Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOSÉ MANUEL DE ARAÚJO BARROS | ||
Descritores: | DECLARAÇÃO NEGOCIAL INTERPRETAÇÃO CARTA DE CONFORTO | ||
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Nº do Documento: | RP201312051610/12.9TJPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 12/05/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – A interpretação da declaração negocial deve seguir sentido inverso àquele com que é apresentada nos nºs 1 e 2 do artigo 236º do Código Civil: numa primeira fase, em sede de facto, tentando determinar a vontade real do declarante e o conhecimento que dela tenha o declaratário; só se não se apurar aquela ou, se apurada, não se provar que era do conhecimento do declaratário, caberá, em sede de direito, averiguar o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante. II – Carta de conforto é uma missiva que um terceiro dirige a uma das partes contratuais, assegurando o seu empenho em contribuir para o cumprimento da prestação da contraparte. III – Podendo tal intervenção revestir diversos graus de ingerência na relação jurídica por parte do emitente da carta, só as chamadas cartas de conforto fortes, consubstanciando a garantia da verificação de um determinado resultado, traduzem a assumpção pelo seu emitente da obrigação de cumprir essa prestação. IV – O empreiteiro que suspendeu os trabalhos, em virtude de o dono da obra ter deixado de assumir os seus compromissos para com ele, ao receber uma carta do banco financiador da mesma e uma cópia de um protocolo que este terá feito com o seu financiado, nos quais o banco diz ter avaliado o que falta para a obra terminar, propondo-se passar a ser directamente responsável pelo acompanhamento da obra e consequente libertação mensal de verbas respeitantes aos trabalhos executados pelos fornecedores, deverá entende-la como uma garantia de que o banco se responsabiliza pelo pagamento destes. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | 1 2ª SECÇÃO CÍVEL – Processo nº 1610/12.9TJPRT.P1 Juízos Cíveis do Porto – 3º Juízo Cível SUMÁRIO (artigo 713º, nº 7, do Código de Processo Civil) I – A interpretação da declaração negocial deve seguir sentido inverso àquele com que é apresentada nos nºs 1 e 2 do artigo 236º do Código Civil: numa primeira fase, em sede de facto, tentando determinar a vontade real do declarante e o conhecimento que dela tenha o declaratário; só se não se apurar aquela ou, se apurada, não se provar que era do conhecimento do declaratário, caberá, em sede de direito, averiguar o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante. II – Carta de conforto é uma missiva que um terceiro dirige a uma das partes contratuais, assegurando o seu empenho em contribuir para o cumprimento da prestação da contraparte. III – Podendo tal intervenção revestir diversos graus de ingerência na relação jurídica por parte do emitente da carta, só as chamadas cartas de conforto fortes, consubstanciando a garantia da verificação de um determinado resultado, traduzem a assumpção pelo seu emitente da obrigação de cumprir essa prestação. IV – O empreiteiro que suspendeu os trabalhos, em virtude de o dono da obra ter deixado de assumir os seus compromissos para com ele, ao receber uma carta do banco financiador da mesma e uma cópia de um protocolo que este terá feito com o seu financiado, nos quais o banco diz ter avaliado o que falta para a obra terminar, propondo-se passar a ser directamente responsável pelo acompanhamento da obra e consequente libertação mensal de verbas respeitantes aos trabalhos executados pelos fornecedores, deverá entende-la como uma garantia de que o banco se responsabiliza pelo pagamento destes. Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto I B…, LDA, intentou a presente acção declarativa com processo experimental, ao abrigo do regime do DL nº 108/2006, de 8 de Junho, contra C…, LDA, e D…, SA, pedindo que as rés fossem condenadas a pagarem à autora a quantia de 7.170,81 €, acrescida dos legais juros de mora, à taxa anual legal aplicável, contados sobre 6.369,88 €, até efectivo e integral pagamento.RELATÓRIO Estribou o seu pedido, em síntese, no facto de a 2ª ré, por carta remetida à autora em 11.04.2011, se ter obrigado a pagar os trabalhos que a autora realizasse para a primeira ré, sendo que, das cinco facturas emitidas pela autora pelos referidos trabalhos, três obtiveram pagamento integral, uma quarta obteve pagamento parcial, nada sendo pago da quinta por qualquer das rés, apesar das diligências para o efeito realizadas pela autora. Contestando, a 2ª ré sustentou que a carta por si emitida teve tão-só em vista assegurar que o remanescente do capital que havia mutuado à sociedade E…, Ldª, responsável pela construção do empreendimento de que a 1ª ré era a promotora, e que havia sido financiado pela 2ª ré, fosse utilizado para pagamento directo aos fornecedores e prestadores de serviços no dito empreendimento e não utilizado para outros fins, tendo sido emitida num contexto de dificuldades financeiras sentidas pela 1ª ré, que provocara receios de incumprimento nos respectivos fornecedores, entre eles a autora, disso mesmo tendo esclarecido a 2ª ré à autora em reunião havida entre as partes, a quem mais referiu não poder ser ultrapassada a parcela de capital mutuado disponível em 17.03.2011; o remanescente do capital mutuado não foi suficiente para pagamento de todos os trabalhos executados, o que levou ao acordo entre a mutuária e a 2ª ré do rateio do mesmo pelos prestadores de serviços; com a aludida carta, o banco apenas prestou uma informação à autora, não se responsabilizando pelo pagamento em causa. A autora apresentou resposta, impugnando parte do alegado na contestação e reiterando o por si aduzido na petição. Saneado e instruído o processo, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente. Inconformada, veio a autora interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Juntou as respectivas alegações. A ré contra-alegou. Foram colhidos os vistos legais. II 1. FACTOSFUNDAMENTAÇÃO 1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica, de modo habitual e lucrativo, além de outras, à actividade de aplicação de pavimentos em madeira. 2. A 2ª ré, em Abril de 2011 remeteu à autora a carta junta à PI sob o nº 1, com o seguinte teor: “B…, Lda …. -… … Braga, 08 de Abril de 2011 Exmo(s) Sr(s), Vimos informar V. Exas que celebramos um Protocolo com nosso cliente Sociedade E…, Lda, no sentido de o Banco passar a ser directamente responsável pelo acompanhamento da obra e consequente libertação mensal de verbas respeitantes aos trabalhos executados. Anexamos a acta da reunião efectuada com o cliente em 17/03/2011 onde ficaram estabelecidas as regras a vigorar para o futuro. Com esta medida pretendemos e de acordo com vontade manifestada pelo nosso cliente dar a obra terminada num período de 60 dias para se começar a efectuar a comercialização do empreendimento que pela sua boa localização se afigura com boa probabilidade sucesso. Ao dispor para qualquer esclarecimento, apresentamos os nossos melhores cumprimentos. Atentamente, D…, S.A.” 3. Como de tal missiva expressamente consta, com ela remeteu a 2ª ré à autora a designada Acta de Reunião junta à PI sob o nº 2, com o seguinte teor: “Acta de Reunião DATA: 17/03/2011 CLIENTE: Sociedade de E…, Lda REF. ………… ASSUNTO: Acta de Reunião efectuada em 17/03/2011 Em 17/03/2011 pelas 10h30, de acordo com o agendado com o cliente, foi efectuada reunião, no local da obra sita na Rua …, …, Lote .., no Porto, a fim de se estabelecer quais os documentos necessários a apresentar para análise e dar início ao processo de acompanhamento de obra. Compareceram à reunião, o sócio gerente da empresa Sr. F…, os Engºs. G…, H… e Eng.ª I… e em representação do D… o Dr. N…, do DEN… e Eng. L… e M…, do DTI…. A presente reunião visa esclarecer ao cliente, quais os pontos, que segundo o DTI…, terão de ser cumpridos para se proceder ao acompanhamento da obra e consequente libertação mensal de verbas, respeitantes aos trabalhos executados. 1. O cliente deverá entregar ao Departamento Técnico de Imobiliário (DTI) do D…, o (s) Orçamento (s) para conclusão da obra, por Especialidade, com os trabalhos e quantidades devidamente descriminados e que deverão ser, obrigatoriamente, validados pelo DTI. 2. Os trabalhos a considerar pelo acompanhamento de obra pelo D…, serão, unicamente, os trabalhos para conclusão da obra, contabilizados a partir da data início deste acompanhamento. Não serão contabilizados quaisquer trabalhos já efectuados anteriormente. 3. Vistorias de Acompanhamento de Obra - Mensalmente, deverá ser remetido, com o pedido de vistoria, o Auto de Medição do cliente, com descriminação dos trabalhos executados e respectivas quantidades, com a correspondente factura a validar pelo DTI (que poderá ser remetida posteriormente ao técnico do DTI, após validação dos trabalhos correspondentes). 4. Elaboração da Vistoria - Após apresentação do Auto correspondente, o DTI efectuará deslocação à obra, para validação dos respectivos trabalhos. Após validação dos mesmos, o cliente deverá remeter cópia da correspondente factura (conforme referido no ponto 3), sendo posteriormente enviado pelo DTI para o Departamento comercial a validação do Auto. 5. No mês seguinte, deverá ser apresentada cópia do recibo do empreiteiro, comprovando a recepção da quantia abrangida no Auto do mês anterior. 6. Em caso de alteração de empreiteiro ou subempreiteiro, o cliente deverá previamente informar DTI e apresentar novo orçamento, que não poderá de forma alguma exceder os custos aprovado inicialmente. 7. No caso dos custos de licenciamento, alertamos que a libertação da verba correspondente, só ser realizada após apresentação de documento comprovativo/orçamento, apresentado por cada uma das entidades (SMAS, EDP, PT.......) e correspondente recibo (após pagamento). 8. Deverá ser esclarecido pelo cliente, no caso dos custos de licenciamento, quem procederá ao pagamento do IVA (Empreiteiro ou Promotor). No caso de ser o Empreiteiro, o IVA é descriminado na factura, sendo validada a totalidade da factura. No caso de ser o Promotor, na factura será descriminado “IVA pago pelo adquirente”, devendo o comprovativo deste pagamento ser comprovado pelo Departamento Comercial. 9. A obra será visitada regularmente, sem aviso prévio, por representantes do DTI, para aferir o desenvolvimento da mesma. Mais uma vez relembramos, que o cumprimento dos pontos acima referidos, é essencial para o correcto acompanhamento da obra e consequente conclusão do empreendimento. Foram já entregues ao DTI, o (s) Orçamento (s) para conclusão da obra, nas condições atrás referidas, a fim de ser (em) validados e marcar data do início do Acompanhamento de Obra.”. 4. A autora, no âmbito da sua actividade comercial, acordou com a 1ª ré, a pedido desta e no âmbito da actividade comercial da mesma, prestar-lhe serviços daqueles que são referidos no artigo 1º da PI. 5. Serviços melhor identificados nas facturas com os seguintes números, datas de emissão e valores, que infra se descriminam: Números Datas de emissão Valores ..03 31/05/2011 € 1.948,55 ..12 30/06/2011 € 2.031,61 ..21 29/07/2011 € 2.862,72 ..25 31/08/2011 € 7.856,66 ..29 27/09/2011 € 4.150,22 6. Das quais, aliás, consta, sob a epígrafe “condições de pagamento”, “Conforme protocolo estabelecido entre C… e o D…”. 7. Nos termos acordados, deveriam as quantias em causa ser pagas dentro dos trinta dias seguintes às datas de emissão das respectivas facturas, e na sede da autora. 8. Através de transferência bancária foram pagos à autora os seguintes valores, respeitantes às seguintes facturas, nas seguintes datas: Números Datas de pagamento Valores ..03 8/07/2011 € 1.948,55 ..12 28/07/2011 € 2.031,61 ..21 23/08/2011 € 2.862,72. 9. Ulteriormente, em 26/10/2011, a ré recebeu a quantia de € 5.637,00, que pagou parcialmente a factura nº ..25 no valor global de € 7.856,66. 10. Ulteriormente não pagaram as rés à autora qualquer outra quantia, não obstante as inúmeras diligências que a autora, para o efeito, empreendeu junto delas. 11. A sociedade comercial C…, Lda., ora 1ª ré, foi declarada insolvente no processo n.º 2731/11.0TBBRG, a correr termos no 1º juízo do Tribunal Judicial de Braga. 12. Em 12 de Junho de 2007, o D…, SA, aqui contestante, concedeu à Sociedade de E…, Lda, um empréstimo no montante global de 3.700.000,00 €, destinado à construção de um edifício no prédio urbano, composto de terreno destinado a construção, lote n.º.., situado na Rua …, freguesia …, concelho do Porto, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 13471 (provisório), pendente de avaliação, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.º 5514/…. 13. No acto da celebração da escritura de mútuo com hipoteca, melhor identificada supra, foram movimentados 1.050.000,00 €. 14. A restante quantia ficaria condicionada à apresentação prévia ao Banco contestante do projecto aprovado pela Câmara Municipal …; à licença de construção válida; à licença de demolição e à certidão da Segurança Social devidamente actualizada e regularizada e seria movimentada durante o período de utilização que decorreria nos primeiros 48 meses de vida do contrato, de harmonia com o andamento das obras de construção do edifício implantado no prédio descrito e hipotecado, as quais seriam fiscalizadas e avaliadas pelos Serviços Técnicos do Banco, sendo a libertação de qualquer parcela de capital mutuado precedida de uma avaliação (vistoria) da obra executada e que o Banco considerasse justificar tais levantamentos. (cfr. doc. 1 - Cláusula Quinta do documento complementar que instruiu a escritura de mútuo com hipoteca, melhor identificada supra). 15. A mutuária, a Sociedade de E…, Lda, era a responsável pela construção do referido edifício. 16. A sociedade comercial C…, Lda., ora 1ª ré, era a responsável pela promoção imobiliária do edifício a construir. 17. No decurso da execução dos trabalhos para a construção do citado edifício, a 1ª ré começou a sentir sérias dificuldades financeiras, tendo entrando em incumprimento perante os seus fornecedores/prestadores de serviços, designadamente aqueles que forneciam materiais e prestavam serviços na obra aqui em apreço. 18. Os fornecedores/prestadores de serviços ameaçaram a 1ª ré que iriam deixar de realizar os trabalhos contratados na referida obra se as facturas em atraso não fossem pagas. 19. O Sr. F… - o sócio principal da 1ª ré e da Sociedade de E…, Lda – temendo que a obra não fosse concluída por força dos montantes devidos pela 1ª ré aos seus fornecedores/prestadores de serviços, solicitou uma reunião com o Banco Mutuante, ora contestante. 20. O Banco contestante, que tinha interesse na conclusão da obra, enquanto entidade financiadora da construção, anuiu reunir com o Sr. F…, entre outras pessoas ligadas à Sociedade de E…, Lda. 21. A reunião realizou-se em 17 de Março de 2011 e da mesma foi lavrada a acta, cuja cópia foi junta pela autora na petição inicial, como doc. n.º 2. 22. Nessa reunião foram estabelecidas as regras que teriam de ser cumpridas para que o Banco contestante passasse, a partir dessa data, a acompanhar a construção e a libertar mensalmente as verbas respeitantes aos trabalhos executados. 23. Ou seja, nessa reunião celebrou-se um protocolo que regulou a utilização da parcela do capital mutuado ainda não movimentado pela mutuária, por forma a que o remanescente do montante financiado pelo D… à construção fosse libertado e utilizado para pagamento directo aos fornecedores/prestadores de serviços que realizassem trabalhos na mesma obra com vista à sua conclusão, e não com outros objectivos ou finalidades. 24. O acordo ou protocolo celebrado na citada reunião entre o Banco contestante e a Sociedade de E…, Lda. (i) só era válido até ao termo do prazo de utilização do capital mutuado previsto no contrato identificado supra e (ii) só regulava a utilização da parcela do capital mutuado ainda não utilizado pela mutuária à data de 17 de Março de 2011. 25. Após a realização da supra citada reunião, o Sr. F… solicitou ao Banco contestante que elaborasse um documento para informar os fornecedores/prestadores de serviços que realizavam trabalhos na referida obra, como, entre outros, a autora, do acordo ou protocolo que havia sido celebrado entre a Sociedade de E…, Lda, e o Banco contestante, designadamente das regras que daí em diante passariam a vigorar para que fossem efectuados os pagamentos respeitantes aos trabalhos a executar para a conclusão da obra. 26. Assim, por carta datada de 8 de Abril de 2011, o Banco contestante informou a autora que havia celebrado um protocolo com a Sociedade de E…, Lda. e que, segundo o mesmo protocolo, o Banco passaria a ser o responsável pelo acompanhamento da obra e pela libertação mensal das verbas respeitantes aos trabalhos executados, passando a vigorar as regras estabelecidas na acta da reunião efectuada em 17 de Março de 2011, anexa à mesma carta. (cfr. doc. n.º1 que a autora juntou com a sua petição inicial). 27. Após a recepção da citada carta, os representantes legais da autora solicitaram ao Banco contestante uma reunião, que o mesmo Banco aceitou. 28. A reunião teve lugar no Centro de Empresas de … do Banco contestante e nela compareceram, em representação da autora, o seu sócio gerente e mulher e, em representação do Banco, o Sr. Dr. N…. 29. Na referida reunião, o representante legal da autora pediu esclarecimentos adicionais ao Banco contestante sobre a carta que o mesmo lhe havia remetido em 8 de Abril de 2011, a qual considerava ser vaga. 30. O Banco contestante esclareceu a autora sobre o sentido a atribuir à referida comunicação: a carta visava informá-la, enquanto prestadora de serviços na citada obra, que o Banco tinha celebrado um protocolo com a Sociedade de E…, Lda. e que o mesmo Banco iria fazer o acompanhamento da obra e libertar os fundos para o pagamento dos trabalhos a executar para a conclusão da obra, com vista a que o remanescente do montante financiado não fosse utilizado para outros fins e a obra pudesse ficar concluída e ser comercializada. 31. O Banco contestante referiu, ainda, na citada reunião, que a libertação de verbas para pagamento dos trabalhos a executar para conclusão da obra estava dependente do cumprimento integral das regras estipuladas na acta da reunião efectuada em 17 de Março de 2011, anexa à comunicação enviada à autora, que reiterou, assegurando à autora que, nesse contexto, aquele pagaria as facturas que fossem emitidas por esta e que correspondessem a trabalhos efectivamente realizados, nos termos orçamentados. 32. O representante legal da autora acabou por aceitar prestar os serviços na presente obra contratados pela 1ª ré, tendo-lhe sido adjudicados, em 27 de Abril de 2011, os trabalhos melhor descritos no doc. n.º3, junto com a petição inicial. 33. Em cumprimento do acordo/protocolo constante da acta da reunião datada de 17 de Março de 2011, o Banco contestante libertou os fundos necessários para o pagamento à autora das seguintes facturas: (i) factura n.º ..03, no valor de 1.948,55€, (ii) factura n.º ..12, no valor de 2.031,61€, e (iii) factura n.º ..21, no valor de 2.862,72€ (cfr. docs. 4, 5 e 6, da petição inicial). 34. A factura n.º ..25, no valor de 7.856,66€ (cfr. doc. 7, da petição inicial), foi paga parcialmente pelo valor de 5.637,00€, porquanto a parcela do capital mutuado disponível já não era suficiente para pagá-la na íntegra. 35. A referida factura refere-se a trabalhos prestados pela autora que foram discriminados pela Sociedade de E…, Lda. num auto de medição que englobava outros trabalhos efectuados por outros prestadores de serviços. 36. O remanescente do capital mutuado não era suficiente para pagar todos os trabalhos constantes do referido auto de medição. 37. Pelo que o Banco contestante e a Sociedade de E…, Lda. decidiram ratear, na mesma proporção, o remanescente do capital mutuado disponível por todos os prestadores de serviços, designadamente a autora, incluídos nesse auto de medição. 38. Os referidos prestadores de serviços, incluindo a autora, foram informados pelo Sr. F… dos factos supra descritos. 39. A factura n.º ..29, no valor de 4.150,22€ (cfr. doc. 8, da petição inicial), não foi validada pelo Departamento Técnico de Imobiliário (DTI) do Banco contestante, nem pela 1ª ré, em virtude de o capital mutuado estar esgotado. 40. Chegou a ser considerada entre a 1ª e o 2º réus a hipótese de aumento do financiamento com as quantias necessárias ao pagamento dos trabalhos de conclusão da obra se tal fosse necessário, pois existiam fracções integrantes do edifício em causa que poderiam ser dadas ao mesmo de garantia para tais acréscimos de financiamento; porém, tal não se concretizou dado que a fracção oferecida em garantia já se encontrava onerada. Com interesse para a decisão, não se provou a demais factualidade alegada, nomeadamente, na segunda parte do art.º 17º e na segunda parte do art.º 21º, ambos da petição inicial; e na segunda parte do art.º 8º, no art.º 9º, parte restante do art.º 10º, todos da resposta. 2. MOTIVAÇÃO A convicção do Tribunal, quanto à factualidade provada e não provada, alicerçou-se na conjugação de toda a prova produzida em audiência, de natureza documental (designadamente as facturas juntas pela autora à PI) e testemunhal, sendo de destacar o seguinte. O…, ex-funcionária da autora (até Agosto/2011) manifestou sobretudo conhecimento indirecto (através do que lhe foi transmitido pelo legal representante da autora) sobre o sentido dado pela autora ao documento nº 1 da PI; referiu, contudo, que alguém da 2ª ré, que não logrou identificar, lhe terá dito que caso a C… não pagasse, o D… pagaria; no mais, descreveu o modo de procedimento da autora relativo à facturação dos serviços prestados à 1ª ré e ao recebimento do respectivo pagamento, que terá ocorrido por transferência bancária, quanto às três primeiras facturas, ficando uma por liquidar à data em que a depoente deixou de trabalhar para a autora. P…, ex-subempreiteiro da autora, trabalhou na obra em causa, decorrendo o seu conhecimento do que lhe foi transmitido pelo legal representante da autora: que a C… estava a incumprir os pagamentos; o legal representante da autora terá falado com o legal representante da 1ª ré, que, por seu turno, terá declarado que havia um problema com o Banco; refere o depoente ter-lhe sido mostrada pelo legal representante da autora, em Julho-Agosto de 2011, procurando tranquilizá-lo, uma carta em que o D… dizia que assumia responsabilidade pelos pagamentos (porém, para além dos documentos 1 e 2 da PI, cuja interpretação se encontra em causa, não consta dos autos qualquer documento de onde se extraia tal declaração do D…). Q… funcionário de uma empresa fornecedora da autora, apenas depôs sobre os fornecimentos que entregou na obra. S…, sócia da autora e cônjuge do respectivo legal representante, confirmou o recebimento do documento nº 1 da PI pela autora; declarou ter participado numa reunião entre a autora e subempreiteiros da obra – em que não participou o D… – na qual foi decidido realizar a obra, atendendo ao teor do doc. 1 da PI; perante o dito documento, e a fim de obter mais esclarecimentos, a depoente acompanhou o marido à delegação do D… de …, onde reuniram com a testemunha N… (funcionário do 2º réu, abaixo referido). Quanto ao teor da reunião, nomeadamente quanto ao sentido atribuído ao documento 1 da PI, os depoimentos de S… e N… aparentaram contradição, sendo, por isso, realizada a respectiva acareação, de que resultou a conclusão de que N… garantiu verbalmente à autora que no momento existia dinheiro suficiente do financiamento efectuado à construtora para pagar os fornecimentos, do que S… (que reconheceu saber que existia um financiamento do D… para acabamento da obra e que o D… controlava os pagamentos, sendo por isso que vistoriava a obra; N… ter-lhe-á dito que “o D… ia controlando todo o dinheiro que entregava) concluiu que com isso o D… garantia que esse dinheiro existiria igualmente no momento do vencimento da dívida, o que, porém, não foi declarado por aquele; de facto, foi neste sentido o depoimento de N…, que se afigurou prestado de forma segura e isenta, sendo corroborado pelo teor dos documentos 1 e 2 da PI, onde apenas se refere que o D… fica “responsável pelo acompanhamento da obra e consequente libertação mensal de verbas”; segundo esta testemunha, o protocolo celebrado entre o D… e a mutuária (doc. 2 da PI) visou apenas “dar credibilidade e garantir aos fornecedores que o dinheiro daquele financiamento não iria para outros fins quaisquer”; esclareceu que chegou a ser aventada com a mutuária a possibilidade de aumento do montante do financiamento, o que, porém, não se concretizou, porque o imóvel que aquela pretendia dar em garantia já se encontrava onerado (aspecto igualmente mencionado por S… como tendo-lhe sido referido já em momento em que se registou a falta de pagamento das facturas emitidas pela autora, porém, insuficiente para que possa concluir-se no sentido da tese da autora). Quanto ao motivo do não pagamento das quantias em falta – esgotamento do plafond do financiamento, por débito de juros à mutuária – coincidiram os depoimentos de S… e N…. M…, funcionário do 2º réu, declarou ter sido o autor da acta constante do doc. 2 da PI, coincidindo com o depoimento de N… quanto à finalidade visada com o protocolo em causa, descrevendo ainda os trâmites seguidos com vista ao pagamento dos trabalhos aos fornecedores. No mesmo sentido depôs L…, engenheiro responsável pela verificação do progresso dos trabalhos e respectivos autos mensais, igualmente interveniente no doc. 2 da PI. Mais se atendeu à análise de todos os documentos constantes dos autos. Quanto à demais factualidade não dada como provada, tal deveu-se à insuficiência ou total ausência de prova nesse sentido produzida. 3. CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES DE RECURSO I – São os seguintes os pontos da petição inicial que a Recorrente considera incorrectamente julgados: 17º in fine e 21º in fine, os quais deveriam ter sido julgados provados, como ora se peticiona, na procedência da Apelação. II – Relativamente a estes pontos são os seguintes os meios probatórios que impunham decisão diversa são (1)) O depoimento das testemunhas: (1.1)) S… (“gravado digitalmente no sistema informático “H@bilus Media Studio”, e em cópia CD” – sic. a acta da audiência de julgamento); (1.2)) N… (“gravado digitalmente no sistema informático “H@bilus Media Studio”, e em cópia CD” – sic. a acta da audiência de julgamento) e (2)) Prova documental junta com a petição inicial juntos como documentos 1 e 2. III – Entende a Recorrente que resulta que efectivamente a Recorrida assumiu a garantia do pagamento dos serviços prestados para a conclusão da obra, quer (1) da prova testemunhal – maxime quando a referida e citada testemunha S… depôs, explícita e espontaneamente, de forma credível atento o respectivo contexto do depoimento, que “para o Sr. T… e para mim também era a garantia do bom pagamento das facturas depois do trabalho feito na obra. (…) Disse que se não fosse o D… a tomar as rédeas do bom funcionamento da situação que possivelmente a B… nem sequer pensaria em fazer a obra, mas uma vez que o D… estava e tomava a, portanto, que dirigia a organizava toda a situação que não teria qualquer outro impedimento. Essa reunião acabou aí e nós viemos embora”. IV – (2) quer considerando a citada declaração (doc. 1 e 2 com a p.i.), a qual interpretada à luz do disposto nos preceitos pertinentes, maxime no art.º 236º do Cód. Civil, não comporta outra interpretação – isto é, a interpretação de um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, da aqui Recorrente – que não seja a de que a Recorrida “(…) mediante … aquela assegurou à A. que as obrigações emergentes dos serviços prestados para a conclusão da obra em causa – maxime o pagamento do preço devido – seriam cumpridas.”, isto é, a Recorrida “(…) se obrigou no pagamento do preços devido pelos trabalhos executados, precisamente por existir tal obrigação, pela A.”, tal como era alegado nos pontos em causa da factualidade julgada não provada. V – Na procedência da peticionada modificação do julgamento da matéria de facto entende a Recorrente que deveria ser julgada provada a factualidade objecto dos artigos 17º in fine e 21º in fine da petição inicial: “(…) porquanto se obrigou no pagamento do preços devido pelos trabalhos executados, precisamente por existir tal obrigação, pela A.” e “(…) mediante a qual aquela assegurou à A. que as obrigações emergentes dos serviços prestados para a conclusão da obra em causa – maxime o pagamento do preço devido – seriam cumpridas”, respectivamente. Acresce que, VI – As cartas de conforto são nas palavras do insigne mestre J. A. Engrácia Antunes “documentos de conteúdo e efeitos jurídicos heterogéneos através dos quais uma entidade (patrocinante), que possui uma influência ou interesses significativos numa outra entidade devedora (patrocinada), ou visa reiterar ao banco credor a segurança de determinada operação de crédito ou financiamento”. VII – Sendo certo que estes documentos representarem uma garantia atípica de conteúdo e efeitos jurídicos variáveis, terão sempre de ser interpretados à luz dos critérios definidos nos artigos 236º e seguintes do Código Civil, isto é, o valor e a eficácia jurídica das cartas de conforto dependem do sentido das declarações concretamente feitas por quem as subscreve, ou seja, trata-se fundamentalmente de um problema de interpretação e até de integração negocial. VIII – De acordo com a doutrina, as cartas de conforto fracas – como a Mm.ª Juiz a quo qualificou a dos autos - são aquelas “em que a entidade patrocinante se limita perante o banco destinatário a declarar o seu conhecimento e aprovação da operação de crédito em jogo, a confirmar o seu controlo sobre a entidade financiada ou patrocinada, ou a assumir outras garantias não relacionadas com o cumprimento deste.” E, por sua vez, as cartas de conforto fortes são aquelas “em que o emitente vai mais longe, assumindo ainda um conjunto de deveres que vão de mera obrigação de meios (v.g. vinculando-se a envidar todos os esforços no sentido de fazer com que a entidade patrocinada cumpra as suas dívidas perante o banco) a uma verdadeira obrigação de resultado (maxime, assegurando que a patrocinada saldará os seus compromissos em qualquer caso, mormente, adiantando-lhe os fundos necessários ao pagamento)”. IX – No douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Dezembro de 2005 é referido que “no que concerne à natureza jurídica das cartas de conforto, importa considerar que: - o conforto fraco é o produto de uma obrigação de informar (prévia) e de uma obrigação de prestação de facto, maxime de prestação de serviço e de diligência; - o conforto médio é uma garantia imprópria combinada, isto é, uma garantia que não se traduz num acréscimo da massa patrimonial posta ao serviço do credor, mas antes numa teia de prestações que, em termos práticos, facilitarão o desempenho do devedor; - o conforto forte é uma garantia eventualmente combinada com determinadas prestações de serviços, podendo a garantia ser autónoma ou tipo fiança e assumir ainda diversas particularidades em função da interpretação concreta.” (in http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=21402&codarea=1). X – A verdade é que os documentos juntos na petição inicial como n.º 1 e 2 possuem um sentido e alcance clara e inequivocamente oposto àquele que decorre da decisão de que ora se recorre, sendo de qualificar como carta de conforto forte porquanto através dela a Recorrida assumiu a obrigação de pagar directamente à recorrente os montantes relativos aos trabalhos executados na obra em crise. XI – Interpretada aquela carta - documentos juntos sob 1 e 2 com a petição inicial – nos termos dos artigos 236º e seguintes do Cód. Civil, é manifesta a assumpção de uma obrigação de resultado, de pagamento à Recorrente, pois que expressamente declarou a Recorrida “(…) ser directamente responsável pelo acompanhamento da obra e consequente libertação mensal de verbas respeitantes aos trabalhos executados.” XII – Consubstanciando-se, pois, tal documento, sem margem para qualquer hesitação ou dúvida, no reconhecimento de uma garantia de pagamento, designadamente, o compromisso da Recorrida pagar a própria receptora da carta, tendo-se assumido como “directamente responsável”. XIII – Obviamente que o sentido da mensagem expressa nos documentos e nos depoimentos prestados pelas testemunhas, asseveraram ter o Banco prestado uma verdadeira garantia, e não apenas uma informação de conforto, discordando-se, pois, da decisão recorrida – que, salvo o devido respeito, violou os identificados preceitos - que considerou que a carta de conforto em causa não consubstanciava, em si mesma, qualquer garantia de pagamento, quando esta constitui uma efectiva obrigação. XIX – Assim sendo, deveria proceder totalmente a acção, como ora se peticiona, na procedência da Apelação, sendo a Recorrida condenada a pagar à Recorrente a quantia de € 7.170,81 acrescida dos legais juros de mora à taxa anual legal até efectivo e integral pagamento. *** 4. DISCUSSÃO 4.1. Compulsadas as razões aventadas pela recorrente, impõe-se-nos uma precisão, relativa ao que verdadeiramente interessa apurar e em que termos. O que se questiona no presente recurso contende com o sentido e valor a dar à posição negocial do banco recorrido, por referência ao contrato que vinculava a autora e a primeira ré. O que nos remete directamente para as regras de interpretação consagradas no artigo 236º do Código Civil - «1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. 2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida». O acórdão do STJ de 4.05.2010 (Alves Velho), in dgsi.pt, assumindo-se como arauto da jurisprudência corrente, anota que “o apuramento da vontade real dos declarantes, em matéria de interpretação de negócio jurídico, constitui matéria de facto, (…) ou seja, a interpretação das cláusulas dos contratos é matéria de facto quando se dirija à averiguação e reconstituição da vontade real das partes, mas já será matéria de direito se e quando, desconhecida essa vontade, se devem seguir os critérios previstos nos artigos 236º a 238º do CC”. Só nesta segunda vertente se incluindo o preceito do nº 1 do artigo 236º, que “acolhe a teoria da impressão do destinatário, de cariz objectivista, segundo a qual a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, sagaz e diligente, colocado na posição do concreto declaratário, a entenderia”. Na mesma linha, no acórdão da Relação de Lisboa de 20.04.2006 (Pereira Rodrigues), ibidem, anota-se que “no âmbito interpretativo, haverá que ter em conta que a declaração negocial valerá de acordo com a vontade real do declarante, se ela for conhecida do declaratário”, mas, “como a interpretação da declaração negocial tem por objectivo fixar o seu sentido e alcance juridicamente relevantes, a lei não se basta, contudo, com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (entendimento subjectivo deste), concedendo primazia àquele que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário depreenderia (sentido objectivo para o declaratário)”. A esse propósito, dizia o Professor Vaz Serra, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 103º, pág. 286, que “parece que também no nosso direito a interpretação das declarações de vontade, a fazer nos termos do artigo 236º, nº 1, do Código Civil, é uma questão de direito, pois não se trata de determinar o que o declarante de facto quis, mas qual o sentido que juridicamente deve ser atribuído à declaração”. Mais aduzindo, a fls 287, que “mostra isto que a interpretação das declarações negociais não se dirige (salvo no caso do nº 2 do artigo 236º) a fixar um simples facto - o sentido que o declarante quis imprimir à sua declaração - mas a fixar o sentido jurídico, normativo, da declaração”. O intérprete deve portanto inverter a ordem seguida naquele artigo 236º. Procurando indagar, em primeiro lugar, a vontade real do declarante e o conhecimento que o declaratário dela tenha, como preconizado no nº 2. Só subsidiariamente, em uma eventual segunda fase, se abalançar na actividade interpretativa preconizada pelo legislador, de buscar a impressão que do comportamento do declarante colherá o declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, conforme aos ditames do nº 1. É nesses termos que intentaremos a abordagem do presente recurso. Analisando primeiramente a questão de facto, relativa ao apuramento da vontade real da declarante e ao conhecimento desta pela declaratária. Só em uma segunda eventual fase, se não se apurar a vontade real da declarante ou se se concluir que esta não foi como tal apreendida pela declaratária, se cuidando da questão de direito, de determinar qual o sentido da declaração negocial da declarante que para um declaratário normal emerge do seu comportamento. Sendo necessariamente nesse enquadramento que teremos de resolver o dissídio entre autora e ré, sobre o ser ou não de admitir que “a ré assegurou à autora que as obrigações emergentes dos serviços prestados para a conclusão da obra em causa – maxime o pagamento do preço devido – seriam cumpridas” (2ª parte do artigo 17º da petição inicial), “obrigando-se no pagamento do preço devido pelos trabalhos executados” (2ª parte do artigo 21º). Nem nos articulados nem nas alegações de recurso das partes, tampouco na própria sentença, houve esta preocupação em destrinçar o que fosse questão de facto e questão de direito, do que resultou uma certa ambiguidade, dificultando uma abordagem clara do que importa decidir. 4.2. Encetemos, pois, a análise em sede de facto. Que versará dois aspectos: a determinação da real vontade do banco réu; a indagação sobre a forma como a autora a apreendeu. Quanto ao primeiro aspecto, ficam-nos poucas dúvidas, no que concerne às relações entre o banco e a mutuária. Sendo que aquele quis garantir que o pagamento do restante do capital que se tinha contratualmente obrigado a entregar esta só fosse efectuado por libertação mensal de verbas, de acordo com facturas previamente validadas pelo seu Departamento Técnico de Imobiliário. Sendo que o protocolo de 17.03.2001 mais não foi do que um desenvolvimento do que já tinha sido estipulado nas cláusulas 5ª e 20ª do contrato de mútuo com hipoteca, documentado a fls 57 e segs dos autos. Na cláusula 5ª, previa-se que a quantia referida na cláusula 2ª fosse paga “de harmonia com o andamento das obras (…), as quais serão fiscalizadas e avaliadas pelos Serviços Técnicos do D…, sendo a libertação de qualquer parcela de capital mutuado precedida de uma avaliação (vistoria) da obra executada e que o D… considere justificar tais levantamentos”. Na 20ª, estipulava-se que “o D… poderá interromper o financiamento se os seus Serviços técnicos verificarem que a construção do(s) imóvel(is) a implantar no(s) prédio(s) atrás descrito(s) e hipotecado(s) não está a ter o seu desenvolvimento normal”. Se analisarmos o exacto teor do protocolo, à luz desse contrato, e compulsarmos o depoimento da testemunha J…, funcionário do banco que acompanhou todo o processo, bem como o do M…, também funcionário daquele, que elaborou a acta de que se fez constar o referido protocolo, não poderá ser outra conclusão a retirar. Deixaremos todavia aqui uma reserva, no que concerne a essa vontade negocial do réu banco. Que sofre uma certa transmutação, quando apresentada aos credores da primeira ré. Como adiante mais bem esclareceremos, por via de alguma ambiguidade que rodeou a conduta deste para com os fornecedores da mutuária, não seria aquela a impressão que passaria para estes. É inegável que os representantes da autora ficaram com dúvidas. Pelo que solicitaram uma reunião com representantes do banco. Mas também não deixa de ser verdade que, após essa reunião, deixaram de as ter. A incerteza que levou ao pedido da reunião, como nunca ninguém negou, só poderia ser a de saber se o banco se responsabilizava ou não pessoalmente pelo pagamento da obra a efectuar. E se, após a mesma, decidiram prestar esta é porque ficaram convencidos que o banco tal tinha assumido. De outro modo, não teriam continuado a trabalhar nela. Assim, para os representantes da autora, o banco garantiria o pagamento dos trabalhos ainda necessários para a conclusão da obra. É o que decorre do, nesse sentido, linear depoimento da S…, sócia da autora e mulher do representante legal desta. Convicção que é confirmada, por perante eles ter sido exteriorizada, pelas testemunhas O… e P…, que eram então, respectivamente, funcionária e subempreiteiro da autora. E há outros factores que para tal contribuíram. Os quais, por facilidade, trataremos em sede de direito, quando analisarmos o sentido da declaração negocial do réu banco que um declaratário normal poderia deduzir do seu comportamento. Por ora e no que concerne aos factos, tendo em consideração a destrinça que supra se fez relativa aos aspectos de facto e de direito que se versam no artigo 236º do Código Civil, por referência ao nº 2 deste preceito, entendemos alterar a decisão que julgou não provado o que se questionava na segunda parte dos artigos 17º e 21º da petição inicial. Assim, acrescentaremos aos factos provados: “não obstante não fosse esse o alcance do acordo subjacente ao protocolo estabelecido, na reunião de 17 de Março de 2011, entre a primeira e a segunda ré, pelo qual esta apenas pretendia assegurar que o dinheiro do financiamento não fosse destinado a outros fins, os representantes da autora, ao receberem a missiva de 8 de Abril e após reunião subsequente com funcionários do banco, ficaram com a convicção de que este garantiria o pagamento dos trabalhos necessários à conclusão da obra da primeira ré”. 4.3. Debrucemo-nos, agora, sobre qual o valor a dar à declaração negocial do banco réu, consubstanciada na missiva e anexo enviados à autora em 8 de Abril de 2001. Como já supra concluímos, verdadeira questão de direito, a ser analisada à luz do preceito do nº 1 do artigo 236º do Código Civil. 4.3.1. Retomemos as considerações da sentença recorrida, no que concerne à caracterização da missiva enviada pelo banco réu ao autor como uma carta de conforto. Sendo esta, em um sentido lato, a missiva que um terceiro dirige a uma das partes contratuais, assegurando o seu empenho em contribuir para o cumprimento da prestação da contraparte. Na definição adiantada por José A. Engrácia Antunes, in Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 534, as cartas de conforto são “documentos de conteúdo e efeitos jurídicos heterogéneos através dos quais uma entidade (patrocinante), que possui uma influência ou interesses significativos numa outra entidade devedora (patrocinada), visa reiterar ao banco credor a segurança de determinada operação de crédito ou financiamento”. Já António Menezes Cordeiro, em Das Cartas de Conforto no Direito Bancário, Lex, 1993, refere a carta de conforto como “uma missiva dirigida a uma instituição de crédito por uma entidade - a entidade-mãe – que detém interesses dominantes ou significativos numa terceira entidade – a entidade-filha”, na qual “a entidade-mãe afirma conhecer um compromisso assumido ou a assumir pela entidade-filha perante a destinatária e, depois, conforta ou tranqüiliza a instituição de crédito em causa quanto à seriedade da recomendada ou quanto ao cumprimento dos deveres por ela assumidos”. No sumário do acórdão do STJ de 19.12.2001 (Ferreira Ramos), in dgsi.pt, são elas apresentadas como “tipicamente subscritas por uma sociedade, têm por destinatário um banco e visam facilitar determinado financiamento a conceder por este a uma outra sociedade - que a primeira controla ou na qual tem, pelo menos, fortes interesses - e representam quase sempre o culminar de uma negociação, comportando, em regra, três personagens: a instituição financeira, que concede crédito; o beneficiário desse crédito e o "padrinho", ou seja o patrocinante ou subscritor da carta, o qual, com esta sua declaração, "conforta" o primeiro, tranquiliza-o, inspirando nele a necessária confiança à concessão do crédito”. Repare-se que nestas caracterizações figura sempre um banco como destinatário das cartas de conforto. O que tem a ver com a génese histórica destas, tipicamente ligada a garantias prestadas a entidades bancárias. Nada obstando, no entanto, a que, como no caso em análise nos presentes autos, seja o banco a desempenhar o papel de emitente de uma tal carta. Essa intervenção pode revestir várias formas e reflectir grau diverso de ingerência na relação jurídica, por parte do emitente das cartas. José A. Engrácia Antunes, ob. cit., págs 535/536, qualifica estas, quanto ao grau de vinculação que traduzem, em: “cartas de conforto fracas (weiche Patronatserklärungen), em que a entidade patrocinante se limita perante o banco destinatário a declarar o seu conhecimento e aprovação da operação de crédito em jogo, a confirmar o seu controlo sobre a entidade financiada ou patrocinada, ou a assumir outras garantias não relacionadas com o cumprimento deste; e cartas de conforto fortes (harte Patronatserklärungen), em que o emitente vai mais longe, assumindo ainda um conjunto de deveres que vão de uma mera obrigação de meios (v.g., vinculando-se a envidar todos os esforços no sentido de fazer com que a entidade patrocinada cumpra as suas dívidas perante o banco) a uma verdadeira obrigação de resultado (maxime, assegurando que a patrocinada saldará os seus compromissos em qualquer caso, mormente adiantando-lhe os fundos necessários ao pagamento)”. António Meneses Cordeiro, ob. cit., pág. 70, reporta uma classificação tripartida: a carta de conforto fraca, na qual “há uma concessão de informações e um dever genérico de diligência”; a carta de conforto médio, em que “surgem deveres específicos, mas de facere” e “as obrigações correspondentes são de meios”; a carta de conforto forte, em que “os deveres específicos são de dare” e “as obrigações em jogo são de resultado”. Esta é também adoptada nos acórdãos do STJ de 7.12.2005 (Ferreira de Sousa), in www.pgdlisboa.pt/jure/stj_mostra_doc e de 18.03.2003 (Reis Figueira), in dgsi.pt. Refere-se neste último, em trecho aliás também transcrito na sentença recorrida, que só “nos casos de declarações fortes, em que o emitente garante o resultado, em termos de assumir o pagamento se o participado não pagar, há uma garantia de pagamento, uma fiança dissimulada (ou encapotada, segundo outros Autores)”. Quanto a este aspecto, relativo ao tipo de garantia, Meneses Cordeiro, ob. cit., pág. 73, refere que “os deveres que resultam das cartas de conforto forte dão lugar a deveres de prestar, por parte do emitente”. Que só será uma fiança se os traços essenciais desta (natureza acessória e benefício de excussão – artigos 627º, nº 2, e 638º, nº 1, do Código Civil) nelas se manifestarem. Acrescentando, pág. 74, que, “doutro modo, haverá que optar pela garantia da autonomia, quando muito, uma graduação quanto ao montante garantido e quanto às circunstâncias da intervenção, em função da interpretação concreta e das circunstâncias que presidiram à emissão da carta”. 4.3.2. É esta interpretação que, como supra esclarecemos, à luz do preceito do nº 1 do artigo 236º do Código Civil, caberá in casu fazer, dirigida ao sentido que um declaratário normal, colocado na posição da autora, pudesse deduzir do comportamento do banco. Comecemos por ponderar o circunstancialismo que motivou a reunião de 17.03.2011, na foi qual elaborado o protocolo em causa. Como resultou apurado (pontos 17. a 19. dos factos provados), “a 1ª ré começou a sentir sérias dificuldades financeiras, tendo entrando em incumprimento perante os seus fornecedores/prestadores de serviços, designadamente aqueles que forneciam materiais e prestavam serviços na obra aqui em apreço”, pelo que “os fornecedores/prestadores de serviços ameaçaram a 1ª ré que iriam deixar de realizar os trabalhos contratados na referida obra se as facturas em atraso não fossem pagas”, sendo essa a razão pela qual, o representante da 1ª ré, “temendo que a obra não fosse concluída por força dos montantes devidos pela 1ª ré aos seus fornecedores/prestadores de serviços, solicitou uma reunião com o banco mutuante”. Ao que este acedeu, pois “tinha interesse na conclusão da obra, enquanto entidade financiadora da construção” (ponto 20.). Sendo que, no referido protocolo se “regulou a utilização da parcela do capital mutuado ainda não movimentado pela mutuária, de forma a que o remanescente do montante financiado pelo D… à construção fosse libertado e utilizado para pagamento directo aos fornecedores/prestadores de serviços que realizassem trabalhos na mesma obra com vista à sua conclusão” (ponto 23.). Salientaremos, desde logo, que o protocolo teve na sua etiologia a tentativa de convencer os fornecedores e prestadores de serviços a continuarem a relacionar-se com a primeira ré. Como já referimos, nas relações entre mutuante e mutuário, não trouxe nada de substancialmente novo, apenas concretizando o que já decorria das cláusulas 5ª e 20ª do contrato de mútuo. E note-se que foi o banco, que não a primeira ré, a dar conhecimento desse protocolo aos fornecedores, nomeadamente à autora. O que naturalmente inculcou nestes a impressão de que o banco estava a garantir-lhes o pagamento do que fornecessem com vista à conclusão da obra. O que nos remete para outra particularidade, que só poderia levar os fornecedores a interpretarem desse modo a atitude do banco. Tanto na carta que este lhes enviou como no protocolo se alude à conclusão da obra. Assim, na parte final daquela, significativamente envergando também a veste de responsável pelo empreendimento, o banco esclarece que “com esta medida pretendemos (…) dar a obra terminada num período de 60 dias, para se começar a efectuar a comercialização do empreendimento que pela sua boa localização se afigura com boa probabilidade de sucesso”. Sendo que, no nº 2 do próprio protocolo, se frisa que “os trabalhos a considerar pelo acompanhamento da obra pelo D… serão, unicamente, os trabalhos para conclusão da obra”. E, ressaltando do teor desse protocolo que o Departamento Técnico de Imobiliário do banco já terá analisado o estado da obra e que irá controlar apertadamente a sua evolução, parece inequívoco que o banco está a assegurar o pagamento de tudo o que seja necessário à sua conclusão. O que se volta, aliás, a enfatizar no ponto 9. do protocolo – “mais uma vez relembramos que o cumprimento dos pontos acima referidos é essencial para o correcto acompanhamento da obra e consequente conclusão do empreendimento”. Resultando, assim, do que apresenta aos fornecedores que o montante que por si vai ser disponibilizado, desde que aplicado na obra, vai ser suficiente para o pagamento dos materiais e serviços necessários à conclusão da mesma. Dado que se propõe fiscalizar a obra com esse pressuposto, está implicitamente a garantir esse pagamento aos seus fornecedores. Em suma, o que a autora e os outros fornecedores legitimamente deduziram do comportamento do banco foi que este se não colocou numa posição de indiferença perante a conclusão ou não da obra, como se apenas lhe interessasse controlar a boa aplicação do montante mutuado. Pelo contrário, terá o banco demonstrado um especial interesse na finalização do prédio, tendo em vista a consolidação da garantia de satisfação do valor por si mutuado, em eventual accionamento da hipoteca de que esse crédito gozava. Propósito que fez questão de exteriorizar. Assim, ao contrário do que se acabou por concluir na sentença recorrida, entendemos que a missiva que o banco réu dirigiu à autora, pelo seu teor e em conjugação com protocolo que à mesma se anexou, deverá valer como uma carta de conforto forte. Tendo assumido ele a posição de garante do pagamento dos trabalhos e materiais necessários à conclusão da obra, que avaliou e se propôs apertadamente fiscalizar. É esse o sentido que qualquer declaratário normal, se colocado na situação da autora, deduziria do seu conteúdo, do protocolo a ela anexo e das circunstâncias em que foi enviada. Sobretudo se, após ter inquirido os representantes do banco, estes lhe transmitiram tal confiança. III Acorda-se em, revogando a decisão recorrida, condenar a ré D…, SA, a pagar à autora, B…, Lda, a quantia de 7.170,81 €, acrescida dos legais juros de mora, à taxa legal aplicável, contados sobre 6.369,88 €, desde a data da propositura da acção até efectivo e integral pagamento.DISPOSITIVO Custas, nas duas instâncias, pela ré-recorrente - artigo 527º do Código de Processo Civil. Notifique. Porto, 5 de Dezembro de 2013 José Manuel de Araújo Barros Pedro Martins Judite Pires |