......... a E.......... nas eleições da Liga”.
Com esta redacção, que para além da leitura dos artigos 7º e 8º, nos socorremos do texto do próprio jornal, fica esta última parte retirada do discurso do R. C.........., uma vez que este, contrariamente ao que fora considerado provado (onde o ali sublinhado se encontra entre aspas, como que lhe atribuindo a autoria de tal expressão), o mesmo não propalou aquela última frase, mais parecendo tal corresponder a uma interpretação feita pelo próprio jornalista entrevistador.
A redacção dos artigos 7º e 8º da petição inicial, em correspondência com a redacção jornalística, não é feliz.
O que é importante é que da matéria de facto assente não resulte que foi o R. que disse que a inibição passou pelo apoio do presidente D.......... a E.......... nas eleições da Liga, uma vez que tal asserção, segundo o texto em causa, resulta já deslocada do discurso (sequer indirecto) do R.

Assim, a al. C) da matéria de facto assente passará a ter a seguinte redacção:
“Em entrevista ao jornal “Y.........”, publicada na edição de 06 de Agosto de 2002, afirmou que F......... lhe comunicou que estaria livre para ser emprestado, impondo a excepção do emblema ..... “São questões internas dos clubes”, referindo-se (no dito artigo) que “a inibição passou pelo apoio do presidente D.......... a E.......... nas eleições da Liga”.

Desta alteração da factualidade assente, resultante da mera introdução de um pequeno “se” (partícula apassivante, segundo a mais moderna terminologia gramatical) não resulta qualquer alteração da decisão, antes pelo contrário, só poderá resultar desagravamento da conduta do R., uma vez que deixa de existir da parte deste a reprodução de uma afirmação imputada à autoria de F.........., que o tribunal recorrido considerou mera indiscrição.

Assim sendo, tal indiscrição acaba por desaparecer.

Improcede, assim, esta conclusão da apelante.

3ª QUESTÃO (correspondente à conclusão c) supra consignada)

- Aludindo a alegações do R., afirmações que este não repudia, críticas a actos de gestão da A. inerentes ao tratamento por parte da SAD em relação a si próprio como jogador (sabendo-se que jogadores são “activo” da mesma), querendo com isso visar “responsáveis do B.........., uns dos que “ganham para não fazerem praticamente nada”, sabendo que tais factos eram falsos, mas que tal sempre lhe seria indiferente, e que daí resultou lesão - perigo de lesão - do bom nome da SAD enquanto no mercado de capitais, “independentemente da descida - ou subida - de cotação das acções, pelo que se peticionaram somente danos não patrimoniais, reparáveis e a merecer a tutela do direito - artigo 37º nº 4 da C. Rep. E 484º do CC.”, sustenta a recorrente que “terão sido cumpridos por parte do A. os deveres do artigo 467º nº 1 al. c) do CPC.”.

Terá querido dizer al. d), no sentido de ter exposto todos os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção.

Ora, sem prejuízo de a A. ter exposto na petição inicial todos os factos que servem de fundamento à acção, bem como as sua razões de direito, o certo é que tais factos, que foram considerados assentes (com as alterações não relevantes a que já procedemos), não têm força jurídica bastante para levar a presente acção ao desiderato condenatório pretendido pela demandante.

E aqui entramos na 4ª e última questão colocada pela recorrente.

4ª QUESTÃO

Na óptica da recorrente a conduta do R. deve ser tida como violadora do direito ao bom nome da A., sendo necessariamente ilícita, uma vez que não ocorrera nenhuma circunstância justificativa do facto praticado, pelo que se encontram verificados os pressupostos da responsabilidade civil.

Esta questão vem no seguimento da anterior e prende-se com a questão de fundo, o averiguar e concluir se de facto a conduta do R., ponderadas as circunstâncias do caso, é susceptível de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da A. para cumprir as suas obrigações (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestígio de que a mesma goze ou o bom conceito em que ela seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade.


Parece-nos que não.

Tendo presentes os ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais que acima deixámos expostos, há que analisar as peças jornalísticas em referência de molde a apurar se as mesmas merecem a censura ético-jurídica pretendida pela demandante.

Quanto à entrevista dada ao jornal “X.........." em 6 de Agosto de 2002:
É o seguinte o excerto jornalístico, sob o subtítulo “conquistar a liberdade”:
Sobre a opção pelo Z.........., o médio considera que assinou por “dois anos” e pensa ter feito uma boa opção. “Temos um plantel com capacidades para ficarmos nos dez primeiros classificados. Perco dinheiro ao deixar o B.........., mas conquistei a liberdade para poder ser feliz, porque até agora mais parecia que estava numa prisão”, frisou.
“Tenho apenas 23 anos e sempre respeitei o clube. Por isso, se as pessoas não contavam comigo, penso que me deveriam ter deixado sair, sem chegarmos ao ponto de ter de treinar à margem de tudo e de todos, sendo apenas acompanhado por mais sete companheiros. Respeito muito o B.........., mas agora vamos olhar em frente.

De facto, só com a contextualização do excerto vertido na matéria de facto assente nos é permitido proceder melhor leitura dos factos em apreço.

Analisando as expressões atribuídas ao R, afigura-se-nos que o mesmo se exprimiu de forma livre e também crítica, procurando demonstrar a satisfação que tinha em ter integrado o plantel do Z.........., onde se sentia útil por contarem com ele, contrariamente ao que se passava no B.........., onde, pelos vistos, já não contavam com ele, o que o fazia sentir-se numa prisão, lamentando e censurando que não o tivessem deixado sair há mais tempo, já que não contavam com ele, fazendo tal crítica de forma que se nos afigura moderada e cordata, sem recurso a considerandos vexatórios, não obstante ter enfatizado a situação com a dita conquista de liberdade e com a dita “prisão”.

Quem trabalha onde não gosta ou sabe que o seu trabalho não é apreciado sente-se preso, deseja libertar-se, sendo que tal não significa que fosse mal tratado.
A expressão “prisão”, in casu mais não ilustra do que o estado de espírito em que o R. se encontrava no B.........., esclarecendo que assim se sentia porque não contavam com ele, que quererá significar que não o faziam jogar, o que entristece e cria ansiedade em qualquer profissional de futebol.
Desabafa - “penso que me deveriam ter deixado sair”, expressão que procura evidenciar a atitude de a direcção do B.......... não o ter libertado antes para outro clube, como parece agora ter feito.
Nenhuma das expressões em causa, apreciadas pelo normal cidadão, segundo a sã e desapaixonada opinião da generalidade das pessoas atentas ao fenómeno futebolístico, é considerada ofensiva da honra e consideração da direcção do B.........., sendo que o declarante tem o cuidado de salvaguardar o respeito que sempre teve e ainda tem por tal clube.

E não esqueçamos que estamos no mundo do futebol, onde as paixões são imensas e muitas vezes carentes de lucidez, e onde os códigos de conduta existente entre os vários protagonistas é caracterizado pela tolerância e pela frontalidade, muitas vezes até excessivas, circunstâncias que, mercê da sua verificação reiterada, vão habituando o público em geral, de que fazemos parte, a considerar o futebol como um mundo muito especial, com hábitos, procedimentos, e nuances relacionais cuja compreensão o vulgar cidadão não alcança.
Esta nossa afirmação não representa qualquer menos respeito pelos actores dessa realidade do mundo cultural, desportivo e económico que hoje representa o “Futebol”, bem pelo contrário, apenas procurando traduzir um sentimento generalizado da nossa comunidade.

Considerando este circunstancialismo mais se interpreta como normal, no espaço futebolístico, e em especial no âmbito jornalístico ligado ao desporto Rei, a conduta do R., mais defensiva e (re)construtiva da sua imagem, do que lesiva da imagem do B.........., em relação ao qual faz questão de protestar o seu respeito, protesto este que tem peso ao olhar do cidadão leitor.

Atentemos agora na entrevista dada ao “Y..........” em 6 de Agosto de 2002 (al. C) da matéria de facto assente:
“Em entrevista ao jornal “Y..........”, publicada na edição de 06 de Agosto de 2002, afirmou que F.......... lhe comunicou que estaria livre para ser emprestado, impondo a excepção do emblema ..... “São questões internas dos clubes” ,referindo-se (no dito artigo) que “a inibição passou pelo apoio do presidente D.......... a E.......... nas eleições da Liga”.

Resulta de tal artigo o seguinte (mais abrangente e esclarecedor):

“Um processo que teve início em Dezembro do ano passado, quando F.......... lhe comunicou que estaria livre para ser emprestado, impondo a excepção do emblema ...... “São questões internas dos clubes”, começou por dizer C.........., pressupondo-se que a inibição passou pelo apoio do presidente D.......... a E.......... nas eleições da Liga.
E continua “Mas a grande mágoa do jogador prende-se pelo facto de se ter sentido marginalizado ultimamente, ao treinar-se no Parque da Cidade do ...... “Foi angustiante trabalhar dessa forma. Foi uma guerra, mas mantive a intransigência em querer vir para o Z..........”, afirmou. C.......... não esquece os seis anos em que representou o B.......... e considera que, apesar de muitos obstáculos, deixa muitas saudades vincadas. “Tenho lá muitos amigos e preservo essas relações. Gostaria de agradecer a I.......... e ao próprio presidente F.......... por finalmente terem disponibilizado a minha saída. H.......... foi a única pessoa que não foi correcta comigo. Tenho a sensação de ter saído de uma cadeia e finalmente sinto-me libertado para trabalhar”.

Os considerandos que tecemos em relação à entrevista dada ao jornal “X..........” também os fazemos em relação a esta.
O R. pronunciou-se de forma correcta, moderada, dando particular nota da sua felicidade em ter ido para o Z.........., embora ao fim de alguma luta interna, agradecendo a sua libertação ao próprio presidente F.........., pessoa que sendo indubitavelmente a personificação máxima do B......... (é quase facto notório), em caso ou momento algum sai beliscado nesta entrevista, bem pelo contrário, dela transparecendo uma imagem de frontalidade (ao dizer que o R. estava em condições de ser emprestado), e também de compreensão e tolerância, ao permitir que o R. fosse para o Z.........., atitude que este agradeceu expressamente.
Ora, saindo bem o Senhor F.........., não sai mal o B...........

Quanto à entrevista por si dada à W.......... em 3 de Outubro de 2002:
Disse então o R. que
“Toda a gente no futebol e todas as pessoas inteligentes sabem que o B.......... actualmente vive uma fase difícil... tem andado uns anos à deriva... e as pessoas lá dentro têm que ponderar, têm que ponderar o bem e o mal, e o mal que está lá dentro deviam deixar sair”.
Tal afirmação reveste-se de alguma temeridade, constituindo uma opinião algo sarcástica, por parte de alguém que está notoriamente magoado, mas não deixa de ser destituída de concretização e rigor necessários a que se possa considerar objectivamente ofensiva do bom nome e da reputação do B...........

Como que lança uns tiros para o ar, quiçá de pólvora seca, que não tem idoneidade para ferir e deixar cicatriz.
Quem lê, segue em frente, sem pensar sequer “o que será quer ele quer dizer com isto?”
Afirmação inócua, talvez displicente, sem mérito ofensivo.


Quanto à notícia constante de entrevista dada ao jornal “X..........” de 9 de Outubro de 2002, em que o R. diz: “O G.......... (filho do presidente F..........) telefonou-me na véspera do jogo, dizendo-me que eu iria marcar um golo. Ontem, deixou-me uma mensagem: C.........., como vês não me enganei”.

Em que é que tal afirmação pode ser ofensiva da SAD Autora?
Não se compreende, sinceramente.
Tal como nós, nenhum “bonus pater familias”.

Quando muito, poderia ficar ofendido o ali referido G.........., filho do presidente da SAD, mas que nada tem a ver com esta, ou se tem tal não é dito.
E se algum ódio de estimação por parte do empresário J.......... em relação ao presidente do CA da SAD, de que forma é que tal realidade é veiculada (despropositadamente) pelo R., para daí se concluir que a conduta do mesmo é ofensiva do bom nome e reputação da A. ?

Não tem sentido, realmente, a pretensão da recorrente.

Por fim a afirmação feita a respeito de H.........., em relação ao qual diz: “é o Senhor H.........., porque na minha opinião é um homem sem palavra e um homem sem palavra para mim não é um homem.”, acusando-o de tirar proveitos financeiros do clube, “existe uma pessoa que até pretende que a equipa perca e que a equipa faça maus resultados para ir buscar novos jogadores...”
Posição esta que o Réu diz ser corroborada por “toda a gente no futebol e todas as pessoas inteligentes”.

Não há dúvida que tais afirmações são claramente ofensivas da honra e consideração do dito H.........., sendo este administrador do B.........., a ele tendo sido pessoalmente dirigida a ofensa, como pessoa individualmente considerada, e não na veste de legal representante da SAD A., sendo por isso, a nosso ver, inadequado e excessivo interpretar tal afirmação como directamente ofensiva da credibilidade da administração.

Improcedem assim todas as conclusões do recurso da apelante.

Por fim, e para além do que ficou dito, diremos que, sendo a A. uma sociedade comercial, que carece de dimensão moral, e não tendo a mesma invocado danos patrimoniais indirectos ou o reflexo negativo sobre a sua potencialidade de lucro, resultantes da invocada conduta ofensiva do seu bom e reputação por parte do R., também por esta via improcederia a sua pretensão [Ac. STJ de 25.3.2003, processo nº 03B3692, in www.dgsi.pt. Relator Conselheiro Quirino Soares].

DECISÃO

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, embora alterando parcialmente a decisão da matéria de facto no ponto C), nos termos acima decididos, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Porto, 3 de Março de 2005
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves
António do Amaral Ferreira
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha