Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00034279 | ||
Relator: | PINTO DE ALMEIDA | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO LOGRADOURO VENDA RECTIFICAÇÃO DE REGISTO TERCEIRO BOA-FÉ PRESUNÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP200202280131398 | ||
Data do Acordão: | 02/28/2002 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | T J PENAFIEL 2J | ||
Processo no Tribunal Recorrido: | 463/97-2S | ||
Data Dec. Recorrida: | 04/27/2001 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | PROVIDO. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR REAIS. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ART204 N2. CPC95 ART271 N3. CRP99 ART1 ART7 ART18 ART124 ART126. | ||
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Sumário: | I - Se um terreno constitui logradouro de uma casa presume-se incluído no contrato de arrendamento que tenha esta por objecto. II - Se a aquisição de um prédio ocorre na pendência de um incidente de rectificação subsequente à sentença homologatória de partilha em inventário, não tem aplicação o regime do artigo 271 n.3 do Código de Processo Civil, caindo-se no âmbito de identidade subjectiva para efeitos de caso julgado. III - A noção de terceiro, adoptada no artigo 124 do Código do Registo Predial, é a de terceiro registral, referindo-se ao subadquirente que, obedecendo a certos requisitos, não pode ser prejudicado pela inexactidão do registo anterior a favor do transmitente. IV - Dada a função publicitária do registo predial, a boa fé daquele que basear no registo os seus actos deve presumir-se. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. O Conservador do Registo Predial de ....... veio requerer a rectificação judicial de registo relativo a um prédio urbano, sito no lugar de ........, freguesia de .........., concelho de ........, composto de casa de rés-do-chão e cave, com a área coberta de 77 m2, inscrita na matriz sob o artigo ..... e inicialmente omisso na Conservatória do Registo Predial. Para tanto, alegou que no inventário facultativo a que se procedeu no .. Juízo Cível do ......, por óbito de Ana ........... e António ........., foi adjudicada a José .........., a verba n° .., a qual traduz o imóvel acima referido. Posteriormente, depois de transitada a sentença homologatória da partilha, essa verba foi objecto de rectificação, ordenada mediante despacho judicial, tendo ficado a constar que o prédio tinha a área coberta de 77m2 e descoberta de 355m2. Com base nesse título, assim rectificado, pela ap. ../..... registou-se a aquisição do prédio a favor de José ........., abrindo-se a ficha .../....... da freguesia de .......... Posteriormente foi registada a aquisição do prédio a favor de José Fernando ............ e mulher, Iria .........., por o terem comprado. Ora, por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30/03/95, confirmado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/11/95, foi ordenada a revogação do despacho que deferido a aludida rectificação e que tal decisão fosse comunicada à Conservatória do Registo Predial. Constatou, porém, o Sr. Conservador que o prédio tinha já inscritos outros titulares a quem a rectificação pode causar prejuízos e que não foram demandados no respectivo processo. Termina o Exmo. Conservador dizendo que actualmente o registo é inexacto, porquanto enferma de deficiências provenientes do título que lhe serviu de base, deficiências essas que não são causa de nulidade. Tentada a rectificação em conferência, a mesma não se mostrou possível devido à ausência do interessado José .......... Foi junto o parecer do Conservador, nos termos e para os efeitos do art. 128º n° 3 do Código de Registo Predial. Citados os interessados, foi deduzida oposição á rectificação do registo pelos interessados José Fernando ........... e mulher Iria ........, os quais, em síntese, alegaram que compraram o imóvel, imóvel esse que é igualmente composto do logradouro com 355 m2 de área. Alegaram ainda que sobre o mesmo praticaram actos de posse, desconhecendo a existência de qualquer litígio que opunha o vendedor à sua irmã, pelo que são terceiros adquirentes de boa fé para efeitos de registo e, como tal, devem ser reconhecidos e acautelados os seus direitos. O processo prosseguiu a tramitação normal, vindo, a final, a ser proferida sentença que determinou que se procedesse à rectificação da descrição do prédio urbano em causa, por forma a que da mesma passe a constar que dispõe da área coberta de 77 m2 e já não da área descoberta de 355 m2. Discordando desta decisão, dela interpuseram recurso os interessados José .......... Vieira e mulher, de agravo. ...................................... ...................................... II. Os factos Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos: 1. No inventário facultativo n° ....../.. a que se procedeu no .. Juízo Cível do ......., por óbito de Ana .......... e António .........., foi adjudicada a José .........., divorciado, entre outras, a verba n° .., composta por prédio urbano, sito no lugar de ........., freguesia de ............., concelho de .........., composto por casa de rés-do-chão e cave, com a área coberta de 77 m2, inscrita na matriz sob o art. .... e omisso na Conservatória do Registo Predial - doc. junto a fls. 7 a 13 dos autos. 2. Posteriormente, depois de transitada a sentença homologatória da partilha, foi esta verba objecto de rectificação, ordenada por despacho de fls. 147 dos autos referidos, datado de 22/02/94, tendo ficado a constar que o prédio tinha a área coberta de 77 m2 e descoberta de 355m2. 3. Foi com base neste título, assim rectificado, que pela ap. 10/130494, se registou a aquisição daquele prédio a favor de José ........., divorciado, tendo então, sido aberta a ficha .../....... da freguesia de ..........., conforme doc. junto a fls. 34 a 36 dos autos. 4. Posteriormente, foi registada a aquisição do prédio a favor de José Fernando ............ e mulher Iria .........., por o terem comprado (inscrição G 2). 5. E, depois, foi hipotecado à Caixa Geral de Depósitos, em 18/05/94, para segurança da quantia de 3.000.000$00. 6. Pelo Acórdão da Relação do Porto de 30/03/95, confirmado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/11/95, foi ordenada a revogação do despacho referido em 2., conforme docs. juntos a fls. 13 a 17 e 18 a 28 dos autos. 7. Ordenado por aquele Acórdão o devido conhecimento à Conservatória do Registo Predial competente, tendo já o prédio referido em 1. inscritos outros titulares, que não foram demandados no respectivo processo, foi tentada a rectificação em conferência, tendo sido regularmente convocados todos os interessados na rectificação; porém, tal rectificação não foi possível, por não ter comparecido José ........... 8. O conteúdo da certidão passada pela Repartição de Finanças de ........., constante das fls. 29 a 31. 9. Os réus eram arrendatários do prédio referido em 1. desde 1986, tendo passado a residir no mesmo, bem como a cultivar e usufruir do logradouro ou quintal da casa, no qual guardavam o seu velocípede, depositavam lenha, objectos, detritos, estendiam a roupa e onde plantavam alguns produtos hortícolas. III. Mérito do Recurso Os recorrentes impugnam a decisão sobre a matéria de facto - que pretendem ver alterada no que respeita às respostas aos quesitos 2º a 5º - e defendem que devem ser considerados terceiros adquirentes de boa fé para efeito de registo. 1. Decisão sobre a matéria de facto Sustentam os agravantes que as respostas dadas aos quesitos 2º a 5º devem ser alteradas, uma vez que a prova produzida, as regras da experiência e todo o condicionalismo do caso, impõem que a respectiva matéria de facto seja considerada provada. Vejamos. A análise atenta dessa prova - através da transcrição efectuada pelos recorrentes e da correspondente gravação magnética – permite concluir, sem qualquer dúvida, que a apreciação feita pela Sra. Juíza foi correcta, uma vez que dessa prova apenas decorre, com segurança, o que ficou consignado na resposta ao quesito 1º: Os réus eram arrendatários do prédio desde 1986, tendo passado a residir no mesmo, bem como a cultivar e usufruir do logradouro ou quintal da casa, no qual guardavam o seu velocípede, depositavam lenha, objectos, detritos, estendiam a roupa e onde plantavam alguns produtos hortícolas. Para além dessa ocupação e utilização, nada foi acrescentado pelas testemunhas, com relevo, para justificar essa actuação material dos recorrentes, isto é, para se saber a que título estes o faziam. Na verdade, foi apenas isso que se provou: essa actuação objectiva cujo início coincidiu com o arrendamento. Perante essa actuação, coincidente com a vigência do arrendamento, poderia admitir-se a existência de presunção – arts. 349º e 351º do CC - no sentido de se considerar o logradouro ou quintal integrado no arrendamento, apesar de no contrato nada constar a esse respeito. Nos termos do art. 204º nº 2 do CC por prédio urbano entende-se qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro. Logradouro de prédio urbano é o terreno contíguo que é ou pode ser fruído por quem utiliza aquele, constituindo um e outro uma unidade [Ac. do STJ de 25.3.93, CJ STJ I, 2, 33. Cfr. também os acs. da Rel. de Coimbra de 17.11.81 e de 22.1.91, da Rel. de Évora de 15.3.84 e da Rel. do Porto de 26.9.89, respectivamente, CJ VI, 5, 69, XVI, 1, 54, IX, 1, 146 e BMJ 389-653. No mesmo sentido Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 93]. Já se decidiu que o arrendamento de uma casa de habitação abrange geralmente os seus logradouros, tais como o saguão e o quintal, destinados a ser utilizados por quem os habita. Pelo facto de não serem especificamente mencionados estes logradouros no título do arrendamento, não se segue, necessariamente, que foram excluídos do seu objecto. Assim, se o título do arrendamento de um andar não fizer referência alguma ao quintal, isto não é bastante para se concluir que o objecto do arrendamento é unicamente o andar do prédio ... [Ac. da Rel. de Lisboa de 16.10.53, citado por João de Matos, Manual de Arrendamento e Aluguer, I, 200] No citado acórdão do STJ de 25.3.93, também se entendeu que se o terreno constitui o logradouro da casa, tem de considerar-se incluído no contrato de arrendamento tendo esta por objecto. Nesse sentido também o citado acórdão da Rel. do Porto de 26.9.89. Na doutrina, Pinto Furtado [Manual do Arrendamento Urbano, 326] adopta igual entendimento, afirmando que se, num dado contrato, se arrendar determinado prédio urbano, identificado sem mais pela sua localização ou número de polícia, fará, por conseguinte, parte do arrendamento também o logradouro, a menos que outros elementos de interpretação contratual venham destruir a presunção assim formada a favor do arrendatário. Afigura-se que, em princípio, não poderá deixar de ser assim em atenção à natureza do terreno, adjacente ao edifício, que acompanha em regra a afectação deste, tendo o destino e utilização que lhes é dado pelos titulares do direito de gozo e usufruição. Nem será normal que numa situação como a descrita o arrendamento integre apenas o edifício implantado no solo sem abranger um espaço mínimo circundante. Os arrendatários sempre usufruíram, até à aquisição - durante cerca de oito anos, sem oposição - de uma parcela de terreno contígua à casa, que afectaram a diversos fins, como se provou; nesse terreno (nas traseiras) se situam as fossas da casa. Aliás, já anteriormente esse terreno era utilizado pelos arrendatários (para cultivo, depósito de objectos e com anexos para criação de animais). Deve, por isso, presumir-se que esse terreno fez parte do arrendamento. Todavia, como resultou amplamente da prova produzida, importa precisar que a referida utilização pelos arrendatários não se estendia a toda a área que agora referem constituir o logradouro do seu prédio, não atingindo o muro de suporte situado a poente (uma faixa de terreno adjacente a este muro estava arrendada a um dos arrendatários do prédio contíguo, Casimiro ........). Uma vez que na resposta ao quesito 1º não se alude a qualquer área, não será necessário qualquer esclarecimento (restritivo) a essa ou à resposta, que se vai alterar, ao quesito 2º. No que se refere aos demais quesitos, será de manter a decisão, uma vez que, como se referiu, nenhuma prova se fez sobre a matéria de facto que os integrava. Tendo em atenção o que fica referido e visto o disposto no art. 712º nº 1 a) do CPC, altera-se a resposta ao quesito 2º, que passa a ser Provado [Apesar de parecer evidente que o quesito não deveria ter sido formulado, uma vez que da base instrutória apenas devem constar factos e não juízos de valor ou conclusões (art. 511º do CPC), a resposta será admissível por envolver apenas um juízo de valor sobre matéria de facto e não uma questão de direito (cfr. art. 646º nº 4 do CPC) – neste sentido, Antunes Varela, RLJ 122 – 220 e segs. A definição dos limites do direito do arrendatário não constitui realmente o thema decidendum da acção (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 9.11.88, BMJ 382-471 e da Rel. de Lisboa de 9.12.93, CJ XVIII, 5, 149)]. Assim, do contrato de arrendamento então celebrado fazia parte não só a casa como aquele logradouro. 2. A qualidade de terceiros adquirentes de boa fé Sustentam os recorrentes que devem ser considerados terceiros adquirentes de boa fé, uma vez que ignoravam que o terreno não integrava o prédio de que eram arrendatários e que vieram a comprar. 2.1. Esta questão sugere desde logo uma outra que lhe será prévia e que respeita à aplicabilidade do regime previsto no art. 271º do CPC. Segundo este preceito: 1. No caso de transmissão, por acto entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa, enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo. 2. ... 3. A sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, excepto no caso de a acção estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da acção. No caso, foi na pendência do inventário, mais precisamente do incidente de rectificação subsequente à sentença homologatória da partilha, que os RR. adquiriram o prédio. Pode, pois, suscitar-se a questão de saber se estes adquirentes são abrangidos pelo caso julgado da decisão final desse incidente. Afigura-se que não, apesar de se poder afirmar que a vinculação do transmissário aos efeitos da sentença não depende do conhecimento, por parte deste sujeito, da natureza litigiosa do direito que lhe é transmitido. O referido incidente, posterior aos termos normais do processo de inventário, não constituirá propriamente uma causa, como é previsto na hipótese da referida norma. Por outro lado, pressuposto de aplicação da referida disposição, é a pendência de uma acção e apenas até um momento que permita um juízo sobre a legitimidade do transmitente, o que supõe, numa situação normal, que tal ocorra em fase anterior ao encerramento da discussão da causa. Do preceito não resulta, como afirma Paula Costa e Silva [A Transmissão da Coisa ou Direito em Litígio, 63], uma perpetuação da legitimidade do transmitente (cfr. art. 56º nº 1 do CPC). Assim, se a transmissão se realiza em momento posterior – numa fase em que, para esse efeito, não pode considerar-se que a acção esteja pendente - o referido preceito não tem aplicação, caindo-se no âmbito da identidade subjectiva para efeitos de caso julgado, sendo subsumível ao regime do art. 498º do CPC. Ora, no caso, a aquisição do direito de propriedade pelos RR. ocorreu já depois da tramitação normal do inventário e, mesmo no âmbito do aludido incidente de rectificação, depois de ter sido proferida a respectiva decisão. Não pode, pois, falar-se de uma causa pendente para o referido efeito. Aliás, importa salientar que o art. 271º apenas visa conferir uma protecção processual ao adquirente que está de boa fé em face da acção, demarcando-se do âmbito de protecção (substantiva) conferida aos terceiros que adquirem, de boa fé e a título oneroso, direitos de um non dominus [Paula Costa e Silva, Ob. Cit., 293]. 2.2. O registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário – art. 1º do CRP. Prossegue fins de natureza privada, garantindo a segurança no campo dos direitos privados, especificamente quanto aos direitos com eficácia real, facilitando o tráfico e intercâmbio de bens e do crédito e garantia do cumprimento da função social da propriedade. E prossegue também o interesse público que é inerente aos princípios de certeza do direito, da defesa dos terceiros, da segurança do comércio jurídico. O perfeito conhecimento da situação jurídica dos objectos sujeitos a registo é absolutamente essencial à certeza e segurança do comércio jurídico de imóveis, segurança jurídica que actualmente subjaz a todo o ordenamento jurídico. Os múltiplos efeitos do registo predial assentam num ponto comum, a fé pública registal, que traduz o valor pressuposto e inerente à publicidade do registo: uma presunção de verdade ou de exactidão do registo. É compreensível, como afirma Carvalho Fernandes [Lições de Direitos Reais, 2ª ed., 118], que os particulares confiem no registo e na sua correcção e possam razoavelmente admitir que ele traduz, de modo exaustivo, a realidade substancial da situação jurídica dos prédios. Por outras palavras, é razoável que quem consulte o registo admita haver correspondência entre a realidade substancial e a realidade registal, tal como esta resulta dos registos lavrados em relação a certo prédio. Esta confiança tem de envolver uma tutela dos interesses daqueles que fundam os seus actos na realidade registal, que é viabilizada por presunções registais. Dispõe o art. 7º do CRP que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define. São duas as presunções estabelecidas neste preceito: - a de que o direito existe tal como o registo o revela; - a de que o direito pertence a quem está inscrito como seu titular. Estas presunções, como é pacífico, são ilidíveis (art. 350º do CC). O registo, como os actos jurídicos, pode sofrer de alguma irregularidade que afecte a sua própria existência, validade ou consistência. A inexactidão constitui um vício de menor intensidade que não determine a inexistência ou nulidade. Como dispõe o art. 18º do CRP, o registo é inexacto quando se mostre lavrado em desconformidade com o título que lhe serviu de base ou enferme de deficiências provenientes desse título que não sejam causa de nulidade. Para superar esse vício do registo, existe o processo de rectificação do registo, previsto no art. 120º e segs. do CRP. Dispõe, todavia, o art. 124º desse diploma que a rectificação não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiros de boa fé, se o registo dos factos correspondentes for anterior ao registo da rectificação ou da pendência do respectivo processo. A noção de terceiro, adoptada no referido preceito, é a de terceiro registral, específica do registo predial, referindo-se ao subadquirente que, obedecendo a certos requisitos, não pode ser prejudicado pela inexactidão do registo anterior (nulidade no caso do art. 17º nº 2) a favor do transmitente. Como refere Isabel Pereira Mendes [O Registo Predial e a Segurança Jurídica em Estudos Sobre o Registo Predial, 168. No sentido da não coincidência entre o conceito de terceiro utilizado no art. 17º nº 2 e o referido no art. 5º do CRP, cfr. também Antunes Varela, RLJ 118-312, nota (2)], são os seguintes os requisitos do terceiro registral: - ter feito a aquisição de boa fé; - a título oneroso; - baseando-se na prévia inscrição a favor do transmitente; - inscrevendo no registo o seu próprio título de aquisição. 2.3. No caso, os RR. adquiriram o prédio, por compra, depois de efectuado o registo a favor do transmitente e inscreveram no registo essa aquisição. Verificam-se, pois, os três últimos requisitos anteriormente referidos. Constata-se também que o registo da aquisição a favor dos RR. é anterior à pendência deste processo (cfr. art. 126º nº 2 do CRP). Assim, o que se discute é apenas se a aquisição pelos RR. foi de boa fé. Na sentença recorrida entendeu-se que os RR. não lograram provar, como lhes competia, que são terceiros de boa fé, isto é, que quando adquiriram o imóvel estivessem convencidos de que a área descoberta fazia parte de tudo o que lhes foi vendido. Cremos que não se decidiu bem. Como se refere na declaração de voto do Exmo Cons. Quirino Soares, no Ac. Uniformizador do STJ de 18.5.99, dada a função publicitária do registo, a boa fé daquele que basear, no registo, os seus actos deve presumir-se [BMJ 487-40]. A própria fundamentação desse Acórdão sugere idêntico entendimento, ao aludir à cessação da boa fé (na situação aí analisada, a partir do conhecimento pelo exequente de que o prédio já não pertencia ao executado). Já nos referimos à presunção de verdade ou de exactidão como valor inerente à publicidade do registo, tutelada pelas presunções legais estabelecidas no art. 7º do CRP. Com afirma Mouteira Guerreiro [Noções de Direito Registral, 2ª ed., 70], o registo, inscrevendo factos, publicita direitos; e publicita-os da forma precisa como nele se acham definidos. Quem quiser demonstrar o contrário é que sempre terá o ónus de o provar. Afigura-se, assim, que não era sobre os RR. que impendia o ónus da prova da sua boa fé. Porque adquiriram com base no registo – não impugnado em data anterior à da aquisição – é razoável admitir, como já se disse, que tenham confiado no registo e na sua correcção e que este traduzia a realidade substancial da situação jurídica do prédio. É certo que tem sido decidido, de forma uniforme, que, no nosso sistema de registo, a presunção registral não pode abranger a totalidade dos elementos de identificação dos prédios – como as confrontações, área, etc. – que continuam sujeitos a eventual rectificação ou actualização [Cfr. Isabel Pereira Mendes, Ob. Cit., 98 e J. de Seabra Magalhães, Estudos de Registo Predial, 65; entre outros, os Acs. do STJ de 27.1.93, CJ STJ I, 1, 100 e de 11.5.95, CJ STJ III, 2, 75 e da Rel. de Coimbra de 9.3.99, CJ XXIV, 3, 15]. Todavia, diferente é, parece-nos, a situação que se apresenta no caso: está em causa a composição do prédio descrito e, concretamente, se o mesmo é integrado também por um logradouro. Crê-se que, neste caso, deve operar a presunção estabelecida no art. 7º [Cfr. Ac. do STJ de 13.4.94, CJ STJ II, 2, 41], mais a mais quando é certo que os elementos da descrição do prédio coincidem com a realidade material conhecida pelos RR. (obviamente que nos referimos tão só à existência de logradouro, não à área do mesmo referida na descrição). Com efeito, enquanto foram arrendatários sempre usufruíram, nessa qualidade, de logradouro, o que reforça a credibilidade daquele elemento da descrição. Entendendo-se que o ónus da prova não incumbia aos RR., estes devem ser considerados terceiros adquirentes de boa fé para efeitos do disposto no art. 124º do CRP, pelo que não podem ser prejudicados pela pretendida rectificação. A acção deve, pois, ser julgada improcedente. IV. Decisão Em face do exposto, decide-se dar provimento ao agravo, revogando-se a decisão recorrida; em consequência, julga-se improcedente a acção. Sem custas em ambas as instâncias (art. 132º do CRP). Porto, 28 de Fevereiro de 2002 Fernando Manuel Pinto de Almeida João Carlos da Silva Vaz Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo |